"Encare o mundo de forma criativa, crie o mundo. Só o que você cria tem significado para você" (Winnicot)
Começou.
Meus constantes devaneios. As imagens de luz e sombra, sorrisos e momentos de carinho. Duas canecas de café fumegando ao lado do casal que se olha de modo terno.
Sim, é irritante quando alguém deseja algo e só consegue pensar naquilo, não é mesmo? Os outros não conseguem entender. É impossível, pois é algo de valor apenas para mim. E de nada vale aos outros.
Sim, apenas aquela imagem foi capaz de mexer tanto comigo. Ou melhor, a falta de reação a ela. Mas eu bem sei que ela só tem esse significado para mim. Só eu vejo em duas canecas um sinal de intimidade maior que o sexo, vejo prelúdio de um tempo de carinho, prólogo de um amor que não poderia caber jamais em nenhum recipiente, mas que é, ao mesmo tempo, tão singelo quanto a fumaça que delas desprende em suave perfume, e tão quente, capaz de aquecer corpo, mente e espírito.
Mas eu também sei que os outros não conseguiriam apreciar isso. Tanto que estou aqui sozinho de madrugada falando sobre isso. Nada significa essa imagem aos outros, ainda que gostem de café. Assim como nada significa os meus convites, eu sou apenas a segunda opção, quando a garota recusa o convite para sair.
Ou, em outros casos, nem opção eu sou.
O que Winnicott queria dizer é que somente tem sentido aquilo criado pelo ser, isto é, não uma criação "ex nihilo", mas uma espécie de conexão com o objeto, o outro, o mundo, enfim, algo que crie no eu um envolvimento profundo, emergindo daí então o significado. Parece óbvio, e, na verdade, o é, mas ainda assim esconde essa verdade que também pode ser dolorosa: a experiência é, por definição, pessoal, logo a conexão só pode ser também pessoal, resultando da mesma experiência significados diversos em seres diversos, espero aqui não estar incorrendo em kantismo demasiado, mas não consigo ver de outra forma.
Isso pode ser expresso nas limitações da linguagem bem como no escudo da consciência, nos limites entre o eu e o outro.
O que para mim é símbolo de intimidade, carinho, afeto, para o outro é simbolo de um bom momento, mas não um bom momento comigo.
Acho que esqueci da minha vida intelectual e de meus objetivos para me perder em devaneios olhando canecas fumagentes.
"(...) A vida de estudo é austera e impõe pesadas obrigações. Ela traz compensações, por sinal, generosas; mas ela exige um investimento à altura de poucos. Os atletas da inteligência, tal como os do esporte, devem prever as privações, os longos treinos e uma tenacidade às vezes sobre-humana. É preciso entregar-se de todo o coração para que a verdade se entregue. A verdade só está a serviço de seus escravos." (A.D. Sertillanges)
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