“Tudo passa, Deus não muda."
(S. Teresa D'Ávila)
O mês de novembro marca algumas celebrações de um tom bastante interessante e que, vejo, passa despercebido porque desconfortável: a realidade da morte. Seja nas celebrações de Todos os Santos, dos Fiéis Defuntos ou nas leituras dos últimos dias do Tempo Comum, é retomado o tema da passagem dessa vida para a eternidade.
A morte sempre acompanhou silenciosamente os passos do homem, como sombra que não se impõe, mas que o convida a erguer os olhos para além de si. Desde nosso primeiro pensamento há essa inquietação sobre o que acontece depois que fechamos os olhos, paramos de respirar e não mais estamos corporalmente ao lado dos nossos. No coração humano há um saber antigo — mais profundo que qualquer ciência — de que não fomos criados para terminar no pó, mas para ser abraçados pelo Deus que nos conhece desde o ventre. E, no entanto, este mesmo coração experimenta a dor, o temor e o estremece diante do juízo que nos aguarda quando cair o véu desta vida. A tradição cristã nunca fugiu dessa tensão: ao contrário, educou-se nela, porque sabia que a verdade sobre a morte revela a verdade sobre a vida.
É nesse horizonte que o Dies Irae se ergue como um farol. Não como um grito de desespero, mas como o clamor de uma alma consciente da santidade daquele que virá. Seus versos ecoam como o gemido profundo do espírito que, iluminado pela justiça divina, reconhece e se prostra diante da visão da própria miséria e, iluminado pela misericórdia, ousa suplicar: “Recordare, Iesu pie”. Este hino medieval não é apenas poesia litúrgica, mas doutrina cantada, capaz de restaurar no fiel o santo temor que conduz à conversão e a confiança filial que conduz à esperança. Grande perda que poucas pessoas o conheçam.
Enquanto o mundo contemporâneo torna a morte um evento escondido, quase clandestino, e o juízo uma ideia incômoda, a sabedoria da Igreja ressurge com urgência. Os Padres e Doutores reconhecem que a morte é limite, purificação e passagem — realidade dura, mas transfigurada pela cruz daquele que assumiu a nossa condição até o extremo. E se a morte permanece amarga, já não é mais absurda: Cristo nela entrou, e onde Ele está, a noite não é completa, pois “o amor é mais forte que a morte.” (Ct 8,6).
Assim, refletir sobre a finitude humana não significa afundar-se na angústia, mas reencontrar a ordem espiritual que nos prepara para a eternidade. A dor tem sentido, a morte tem porta, o juízo tem rosto, e este rosto é o de Cristo. Entre o rigor da justiça e a doçura da misericórdia, a fé católica canta — com a serenidade de uma Teresa, com o ardor de Afonso, com a claridade de Tomás — que cada alma é chamada ao amor que não passa.
A morte é representada nas diversas culturas de muitas maneiras, várias assimiladas pelo cristianismo, também nas Escrituras ela aparece de muitas formas. Também desde muito tempo o homem entendeu que coisas complicadas só podem se entendidas por meio de algumas imagens, que não explicam a realidade, mas nos coloca diante da verdade mesma que buscamos. Aqui encontrei na música, arte da expressão dos afetos da alma, para completar aquilo que eu mesmo não consigo dizer, mas que os santos entenderam profundamente, e me legaram, como herança espiritual.
Dentre essas imagens, o escurecer, o anoitecer, o fechar dos olhos para encontrar a escuridão. Com essa imagem, São João da Cruz nos traz a Noite Escura. Enquanto ele fala da purificação mística dos sentidos e da alma, essa purificação também pode ser entendida como a preparação para um novo amanhecer. Dormimos na certeza de um novo amanhã. É na noite que somos assombrados pelos fantasmas de nossos pecados, e por isso geralmente a escuridão é vista de modo ruim, mas essa escuridão é finita, nós o sabemos, e ela não é mera decadência, mas o momento em que todas as seguranças humanas são removidas para que a alma se entregue pura nos braços de Deus, entre os amplexos do Amado.
Muitos de nós já ficamos diante da dor da morte, seja o temor da nossa ou da dor pela perda de alguém que amamos. Essa dor é parte da purificação dolorosa como preparação para a glória. E é essa glória que nos consola nesse momento.
Sobre a alegria dessa perspectiva futura, cremos que "na glória, toda tristeza se converterá em alegria, e toda dor, em suavidade eterna" como nos disse São Boaventura. E é belo notar como os santos apresentam essas realidades nessa dualidade: no plano terrestre da dor, do pecado, e então da glória do mundo novo que há de vir. Bem fez a Igreja ao compor o belo prefácio afirmando que, nesses tempos, ela "recorda a ressurreição do Senhor, na esperança de ver o dia sem ocaso, quando a humanidade inteira repousará junto de vós. Então, contemplaremos vossa face e louvaremos sem fim vossa misericórdia."
O Doutor Seráfico então condensa essa realidade afirmando a vida presente como vale de lágrimas e a esperança como caminho de ascensão, a condição de exílio nesta vida e alegria da glória futura. Sua visão é a da labuta dessa vida em contraposição ao repouso da próxima. A palavra repouso tem esse tom cândido, fresco, como aquele brisa que alivia um dia quente, pois “enquanto estivermos no caminho, permanecemos em lágrimas e gemidos, suspirando pelo repouso da pátria.” O tema do repouso é central na doutrina católica a medida que se mescla com o Domingo, Dia do Senhor, reservado ao descanso, em lugar do sábado, para os judeus. No entanto, não é um descanso sinônimo de ócio. Jesus curava no sábado, aos Domingos vamos à Igreja e celebramos a Paixão, Morte e Ressurreição. O descanso, portanto, é voltado a Deus: repousar é contemplar Deus ao invés das coisas.
Essa dualidade é, portanto, ligada por uma realidade que nos põe medo, é essa a parte que assusta o coração dos homens. Encontramos então certo consolo ao ver a morte não como fim, mas como travessia. São Paulo VI diz a nós, seus filhos: “Cristo deu à morte um sentido novo, transformando-a de fim em passagem.” A morte é um imenso rio espiritual: atravessamos suas águas tremendo, mas do outro lado está a Terra Prometida. É o último mergulho, em que a alma deixa para trás a poeira que o suja e então emerge para respirar a vida eterna. Mas, embora pareça atemorizante, não estamos sós, Cristo e sua Igreja caminham conosco, como o povo de Israel atravessou o Mar Vermelho a pé enxuto entre paredes de água, assim também a alma atravessa a morte protegida pelos braços do Crucificado.
Ainda assim, também como Israel, foi preciso que passasse pela purificação do deserto antes de chegar na terra prometida. Nesse ponto, o mestre São João da Cruz nos traz sua já citada imagem da noite escura. “No entardecer da vida, seremos julgados pelo amor.” Sua teologia, com aquela profundidamente esponsal dos carmelitas, gira ao redor do valor das dores presentes e da visão beatífica. Nele, a ressurreição aparece como aurora irrevogável. A eternidade é o desposório final entre a alma e Deus, já intuído na noite da fé. A morte do justo, e cada lágrima da vida mortal, é como uma gota do puro perfume de mirra a preparar alma para o encontro nupcial, ela é a entrada na sala do banquete, onde o Esposo esperou toda a vida. “As tristezas e trabalhos desta vida são pequenas diante da glória que nos está prometida; e quanto maiores forem, mais proporcionada será a recompensa.”
Com isso, ao passar a noite escura, a purificação, esperamos a aurora. O sofrimento não é castigo arbitrário, mas trabalho de Deus na alma. A morte é a última sombra antes da aurora eterna, a ressurreição é o sol que Deus põe ao céu uma vez e nunca mais apaga. O Dies Irae canta a madrugada do juízo: terrível para quem rejeitou o amor, suave esperança para quem viveu a contemplar o rosto de Cristo.
Recuando na história, voltamos aos Padres da Igreja, onde Santo Agostinho vai tratar a condição humana, a morte e a esperança da pátria celeste como peregrinação, marcada por dores e a alegria da visão beatífica. “Esta vida, toda ela, se constitui numa tentação. […] Vivemos entre tentações e tribulações até que passemos para onde não existam mais dores, onde reine a verdade e a eternidade.”
Agostinho de Hipona foi aquele que, com coração e mente inquietos, sofreu as tribulações de uma vida sem sentido. Suas dores eram tão fortes que atingiam sua carne. Conheceu o pior dos sofrimentos: não aquele que somente fere o corpo, transitório, mas aquele que dói na alma. Concebe então, dentro da dualidade de que falei, a morte como "a punição comum do gênero humano; ninguém escapa ao decreto pronunciado sobre todos: ‘tu és pó e ao pó hás de voltar’." Mas não para por aí, pois por meio do perdão, que ele próprio encontrou em seu contato com Cristo nas Escrituras e na sua Igreja, também nas incansáveis orações de sua santa mãe, tem a certeza de que a vida não termina na morte, mas na visão de Deus em seu trono: “Ali veremos, amaremos, louvaremos. Eis o fim sem fim.”

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