sábado, 24 de maio de 2025

Fumaça

Um bar num lugar pouco frequentado pela cidade. Um moço dedilha um violão e canta baixinho, como se estivesse engasgado. Não é uma apresentação, apenas alguém que bebeu e resolveu entoar alguns versos. Eu estou fingindo não ver, além de nós dois há somente mais um cliente, absorto numa grande caneca de chopp, mesmo não sendo nem mesmo meio-dia. Mas o que posso dizer? Estou tomando alguma coisa forte que nem lembro o que é. 

Acendi um cigarro, não é como um daqueles lugares que seguem regras idiotas, tampouco estão conscientes de sua oposição ao movimento globalista de engenharia social, apenas ignoram. Vez ou outra o rapaz aumenta a força nas cordas, sua voz sai mais limpa. O balconista esfrega um balcão de madeira brilhante. Com tão poucos clientes não imagino como poderia estar sujo. Entre uma tragada e outra observo a fumaça se embrenhar por entre os raios de sol que passam pela janela e as cortinas verdes ao meu lado, olho para fora, minhas forças são como essa fumaça, se desvanecendo tão logo começam a voar.

Também como aquela fumaça, que logo desaparece, deixando o cheiro de nicotina no ar, também algumas lembranças preciosas me vão desaparecendo. Aquele beijo e abraço de despedida, anos atrás, parecem cada vez mais distantes. Uma imagem deles sai de mim e parece se formar, desaparecendo, desvanecendo-se, logo em seguida. E então, num suspiro inaudível, torno a fechar os olhos e abrir novamente, escutando o homem cantar mais uma vez, algo sobre ter perdido sua amada. E eu o entendo. Aquele beijo parece cada vez mais distante.

Deveria ter abraçado mais apertado, por mais tempo...

Mas não é apenas isso que eu sinto que deveria ter aproveitado mais. Nos últimos dias eu tenho me incomodado em não conseguir aproveitar. Nada. Tenho dormido, e apenas isso. Estar acordado, por pouco tempo que seja, é uma tortura. Mas já faz três meses que estou em repouso, e me sinto bem em alguns aspectos, mas ainda sinto a presença quase intangível e invisível que espreita o meu eu desperto no interior dos meus sonhos mais sombrios. 

E nada mais tem graça, ou sabor, ou brilho. O que eu faço se é tudo assim tão frágil, vazio e sem contorno? Se tudo parece com a fumaça desse cigarro desaparecendo bem em frente aos meus olhos, deixando apenas um cheiro que logo vai sumir também? Assim como a impressão que deixo nos homens bonitos, que logo passam se esquecem da criatura horrenda que por eles passaram. 

"Quanto mais ando querendo pessoas, parece que entro mais no sozinho do vago." (João Guimarães Rosa)

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