segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Privação

Mais de uma vez aproximei nossas mãos, e acho que algumas pessoas distantes chegaram a perceber, mas ele não. Ou talvez tenha notado e decididamente ignorou. Tudo bem, não é como se esperasse um resultado diferente.

"Eu queria te chamar de meu amor, 
mas eu sei que você não gosta disso. 
Então qual palavra pode expressar o quanto eu estimo você? 
Talvez eu apenas substitua pelo seu nome. 
Meu amor é você então é a mesma coisa. 
Eu quero te chamar de amor, 
mas só seu nome agora deveria servir." 

(Keen SuvijakOnly Boo)

Tem algo nessa cidade que me incomoda. É a maior cidade do estado e, no entanto, ela tem sempre um aspecto cansado. O próprio clima não ajuda, o título de Cidade da Chuva, dado pelos locais, dita a melancolia geral que impera, além disso, os idiotas da arquitetura e do urbanismo insistem no cinza e no concreto, contribuindo ainda mais pro estado depressivo daqui, aliado ainda ao fato de ser uma cidade iminentemente industrial, o que faz com que todos estejam sempre cansados, muito cansados. E é esse o estado da cidade no geral: triste e cansada. 

"Já ouvi eles falarem que o destino desse trem é o amor
Nós dois decidimos embarcar, esperando que o amor estivesse ao nosso lado
Mas você me deixou, a viagem ficou solitária sem você ao meu lado
No final, eu sou o único que ficou para trás
Com o mesmo bilhete para onde esperávamos nos encontrar.
Mas então, você foi embora da minha vida
Eu acabo voltando à estaca zero
Estação zero, sem você ao meu lado..."

(Keen SuvijakOnly Boo)

Meu desempenho não tem sido dos melhores nos últimos dias, errei algumas músicas fáceis, e isso fez com que me olhassem desconfiados. Mas, não posso negar que fiz o meu melhor, só que o meu melhor não é bom o bastante, nunca é. 

É belo ver o amanhecer, especialmente nesses dias frescos. Tenho assistido à noite toda e vou dormir quando o sol começa a despontar. Acho que mereço isso ao menos nas férias, ao menos por esses breves dias, antes de voltar a ter a alma sugada por dementadores. O céu agora é de um cinza azulado que eu não consegui capturar na câmera, belíssimo. 

Me pergunto o que aconteceria se eu conseguisse me conectar com alguém. Toda vez que tento conversar, que tento me aproximar, tudo o que sinto é um tédio absoluto e a certeza de que eu nada tenho a ver com as pessoas. Não é como se eu me sentisse melhor ou mais inteligente que elas, mas que nossos interesses são diferentes de tal modo que eu não consigo me conectar. Eu gosto de falar de investigações filosóficas, pensar nas implicações do concílio, lamentar as revoluções litúrgicas, discursar sobre a indústria do entretenimento tailandesa... E quanto mais olho ao meu redor, menos vejo possibilidade de me conectar. Todos os meus contatos são sempre superficiais. 

Ao mesmo tempo, também me vejo desejando o superficial. Me vejo querendo a pele perfeita, a voz afinada, o corpo atraente. Ao mesmo tempo, me vejo me entregando, endeusando a mais superficial e passageira das realidades. Mesmo que a beleza seja um reflexo da beleza divina, não podemos dizer que essa beleza, em nada acompanhada de mudança interior, é algo divino, no entanto, é justamente ela que ainda me encanta. Eu os desprezo enquanto queria ser como eles. Os desprezo por serem estúpidos e vazios, e olho no espelho e vejo que de nada me vale uma pretensa inteligência. Se eu ao menos a tivesse, mas acho que me foi privado também, além da companhia humana, a inteligência e a beleza.

SOLIDÃO

“Nunca me senti só. Durante um tempo fiquei numa casa, deprimido, com vontade de me suicidar, mas nunca pensei que uma pessoa podia entrar na casa e curar-me. Nem várias pessoas. A solidão não é coisa que me incomoda porque sempre tive esse terrível desejo de estar só. Sinto solidão quando estou numa festa ou num estádio cheio de gente. Cito uma frase de Ibsen: ‘Os homens mais fortes são os mais solitários’. Viu como pensa a maioria: ‘Pessoal, é noite de sexta, o que vamos fazer? Ficar aqui sentados?’. Eu respondo sim porque não tem nada lá fora. É estupidez. Gente estúpida misturada com gente estúpida. Que se estupidifiquem eles, entre eles. Nunca tive a ansiedade de cair na noite. Me escondia nos bares porque não queria me ocultar em fábricas. Nunca me senti só. Gosto de estar comigo mesmo. Sou a melhor forma de entretenimento que posso encontrar.”. 

(Charles Bukowski)

domingo, 29 de dezembro de 2024

Sonhos, mentiras e... Inferno

Uma coisa que não fazia há muito tempo, e que sentia tanta falta: virar a noite vendo BL. Sorrindo e chorando, acompanhando a história como se a estivesse vivendo. Algo que tanto amo, que é tão importante pra mim e que as obrigações do cotidiano tinham me privado de fazer. Como é bom, como é bom, derramar algumas lágrimas, me emocionar com o primeiro beijo, com aquela confissão sincera. E o escolhido dessa vez foi The Eclipse, com aquele Khaotung revolucionário e provocador e aquele First sério e irritado, o Neo no auge da gostosura e o Win sendo um fofo. E talvez amanhã reveja Only Boo, e de novo me emocione, sorria e chore, como tanto amo, e como há tanto tempo não fazia, porque roubaram de mim até minha alegria mais singela…  

Roubaram de mim, ou eu mesmo perdi, assim como perdi a capacidade de acreditar nesse mesmo amor que tanto gosto de ver. E talvez por isso goste tanto assim: se antes eu via porque desejava algo assim, hoje vejo como uma forma de fugir, não por desejar, mas por sabendo que não existe, pelo menos imaginar que na realidade paralela da ficção exista algo melhor que as experiências ruins dessa vida. Já que a vida é tão ruim, que ao menos possa fugir para um paraíso um tanto melhor. Há quem diga que a realidade é melhor por existir, eu discordo, e é justamente o fato de simplesmente existir que me incomoda pelo menos três vezes a cada hora. Porque essa vida é uma droga, ou há algo de tão intrinsecamente errado comigo que eu não consigo me encaixar, e infelizmente preciso continuar. Até quando? Não o sei, mas não suportarei muito mais. 

Não tenho muito o que fazer ou pensar. 

Sorrisos doces, 
abraços que demonstram carinho e que confortam, 
declarações doces, 
momentos emocionantes. 

Tudo lindo, eu choro sempre. 

Mas é tudo uma mentira.

E eu já perdi a conta de quantas vezes tomei remédio pra dormir e simplesmente não ver nada. Mas não adianta, sempre acordo no dia seguinte, e preciso me confrontar com a verdade: olho pro lado e vejo a cama vazia, olho as mensagens e sinto aquele habitual utilitarismo, que só me procuram para pedir algo, como se eu fosse uma espécie de plano de contingência ambulante. Ainda penso que há em mim uma espécie de falha fundamental, mais profunda que o próprio pecado original, e que me mantém longe de todos os outros. Não passam eles de estranhos pra mim. Já começo a ficar com um pouco de sono, pouco, pois já estou acostumado com os remédios, e olho para a cama, ela continua vazia.

Mas então eu acordo mais um dia, e preciso ficar de pé até a noite, e isso me parece uma tortura, porque a realidade é uma tortura, um inferno. 

“Deixai toda a esperança, vós que aqui entrais.” (Dante Alighieri)

sábado, 28 de dezembro de 2024

Mentiras

Era uma citação engraçada, que dizia algo como "dormir sobre um peitoral resolveria minha ansiedade, mas beleza, vamos seguindo no tarja preta mesmo, se é isso que você quer indústria farmacêutica." E, além de combinar com meu humor autodepreciativo, ela revela bem o que tenho passado. É que cada dia começa, e depois outro, e outro, e eu continuo olhando ao meu redor e não consigo pensar em nada para fazer além de dormir. 

Meus planos para as férias foram arruinados, mas eu não estou dizendo que queria voltar, mas eu também não queria ficar aqui somente. Mas eu não tenho, ou não consigo ver, outra opção. E então a cada dia quando me levanto, olho pela janela, mesmo que esteja um clima bonito como hoje, fresco e nublado, e sinto um tédio tão profundo, sinto um desprazer tão absurdamente grande no ser, na vida e em tudo mais, que só consigo pensar em dormir 

e dormir

e dormir

e desejar que não mais acorde.

Mas eu sei que sou covarde demais pra fazer isso acontecer. Então eu vou só esperando, 

e esperando

e esperando

até que chegue o fim. 

Poderia procurar um parque? Cinema? Pizza? Caminhar à beira do mar? Só de pensar nessas coisas penso no quanto estou só, que não teria companhia, que não tenho peitoral para deitar. 

E então volta-se contra mim minha maior fonte de conforto: as histórias que dizem que na vida encontramos amigos, e companheiros e heróis. Nas histórias há sorrisos bonitos e olhares irresistíveis, há pele e cabelo perfeitos, há pessoas que aceitam e declaram seus sentimentos. Nas histórias há amor, reconciliação, finais felizes, pessoas que lutam umas pelas outras. No mundo real as pessoas fogem de si mesmas e, incapazes de se aceitar, machucam os outros. Vivemos machucando uns aos outros. Não há sorrisos doces como Kongjiro nem olhares irresistíveis como Thomas. 

Talvez nas histórias seja assim, porque aqui, eu me levanto, olho pela janela o dia bonito, e me vejo na mais completa e absoluta solidão. Na vida real encontro apenas o nada.

Não há nada como o amor que mostram, nem mesmo com o amor de que fala a Igreja. Não há paciência, nem bondade, mas há inveja e orgulho. Há malícia e egoísmo, há ira e rancor. Há injustiça e mentira. Nada sofre, em nada crê, nada espera, nada suporta.

Era uma citação engraçada até, mas eu me lembro dela deitado no escuro, em estado de letargia e absoluto desânimo. 

Na vida essa tem sido minha única realidade. 

Minha única verdade. 

O Nada.

O sol já começa a despontar, em meio a névoa, indicando um dia quente que vem por aí. E nada mais.

"Matamos o tempo. O tempo nos enterra." (Machado de Assis)

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

O que fazer?

A Shoulder to Cry On

Para onde quer que olhasse eu via alguém que se destacava na multidão. Uns mais novos, rostos conhecidos, e outros nem tanto. Também poderia só olhar para quem estava ao meu lado, mas, bem, acho que não vai levar a lugar nenhum. Portanto, todos aqueles rostos bonitos na multidão se tornaram apenas borrões perdidos. Já não há mais em minh'alma disposição para sonhar com o amor. 

E com isso parece que tudo está em seu lugar. Aquele bobo sonhador, apaixonado, que sorria ao mandar mensagens ao acordar e dormir ou quando simplesmente pensava nele. Assim parece que as coisas estão no lugar certo. Outra prova disso é que ninguém se incomoda, claro, ter alguém apaixonado em seu encalço é que era um incômodo. 

O mundo está onde deve estar, sem amor, até porque amor não há. Agora é caminhar, assim, mas sem rumo. 

Como Jerusalém via-se desterrada, sem esperança, escravizada aquela que devia reinar entre as nações, me sinto só, e penso em amarrar uma corda, ou tomar todos os remédios de uma vez, e acabar com isso, afinal, me esforçaria para mais um dia simplesmente para continuar sentindo o mesmo vazio? Para continuar sentindo que deveria ficar quieto e em silêncio cada vez, cada vez mais sozinho?

Vejo a chuva cair, refletindo nas luzes de Natal lá fora, e escuto seu som nas telhas de cerâmica, e por algum motivo penso no que vou fazer. Nas férias, sozinho, retornando, sozinho, suportando mais um ano sozinho. O que fazer?

Quando paixões não se concretizam como nas histórias. Quando sentimentos sinceros são uma mentira doce. Quando as pessoas realmente se interessam e vão atrás apenas de outras pessoas bonitas. Quando todos repetem o mesmo discurso vazio. Quando o final solitário é a única perspectiva. Quando aceitar essa realidade é a única opção. 

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

(Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Aforismos

Detalhes e nuances quase imperceptíveis. Um pequeno sorriso, falso é verdade, mas com um olhar triste a compor o todo sem que quase ninguém o perceba. O silêncio diante de uma rotina que já não existe mais pois o casal já não existe mais, pois o amor já não existe mais. Sobraram apenas os fantasmas daquelas noites insones de trabalhos extenuantes, sonhando um sonho que já não existe mais também, porque aqueles dois já não existem mais. Sobraram apenas os sanduíches, o que comiam rápido, pois o trabalho era muito. Mas até esses dois sanduíches agora são uma lembrança amarga de um passado triste, nebuloso, arrogante, que se esqueceu de todo amor e de toda dedicação que recebeu.  

E essa lembrança tomará agora novo significado? Uma parceria para corrigir os erros de um passado bem intencionados, escondidos atrás de um personagem meticulosamente montado, poderá também dar lugar a um sentimento novo, um sentimento advindo da visão daquela verdade escondida atrás daquela máscara e que podia ver as lágrimas que ninguém mais via?

X

Eu disse que não iria dormir todos os dias, mas é o segundo dia das férias e já é o segundo dia que uso meu habitual coquetel para apagar o dia todo. Isso porque se paro, e penso, em algo pra fazer durante todo o dia, eu só consigo pensar nisso, eu só consigo pensar em voltar a dormir. 

Isso porque, diária e constantemente, o fato de existir me incomoda sem parar. Enquanto durmo é o único momento em que eu consigo esquecer isso. E eu sei que isso significa ir sempre mais fundo no abismo, olhar mais e mais para o abismo, até que ele olhe de volta, e responda, com seu silêncio mortal. 

Queria que algo me despertasse desse torpor, o qual eu mesmo me coloquei. Que fosse o sorriso fofo do Kongjiro ou o olhar sério e sexy do Thomas... Qualquer coisa... Mas, hoje, só desejo o sono, porque pelo menos ele se aproxima daquele sono abaixo da terra, do qual não mais se acorda.

Percebi que me tornei assim, alguém que só espera poder dormir, que não quer nada além disso, porque simplesmente não acredita em nada além disso. Amor não existe mais, esperança se foi, as lágrimas secaram, não há futuro e nem salvação. Nosso único destino é a morte, a qual encaramos de olhos frios e opacos enquanto se aproxima. Abracemos o vazio. 

"Que dizem aquelas letras que cobrem aquelas pedras? As letras dizem pó, as pedras cobrem pó, e tudo o que ali há é o nada que havemos de ser.” (Pe. Antonio Vieira)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Não Amor

Edvard Munch

"Três vezes seguidas um homem se sentiu morrer, por cada ocasião em que perdeu o amor. Depois, morrendo deveras, o homem sentiu pouco. Apenas que voltava a um lugar conhecido ou que, mais certo, desistia de morrer novamente." (Valter Hugo Mãe)

A partir de agora só quero me apaixonar por homens inexistentes, distantes. Pessoas que se aproximam de um nível abstrativo existencial quase sutil, que são apenas uma ideia pairando no ar... E isso porque se apaixonar pelo real, é sempre pedir por mais dor. E talvez eu encontre poesia em negar o real, em buscar apenas a mentira de um amor inexistente. Porque o amor real mata, desampara, faz perceber a imensidão de nossa solidão. Não há nada de verdadeiramente belo em amar. 

Amar é para quem aguenta a sobrecarga emocional, dizia o velho Buck. Amar é para quem ainda acredita, para quem ainda se dispõe a lutar.

Mas eu não. 

Eu já desisti. 
O amor pra mim é o longe e a miragem, 
é a filosofia incompreendida 
perdida nos livros empoeirados 
que ninguém lê. 
É a taça de vinho barato na noite. 
O amor é apenas o incômodo dolorido, 
é a lágrima silenciosa antes de dormir 

sozinho. 

O amor agora, é olhar o homem bonito que passa na estação, mas deter o olhar nele por apenas uma breve instante, e mudar a atenção para a próxima coisa, para a decoração de Natal do centro, pra roupa das pessoas cansadas e humilhadas que ainda trabalham essa época do ano. Não há tempo ou disposição para esse tal de amor. É uma posição estranha a essa época do ano, sei disso, mas não há muito que eu possa fazer. Já fiz demais. O atendente da loja de camisetas era bonito, mas a vida precisa continuar.

"Se na tua forma de reparares o mundo se der o acaso
de tropeçares na sombra do meu silêncio
lembra-te que foi sempre ali que esperei por ti." 

(Carla Pais)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Aforismos

Riona Buthello

Mais uma vez domingo, o pior e mais desgraçado dos dias da semana, que volta como parte de um ciclo infernal sem fim. E não há muito que eu queira ou possa fazer. 

Algumas coisas são tão belas e tão distantes da minha realidade que talvez nem possam dizer-se sonhos, mas quem sabe delírios de uma febre que nunca diminui. E então, nesse confronto de delírios e realidades, as palavras se vão, ficam apenas algumas imagens, esses relances românticos. Fogem-nas de mim como o amor sempre me fugiu também. Como uma lembrança turvada por décadas, como se houvesse um véu entre o eu e o objeto desejado.

Resta apenas isso, um sonho distante, um reflexo que não se vê direito numa janela coberta de gotas de chuva. Muitas delas escorrem, caem na terra e se perdem, se perdem... Se perdem como eu ao pensar nos amores que antes eu tinha, se perdem como eu ao ver todas aquelas histórias de amantes e enamorados. Se perdem como eu me perco, sentindo tanto e nada ao mesmo tempo que já nem sei que nome dar a isso. Perdido, sem amar e sem ser amado, mas amando as histórias de amor, que parecem ser a única coisa a trazer algum sentido a esse mundo. 

Como um homem tímido que vence suas próprias barreiras para ficar ao lado daquele que ama, ou o outro que, vendo o pretendente tão lindo e aparentemente inalcançável, nem sequer se atreve a pensar que ele o ama de modo incontestável. E aos poucos vão convivendo até que todas as camadas sejam transpostas, e reste apenas a sinceridade de estar junto ao outro. 

Eu não queria dormir de novo, não nesse dia incomodado pelo calor e o sol brilhante. Não queria mesmo. Mas o que mais eu poderia fazer, aliás, o que mais eu vou poder fazer nos próximos dias se o que era mais próximo de um plano se foi por água abaixo? Não haverá abraços de reencontro e nem lágrimas de emoção. Haverá o silêncio do meu sono por vários dias. E durante mais de meio ano eu esperei, esperei pelo momento que poderia dar um abraço forte, como foi aquele último, dois anos e meio atrás. Agora nem mesmo sei se chegarei vivo a um encontro depois disso. 

O que um homem sem perspectivas e dinheiro pode fazer numa cidade como essa em pleno verão? Aliás, que pode um homem como eu fazer, em qualquer época? Não preciso dizer da tristeza inerente a esses dias, aliviada talvez apenas pela ausência da raiva que normalmente me acompanha. 

Por não encontrar respostas para essas perguntas, eu vou dormir. Vou aos poucos me tornando uma lembrança turvada pela distância, como se houvesse um véu entre mim e a existência. 

É, não há muito mais que fazer. Parece que todos têm uma vida, que todos vão a bares, cafés, praias, cinemas e eu, apenas tenho essa vontade de simplesmente sumir, desaparecer. É essencialmente solitário ser eu, que sempre quis ir diante do outro. 

Como o sol que hoje brilha forte, amanhã poderá apenas uma lembrança distante pelas grossas nuvens de chuva. O amor que um dia me iluminou com clareza que a do meio-dia, agora não é nada mais, e permaneço em escuras trevas o tempo todo. Até que as trevas de um novo dia cheguem. 

"Depois que te amei, também por mim senti
Este esquisito amor de não andar comigo..."
 

(Belo Teixeira de Pascoaes)

sábado, 14 de dezembro de 2024

Aforismos

“O que realmente sinto falta é de ter clareza mental do que devo fazer o segredo é encontrar uma verdade que seja verdadeira para mim, encontrar a ideia segundo a qual eu possa viver e morrer” (Søren Kierkegaard)

Não venho conseguindo escrever, nos últimos dias adoeci de tal modo que tenho apenas ficado na cama, excessivamente consciente de cada dor. Uma infecção tomou conta das minhas vias respiratórias e logo atingiu a garganta, resultando em amigdalite. O resultado: dores por todo o corpo, febre, enjoos, calafrios. Faltei a semana inteira de trabalho, e não estou muito melhor agora. Desconfio de dengue desde o princípio, mas não vou contrariar os médicos. Só têm sido dias ruins, doloridos, cansados. 

Mas, de que adianta ficar em casa para me recuperar se aqui é tão ruim quanto a outra opção? É tudo inferno, aqui e lá. Pessoas me perturbando o tempo todo, choro de criança, entra e sai de gente, impossível descansar assim. Eu preciso logo dar um jeito de sair daqui. Não aguento mais ficar vivendo entre dois infernos nessa vida desgraçada.

Hoje foi o primeiro dia em que me vi com menos dores. Ainda estou com um pouco de incômodo na garganta e alguns pontos doloridos, mas nada comparado com os últimos dias. 

Estou feliz porque hoje tem a estreia de ThamePo na Netflix, e domingo episódio novo de Your Sky. Só me incomoda que tenha sido necessário ficar doente pra conseguir aproveitar isso. Mas, paciência... Espero poder mudar isso em breve. Ao menos tenho, nessa sexta, um breve lampejo de vontade.

Posso não ter dinheiro para pedir comida, ou amigos com quem possa partilhar esses momentos, mas ainda tenho esse brilho, os sorrisos de William e Est, de Thomas e Kong... Algo que ainda me faça querer viver, mais um único dia que seja...

Porque em todos os outros só o que vejo é uma sucessiva apresentação de desgraças, e mais uma vez a vida parece querer triturar todos os sonhos, reduzir as ilusões a pó. Não se deve sonhar, não se deve amar, não posso comer, sair ou me divertir, sempre cansado demais. E ainda dizem que a culpa é minha. Malditos!

Mas essas coisas são apenas coisas que interessam a mim. Eu fico querendo falar sobre eles, ou comentar como fazia, depois de cada episódio, mas não tenho mais disposição, e as pessoas com quem eu converso não querem ouvir sobre isso. Sinto, mais uma vez, que tudo que amei, amei sozinho. E então é melhor que eu venha aqui, e dizer que o Est está absurdamente lindo, e que eu achei que só o William ia sustentar o drama da série, mas com uma boa direção ele também conseguiu sustentar bem, e eu chorei no primeiro episódio. Fui dormir feliz.

Ao menos tenho as histórias... 
Ao menos os sorrisos, 
os tímidos
os safados
os intencionados

Uma nova história
um moço tímido e o outro de saco de cheio de tudo
mas com um sonho no peito
e então ambos vão atrás dos velhos conhecidos

Uma história de amor 
que começou na simplicidade de uma mentira
e que agora já ocupa boa parte dos corações daqueles novos amantes
que vão descobrir que o amor real é bem mais profundo que o fingimento.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Com o todo

Depois de noites insones eu tento mais uma vez. Tento. Mais uma vez. Mesmo não aguentando mais. Tudo que tenho feito é aguentar. Mas admito que não aguento mais.

Queria não acordar amanhã.

Mas eu acordei, claro. 

O dia ontem foi caótico, metade da cidade parada por conta do grande volume de chuvas. Mas a semana foi infernal. Hoje é a festa da Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria, e assisti uma pregação essa semana, falando sobre a importância da intercessão dela de um ponto de vista místico, excelente. Fui dormir chorando baixinho, pedindo a ela que não acordasse. 

Mas eu acordei, claro.

Fiquei um bom tempo sentado aqui na frente do computador. O céu parece de ressaca, e eu também. Mas logo vou dormir, não há necessidade de ficar acordado. Mais tarde tem alguns episódios de BL, eu acordo, vejo e depois durmo de novo. 

Se soubessem o que faço pra dormir tanto, com certeza me desaprovariam com afetação. Mas eles não entendem, que faço isso porque ficar acordado é insuportável, e que eu durmo pra não pensar nas pessoas idiotas, nas ideias idiotas, no inferno que é todo dia, nas desgraças que eu preciso suportar, porque é sempre assim, eu preciso aguentar firme, sempre mais, e mais, e mais. 

Mas eu não aguento mais. E tampouco vejo motivos para aguentar. 

Hoje um daqueles dias descritos por Adélia Prado, em que "Deus me tira a poesia, olho pedra e vejo pedra mesmo." 

Não há mais nada, posso cantar como em Turandot:

"Adeus amor, adeus raça, adeus estirpe divina!"

Não tenho conseguido pensar em nada, é como se a mente estivesse vazia, mas ainda não é um episódio depressivo, é apenas vazio, e sobre o vazio eu tenho profundidades. 

Nos últimos dias tenho ouvido mais Lykn, e continuo na febre de 10cm. Em ambos os casos, a voz forte do William, a beleza do corpo do Nut e a sensualidade do Lego, a beleza simples mais cativante do 10cm (meu Deus, eu desejando um homem casado), com a pele perfeita, cabelo perfeito, lábios perfeitos.

Não vou falar de como tudo isso se contrasta comigo de tal modo que eu me pergunto: "há necessidade de ainda tentar algo na vida se nunca chegarei lá?", e não, não há.

A vida real é feia, tem a pele macilenta, cabelos horríveis e, acima de tudo, vive uma desgraça após a outra. Como um abismo no qual caímos e que cada vez mais nos afastamos da superfície e da luz, sendo envolvidos apenas pelo frio e a escuridão. 

Mas hoje a escuridão será uma escolha minha. Vou dormir. Com a chuva que já cai há três dias eu pretendo me misturar e me derramar, sem ter onde terminar, quem sabe me impregnando tão fundo na terra que pare de existir e seja apenas um com o todo. 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Aforismos

O contato com algumas pessoas me tirou, temporariamente, da letargia, mas logo o sono voltou, logo retornei aquele estado quase apático, ao mesmo tempo que, interiormente, me encontro meio que em dies irae. Meus olhos estão opacos, mas se você olhar fixamente para mim, vai perceber que eles ardem de ódio. 

Respiro fundo, aprecio a essência de maçã e canela que colocaram no ambiente, e tento lembrar que logo mais vou poder assistir os dois episódios de hoje de Heart Killers e See Your Love. O primeiro, sendo uma produção que vem chamando bastante atenção pela ousadia dos temas abordados e inclusive mostrados. O segundo me cativando pela beleza e doçura do protagonista. 

Só assim pra conseguir sobreviver mais um dia, mesmo sendo um dia bonito, fresco e nublado. Mesmo assim ainda tenho sono, e mesmo assim me sinto irritado se penso em algumas pessoas, e mesmo assim quero ir embora e dormir, dormir profundamente por um, dois dias inteiros, dormir sem precisar acordar. No fim eu sempre volto a isso, parece que essa é a única solução possível. 

Começou a chover fininho lá fora, ao lado tem uma árvore com muitas flores amarelas, é uma bela vista. Já tem um bom tempo que olho por essa janela, mas essa é a primeira vez que as achei belas. Mas eu ainda queria dormir. 

Cheguei em casa, assisti, não com a dedicação merecida, mas ainda consegui me emocionar, e então finalmente pude dormir, quando exatamente o sono me fugiu e eu fiquei revirando na cama por horas até adormecer de madrugada ouvindo o Concerto para Piano No. 1 de Chopin. 

Fiz algumas contas hoje, enquanto pagava os boletos do mês, e percebi que, se continuar assim, boa parte do meu dinheiro vai pra pagar as contas de psiquiatria e psicologia. Quanto mais eu vou sacrificar assim?

Saudades daqueles momentos delicados entre Mick e Top, daquele toque singelo e delicado, mas tão profundo e tão cheio de significado. Tantos sentimentos naqueles dedos que se transmitiam como uma corrente elétrica, de um coração a outro, de um universo a outro num breve instante. 

Assim também, como aquele toque era tão ínfimo e continha tanto, eu sou tanto, mas tão vazio. 

No entanto, percebi uma coisa: ainda há alguma energia em mim, mas direcionada pro lugar errado. Eu não consigo viver, ela não é para mim. Parece que eu gasto tudo pro outro. E eu preciso concentrar também forças em me cuidar, em me curar, naquelas coisas que eu amava e que hoje não amo mais.

O sono voltou. Embora esteja relativamente eufórico, ainda quero deitar e dormir profundamente. É complicado sentir as duas coisas ao mesmo tempo.

Foram vários minutos olhando pra ele. Me encantei pela primeira vez em semanas. Lindo, fofo, de aparência delicada, olhos pequenos mas sem perder o charme masculino. Simplesmente um anjo em meio aos desastres dos últimos dias. Aproveitei o tempo para observar e guardar na memória, mas sua imagem começou a esvair assim que ele desceu. Era um horário diferente, talvez eu nunca mais o veja.

Um dia inteiro passou. A euforia aumentou, os tremores também. O pensamento acelerado também. Odeio isso, essa febre. E claro que, de novo, ninguém entende. Ninguém nunca entende. Mas ainda assim exigem. Sempre exigem. É preciso dar conta. 

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Aforismos

Já sinto vontade de dormir de novo, como se isso fosse minha única forma de sobreviver. Eu sei que não é, e eu sei que preciso fazer outra coisa, sei que deveria conseguir aproveitar a brisa fresca desses dias, e quem sabe ouvir músicas, relaxar um pouco, respirar um pouco.

Respirar. 

Algo que eu venho precisando fazer, com urgência.

Só respirando, tomando controle dessas potências, dessas coisas que pululam dentro de mim e que me desestabilizam, essas coisas que me fazem querer dormir, dormir profundamente. Em verdade, no estado em que me encontro, eu nem mesmo queria acordar. 

Dormir tem sido um refúgio, porque dormindo eu não vejo nada, eu posso simplesmente passar direto pelos dias, dormindo não tem dor, não tem assédio, não tem opiniões idiotas, não tem amores não correspondidos...

E é isso, chegar em casa, não ter tempo direito pra ver nada, ou estudar, e já estar caindo de sono. Não importa o ângulo por onde olhe: a miséria dessa vida não tem limites...

Mas, de certo modo, vejo que algumas pessoas vivem... Acho que eu fui privado disso. Morrerei sem jamais saber o que é estar vivo. 

Já faz algum tempo que não consigo dizer "eu te amo" para ninguém. Acho que perdi essa capacidade também. Não sobrou em mim humanidade o bastante para amar.

Aproveitei o comércio aberto por mais uma hora para caminhar um pouco pelo centro. Embora seja primavera, estava fresco e tinha brisa gostosa. Foi bom, lembro de ter visto um garotinho muito parecido com um ator que conheci recentemente, um fofo. Comprei um quimono branco e agora me sinto um capitão da Gotei 13. 

As previsões para os próximos dias são terríveis, o calor será insuportável, mas não terá sol, ou seja, além de quente, ficará bem abafado. 

No ônibus hoje me aconteceu uma cena de dorama: aquele rapaz, que sempre observava à distância, com quem agora converso normalmente, se desequilibrou e se apoiou no meu peito. Nós sorrimos. Meses atrás eu teria ficado impactado e emocionado, mas só achei engraçado mesmo. 

Eu achei que hoje conseguiria dormir sem remédios, mas parece que me enganei. Duas horas deitado, com óleos essenciais e música agradável, e nada, apenas olhos pesados, e mais alguns gastos...

Finalmente consegui dormir antes do último movimento da 6° Sinfonia de Tchaikovsky, mas antes disso tentei todas as faixas de TARA e algumas de Cigarretes, mas o primeiro não foi o suficiente e não estava no clima pro segundo. Tenho algumas encomendas para chegar hoje, e mais um episódio da nova série de JoongDunk e FirstKhao. Mas isso é suficiente para me fazer levantar e viver esse dia? Vale realmente viver dez horas de um inferno por umas duas horas um pouco melhores?

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Breve descrição do inferno

"Pelo menos quando um desgraçado é amado pode ter certeza de que é pra valer." (Honoré de Balzac)

Acordei agora perto das dezesseis horas, sentindo meu peito bater pesado, dolorido. Acho que exagerei na quantidade de remédios nos últimos dias. Mas que outra opção eu tinha? Ficar acordado e pensando no inferno que é, e que vai ser quando eu chegar lá? Dormi o dia inteiro, só acordando de vez em quando, incomodado com a luz do sol queimando minha pele, então eu mexia nas cortinas e mudava de posição.

Agora eu me tornei o pária, aquele que será perseguido. E já começou. E eu nem mesmo sei como reagir. Deveria simplesmente ir embora. Largar tudo pra trás. É, nada deveria valer esse tipo de humilhação. 

E cá estou eu começando mais uma semana maldita. Passei o fim de semana inteiro dormindo, chapado. Não me recordo de ter ficado uma hora sequer acordado ou sóbrio. Mas de nada adiantou. O ciclo do inferno começou de novo. Sempre recomeça. Não há como escapar dele. E até pensei nisso várias vezes.

Eu acho que deveria ir ao médico, isso não é normal, mas eu não estou bem. E eu não quero estar aqui, pelo menos não assim. 

Meus joelhos tremem, eu fico enjoado, minha cabeça dói. Eu quero fugir, correr, me esconder. Queria sumir, apenas isso. 

Não sei se consigo fingir que nada está acontecendo, ou se enfrento, não se fujo, não sei, eu não sei mais nada...

Nem consigo descrever o quanto me sinto sozinho, desamparado. O quanto tudo ao meu redor soa hostil. Nem consigo descrever o quanto quero chorar. 

Um daqueles vídeos surgiu de novo, e eu nem me lembro quando foi a última vez que eu me barbeei, ou que cortei as unhas, ou que mudei de qualquer modo. É sempre assim, os outros me machucam, me tratam como nada, e eu faço o mesmo, me descuido, finjo que não sou nada, ando moribundo, e depois não sei porque não consigo fazer amigos ou namorar. Claro, quem vai querer se aproximar de uma pessoa que claramente já desistiu de si mesma? Me olho no espelho e penso... Sei que eu deveria me cuidar melhor, uma aparência pode mudar uma primeira impressão, mas... Eu simplesmente não consigo.

E continuo me sentindo repleto de desamor e desesperança. 

Esse mundo é realmente um lugar horrível. 

Não, isto está errado. 

Essa vida é horrível.

Haverá outro destino possível?

E eu, pobre, que farei, que patrono invocarei?

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Sem Poesia

Acabei indo para baixo. Eu sabia que isso ia acontecer, depois da euforia de passar por um grande evento no fim de semana, o que demandou de mim uma energia descomunal, era de se esperar que eu acabasse assim. Não me surpreende, nada mais surpreende. Eu só espero, espero pelas notícias ruins, pela depressão, pela pressão que vem de fora.  

Não são nem onze da manhã e eu já anseio pela noite, por sair daqui, voltar pra minha cama. E nem sei se conseguirei ir na missa amanhã cedo, na verdade, não quero ver ninguém, só quero poder me enfiar num buraco, só quero sumir, desaparecer completamente. Mas infelizmente não me foi dada essa possibilidade. Eu continuo aqui, existindo, nessa existência horrível, nesse dia quente, sem conhecer o amor. 

Estou me arrastando, eu sempre digo isso, mas é verdade, eu sempre estou me arrastando. É que não vejo nessa vida algo que me dê prazer suficiente a ponto de querer viver, a ponto de me fazer correr ao encontro. É sempre tudo muito chato, cinza, vazio e sem contorno. 

Eu espero pelo momento em que irei chegar em casa, e em casa, sem ter muito o que fazer, espero pelo sono profundo. Em nenhuma parte de mim há vida real. Eu continuo, apenas isso, subsistindo. 

Contardo Calligaris disse que “A única vida interessante é a vida que acontece aqui e agora. Não precisa ser épico, não precisa ser extraordinário, não precisa nada. Precisa da presença efetiva de quem está vivendo”.

Pois então, eu não me sinto aqui. Eu sinto o vento frio do ar-condicionado, sinto o bafo quente vindo lá de fora, daqui a pouco quando os convidados chegarem eu vou ficar agitado, sorrir, correr de um lado para outro, e ainda assim vou continuar sentindo que não estou aqui. E sei que isso confunde algumas pessoas. Eu sou alguém que aprendeu a sorrir na maior parte dos momentos. Quando elas escutam de mim algo pessimista, pensam ser brincadeira, elas não entendem, claro. Nem eu entendo, acho que seria preciso estar aqui para entender. E elas não estão. 

Não sei onde estão. Ensimesmadas talvez, ou nem isso. Talvez só estejam andando perdidas, sem nem se dar conta disso. 

E então a visão da minha desgraça os cansa. Patéticos miseráveis. A visão do homem hoje cansa. Olhar pro sorriso idiota deles me cansa. Me sinto cada vez mais enojado em ter que conviver com essas pessoas. E elas nunca verão a verdade, estão ocupadas demais, sendo idiotas, fechadas em si mesmas. 

Deveria dar a elas uma lição, ao mesmo tempo que me livro da obrigação de ver ou responder às coisas estúpidas que elas me dizem. Deveria me enforcar com os laços imbecis que dizem que temos, e derramar meu sangue na imagem imaculada que elas acreditam ter. Mas eles não sentiriam culpa. É um sentimento elevado demais para eles. 

Hipócritas nojentos. Mais imundos que ratos-de-esgoto. 

O único brilho que há neles, seus objetos de ouro, debaixo da terra não servirão de lastro nenhum, enquanto as próximas gerações dançam felizes sobre seus túmulos, sem nem mesmo lembrarem que um dia existiram. 

Há pessoas que não merecerem nem mesmo misericórdia.

Esperam que esteja feliz, que eu me comporte como eles, que vivem uma vida de esbórnias e felicidades efêmeras, enquanto eu vou de uma prisão à outra. 

Imundos.

Querem apenas alguém que não se expresse, mas que seja 100% eficiente o tempo todo. Pois que procurem no inferno, que é onde eles todos deveriam estar, e onde eu teria prazer de, como um demônio, fazê-los sofrer, numa ânsia vingativa (ou numa ânsia de justiça?)

Isso minou em mim qualquer vontade de ver outras pessoas. Não consegui ir à missa. Quero apenas dormir sono profundo o dia inteiro, e melhor seria se nem mesmo acordasse. 

Mas eu sei que vou acordar.

É, talvez eu devesse ter me enforcado ali e ensinado uma lição a eles. 

Porque é assim, de repente você é uma pessoa eficiente e um orgulho para esses imbecis. No outro, perde seu valor e se torna um incômodo, e então eles nem tentam esconder mais que seu único interesse era seu desempenho. Quem alguém sempre disponível, orgulhoso da sua miséria. 

Penso que nem autores escatológicos poderiam descrever a baixeza dessas pessoas, dessas criaturas nojentas. Também eu queria poder descrever a sorte de maldições que deveria lançar contra eles, pois é isso que merecem. 

Dormi ontem o dia inteiro, pois, se penso no que aconteceu por um instante que seja, me sinto enjoado, irritado, e a ira me domina. 

E hoje não será diferente. 

As coisas são assim. Durante a semana eu ceifo minha vida e canso minha cabeça. Nos demais dias eu apenas durmo, tentando não pensar no que vai acontecer no próximo ciclo do inferno. E assim, dia após dias, vai se passando minha vida. 

E não consigo nem continuar a escrever porque é assim, eles tiram minhas forças, meu sorriso e, por fim, a minha poesia. E o que resta quando não temos mais poesia?

Eu devia ter me enforcado ali e ensinado uma lição a eles.

"Eu não tinha interesses. Eu não tinha interesse por nada. Não fazia a miníma ideia de como iria escapar. Os outros, ao menos, tinham algum gosto pela vida. Pareciam entender algo que me era inacessível. Talvez eu fosse retardado. Era possível. Frequentemente me sentia inferior. Queria apenas encontrar um jeito de me afastar de todo mundo. Mas não havia lugar para ir. Suicídio? Jesus Cristo, apenas mais trabalho. Sentia que o ideal era poder dormir por uns cinco anos, mas isso eles não permitiriam." (Charles Bukowski)

sábado, 30 de novembro de 2024

Aforismos

Talvez não seja você. E nem eu. Talvez conhecer o outro seja algo realmente impossível e que, por qualquer razão, pensamos ser realizável, e não é. Por isso somos assim. Por isso conversamos por anos e sentimos que não conhecemos o outro. Por isso sinto que não conheço o outro. Mesmo me abrindo, sendo transparente, claro com meus sentimentos e intenções. É como se eu sempre falasse sozinho. Porque acho que, no fundo, eu sempre estive falando sozinho mesmo.

Não sei bem explicar aquele impulso, mas foi por apenas um instante, tão ínfimo que, não fosse minha natureza poética dada a observar as pequenas coisas, nem mesmo poderia dizer-se que existiu. Mas apareceu, um brevíssimo aceno na minha mente, o olhei por um único segundo e então desviei a mente para a nota que não conseguia cantar. 

Fui dormir assustado, e instigado, com as provocações de Spare Me Your Mercy, a nova série estrelando Jayler e Thanapob Lee, trazendo algumas questões interessantes. Acabar com o sofrimento e dor de uma pessoa, mas também acabar com sua vida, ou preservar a vida, e prolongar a dor? 

Questão complexa que, não raramente, cai na avaliação superficial, sendo a própria questão, meio incoerente, por equiparar dor e sofrimento com o valor ontológico da vida. Mas eu não sou o mais indicado para dar uma avaliação sobre o assunto justamente porque, reconhecendo o valor da vida no outro, não a reconheço em mim, sendo que defendendo a vida ao outro, eu a nego a mim mesmo, senão que desejo que minha encontre a finitude mais breve possível, antes até da próxima refeição. 

Como disse Rubem Alves, "o que escrevo não é o que tenho; é o que me falta. Escrevo porque tenho sede e não tenho água."

Percebi, uma vez mais, a diferença entre quem decide ir pela vida intelectual e os que os rodeiam. Realmente o homem de estudos não pode esperar ser compreendido pelos outros, ele que precisa compreender. Portanto, o que faz o homem de estudos deve contribuir para que ele se oriente no mundo ao redor. 

Minha cabeça está explodindo da última ciclagem. É sempre essa dor incômoda, e claro que ninguém entenderia se eu não viesse trabalhar por causa disso. É sempre fácil julgar a dor do outro não é? Talvez devesse voltar pro debate sobre eutanásia, mas não, não estou aguentando muito bem, queria poder simplesmente voltar pra casa e dormir. 

Acabei de descobrir que além da famigerada e temida confraternização do trabalho eu ainda tenho reunião, e não consigo nem ficar com os olhos abertos direito. E ainda é sexta-feira, eu trabalho no sábado, e sábado tem evento, e essa semana teve cinquenta dias, e eu não participei do evento que eu queria ter participado, e isso é um inferno. 

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Desconexo

Michel Onfray

Em "Um Psicólogo no Campo de Concentração", Viktor Frankl versa acerca do sentido da vida e, determinado ponto me chamou a atenção, quando ele diz: "Quanto à origem do sentimento de falta de sentido, pode-se dizer, ainda que de maneira muito simplificadora, que as pessoas têm o suficiente com o que viver, mas não têm nada por que viver; tem os meios, mas não têm o sentido. Sem dúvida, alguns não têm nem mesmo os meios." 

Eu até queria poder falar mais sobre isso, queria poder fazer aqui uma contribuição filosófica, ainda que modesta. Mas não. Não é possível. Eu olho a minha frente e vejo as folhas verdes padecerem ao calor úmido dessa época do ano. Olho nas redes sociais a colega de trabalho saindo com aquela garota idiota. Olho ao meu redor e vejo coisas que precisam de mudança, mas mudanças que custariam dinheiro e esse é um problema que não é meu. Penso que vou voltar pra casa com toda essa umidade, e então percebo que vou ficar cansado demais pra conseguir estudar e ainda assistir alguma coisa com algum proveito, e então sei que vou fazer os dois, e não vou nem aprender direito e nem prestar atenção na série.

Mas, aparentemente, tudo bem o ser humano viver assim, completamente ausente de sentido, contanto que consiga realizar algumas funções. É assim que somos classificados. Um homem será tão valioso, para essa sociedade doente, quanto possa ser útil, sem que para isso precise ter a mínima noção de sentido. 

Quando dizem que o trabalho dignifica o homem, isso só é verdade quando ele sabe disso, quando ele produz algo verdadeiramente útil, quando ele pode com isso prover seu sustento e de sua família. Mas, quando ele é apenas medido pela sua capacidade de repetir funções, de ser útil aos interesses do outro como quem usa uma ferramenta que, uma vez perdendo sua utilidade é descartada, não pode haver dignidade nenhuma nisso. 

Como pode ser digno ser uma criatura que só repete, repete e repete, e não pode sentir? Como pode ser digno se, nos dias que nem consigo me mover, ainda assim preciso sair da cama e dar respostas e preencher documentos e enviar imagens e ser funcional quando cada fibra do meu ser clama pela não existência? 

Simplesmente existir é incômodo demais.

Acho que, no momento em que decidi romper os laços de amor que restavam, eu acabei também com o que me restava de sentido, ou, ao menos, com aquilo a que me dedicava. Agora não consigo mais sentir nenhuma conexão. Mais do que nunca sinto que estamos distantes, tão distantes que não conseguimos sequer olhar um para o outro.

Distantes.

E isso porque o laço que nos ligava se rompeu. Mas ele também era a centelha que havia sobrado em mim. 

Sem amor não há mais nada. 

Tento pensar em outra possibilidade, mas meu pensamento trava na segunda página. Não quero mais amar ninguém, não vale a dor que causa, nem mesmo quando essa dor possa provar que eu estou vivo, coisa da qual duvido muito no momento. Acredito que é melhor ser uma casca morta, do que sentir dor o tempo todo por um amor impossível. 

E amor verdadeiro não existe.

Esperei pelo ônibus sentado, o calor e a umidade me dando a certeza que estaria suado, e molhado da chuva, antes das oito horas. Aquele menino não apareceu nos últimos dois dias, não que faça alguma diferença. Hoje vai ser um cão dos infernos. E ainda faltam três dias pro fim de semana.

Percebi, de novo, que não só não participei do grande evento de anúncios de 2025 como queria, como não consegui nem comentar como nos outros anos.

A desconexão é real. E não me desconectei apenas dele ou dos outros. 

Me desconectei de tudo. 

E de mim.

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Noites como hoje

Mais um dia, em que chego e me jogo sobre a cama. Em que fecho os olhos por um breve instante e sinto cada membro doer. Viajei por metade da cidade, e o tempo já começa a ficar quente e abafado o dia todo, aumentando o cansaço. Sinto como se sugassem de mim cada pequena fagulha restante, mas não é bem isso, não é como se eu fosse uma fornalha ardente a ser consumida, eu já estava sem brilho há muito tempo.

E sei que disseram que minhas oscilações são perigosas, e que se elas continuarem, terão que encontrar alguém para me substituir. Sorrio. Sempre soube que seria assim. Absolutamente todo mundo é substituível. Na verdade, agora, eu queria mesmo ser substituído, ser descartado, ser jogado fora. Se isso significasse não precisar voltar lá e me desfazer assim. 

A vida é mesmo um cão dos infernos. Aqueles infelizes pelo menos vivem um pouco, enquanto outros vagam pela sarjeta. E esperam que eu faça isso pra sempre, que eu seja sempre útil, prestativo, sorridente. Raios, sorridente! Quando eu nem mesmo consigo controlar meu rosto para uma expressão além de choro ou de apatia, e esses fodidos ainda me sugam o resto que havia, deixando só uma casca vazia, uma sub figura de humano, e ainda querem que eu sorria. Todos são lixo, escória maldita. E cada vez que sorriem para mim eu imagino setenta formas de fazer aqueles olhos perderem a cor. Só que de modo violento. E é exatamente o que fazem comigo. E por que não é considerado crime? Um crime lento e silencioso. Eles lenta e silenciosamente acabam com a minha vida.

Mas as pessoas só percebem isso quando alguém tem coragem o bastante pra pegar uma corda e amarrar no pescoço. Meu único rancor é que ele fez isso antes de mim. Talvez eu corte os pulsos ou tome todos os meus remédios de novo, qualquer coisa que impeça aqueles trastes de me sugar, sendo que já não tenho mais nada. Mas eles não entendem, é claro que não! Eles não entendem nada, e nem dão a mínima pra isso. Dizem que isso é algo extremo, e que devem pedir ajudar. Mas eles não enxergam ou ouvem os pedidos de ajuda. Quando eu me afastei por alguns dias, estava pedindo ajuda, e eles no máximo cogitaram colocar alguém no meu lugar. E então falam do suicídio como se fosse algo horrendo e distante. Não podem entender que o suicídio não é sobre querer morrer, mas é sobre sentir que viver não é mais uma opção. É, como dizia Nietzsche, uma consolação que ajuda a suportar muitas noites. 

Noites como hoje.

“O que dói é a constante perda de humanidade naqueles que lutam para manter empregos que não querem, mas temem uma alternativa pior. Acontece, simplesmente, que as pessoas são esvaziadas. Elas são corpos com mentes temerosas e obedientes. A cor deixa seus olhos. A voz está desfigurada. E o corpo. O cabelo. As unhas. Os sapatos. Tudo. Quando eu era jovem, não conseguia acreditar que as pessoas deram a vida em troca dessas condições. Agora que estou velho ainda não acredito. Por que eles fazem isso? Por sexo? Por uma televisão? Por um carro com pagamentos fixos? Pelas crianças? Crianças que crescerão e farão as mesmas coisas?" (Charles Bukowski)

terça-feira, 26 de novembro de 2024

Sem Vontade

"Pois quem não tiver para si dois terços de seu dia é um escravo, seja ele quem for." (Nietzsche)

Dia de ira.

Cada um tem como coisas importantes aquilo que, no seu coração, lhe desperta algo. Não é de hoje que as séries são algo que eu amo e uma das pouquíssimas coisas que me dão alegria. Poder acompanhar as histórias, poder me emocionar, como foi nas ultimas semanas com Kidnap, ou sorrir, como tem sido com Caged Again, ou simplesmente poder me surpreender e inspirar com a beleza genuína, como fiz com Every You, Every Me, me sentindo bem ao ver o Mick e o Top depois de acompanhar a produção por tanto tempo, ou ainda só sentir o coração quentinho ao poder ver, finalmente, os ThomasKong em Your Sky, depois de tantos vídeos virais no TikTok. Esse mundo das séries é o meu mundo, é o meu descanso depois dos dias cheios, dos incômodos, dos idiotas.

E então, no dia mais importante de todos, eu tenho que acordar cedo e tomar um ônibus, e vir trabalhar, e ouvir as sandices de um velho crítico de arte que ninguém lê. Nesse dia, eu refleti sobre o que tenho feito. Sobre o que tem sido minha vida.

Trabalhamos para conseguir viver. Mas, se nem o mínimo eu consigo, qual o sentido de fazer tudo isso? Qual o sentido de deixar minha carne ser esmagada assim? 

Volto aquele tema: eu não pedi por uma coisa grandiosa: eu não desejava ter ido pra Tailândia por uma semana pra assistir aos anúncios do próximo ano. Eu não pedi ao universo pra ir num dos três shows que aconteceram no Brasil nas últimas semanas. Eu só queria poder assistir, da minha casa, tomando um chocolate quente e ficando feliz pelos anúncios feitos. 

Só isso. 

Mas até isso me foi privado. 

Percebo agora o quanto eu sou escravo. Porque os outros, todos podem adoecer, todos podem viajar, todos podem ter sua larga cota de passatempos e chamar isso de trabalho. Podem mandar, aparecer para tirar algumas fotos e ir embora quando o vinho acaba. 

Eu preciso sacrificar até essas minhas pequenas alegrias. Irrelevantes a todos, importantes apenas pra mim. Eu não posso viver. Preciso sempre chegar em casa tão cansado que não aguento nada além de ir imediatamente pra cama. Preciso ficar até o fim, apagar as luzes, abaixar o som. 

É sempre esse inferno. Ninguém liga se você tem algo pra fazer, uma vida ou outro interesse, ninguém se importa. É sempre essa porcaria de vida, sugando cada pequena alegria, até que não sobre nada. Somos brinquedos, fantoches nas mãos de deuses. E a vida faz questão de foder cada um de nós, até que não sobre nenhuma vontade, nenhuma força. Até que sejamos apenas cascas vazias e mecânicas cumprindo missões. 

Cá estou eu, fazendo parte da lixeira da miséria humana. Perdido entre as festas e os sorrisos de pessoas completamente vazias, e a mercê do julgamento dessas mesmas pessoas. A minha vida está em suas mãos, e elas fazem o que quiserem de mim. 

É um inferno, um ciclo interminável, e todos não passam de lixo: eles que mandam e eu que obedeço, todos lixo, e nada mais!

Quisera eu poder expressar nessas palavras o desprezo que sinto por eles me controlando assim, por saber que eu não tenho nenhum poder sobre minha própria vida, que sou escravo, que sou apenas um sem vontade. 

Talvez tenham eles percebido que eu sou um grande vazio, e por isso queiram se aproveitar. Ou talvez nem sequer me reconheçam como humano também. 

De fato hoje não sou mais homem. Se olho no espelho vejo apenas um reflexo triste, e nada mais. 

"O trabalho estava me dando nos nervos. Seis anos, e não tinha um centavo no banco. Era assim que pegavam a gente - só davam o bastante para a gente se manter vivo, mas nunca para acabar se escapando." (Charles Bukowski)

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Aforismos

Arnold Böcklin

"Se a voz da noite responder
Onde estou eu, 
onde está você
Estamos cá dentro de nós 
sós"

(Chico César)

Sempre vemos o quadro parcialmente. Ao olharmos o outro não vemos senão uma fração que ele permite que vejamos, ou que ele consegue demonstrar. De um modo ou outro nossa visão da realidade é limitada.

Com isso não quero dizer que estamos todos num grande engodo kantiano, numa espécie de matrix, não, apenas estou repetindo o óbvio: o homem é limitado por sua própria natureza, nossa inteligência sendo então diferente da dos anjos, que a tudo conhecem num relance. Somos parciais, embora sejamos parte do todo (todo que "neles vivemos, nos movemos e somos" como disse S. Paulo). 

O outro também pode estar passando um inferno. Assim como eu também. E me sinto culpado por não ver o inferno em que está o outro. O outro também não se aproxima do inferno que há em mim. Somos todos condenados iguais? 

Toda existência é solitária assim, dolorida assim, triste assim. A imensidão desses espaços infinitos de Pascal, o pavor, tremendo horror. Mas o que resta senão a pergunta: há salvação? 

X

Você lembra de detalhes de mais de dois anos atrás. Saber disso faz algo se remexer em mim, mas não sei dizer o que é. Antes diria que era amor, mas sufoquei esse sentimento. Finalmente acredito ter extinguido isso de mim. Com isso foi-se o que restava para não ser uma casca vazia. O vazio ficou. Não há mais amor em mim. Mas, se o amor era aquilo que ainda fazia brilhar uma centelha em mim, que pode ser de mim agora? Nada. 

E lembro de quando eu cantava, imitando S. Terezinha, para que Deus fizesse "de meu nada, amor. Só. amor."

Agora ainda sinto as dores daqueles dias tensos. Não vou sair da cama. Quero que sintam minha falta e, assim, vejam que não podem deixar tudo em cima de mim. Mas, seja em plena loucura e correria, ou durante uma manhã de chuva fina como hoje, olho pra cima por um breve instante, elevo os olhos a Vós ó Pai, e depois retorno a mim, sentindo apenas esse meu enorme vazio.

X

Eles nunca vão mudar, sempre viverão nessa loucura, nessa pressa, numa incessante busca, perdendo de vista o que está bem a sua frente. Essa pressa é louca. São todos loucos. Estamos todos loucos. Perdemos de vista a quem devemos agradar, queremos ser aceitos pelos mais banais de nós, pelos mais idiotas, queremos a aprovação dos mais tolos, daqueles que não seriam aceitos por ninguém que tivesse algum bom senso. 

Tiraram uma foto minha enquanto sorria, e sorria de verdade. Sorrio quando estou confortável e com pessoas que amo. E então, pessoas que não são próximas e que não entendem nada de mim porque nunca me olharam de verdade, disseram que aquela foto, do meu sorriso, capturava minha essência, como se houvesse de lindo e brilhante dentro de mim e que apenas umas poucas vezes vem até a superfície.

E é claro que ninguém vê quem fica até o final, quem varre o chão e apaga as luzes depois que acaba a festa. Todos se lembram do bobo que dançou depois da segunda garrafa, ou do anfitrião que propôs o brinde. 

Não, a minha essência não é sorridente. Eu sorrio, mas tenho uma alma triste, profundamente triste. Meu coração cinza jaz numa escuridão profunda.  

Principalmente agora, passada a euforia, a música alta, e todos os desencontros, de toda aquela subserviência patética. Sobrou apenas o vazio, o nada. 

"Acaso busco eu agora a aprovação dos homens ou a de Deus? Ou procuro agradar a homens? Se eu ainda procurasse agradar a homens, não seria servo de Cristo" (Gl1, 10)

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Um quadro geral

Gustave  Caillebotte

"Já lhe aconteceu, algumas vezes, encontrar num livro uma ideia vaga que se teve, alguma imagem embaciada que volta de longe e que parece a completa exposição de seu mais sutil sentimento?" (Gustave Flaubert)

Me sentindo um idiota por ter reagido daquela forma, por ter me deixado abalar tanto, por ter caído num dia que deveria descansar, por ter deixado a minha mente me dominar dessa maneira e me levar aos círculos mais profundos do inferno. Me sentindo leve por esse peso ter sido retirado das minhas costas, mas agora sinto como se tivesse carregado tudo por nada. E assim, simples como um bipe ou um aceno, tudo acabou...

E agora, no dia seguinte, com o corpo dolorido, de toda aquela tensão nos últimos três dias, eu vejo o peso que colocaram sob minhas costas. No entanto, olhando o horizonte, não vislumbro melhora. Não sei como poderia sair dessa situação. Devo pedir demissão? E com que forças eu vou procurar outro emprego? E se o outro for ainda pior, com chefes ainda mais idiotas e incompreensíveis? Mas e se for melhor? E se tudo isso for apenas fraqueza minha, afinal não é a primeira vez que uma situação me deixa doente.

Acredito que estou de frente com um problema e, como ensinou o Prof. Olavo, problemas não se resolvem como se acredita: por meio do pensamento e análise até alcançar uma resolução. Apenas verdadeiros gênios fazem isso, e mesmo eles uma ou duas vezes na vida. Problemas se resolvem por uma alteração do quadro geral das coisas, uma modificação tal da situação que independe do homem. Em verdade aquilo que conseguimos controlar é pouco, quase nada, em relação a tudo aquilo que nos vem de fora e que, não raras vezes, nos esmaga completamente. 

Por isso me pergunto se não seria o caso de assumir uma postura diferente, uma transformadora e, até mesmo combativa. Uma postura mais firme, que não apenas receba a lide com aquilo que se vem contra mim. Mas também não estou certo disso. Uma transformação da atitude ou de toda a situação, como quando vim pra Joinville? Mas, embora eu nunca tivesse essa esperança, vir pro Sul mudou completamente a minha vida, e cá estou eu, pouco mais de dois anos depois, mergulhado em desesperança novamente, numa tristeza e aflição profunda. O que me indica que essa melancolia não é reacional, não é uma resposta ao meio, é algo inerente ao meu ser, não sendo então algo que possa ser resolvido, sendo não um traço, mas algo essencial, algo tão profundamente arraigado em mim que não se pode dissociar meu eu da tristeza que sinto. 

Devo fugir? Enfrentar? Como fugir e como enfrentar? Como mudar o quadro geral das coisas, como resolver o problema? Como entender o problema? São questões demais, e o tempo lá fora combina um dia nublado e abafado, quer fazer sair o sol ao mesmo tempo que chove torrencialmente. Também não se decide, se perde nessa dualidade que há em meu peito.

"Ó vós outros, quem quer que sejais, rústicos deuses, que nesta desconversável paragem habitais, ouvi as queixas de tão desditoso amante, a quem uma longa ausência e uns fantasiados zelos hão trazido a lamentar-se nestas asperezas, e a queixar-se da dura condição daquela ingrata e bela, fim e remate de toda a humana formosura." (Miguel de Cervantes)

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Sobre a Linguagem


Comunicação. Como é uma coisa complicada. E nem me refiro as grandes teorias e discussões acerca da insuficiência e objetivos da linguagem, como no De Magistro de S. Agostinho, passando pelos séculos até chegar em Kant, David Hume, Wittgestein e tutti quanti. Foi esse diálogo, um workshop na série Every You Every Me entre Mick e Top (os atores) que me deixaram boquiaberto, ao mesmo tempo, entendendo as várias camadas de significados que eles apresentavam ali, mas por saber que a mesma dificuldade que eles interpretavam em cena, numa espécie de metalinguagem, já que os atores interpretavam atores que estavam com problemas na sua atuação justamente por conta dos problemas de suas vidas pessoais. 

- Eu sinto muito!
- Eu estou bem.
- Eu sinto muito!
- Eu estou bem.
- Eu sinto...

O ponto pacífico é: o homem sempre tem, e provavelmente sempre terá dificuldade em se expressar, em dizer o que sente, em comunicar os afetos de sua alma, mas também de compreender os mesmos afetos da alma do outro.

Quantas comunicações são completamente incompreensíveis a quem quer que seja? Tomo pelos choros do meu sobrinho, que aposto nem sequer entende o que sente, mas de que, de algum modo, comunica, mostrando o desesperar-se no trauma de emergência da razão. Tomo pelas incontáveis expressões artísticas que tentam traduzir, expressar isso que trazemos no profundo do ser. A densidade das sinfonias de Mahler, toda a loucura da música contemporânea expressando a bestialidade em que o homem se meteu, as infindáveis páginas, de Homero a Proust, Augusto dos Anjos e os novos poetas da internet, uma lista sem fim, de pessoas tentando dizer algo para outras, ou, antes disso, tentando entender o sentem ao ponto de conseguirem dizer a si mesmas.

E então, a totalidade dos homens, esses que me rodeiam, e que não conseguem dizer, e não conseguem me ouvir ou entender, e por isso sofremos. Sofremos porque somos, sempre e sem chance de não ser, ouriços na vida uns dos outros. Por aqueles sentimentos que habitam nosso tão profundo que quase nem nós mesmos conseguimos dizer que existe, e aquilo que não dizemos porque de fato não o é, e toda sorte de confusões que daí se originam.

Continuo então sem entender, muitas vezes desistindo. Porque percebo que o outro não tem interesse no que digo, que sua mente parece tão distante que não seria exagero dizer que nós estamos em universos diferentes, caindo no clichê tosco, porém verdadeiro, de que cada um é um universo por si. Mas, então, sendo assim, onde podemos encontrar na comunicação aquele princípio estabilizador, universal, que nos permite definir cada um como um universo e não como apenas parte de outro universo. Onde está aquela estabilidade na linguagem que permite a duas pessoas se entenderem? Dito isso, é possível que duas pessoas se entendam? Porque parece que, ao falarmos das coisas profundas do coração, não fazemos mais do que meu sobrinho, em balbucios que, nem sequer compreendemos e tampouco conseguimos transmitir a outros. 

Daí, apelamos: escrevemos músicas, poesias, tiramos fotos e pintamos telas e, quando nada disso funciona, tentamos olhar no fundo dos olhos da outra pessoa e dizer "eu sinto muito", repetindo cada vez com mais verdade e mais vontade, podendo até alcançar o seu coração. Ou também podendo continuar distantes, incompreendidos e incompreensíveis. Essa parece ser nossa sina. Nossos amores jamais chegarão a saber que amamos e nem o quanto amamos. Nossos inimigos nunca vão entender a dor que nos causaram, e nossos amigos nunca vão entender o bem que nos fizeram. E por fim, morremos assim, sem nunca tocar o outro.

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Ansiedade

Every You, Every Me

O último dia. Sol que brilha, em verdade arde, nas folhas como esmeraldas iluminadas no corpo de alguma musa. Amanhã cessará o silêncio, o descanso do corpo. Em verdade, meu corpo está em dor já desde ontem, quando a ansiedade tomou conta de tudo. E me deitei, e sentia meus músculos se repuxarem, as articulações se condoerem, mostrando no corpo o que na alma havia se quebrado: o equilíbrio frágil da vida humana. 

Pensei um pouco, sobre a linguagem, tema do meu próximo texto, que só publicarei amanhã para não quebrar a ordem dos textos escritos durante os dias em que fiquei afastado do trabalho devido ao atestado do psiquiatra, mero capricho de um escritor lido por dois ou três amigos. 

Voltando à linguagem, fui dormir impressionado com as atuações de Mick Monthon e Top Piyawat. O plot sobre comunicação me rendeu uns bons gatilhos. Quantas vezes eu disse algo com toda a sinceridade que me era possível e, o outro lado não entendeu, assim como eles repetiam um ao outro, de um lado com sinceridade de coração e do outro, a vontade de acreditar, mas a dor criando um muro entre eles. Quantas vezes declarar o meu amor, com todas as palavras que me eram possíveis, de todas as formas que poderia, de nada adiantaram. Meu amor de nada adiantou. Minhas palavras foram todas em vão. 

O canto forte dos pássaros aqui do lado de fora, o brilho das folhas, as flores exuberantes do nosso jardim e da vizinha, tudo canta as maravilhas de Deus, e ainda assim parece que ninguém percebe. Por qual razão então entenderiam as palavras limitadas? 

De nada adianta, de nada adianta. 

No fim, só queria que conseguisse ver o brilho nos meus olhos quando pensava em você. Mas nem isso existe mais. O brilho se apagou. Todos os apaixonados foram dormir, e eu vou segui-los em sacra procissão, entoando preces de que seja perdoado, não por amar a um homem, mas por não me amar, por me odiar, por tantas vezes desejar que nem mesmo existisse. 

Uma manutenção sem planejamento deixou a cidade inteira sem água, mesmo com um calor insuportável e sabendo que a maior parte da população trabalha de forma braçal. Amanhã inclusive eu preciso voltar, mesmo sem querer. O vento sopra frio, a temperatura vai cair, sinto saudades do inverno.

Mais uma tarde e uma noite. O último dia. 

"Decorrera tanto tempo que havia desistido de aplicar sua vida a um objetivo ideal e limitava-a a perseguir satisfações do dia a dia, que julgava, sem nunca o afirmar formalmente, que aquilo não se modificaria até sua morte; ainda mais, já não sentindo ideias elevadas no espírito, deixara de crer na realidade delas, sem todavia não poder negá-las de todo." (Marcel Proust)

domingo, 17 de novembro de 2024

O bloqueio das nuvens



"Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
Vai reduzir as ilusões a pó."

(Cartola)

Alguns raios teimosos de sol atravessam a grossa camada de nuvens dessa manhã de Domingo. Acabei de ter a confirmação de que o evento de anúncio dos novos projetos da GMM TV vai acontecer num dia que não poderei folgar. A essa altura é impossível que me convençam que essa vida não é um inferno por si. As minhas séries são uma das poucas coisas com as quais eu realmente me importo e até isso vem sendo esmagado atualmente. 

É uma miséria sem fim...

Okay, calma. Sei que isso pode demonstrar uma completa falta de senso da realidade, ou senso das proporções. Não poder acompanhar o anúncio dos lançamentos não significa que não vou acompanhar as séries, mas é algo que já faz parte de uma tradição pessoal minha, fazer apostas, vibrar com os lançamentos esperados e me surpreender com outros. 

O que me leva para aquela coisa da qual já falei várias e várias vezes: a vida parece fazer questão de esmagar cada pequeno sonho de modo a não sobrar mais nada. O destino de todos os homens com o mínimo de despertar é sempre o desespero. Não é como se eu faltasse trabalho para ver séries. Eu só assisto nos poucos momentos que me resta alguma energia nesse corpo morto. Então, quando brevemente eu precisaria, ou gostaria, de ver algo relacionado, as únicas coisas que despertam em mim algum ânimo: a vida faz questão de destruir esse sonho. 

Claro que não estou sendo fatalista no sentido de que algo realmente deseja que eu não veja, ainda defendo a indiferença do universo perante o homem, mas essa indiferença ainda nos coloca em situações assim. "Todo homem toma os limites de seu próprio campo de visão como os limites do mundo", dizia Schopenhauer. 

De novo, não é um grande sonho, não é uma grande aspiração, não é uma ambição movida pela inveja ou ganância. Não sou um monstro, nesse sentido. Mas até essas pequenas coisas, a vida fez questão de pisar em cada uma delas. Triturar cada pequeno vislumbre de felicidade que possa existir. 

Essa vida é uma desgraça sem fim.

O céu agora está estranho, a luz do sol se espalhou por trás da camada de nuvens, então não está nublado e nem claro, as nuvens bloqueiam o sol e brilham, mas sem que consigamos sentir o meio realmente iluminado. Tanto o sol quanto as nuvens tentam fazer algo simples: se estabelecer, e simplesmente não conseguem. 

Mas também sei que é absolutamente inútil pensar nessas coisas. Elas são assim, e pronto. E hoje tem a estreia de uma série que esperei por muitos meses, a maior espera do semestre, e as expectativas estão bem altas, mas tenho certeza que nenhum tipo de entidade trabalhou para que eu estivesse em casa hoje para ver. As coisas são assim e pronto. A vida é uma desgraça e, de vez em quando, coisas boas acontecem, apenas isso.

E então, de repente é fim de tarde de um domingo, o mais miserável dos dias da semana, e eu começo a ter uma crise de ansiedade por conta do trabalho acumulado nos dias em que estive de atestado, por causa de uma crise de ansiedade. E assim dou início a mais um ciclo infernal da minha vida. Isso me faz perceber o quanto eu estou fundamentalmente quebrado.

Foi-se a tarde e lá vem a noite. Quarto dia.