sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Promessas Feitas ao Vento

“Não há nada mais ilusório que o outro. E nada mais cruel que depender dele para ser.” (Simone de Beauvoir)

Preciso admitir que venho sentindo uma coisa que não queria. Por mais que tenha lutado contra, buscado na razão e na realidade das coisas a verdade que deveria aceitar, o meu coração não aceitou. Infelizmente. E agora eu percebo, na noite escura, o meu coração em vivas ânsias inflado. Com temor e tremor eu me prostro diante dessa verdade que eu não queria, mas que uma parte de mim quis e que então, nessa divisão, oposição, acabei me perdendo: eu acho que estou amando. 

Isso porque eu jurei a mim mesmo, que na próxima vez que o amor viesse, me chamando baixinho, um sussurro por entre os agrestes escarpados que caminho sem rumo, arrastando os pés sangrentos, que faria diferente. Que que não me deixaria apegar, mas o efeito que o breve abraço dele, e aquele beijo, tem sobre mim mostra que me apeguei sem nem perceber, ou melhor, percebi, mas não consegui conter. Jurei ainda que não falaria meus pontos fracos, porque isso me faz ser visto como inferior, maluco, como alguém com mais problemas do que soluções, e que pode, deve, e vai ser descartado quando não tiver mais propósito. Pensei que conseguiria não falar do passado, mas disse a ele as coisas mais íntimas, e não encontrei a mesma sinceridade em troca. Que não faria promessas, pois elas sempre acabam sendo quebradas. Prometi que, se possível, não amaria. 

Mas em algum lugar profundo eu ainda espero, por um daqueles amores das séries. Mesmo sabendo que nada daquilo é real, que as pessoas não se amam daquele jeito, especialmente homens. Que as pessoas não lutam umas pelas outras, não, pelo contrário. É uma triste verdade. 

Esse parágrafo ficou patético, nossa. 

O que estou tentando dizer é que estamos cercados de ilusões. Conheço muitas pessoas que sonham com um amor perfeito. Homens que sonham com a namorada perfeita: bonita, simpática, safada e que necessite deles, ou do pau deles, quase como oxigênio. Esse desejo não raramente esconde apenas uma necessidade quase patológica de atenção. Ignoram os sentimentos sinceros de outrem, porque essa pessoa não corresponde as expectativas que eles criaram por causa de vídeos na internet. Não é uma acusação gratuita, pelo contrário, eu reconheço que sou cheio dessas expectativas, e que justamente elas são causa de boa parte de meu desespero constante. 

Fico chateado quando eles simplesmente vão dormir sem se despedir. Como se fôssemos namorados, com esse acordo prévio. Não somos, nem seremos. A verdade é que eles vão continuar atrás desse sonho ridículo, e no fim se contentar com uma menina medíocre, porque foi o melhor que conseguiram. E eu? Bem, não nego o amor, pois não me é ofertado. Eu sou apenas uma sombra, passando despercebido, em casa, na igreja, nas ruas. Porque ele não existe. Minhas idealizações não foram substituídas por uma realidade medíocre, não, elas foram destruídas, reduzidas a pó. 

E eles devem conversar com outras meninas enquanto escrevo sozinho. Vou ao cinema sozinho. Leio livros sozinho. Faço compras sozinho para tentar preencher esse vazio. Tomo chá sozinho. Bato punheta vendo pornô oriental sozinho. 

Bem, amanhã será outro dia, outro maldito dia. E o tempo já começa a esquentar com a chegada da primavera, o sol já desponta cedo, com seu calor infernal. Talvez durma o dia todo, sem responder ninguém, afinal... Bem, nem adiante reclamar de novo. O mais que faço não vale nada.

Vou dormir com os olhos pesados, passei o dia todo me arrastando de sono. Nem as várias xícaras de chá-preto ajudaram. Mas não é apenas o sono que pesa, também a constatação de que meu amor também não vale nada para nenhum deles.

O meu sobrinho, no entanto, dormiu no meu colo hoje. O levei para brincar no jardim da igreja, e ele ficou um bom tempo jogando as pedrinhas que ficam no caminho até a imagem de São Francisco. Uma das cenas mais lindas que já vi. Depois ele engatinhou pela igreja inteira, sorrindo por brincar sem que ninguém o segurasse. Depois que ele dormiu, completamente indefeso, mas apoiando a cabeça e as mãos no meu peito, confiante de algum modo em sua mente de criança, que o tio o protegeria, eu não consegui conter as lágrimas, que caem novamente agora. Talvez esse seja um amor que exista realmente.

“Não sofremos por amor, sofremos porque ele nos lembra que estamos irremediavelmente sós.” Fernando Pessoa (parafraseado a partir de seus fragmentos)

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Psicologia da Impotência

"Quero escapar, fugir de mim mesmo, mas é impossível" 
M, O Vampiro de Dusseldorf (1931)

Às vezes me vejo manipulado por esses impulsos incoercíveis. Sinto-me no meio de um intenso embate interno: de um lado, querer a liberdade da solitude e, do outro, o desejo constante da presença, do afeto, do carinho. Me pergunto constantemente quando deixei de receber afeto para me tornar assim tão carente, tão absolutamente dependente. 

Fui mais uma vez ao cinema, sozinho. Comprei os ingressos, a pipoca e o refrigerante. Mas a minha expressão não era de quem iria assistir ao filme que esperou por meses, mas de quem acabara de sair do enterro da mãe. Cheguei a notar alguns olhares, e sabia que meu rosto estava absolutamente fechado. Quando escrevo aqui, cada uma dessas palavras grita um impulso que não consigo conter, é o grito da fera que gritou Eu no coração do mundo, mas um Eu dividido, fendido, partido com um grande e impiedoso machado, o grito de terror de um sujeito que luta constantemente contra o que o impulsiona, a medida que esse mesmo impulso o leva a sofrimento tal que só quero lutar contra ele, vencer e aprisioná-lo no mais profundo da mente.

Continuo a odiar a maneira ele me trata, a frieza do toque, a distância da fala, a aparente relação de puro interesse... Mas, ao mesmo tempo, eu continuo desejando o corpo dele sobre o meu, o toque intenso dos nossos lábios, o pau dele dentro de mim e o meu dentro dele, sua expressão ruborizada ao gozar, entre o prazer lancinante e luxurioso e a confusão dos sentimentos descobertos e temidos. Eu quero falar o nome dele por entre gemidos, e ouvir sua respiração de desejo desesperado. Quero sentir o sei leite em minha pele, e depois em nosso lábios, transmitindo uma energia que, compartilhada entre os corpos, passa por baixo de nossa pele em chamas.

Aquela expressão bestial era então sinal não de ódio, mas reflexo de um coração e de uma personalidade dilacerada. A oposição entre essa aparência animalesca e meu comportamento normalmente delicado, atencioso, sorridente, revelam uma consciência esmagada pelo peso de ser ela mesma, sustentando esse conflito brutal. Constantemente, dia após dia, eu sou obrigado a ver no espelho, e nas vitrines por onde passei, a psicologia da impotência diante da compulsão. Enquanto por vezes eu me comporte como monstro absoluto, quando não controlo o tesão ou quando choro copiosamente ao ver a cama vazia, desvelo minha humanidade despedaçada.

Me recordo daquela cena dos minutos finais de M, O Vampiro de Dusseldorf, a confissão de Beckert com suas profundas camadas ainda são uma das mais marcantes para mim. Me coloco em lugar daquele assassino, com a diferença de que eu sou a única vítima.

Talvez me veja como um tipo de Édipo moderno, condenado por algo que não escolhi. E essa minha confissão, e tantas outras incontáveis que já fiz e que sei que ainda vou fazer, me soam como uma espécie de monólogo, no sentido shakespeariano, onde o lamento lírico revela que a dor da minha consciência é pior que qualquer consequência exterior a mim. Nenhum abraço frio, ou abraço nenhum, ou até mesmo um ato de covarde violência seria pior do que esse embate que constantemente venho travando comigo mesmo, no já devastado campo de guerra dos recessos da minha mente. Reconheço certa tensão poética no monstro que pede por compaixão ao próprio reflexo.

Constantemente me vejo diante da aporia fundamental do meu ser: a responsabilidade, individual, e o determinismo psicológico. Não busco justificar, nenhuma dessas palavras podem ser entendidas assim, mas são um clamor por uma compreensão impossível, condenado a viver entre o humano, dotado de razão e senhor de si, e do monstruoso, inumano, incapaz de me enquadrar onde quer que seja.

Quando Fritz Lang filmou sua obra-prima, a confissão é apresentada em planos fechados, com uma câmera fixa no olhar obcecado do assassino, o desespero daqueles olhos, daquela fala infantil a confessar crimes de violência extrema são de uma experiência sufocante. Olhar o meu reflexo, ou expor esse reflexo aqui, tem a capacidade de me aliviar brevemente desse sufoco em que me encontro ao examinar minha própria mente e meu coração. Por isso minha poesia, assim defino meus escritos, quase como diários de um cárcere, são um tipo de catarse psicológica, uma tragédia e uma questão filosófica insolúvel: o existencialismo é, em mim, o problema fundamental por excelência. 

Ser é a maior das dores. 

e eu sabia que mesmo as palavras mais apropriadas nunca 
resolveriam. 
eu estava sujo, sujeira, eu parecia sujeira,
eu estava sujo de sujeira suja, 
eu só queria entrar nela, 
ficar lá, eu não era nada a não ser um comedor de buceta e 
eu estava quebrado. eu não sabia soletrar, eu nem sabia 
como usar 
2 ou 3 garfos para jantar, eu não sabia nada sobre Harvard 
ou
diplomas ou 50 mil por ano, e ela sabia que tudo isso 
era verdade: eu havia sido chutado por aí por muito 
tempo, eu não sabia mais 
o caminho para cima ou para fora ou nem queria saber: eu 
estava destinado ao 
fracasso. 

(Charles Bukowski)

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Notas amargas para uma manhã

“Aquele que tem um porquê para viver pode suportar quase qualquer como. Mas e se não houver porquê?” (Nietzsche)

Silêncio. Queria uma manhã calma e silenciosa, mas, a essa altura da vida, e olha que nem sou tão velho, mas já tenho um coração de muitas décadas e ainda mais decepções, já não acredito mais nisso. 

Lembro das intermináveis e repetitivas manhãs naquele inferno de trabalho, em que precisava escrever às pressas e torcer para conseguir fazer algo logo, antes que começassem a me fazer perguntas idiotas ou pedir coisas estúpidas que levariam dias. E com um sorriso no rosto, claro, sempre querem um sorriso. Malditos! Preso com pessoas que não sabiam o que fazer, com chefes que não deixavam fazer, e que ainda diziam zelar pelo nosso bem-estar ali, afinal éramos tão poucos que deveríamos ver aquele lugar como nossa casa, já que passávamos mais tempo ali do que em nossa casa de fato. Mas só de lembrar daquele tempo me vem náuseas. Hoje tenho nojo dessas pessoas. Sei que não é nada nobre, nem mesmo cristão da minha parte, desejar a elas um inferno de tormentos como o que me causaram.

Mas, voltando para a manhã silenciosa. Talvez eu tenha criado isso em algum delírio enquanto me entupia de remédios. Manhãs silenciosas não existem. Assim como a paz mundial, chefes que te respeitam, unicórnios e, quem sabe, o Pé Grande. Mas ainda acho possível que algumas dessas invenções da mente criativa e delirante do homem, possam ser verdadeiras em algum sentido. Me refiro, é claro, a paz mundial e unicórnios, no fim da lista, os chefes que te respeitam. A manhã silenciosa não. Por definição essa não parece ser possível de existir, senão que é algum tipo de conceito puramente mental ou verbal, algo que podemos dizer e até pensar, mas que não se concretizará. Talvez na alvorada dos tempos, quando Deus criou o universo do nada, tenha existido uma manhã silenciosa, em que ele dormiu no sétimo dia, certamente sem uso de remédios, como eu. 

Quando Van Gogh pintou a noite estrelada, ele estava em um hospital para doentes mentais, guardando na memória aquelas gravuras japonesas nas quais se inspirou, misturando a elas as diversas camadas de seus pensamentos. Alguns imbecis dizem que São Paulo tinha epilepsia, por isso ouviu a voz de Deus. Hemingway, Silvia Plath, Billie Holiday... Todos eram geniais, e doentes, e então questionam se deveriam condenar essas pessoas a mediocridade por meio de tratamentos. Pelo que me recordo, Van Gogh se matou num campo de trigo depois de pintar um quadro. Silvia Plath tinha trinta anos quando enfiou sua cabeça num forno a gás. Billie Holiday morreu por causa de uma cirrose hepática decorrente de abuso de álcool e de muitas drogas durante toda a vida. Daí a afirmação de que a normalidade não é condenação à mediocridade, mas cria tempo suficiente para a criação. É preferível ser excepcional e morto? 

Bem, não me incomodaria com isso. Principalmente dado o fato de que minha existência já é medíocre, a morte só seria um fim. Talvez encontrem nessas páginas uma dor profunda que alguém identifique-se, ou, pode ser que elas desapareçam subitamente. Milhares de páginas, nenhuma delas imortal. Todas tão passageiras quanto um longo poema escrito na praia. Já disse como me sinto um livro absurdamente longo e monótono que ninguém se aventurou ou teve paciência de ler.

Mas qual a razão desse monólogo, tão cedo numa, nada silenciosa, manhã? Bem, acho que tudo isso foi para dizer que, se a manhã não pode ser silenciosa, quem deve silenciar sou eu. E o mais que faço não vale nada! 

“A vida é uma prisão em que se espera a pena de morte.” (Fernando Pessoa)

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Convicta Solidão

Apenas confirmei, uma vez mais, aquilo que já sabia com certeza. Acho que é próprio dos idiotas querer reforçar as próprias convicções. Com exceção de que, acredito, eu faço isso porque em algum lugar de mim há esperança de que dessa vez seja diferente. Mas não foi. Tudo aconteceu exatamente como eu esperava. Lamentavelmente eu tinha razão. A minha ausência foi perfeitamente imperceptível, exceto por aqueles que precisaram de mim. Quem o diria? E venho dizendo isso todos os dias. Apenas para constatar, pela enésima vez, a minha devida insignificância.

Mas de algum modo isso significa também a descoberta de uma liberdade. Sem precisar ir em lugares apenas para ser usado como pretexto. Se não tenho ninguém que se importe verdadeiramente comigo, não há razão para me importar de verdade com ninguém. Claro que, aquele pequeno ponto, pequenino, quase imperceptível, tão breve e fugaz quanto um piscar de olhos, brilhou em esperança, antes de desaparecer nas trevas profundas do ser. 

Me isolei de todos hoje. Mas então, depois de tudo, de perceber que sou absolutamente irrelevante, ainda me sinto culpado. A quem quero me explicar? Não há nenhuma explicação necessária. As mensagens que recebi eram todas pedidos de favores. Nenhuma, nenhuma delas preocupada comigo. O findar da vida não é um peso assim. É apenas libertação. E ainda assim eu queria correr até ele, tomar pela mão, abraçá-lo, pedir desculpas. Mesmo sabendo que, depois desse tempo, sou menos importante que qualquer menina que tenha chegado ontem na vida dele. Ou de qualquer outro. 

E então, tornei à minha casa, com a cara fechada, e vi que assustei algumas pessoas. Devo ter parecido feroz. Mas é que essas verdades ecoavam e me cortavam profundamente demais para que eu conseguisse controlar a expressão do meu rosto. Com efeito, devia ser a face de um assassino, uma fera, uma besta. E sim, me sentia capaz de extinguir toda existência, com requintes de crueldade, se me fosse dado poder para isso. O resultado seriam corpos desmembrados, vísceras espalhadas até o teto, sangue derramado como num rio, faces destruídas que amais tornariam a rir e nem sorrir. Nos crânios esmagados, apenas o terror absoluto. Coisa não muito diferente se vê no meu coração. Essa é a minha expressão: completamente esmagado, destruído em terror, num silêncio tão absoluto que não ouvia nem mesmo meus próprios pensamentos. Já não haviam mais pensamentos. Apenas a dor do vazio, vazio deixado por todos que se foram e que, um dia, eu acreditava que ficariam. 

Mas todos se foram.

E o resto é silêncio. 

Eu sabia que isso ia acontecer.  

Não importa o quanto de esperança possa haver: no fim, tudo retorna ao nada.

E tudo retorna ao nada.

"Sentia vontade de chorar, mas não saía lágrima alguma. Era só uma espécie de tristeza, de náusea, uma mistura de uma com a outra, não existe nada pior." (Charles Bukowski)

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Metafísica da Ausência

"A angústia revela o ser-no-mundo em sua totalidade." (Martin Heidegger)

Foi uma noite de fúria, é verdade, e sentia que não havia mais sangue correndo nas minhas veias, mas algo como veneno, ou lava. Sei que, depois daquela explosão, consegui respirar um pouco melhor, como se a pata pesada de uma fera fosse tirada de cima do meu peito. Essa é uma imagem comum, gosto de usar, algo nela me faz sentir familiar. As palavras sangue, veneno, fera... De algum modo refletem algo dentro em mim. Agora, no entanto, restaram apenas cinzas.

Isso porque, às vezes, a decepção com a vida, a desesperança, o olhar para o horizonte sem nenhuma perspectiva, ao invés de resignação, provoca uma onda de ira. E então um horror é liberado do peito. 

Senti raiva por parecer estar sendo usado. Odiei isso. Porque, de novo tornando a esse assunto, eu me esforço nas coisas que me proponho a fazer, e parece que querem tirar sempre proveito disso. Quando senti que ele poderia me usar para se aproximar de outras pessoas, ao invés de valorizar o que eu estava fazendo... Parece que algo se desfez. Talvez de novo um dos altares que ergui aos meus ídolos ruiu? 

Uma parte de mim acha que isso é só paranoia. Afinal, muitas das ideias que temos são minhas, mas parece, e isso eu sei que não é paranoia, que ninguém nunca olha para mim. Mas olha para frente, para outras pessoas. 

No fim, me incomodei por sentir que estava sendo usado por outra pessoa que só queria ser aceita, quando eu também faço muito do que faço apenas para ser aceito pelo meio. Um sinal bastante claro da imaturidade, de alguém que ainda não saiu da quarta camada. 

Ele não entendeu que as imagens pessimistas em alguns trechos de Bukowski que enviei eram, na verdade, analogias para algo que parece bom, mas que pode ser destrutivo se você voar perto demais, o que parece ser o desejo de todos. Não gosto do sol, nem do calor, porque isso me lembra as pessoas que amo, e todas elas, acabaram me machucando quando me aproximei demais. Como Ícaro eu fui lançado ao chão por tentar voar perto do sol. Hoje eu o vejo com desprezo. Porque há de iluminar um mundo nojento. 

Por isso eu tenho preferido ficar quieto. Meus planos de regular meu sono não se cumpriram completamente. De noite estou dormindo melhor, estou conseguindo me acalmar mais cedo e, por isso, a qualidade do sono tem sido melhor. Infelizmente, talvez pela redução abrupta dos sedativos na semana passada, eu tenha ficado demasiado sensível, e isso se refletiu num abuso dos remédios nessa semana. Seja por um motivo ou outro, acabei ficando deprimido, e isso me fez ficar doente. Não nego que me tornei dependente desses remédios, e que teria gasto três vezes mais se tivesse esse dinheiro. Qualquer quantia é válida para impedir que eu veja, que eu responda, que eu seja. 

Quero voltar a dormir. Não há um só dedo de Deus nessa existência miserável que justifique ficar acordado para ver essas desgraças. 

E a minha ausência nem sequer fez diferença. 

Não é como se eu estivesse surpreso. 

Se presente, eu sou útil. Se não estou, não faz diferença. 

Continuam cantando, rindo, sorrindo, falando das carnes das mulheres. Comigo nunca é assim. Eles não dão a mínima!

Então, se vai ser assim, diga a Maricotinha que mandei dizer que eu não tô. Nem vou. Triste, sim, mas não surpreso. Mas a tristeza não é uma novidade, é uma velha companheira. Formamos um trio: eu, a tristeza e a desesperança. 

Como se fôssemos um só.

E o resto é vazio.

" - Estou trabalhando em um poema para você.
- Um poema de amor?
- Sim, se é para você, é um poema de amor." 

"Paterson" (2016)

sábado, 13 de setembro de 2025

Elogio à Desistência

"Tenho náusea da vida, como os que têm náusea da comida só por verem comer." (Fernando Pessoa)

Expectativas demais em cima de mim. Agendar reuniões, formações, encontros de espiritualidade, fazer artes, criar campanhas, ir nas missas da minha comunidade, da comunidade vizinha, do setor inteiro... Mas hoje, hoje não tenho a menor condição de terminar esse dia. 

A psiquiatra aumentou duas das minhas medicações e tirou outra. Concordo com ela, me senti levemente melhor quando tomava um pouco mais. Mas o problema não é esse. É olhar as mensagens e ver que esperam demais de mim. Agendar reuniões, formações, encontros de espiritualidade, fazer artes, criar campanhas, ir nas missas da minha comunidade, da comunidade vizinha, do setor inteiro... É demais para mim. Esperam demais de mim, e eu? Bem, eu não sou bom assim.

E ninguém percebe e isso é normal. 

Uma amiga, anos atrás, me disse essas palavras, numa madrugada íntima, quando ela me falou sobre os abusos que recebeu na infância e início da adolescência: no fim, é você quem precisa lidar com seus problemas, sozinho, ninguém vai fazer isso, nem tampouco te ajudar. Dá seu jeito. Cada um precisa dar seu jeito. Mesmo que alguém morra, podem te desejar os pêsames e, no dia seguinte, exigirem que esteja bem. Não só os chefes imbecis fazem isso, eles também, mas, em geral, todos são assim.

Por isso, eu que disse que ia melhorar a qualidade do meu sono e diminuir os remédios, voltei a encher a cara de sedativos hoje. Porque me incomoda olhar para a janela, e ver o sol brilhando lá fora, e saber que esperam que eu seja assim: capaz de iluminar a todos, e corresponder as expectativas de todos. Mas, em verdade, a única expectativa que terei hoje é a minha própria: quero dormir.

Dormir para não ver e nem ouvir o que esperam de mim. Não quero olhar mensagens, não quero agendar reuniões, formações e encontros de espiritualidade, não quero criar campanhas, não quero sair e, acima de tudo, não quero ser usado como pretexto para tentarem conquistar meninas, as quais me enojam simplesmente pelo fato de serem mulheres. Elas sempre me roubaram os homens, e isso acho que nunca serei capaz de perdoar.

Quero dormir, e fingir que esse dia não existiu. Fingir que não senti tristeza ao ver que ele só pensa nas coisas que posso fazer, mas que não pensa em mim propriamente. Não pensa no que disse aquele dia. Mas se lembra das palavras das mulheres. Sempre elas.

Não quero mais ser feito de bobo, mesmo sabendo que a maior parte da culpa é minha. Agora não quero mais ir nos compromissos do fim de semana. Ele terá muitas meninas por lá. Aliás, a minha presença só é necessária quando eu posso ajudar a chamá-las, não é? No fim, eu sou só mais uma abominação. Nunca um amigo de verdade, tampouco um melhor amigo, como já chegaram a dizer. É que confundiram a minha vontade de querer ser bom e me aproximar, e ser amigo, com a disponibilidade para ser feito de idiota.

Eu estou cansado, cansado de agir assim, cansado mesmo. 

Cansado de ser assim, cansado de implorar assim, cansado de me humilhar assim. Cansado mesmo.

As pessoas lembram de mim quando veem algo da Igreja. Lembram de mim quando precisam de um favor. Lembram quando eu não faço o favor na hora. Lembram quando eu posso responder uma pergunta difícil com a precisão de uma Inteligência Artificial. Lembram quando eu sou útil. 

Elas só não lembram de mim.

E parece que mesmo que eu desista cem vezes, sempre algo no meu coração desperta e começa a sentir de novo. De novo. E de novo. Preso no eterno retorno de amores não correspondidos, num ciclo infernal de entrega e morte. A serpente mordendo a própria cauda. Eu sempre morro. Porque corro demais só para ver alguém. E morro. Porque nado demais. E morro. E voo demais, só para ver alguém. E eu morro. De novo.

Quero dormir, e fingir que esse dia não existiu. Quem sabe não se decepcionem comigo como fizeram no trabalho e, com isso, me descartem. Prefiro ser descartado a ser usado para algo tão baixo e estúpido quanto conquistar uma menina. Por isso hoje não tenho a menor condição de terminar esse dia. 

"A compaixão pelos homens deve ser substituída por compaixão por nós mesmos: libertar-se deles." (Nietzsche)

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

O Corvo


Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
“Uma visita”, eu me disse, “está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais.”

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu’ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P’ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais –
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundindo força, eu ia repetindo:
“É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais.”
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
“Senhor”, eu disse, “ou senhora, de certo me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo
Tão levemente, batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi…” E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais –
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse os meus ais,
Isto só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
“Por certo”, disse eu, “aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.
Meu coração se distraia pesquisando estes sinais.
É o vento, e nada mais.”

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um Corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nenhum momento,
Mas com ar sereno e lento pousou sobre os meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
“Tens o aspecto tosquiado”, disse eu, “mas de nobre e ousado,
Ó velho Corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.”
Disse o Corvo, “Nunca mais”.

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivêssem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome “Nunca mais”.

Mas o Corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento,
Perdido murmurei lento. “Amigos, sonhos – mortais
Todos – todos já se foram. Amanhã também te vais.”
Disse o Corvo, “Nunca mais”.

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
“Por certo”, disse eu, “são estas suas vozes usuais.
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entorno da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp’rança de seu canto cheio de ais
Era este “Nunca mais”.
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu’ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele “Nunca mais”.

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dêssem, cujos leves passos soam musicais.
“Maldito”, a mim disse, “deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz êsses teus ais!”
Disse o Corvo, “nunca mais”.
“Profeta”, disse eu, “profeta – ou demônio ou ave preta! –
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, e esta noite e este segredo
A esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!”
Disse o Corvo, “Nunca mais”.

“Profeta”, disse eu, “profeta – ou demônio ou ave preta! –
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais,
Dize a esta alma entristecida, se no Éden de outra vida,
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!”
Disse o Corvo, “Nunca mais”.
“Que êsse grito nos aparte, ave ou diabo”, eu disse. “Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!”
Disse o Corvo, “Nunca mais”.

E o Corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda,
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha dor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais.
E a minh’alma dessa sombra que no chão há de mais e mais,
Libertar-se-á… nunca mais!

Edgar Allan Poe 
(Tradução de Fernando Pessoa)

Prelúdio do Desespero

"A esperança é o pior dos males, pois prolonga o tormento dos homens." (Friedrich Nietzsche)

Acho que, mesmo depois de tanto tempo, depois de todas as coisas que aconteceram, eu não consegui matar completamente a esperança dentro de mim. 

Será que isso é esperança? É isso que tanto chamam de esperança, que nos faz querer, de algum modo, seguir em frente e acreditar que as coisas vão dar certo?

É que, mesmo sem querer, eu me vejo de novo querendo estar envolto em um abraço, e queria que aquele meu beijo tivesse algum significado para ele, queria que ele entendesse que eu desejo a formação de um laço.

Mas me parece que todos os laços que criei, depois foram usados para me enforcar. E com esse não é diferente. Não é um laço entre nossos corações. É um laço para que eu coloque ao redor do meu pescoço, pondo um fim de vez a esse ciclo interminável de paixões não correspondidas e desespero.

Aquele beijo não significou nada para ele.

Eu não significo nada para ele.

Posso até tentar levar a conversa para outro rumo, tentar manipular as coisas de algum modo. Mas, no fim, essa é a única verdade, brutal, fria e direta: eu não significo nada para ele.

Nem para nenhum outro.

Os últimos dias foram de uma intensa euforia. A canonização de São Carlo Acutis me despertou, e eu realmente fiz muito mais do que imaginei que conseguiria, depois de quase dois meses de uma depressão terrível. 

Hoje o sol amanheceu um pouco mais brilhante. Há dias víamos apenas um céu nublado, e eu achava isso lindo. A presença de tanta luz me incomoda. Ele, por outro lado, ficou feliz com o sol. Acho que isso mostra o quanto estamos distante e incompatíveis.

Quando o sol se mostra dessa forma, dispersa as nuvens e a névoa que recobre o chão. Tudo se torna visível, o dia se torna caloroso, as pessoas mais dispostas. Eu não combino com isso. Prefiro o silêncio de uma noite onde tudo que se vê pela janela é um denso nevoeiro e um ar frio a fazer bater os ossos. Sinto que assim posso fechar os olhos e contemplar o silêncio. 

Não é como se fôssemos andar de mãos dados sob o sol e depois dormir juntos ao cair da lua. Não. 

Então é isso que chama de esperança? Querer continuar desejando, esperando, que meus esforços sejam reconhecidos? Mas o que se ganha com a esperança?

Alguma vez uma guerra se venceu porque o povo tinha esperança? Na verdade, a esperança só fazia com que aqueles pobres durassem mais em meio aos horrores. E desde quando sobreviver as desgraças é uma coisa boa? Não vejo nisso senão causa de desespero. Sim, o desespero é o único filho da esperança. Um homem magro das guerras, fome e tantos terrores que teve de enfrentar. Um homem que já não carrega luz nos olhos, senão uma lembrança opaca e sem vida. Seus passos arrastam pés sangrentos, suas mãos trituradas não seguram mais nada. 

"A esperança é a lua brilhante da desilusão, iluminando o caminho até a queda." (Cioran)

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Artéria


"É no beijo recusado que o amor se prova." (Marguerite Duras)

Em uma manhã fria
enquanto minhas mãos tremiam
não era pela chuva que caía
que meus ossos quase se partiram

porque à distância de uns passos
eu poderia me entregar bem mais 
do que um simples abraço
ao fim daquela cantoria

os sorriso ecoavam pela capela
e uma fraca luz pelas janelas
mas em contrário
meu coração ardia

e eu sabia que não podia
permitir que vissem ou sentissem,
que entre sorrisos e aclamações
meu coração se abrisse

ainda assim, movido por força
que eu não podia resistir
venci àquela distância
de poucos passos

para então me deparar com a 
distância invencível.
E mesmo assim, 
diante do impossível

abracei aquele corpo branco
no meio de um enorme sorriso
e num amplexo amado
um beijo apaixonado

ao pescoço lhe foi dado
tocando brevemente meus lábios
por aquela artéria onde
seu sangue passava.

Pergunto eu
no silêncio do meu coração,
se ao separarmos os nossos braços
os sentimentos que imprimi

em meus lábios
e que toquei sua pele
se teriam chegado pelo sangue
ao coração dele.

No entanto, é com aquela normal
tristeza e repugnância
que eu enfrento a cruel dureza
da verdade daquele instante.

Mesmo que não tenha demonstrado
para além da indiferença
a única coisa que ele pode ter sentido,
foi uma contida repugnância.

"E o que em mim sente está pensando." (Cecília Meireles)

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Entre a euforia e o silêncio


a noite chega já bastante escura
enquanto eu penso em outros assuntos
que também prometem perdas quase certas.
procuro um cigarro no
painel, este idiota sorrindo
internamente: as coisas nunca foram muito
boas, talvez não tenham mesmo de ser.
(Charles Bukowski)

Eu odeio esses dias de euforia. Odeio essa eletricidade que parece percorrer meu corpo por baixo da pele. 

Mas, seria eletricidade ou fogo? Pois parece que, depois, quando as coisas finalmente se arrefecem, quando passa o furacão que eu me torno dentro de mim mesmo, sobra apenas cinza. Cinza fria. Sinal de algo que explodiu, destruiu, e agora se foi. 

Eu odeio esses dias em que fico falante demais, porque sempre acabo chateando alguém, fazendo entender errado, e acabo me chateando mais ainda quando me vejo, como hoje, de novo, numa sexta de chuva em Joinville, sozinho, sem nem ao menos alguém para conversar, sair ou beber. As notificações pararam de chegar, porque as pessoas estão vivendo. Estão namorando, estão sendo elas mesmas, com seus amigos, com suas famílias, namorados, amantes, e até desconhecidos em mesas de bares e camas de um motel barato.

Cheguei em casa com os cabelos gotejando sereno. Participei de uma formação chatíssima que não me acrescentou nada além de horas de um profundo tédio que eu queria poder oferecer a Deus, se eu tivesse sofrido em silêncio. Mais uma vez me culpo por nunca conseguir colocar limites nesses dias.

Limites.

Limites no que digo, no que compro, no que me proponho a fazer. 

Limites nos remédios que tomo, no álcool, na pornografia. 

Parece que nesses dias essa palavra é simplesmente riscada. E eu não encontro limites. Mas não é verdade. Pois os limites se encontram exatamente nos mesmos lugares em que sempre estiveram: no limiar da minha própria consciência. Na diferença entre mim e os outros. Nisso que nos separa e que nos torna individuais. Nisto que torna nossa comunicação impossível.

Precisei dormir um pouco nos dois últimos dias apenas para fazer diminuir as vozes e evitar maiores danos. Mas as contas desse mês já estouraram o meu orçamento. Me comprometi a ir em lugares que não queria, a ter conversas que não queria, a muitas coisas que não queria. E, mesmo muitas vezes nem sabendo o que eu quero, sei bem que essa euforia não é, nem de longe, o que eu queria.

Passei um leve chá Rooibos e me sentei para escrever. Depois de assistir ao último episódio de Memoir of Rati, com o meu querido Sarin Ronnakiat, um de meus atores mais queridos. Me concentrei no aroma doce do chá, no seu tom avermelhado, no seu sabor, na xícara quente entre minhas mãos e do líquido em meus lábios. Foi preciso isso para desacelerar, embora já sejam quase três da madrugada e eu esteja tão disposto quanto estava às cinco da tarde.

Queria poder sentir o calor de um abraço, ao invés de apenas do chá. O perfume de um corpo querido, o sabor de um beijo. Queria poder ter seu corpo em minhas mãos, e assim me acalmar. Mas não é possível. 

No fim o que sobra é apenas isto, minha mente e corpo em desconexão, um cansado e o outro acelerado. E o silêncio. 

“Assim termina o mundo: não com uma explosão, mas com um suspiro.” (T.S. Eliot)