domingo, 6 de julho de 2025

Tendências

“Depois de tudo, no vazio
da manhã inabitável,
ajuda-me a negar
este remorso:
eu só queria uma canção
que não morresse
e a hipótese de um poema
que não fosse
o lugar onde me encontro
uma vez mais,
sem desculpa, sem remédio,
diante de mim mesmo.”

(Rui Pires Cabral)

Duas tendências aparentemente conflituosas habitam meu imaginário. Por um lado, o pessimismo que me é intrínseco ao ser, essa dose de ceticismo com tédio absoluto ao observar o quadro da existência, indo do geral ao particular, me fazendo crer que o universo é hostil, a humanidade é inviável e, além disso, cada maldito detalhe da minha vida vai dar errado. Por outro lado, há uma certa idealização do mesmo ser, que me faz tantas vezes olhar um rapaz bonito e, por ser por ele cumprimentado, já passo a imaginar como seria um futuro inteiro ao lado dele. 

Claro que não é difícil perceber que a frustração da imaginação gera o pessimismo, numa relação de causa e efeito imatura, tosca até. De um lado esse imaginário cor de rosa movido por pulsões ou algo do tipo e, do outro, a consciência da natureza decaída do homem pelo pecado. Então, como resultado dessa tensão, o desesperar-se de si, mais ou menos no sentido que tratava Kierkegaard.

O que me trouxe a pensar isso? Dois canudos numa caipirinha de vinho dividida com um amigo que, na minha cabeça, se tornou um encontro. Uma brevíssima conversa com aquele rapaz de moletom branco, sério demais para dançar com outros da idade dele, que descobri ter metade do corpo tatuado e um sentido autodepreciativo inflamado. Com ambos, sem nenhum controle, minha imaginação disparou. Com o primeiro, fantasiei o encontro, especialmente nas fotos em que, aparecendo parte do outro, postamos. Com o segundo, pensei numa possível amizade crescente fomentada pelos desenhos no corpo. 

Mas eu sei bem da verdade. Para o primeiro foi apenas uma coincidência, para o segundo, o corpo dele é bonito demais para ele olhar alguém como eu, que jamais teria coragem de levantar a roupa e mostrar as tatuagens ali como ele fez. Não como estou agora. 

Daí percebo a fraqueza causada pelo meu pecado. A corrupção da percepção da realidade em detrimento da minha vontade. Mais uma vez concordo com Kierkegaard que esse ciclo aparentemente ininterrupto é como uma doença até a morte. Como Nietzsche, ele buscava sair do niilismo, mas creio que a saída deste, embora um tanto quanto utópica ou estoica, o que acaba por retornar ao niilismo, me parece mais realizável. Só não para mim. 

X

Eu precisava daquele momento ontem à noite. O jovem falou no começo sobre pedir perdão e agradecer, e manter isso em mente, quando fiquei diante do Santíssimo, com o coração ferido por tantas ofensas a Ele proferidas por aqueles que mais deviam zelar pela sua dignidade, como lamentou Jeremias ao tratar de Jerusalém 

"de seus amigos traída, são inimigos agora" 

eu pude pedir perdão, primeiramente pelas vezes que eu mesmo desrespeitei-o, com meus pensamentos, atos e omissões, especialmente servindo tantos anos o santo altar, percebendo hoje que poderia ter sido ainda mais zeloso. Mas também agradecendo porque, depois de tantos ultrajes, Ele continua vindo a nós, vindo a mim, e se colocou ali, naquela sala cheia de jovens, mas eu senti que estava somente Ele e eu, a pedir perdão agarrado ao seu colo, como criança.

Por fim, me recordei daquela música que tantas vezes cantei: 

"Eu estava só, com você Jesus Cristo"

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