quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Pequenos infernos de um dia qualquer

 "O que resta de nós quando tudo já ardeu?" (Emil Cioran)

Hoje foi um dia daqueles: acordei de péssimo humor e nada mudou isso. Às vezes o mundo desperta antes de nós e já nos espera com os dentes à mostra. Quis ficar longe de tudo e todos durante o dia, e o fiz tanto quanto possível. Era como se qualquer presença fosse uma agressão, como se o simples ato de existir ao lado de alguém custasse energia demais. O calor insuportável parece que finalmente chegou, e não conseguia usar o difusor de óleos essenciais e o ventilador ao mesmo tempo. O ar parado parecia zombar de mim, pesado, quase como se colocasse a mão pesada sobre mim. O barulho no quarto ao lado era infernal, aquela peste da minha irmã insiste assistir como se todo o quarteirão estivesse interessado nos programas de fofoca que exaltam os bandidos que ela tanto gosta. Nada pior do que o gosto alheio quando se está à beira do colapso. Deve ser minha cruz morar com uma pessoa com um caráter tão nojento.

Esse desconforto durou o dia todo, e eu dormi quase o dia todo, dopado, porque simplesmente não suportava abrir os olhos e sentir aquele sol maldito queimando minha pele, ou o barulho, ou a constatação de que não temos dinheiro para ar-condicionado, ou ainda sair e ver a bagunça que há em todo lugar. A bagunça externa sempre encontra um jeito de cutucar a interna, e então as duas se alimentam mutuamente. Essa maldita bagunça! E ainda assim, quando reclamo, me pedem paciência, as coisas vão melhorar, é o que dizem. É curioso como as pessoas oferecem esperança como quem oferece água a quem está se afogando. Nada vai melhorar. Eu sei disso. Todos sabem, mas eles preferem se agarrar a essa mentira para não caírem no desespero da verdade, o mesmo em que me encontro. É cansativo ser o único a admitir o que todos sentem e ninguém ousa dizer.

Acho que perdi minha capacidade de reclamar por páginas e páginas, não tenho conseguido escrever mais como antes. É como se a língua interna, aquela que só se move quando ninguém vê, também tivesse desistido. Já tenho sono. Tenho sentido vontade fumar também. O cigarro, às vezes, parece mais uma pausa do mundo do que um vício. Queria assistir, coloquei uma série, mudei para outra, por fim desliguei tudo. Nenhuma me convenceu, nem a beleza do Bank Nuttawat, um dos meus favoritos, em Destiny Seeker, e nem a fofura do romance de Cherry Blossoms After Winter. Quando nem nossos refúgios preferidos funcionam, é porque alguma coisa importante se deslocou. Espero conseguir dormir, já sinto meu pescoço grudento de suor. Droga. O que há de bom em tudo isso?

As cidades de todo o estado estão em alerta devido à passagem de um ciclone que vai atingir toda a região e uma parte do sudeste. E já choveu a noite toda, numa mistura de umidade com calor. Desconfortável. O clima parece combinar com o que sinto: pesado, carregado, sem direção.

Quando olho pela janela, vejo que, ano após ano, as casas estão cada vez menos enfeitadas para o Natal. A ausência das luzes dói mais do que a presença delas um dia iluminou. Como geralmente é celebrado em família, é só mais uma vítima do desgaste da relação através do tempo. Enfim, não quero escrever um ensaio sobre como, com o passar dos anos, as festas em família se tornam recordação daqueles que já se foram e passam a ser insuportáveis. Mas é difícil não notar que o tempo rói tudo — até as tradições que deveriam nos manter de pé.

Eu, por outro lado, prefiro me concentrar na parte religiosa, fico feliz com a bela liturgia de Natal depois da espera do Advento, mas se as pessoas lamentam os entes que se foram, eu lamento como celebramos. A forma diz tanto quanto a fé, e quando ela se deteriora, a alma sente o golpe. No último domingo, véspera da solenidade da Imaculada Conceição, eu fiz o que pude para sair da cama, contra toda vontade do meu corpo e conseguir ir à Missa. Às vezes, a devoção é sustentada por pura teimosia — e ainda assim vale a pena. O desmantelo foi tamanho, que nenhum grupo parecia se entender. A liturgia foi definida em cima da hora, as músicas eram do tempo comum (nem mesmo do Advento). Nada mais triste do que uma festa espiritual desmontada, tropeçando em si mesma. Voltei para casa triste, me perguntando se devia ter me esforçado tanto assim. E essa pergunta pesa mais quando já se chega cansado de si.

Esses filhos da puta

os mortos vêm correndo de lado segurando anúncios de pasta de dente, os mortos ficam bêbados na véspera
de Ano Novo satisfeitos no Natal 

gratos no Dia de Ação de Graças entediados no 4 de Julho vadiando no Dia do Trabalho confusos na Páscoa 
sombrios em enterros fazendo palhaçadas em hospitais 
nervosos no nascimento; 

os mortos compram meias e calções e cintos e tapetes e vasos e mesinhas de centro, os mortos dançam com os mortos os mortos dormem com os mortos 
os mortos comem com os mortos.

os mortos ficam famintos contemplando cabeças de porcos. os mortos ficam ricos. os mortos ficam mais mortos. 

esses filhos da puta. 

este cemitério acima do solo. Uma lápide para a bagunça, eu digo: humanidade, você entendeu tudo errado desde o começo.


(Charles Bukowski)

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