“Aquele que tem um porquê para viver pode suportar quase qualquer como. Mas e se não houver porquê?” (Nietzsche)
Silêncio. Queria uma manhã calma e silenciosa, mas, a essa altura da vida, e olha que nem sou tão velho, mas já tenho um coração de muitas décadas e ainda mais decepções, já não acredito mais nisso.
Lembro das intermináveis e repetitivas manhãs naquele inferno de trabalho, em que precisava escrever às pressas e torcer para conseguir fazer algo logo, antes que começassem a me fazer perguntas idiotas ou pedir coisas estúpidas que levariam dias. E com um sorriso no rosto, claro, sempre querem um sorriso. Malditos! Preso com pessoas que não sabiam o que fazer, com chefes que não deixavam fazer, e que ainda diziam zelar pelo nosso bem-estar ali, afinal éramos tão poucos que deveríamos ver aquele lugar como nossa casa, já que passávamos mais tempo ali do que em nossa casa de fato. Mas só de lembrar daquele tempo me vem náuseas. Hoje tenho nojo dessas pessoas. Sei que não é nada nobre, nem mesmo cristão da minha parte, desejar a elas um inferno de tormentos como o que me causaram.
Mas, voltando para a manhã silenciosa. Talvez eu tenha criado isso em algum delírio enquanto me entupia de remédios. Manhãs silenciosas não existem. Assim como a paz mundial, chefes que te respeitam, unicórnios e, quem sabe, o Pé Grande. Mas ainda acho possível que algumas dessas invenções da mente criativa e delirante do homem, possam ser verdadeiras em algum sentido. Me refiro, é claro, a paz mundial e unicórnios, no fim da lista, os chefes que te respeitam. A manhã silenciosa não. Por definição essa não parece ser possível de existir, senão que é algum tipo de conceito puramente mental ou verbal, algo que podemos dizer e até pensar, mas que não se concretizará. Talvez na alvorada dos tempos, quando Deus criou o universo do nada, tenha existido uma manhã silenciosa, em que ele dormiu no sétimo dia, certamente sem uso de remédios, como eu.
Quando Van Gogh pintou a noite estrelada, ele estava em um hospital para doentes mentais, guardando na memória aquelas gravuras japonesas nas quais se inspirou, misturando a elas as diversas camadas de seus pensamentos. Alguns imbecis dizem que São Paulo tinha epilepsia, por isso ouviu a voz de Deus. Hemingway, Silvia Plath, Billie Holiday... Todos eram geniais, e doentes, e então questionam se deveriam condenar essas pessoas a mediocridade por meio de tratamentos. Pelo que me recordo, Van Gogh se matou num campo de trigo depois de pintar um quadro. Silvia Plath tinha trinta anos quando enfiou sua cabeça num forno a gás. Billie Holiday morreu por causa de uma cirrose hepática decorrente de abuso de álcool e de muitas drogas durante toda a vida. Daí a afirmação de que a normalidade não é condenação à mediocridade, mas cria tempo suficiente para a criação. É preferível ser excepcional e morto?
Bem, não me incomodaria com isso. Principalmente dado o fato de que minha existência já é medíocre, a morte só seria um fim. Talvez encontrem nessas páginas uma dor profunda que alguém identifique-se, ou, pode ser que elas desapareçam subitamente. Milhares de páginas, nenhuma delas imortal. Todas tão passageiras quanto um longo poema escrito na praia. Já disse como me sinto um livro absurdamente longo e monótono que ninguém se aventurou ou teve paciência de ler.
Mas qual a razão desse monólogo, tão cedo numa, nada silenciosa, manhã? Bem, acho que tudo isso foi para dizer que, se a manhã não pode ser silenciosa, quem deve silenciar sou eu. E o mais que faço não vale nada!
“A vida é uma prisão em que se espera a pena de morte.” (Fernando Pessoa)
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