quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Noites como hoje

Mais um dia, em que chego e me jogo sobre a cama. Em que fecho os olhos por um breve instante e sinto cada membro doer. Viajei por metade da cidade, e o tempo já começa a ficar quente e abafado o dia todo, aumentando o cansaço. Sinto como se sugassem de mim cada pequena fagulha restante, mas não é bem isso, não é como se eu fosse uma fornalha ardente a ser consumida, eu já estava sem brilho há muito tempo.

E sei que disseram que minhas oscilações são perigosas, e que se elas continuarem, terão que encontrar alguém para me substituir. Sorrio. Sempre soube que seria assim. Absolutamente todo mundo é substituível. Na verdade, agora, eu queria mesmo ser substituído, ser descartado, ser jogado fora. Se isso significasse não precisar voltar lá e me desfazer assim. 

A vida é mesmo um cão dos infernos. Aqueles infelizes pelo menos vivem um pouco, enquanto outros vagam pela sarjeta. E esperam que eu faça isso pra sempre, que eu seja sempre útil, prestativo, sorridente. Raios, sorridente! Quando eu nem mesmo consigo controlar meu rosto para uma expressão além de choro ou de apatia, e esses fodidos ainda me sugam o resto que havia, deixando só uma casca vazia, uma sub figura de humano, e ainda querem que eu sorria. Todos são lixo, escória maldita. E cada vez que sorriem para mim eu imagino setenta formas de fazer aqueles olhos perderem a cor. Só que de modo violento. E é exatamente o que fazem comigo. E por que não é considerado crime? Um crime lento e silencioso. Eles lenta e silenciosamente acabam com a minha vida.

Mas as pessoas só percebem isso quando alguém tem coragem o bastante pra pegar uma corda e amarrar no pescoço. Meu único rancor é que ele fez isso antes de mim. Talvez eu corte os pulsos ou tome todos os meus remédios de novo, qualquer coisa que impeça aqueles trastes de me sugar, sendo que já não tenho mais nada. Mas eles não entendem, é claro que não! Eles não entendem nada, e nem dão a mínima pra isso. Dizem que isso é algo extremo, e que devem pedir ajudar. Mas eles não enxergam ou ouvem os pedidos de ajuda. Quando eu me afastei por alguns dias, estava pedindo ajuda, e eles no máximo cogitaram colocar alguém no meu lugar. E então falam do suicídio como se fosse algo horrendo e distante. Não podem entender que o suicídio não é sobre querer morrer, mas é sobre sentir que viver não é mais uma opção. É, como dizia Nietzsche, uma consolação que ajuda a suportar muitas noites. 

Noites como hoje.

“O que dói é a constante perda de humanidade naqueles que lutam para manter empregos que não querem, mas temem uma alternativa pior. Acontece, simplesmente, que as pessoas são esvaziadas. Elas são corpos com mentes temerosas e obedientes. A cor deixa seus olhos. A voz está desfigurada. E o corpo. O cabelo. As unhas. Os sapatos. Tudo. Quando eu era jovem, não conseguia acreditar que as pessoas deram a vida em troca dessas condições. Agora que estou velho ainda não acredito. Por que eles fazem isso? Por sexo? Por uma televisão? Por um carro com pagamentos fixos? Pelas crianças? Crianças que crescerão e farão as mesmas coisas?" (Charles Bukowski)

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