sábado, 1 de julho de 2023

Manhã de sábado

Nem mesmo se abala quando percebe que eu não estou bem, não se importa em falar dela para mim, como outros também nunca se importaram, como se eu não tivesse nunca o direito de me incomodar e me entristecer. E vejo isso também com outros ao meu redor, como se me fosse exigida sempre máxima compreensão de todas as situações, como se nunca pudesse me cansar de nada. E ele sabe que quando falamos dela é como se ele me rasgasse a carne com uma faca enferrujada, como se me abrisse com brutalidade. Me obrigar a assistir sentado a esse show é uma morte com requintes de crueldade. 

Caminho então, numa manhã de sábado bem ensolarada, pelas ruas de uma Joinville que dorme e que vai para a praia aproveitando o tempo bom antes de alguns meses de inverno. Me encantei com as flores rosas de uma árvore que estavam espalhadas, como gotas de tinta, no concreto da calçada. Bela visão, quase me fez esquecer da carne apodrecida no meu peito aberto. 

Algumas pessoas passaram por mim, e não vi nada além dessa mesma indiferença em seus olhos, todas tinham em seu pensamento o objetivo de sua caminhada. Não pense, caro leitor, que me entristeço com isso, pelo contrário, a fugaz olhadela desses estranhos me faz perceber que ninguém enxerga também essa dor que carrego. Não sinto julgamentos, não sinto nada porque eles não me notam, assim como eu não noto nada que eles possam sentir. 

A única pessoa que eu queria que percebesse essa dor é ele, que eu queria que percebesse e que parasse de falar dela. Porque eu sei que, quando ele avançar, eu serei obrigado a ouvir e imaginar as cenas de atrocidades dela se entregados aos braços dela, da pele alva sendo desnudada pelas mãos rápidas daquela ladra. 

E digo isso mesmo sabendo que ela não me roubou nada, que ele tudo entregou de bom grado. Assim como, de bom grado, rejeitou o meu amor. 

Bom, de todo modo ele não foi o primeiro, e talvez não seja o último. Então eu fecho os olhos ouvindo a boa música que coloquei, e que nessa manhã já foi de uma rápida faixa de SEVENTEEN até o poderoso Réquiem do Mozart, e me recordo daquele belo cenário, ali na rua mesmo, das flores espalhadas no chão, e torno a ver que a árvore continua se esforçando para florir de novo, a despeito de todas as que caíram. 

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