quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Psicologia da Impotência

"Quero escapar, fugir de mim mesmo, mas é impossível" 
M, O Vampiro de Dusseldorf (1931)

Às vezes me vejo manipulado por esses impulsos incoercíveis. Sinto-me no meio de um intenso embate interno: de um lado, querer a liberdade da solitude e, do outro, o desejo constante da presença, do afeto, do carinho. Me pergunto constantemente quando deixei de receber afeto para me tornar assim tão carente, tão absolutamente dependente. 

Fui mais uma vez ao cinema, sozinho. Comprei os ingressos, a pipoca e o refrigerante. Mas a minha expressão não era de quem iria assistir ao filme que esperou por meses, mas de quem acabara de sair do enterro da mãe. Cheguei a notar alguns olhares, e sabia que meu rosto estava absolutamente fechado. Quando escrevo aqui, cada uma dessas palavras grita um impulso que não consigo conter, é o grito da fera que gritou Eu no coração do mundo, mas um Eu dividido, fendido, partido com um grande e impiedoso machado, o grito de terror de um sujeito que luta constantemente contra o que o impulsiona, a medida que esse mesmo impulso o leva a sofrimento tal que só quero lutar contra ele, vencer e aprisioná-lo no mais profundo da mente.

Continuo a odiar a maneira ele me trata, a frieza do toque, a distância da fala, a aparente relação de puro interesse... Mas, ao mesmo tempo, eu continuo desejando o corpo dele sobre o meu, o toque intenso dos nossos lábios, o pau dele dentro de mim e o meu dentro dele, sua expressão ruborizada ao gozar, entre o prazer lancinante e luxurioso e a confusão dos sentimentos descobertos e temidos. Eu quero falar o nome dele por entre gemidos, e ouvir sua respiração de desejo desesperado. Quero sentir o sei leite em minha pele, e depois em nosso lábios, transmitindo uma energia que, compartilhada entre os corpos, passa por baixo de nossa pele em chamas.

Aquela expressão bestial era então sinal não de ódio, mas reflexo de um coração e de uma personalidade dilacerada. A oposição entre essa aparência animalesca e meu comportamento normalmente delicado, atencioso, sorridente, revelam uma consciência esmagada pelo peso de ser ela mesma, sustentando esse conflito brutal. Constantemente, dia após dia, eu sou obrigado a ver no espelho, e nas vitrines por onde passei, a psicologia da impotência diante da compulsão. Enquanto por vezes eu me comporte como monstro absoluto, quando não controlo o tesão ou quando choro copiosamente ao ver a cama vazia, desvelo minha humanidade despedaçada.

Me recordo daquela cena dos minutos finais de M, O Vampiro de Dusseldorf, a confissão de Beckert com suas profundas camadas ainda são uma das mais marcantes para mim. Me coloco em lugar daquele assassino, com a diferença de que eu sou a única vítima.

Talvez me veja como um tipo de Édipo moderno, condenado por algo que não escolhi. E essa minha confissão, e tantas outras incontáveis que já fiz e que sei que ainda vou fazer, me soam como uma espécie de monólogo, no sentido shakespeariano, onde o lamento lírico revela que a dor da minha consciência é pior que qualquer consequência exterior a mim. Nenhum abraço frio, ou abraço nenhum, ou até mesmo um ato de covarde violência seria pior do que esse embate que constantemente venho travando comigo mesmo, no já devastado campo de guerra dos recessos da minha mente. Reconheço certa tensão poética no monstro que pede por compaixão ao próprio reflexo.

Constantemente me vejo diante da aporia fundamental do meu ser: a responsabilidade, individual, e o determinismo psicológico. Não busco justificar, nenhuma dessas palavras podem ser entendidas assim, mas são um clamor por uma compreensão impossível, condenado a viver entre o humano, dotado de razão e senhor de si, e do monstruoso, inumano, incapaz de me enquadrar onde quer que seja.

Quando Fritz Lang filmou sua obra-prima, a confissão é apresentada em planos fechados, com uma câmera fixa no olhar obcecado do assassino, o desespero daqueles olhos, daquela fala infantil a confessar crimes de violência extrema são de uma experiência sufocante. Olhar o meu reflexo, ou expor esse reflexo aqui, tem a capacidade de me aliviar brevemente desse sufoco em que me encontro ao examinar minha própria mente e meu coração. Por isso minha poesia, assim defino meus escritos, quase como diários de um cárcere, são um tipo de catarse psicológica, uma tragédia e uma questão filosófica insolúvel: o existencialismo é, em mim, o problema fundamental por excelência. 

Ser é a maior das dores. 

e eu sabia que mesmo as palavras mais apropriadas nunca 
resolveriam. 
eu estava sujo, sujeira, eu parecia sujeira,
eu estava sujo de sujeira suja, 
eu só queria entrar nela, 
ficar lá, eu não era nada a não ser um comedor de buceta e 
eu estava quebrado. eu não sabia soletrar, eu nem sabia 
como usar 
2 ou 3 garfos para jantar, eu não sabia nada sobre Harvard 
ou
diplomas ou 50 mil por ano, e ela sabia que tudo isso 
era verdade: eu havia sido chutado por aí por muito 
tempo, eu não sabia mais 
o caminho para cima ou para fora ou nem queria saber: eu 
estava destinado ao 
fracasso. 

(Charles Bukowski)

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