“A podridão da carne é a verdade do desejo.” (Augusto dos Anjos)
São muitas perguntas num coração inquieto durante a madrugada. Até demais eu diria. Pensar nelas me deixa apreensivo, e eu busco que possa me ancorar. Me sinto um pouco tonto, como se começasse a girar, o que deve ser efeito da quantidade absurda de remédios que venho tomando para dormir mais e pensar menos. Seguro com as duas mãos a caneca quente de chá-verde com morango, respirando fundo para sentir o aroma da bebida ao passo em que sinto seu calor tocando levemente meus lábios e, assim, ela vai me puxando pouco a pouco de volta para a realidade, meio escura, da madrugada em minha sala.
Talvez eu esteja novamente confundindo as coisas. As reações fisiológicas do meu corpo, aquele tesão incontrolável de certo episódios mistos, ou, que podem ser, marcas de um Transtorno Borderline, não necessariamente significam que a relação, os laços, que busco no outro, sejam de teor sexual. Pode ser que uma amizade sincera e desinteressada, como orienta a mater et magistra, seja a verdade.
No entanto, se for assim, como devo proceder com essa energia, esse calor que percorre meu corpo até ceder em suspiros e gemidos de gozo, geralmente sozinho ou com algum desconhecido e desconfortável? Pra dizer a verdade, encontros casuais são quase sempre tão sem graça que nem me lembro quando algum deles me fez gozar;
Devo seguir o conselho daquele jovem sacerdote que, anos atrás, me orientara em confissão a tentar guiar essa energia para outro lugar? Se conseguisse simplesmente desviar, como o fluxo de um rio para a vida intelectual, por exemplo, isso seria de grande proveito para minha alma. Anseio essa maturidade, se ela me for possível de ser alcançada.
Mas, e se esse pensamento ocorreu porque, na madrugada, fiquei diante diversas realidades que normalmente se apresentam a mim separadamente de modo que, dificilmente, conseguiria um panorama abrangente como o de hoje? É que aqui tenho a perspectiva da solidão, no silêncio daquele que ainda não sei se nutro tesão ou afeto, ou um misto de ambos, como o chá que acabei de tomar, ou como a silenciosa resposta do outro, que me confirmou um relacionamento assim que, embora transpasse a barreira da amizade, não é no rumo romântico e nem sexual ou, por fim o desconhecido, anônimo, puramente sexual, que poderia me aliviar brevemente?
Quem sabe a constatação acima seja um conformismo estoico, de que devo ser apenas amigo de um e ceder as lascívias luxuriosas de uma prostituta barata com célebres desconhecidos? Essa visão não me agrada. Mas o que mais eu posso fazer? Como desviar os fluxos desse rio que se ramifica em afluentes tão sinuosos, desaguando em pedras, em jardins e alimentando, ao mesmo tempo, o solo fértil de flores, árvores de frutos suculentos e ervas daninhas que se espalham como verdadeiras pragas?
A vida cenobítica me parece aprazível, no entanto, iria requerer de mim uma reorganização completa do meu ser. Me tornaria aquilo que desprezo naquele amigo: uma espécie de asceta que, ao primeiro estímulo, cede e mostra sua verdadeira face. Prefiro não esconder o cheiro de enxofre que escapa do meu pau. A hipocrisia me incomoda. Mas tampouco a vida diabólica me agrada, como fera que se entrega, sem pudor, aos seus apetites mais bestiais. Muito embora as fantasias luxuriosas me sejam frequentes, depois de gozar eu não sinto que elas sejam de fato importantes, são mais como incômodos passageiros. Alguém quer amor, o outro quer foder. E, por uma noite ou menos, chamamos isso de felicidade.
Onde está o meio-termo, ou a virtude que devo buscar? Isso porque me considero incapaz da completa castidade, temo que a macularia como quando, naquela fatídica noite, aos vinte anos, cedi e senti o gozar pela primeira vez, passando a, com certa frequência, sentir os jatos de porra em meu próprio corpo. Não sentia que descobria algo fantástico, mas banal e, justamente por isso, comum, como alimentar-me ou me banhar todos os dias.
Busco contato, conexão. É o que digo sempre, é o que parece me faltar, é onde me parece haver um vazio, a imperfeição fundamental. Mas de que tipo deve ser essa conexão? As sexuais parecem demasiado superficiais. O problema dessa solução é que nesse mundo as pessoas são bonitas demais na cama e feias demais ao levantar. Muitas vezes nem isso. As conexões profundas, porém não sexuais, parecem deixar de fora algo que as torna incompletas. Conciliar ambas parece ser como viver uma vida dupla, difícil de equilibrar, para não dizer impossível.
Busco contato.
Mas isso significa segurar a mão de alguém com ternura enquanto durmo?
Significa conversar sobre santos e carreiras universitárias?
Ou ainda significa encontrar alguém que me coma igual uma cadela no cio?
No entanto, algumas imagens que me levam a crer na possibilidade dessa casta vida se apresentam a mim em momentos inesperados. Especialmente aquelas de um olhar de puro amor, transbordando carinho, cuidado. E elas continuam aparecendo, como se me chamassem. Mesmo depois daquela erupção da madrugada, me momento de ainda mais silêncio, como se, coberta de cinzas, estivesse uma belíssima estátua, obra-prima maravilhosa de um escultor angélico.
Parece que aos trinta me surgiram os questionamentos ridículos de um jovem que se esconde no banheiro para se masturbar. Faço isso em algumas noites, mas sem me esconder. Não vejo razões para isso, e falo disso como quem comenta a previsão do tempo.
Certamente vai chover.
“Ela era jovem, queria amar, mas não sabia que o amor era só uma palavra que inventamos para enganar a carne.” (Charles Bukowski)
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