quarta-feira, 27 de agosto de 2025

A cidade dorme às nove

Jo Metson Scott

Tive uma crise alérgica desde as duas da madrugada de ontem (são quase duas da madrugada de hoje), e passei todo o dia revezando entre uma dopada candura, misturando remédios para dormir e para a alergia, com os episódios de crise respiratória. Uma droga. Culpa, aparentemente, da queda de  quinze graus na temperatura, voltando ao normal do inverno joinvilense depois de um irritante veranico, que durou uns três dias, e me ficar de cuecas em pleno mês de agosto.

O fato é que agora estou absurdamente cansado, como se cada fibra do meu corpo protestasse, resultado do esforço demasiado para respirar.

Mas, apesar dos pesares, consegui aproveitar alguns momentos, além do sono profundo. Por exemplo, um fato que me deixou contente é que o Marc Thanat, que conheci anos atrás como músico bem novinho na Kamikaze, extinto e renascido selo musical tailandês especializado em artistas jovens/mirins, retornou ao mundo do entretenimento. Passei anos acompanhando a vida simples dele depois do fim da empresa. Ele não parecia ter desistido da música, sempre aparecia com um violão entre um passei e outro com os colegas da faculdade, mas não deu a sorte de outros nomes da empresa, como o Gavin D que continua com produtor, ou o Third que conseguiu um baita sucesso num grupo musical temporário e algumas séries. Poder vê-lo como protagonista de um BL me deixou bem feliz, ainda mais ao ver o quanto ele ficou bonito, conservando o mesmo sorriso num rosto pouco mais velho. 

Pude aproveitar um pouco disso tomando um chá quentinho. Tenho gastado mais do que deveria com chás recentemente, mas isso tem sido um momento de prazer. Não chega a ser um hiperfoco, apenas um passatempo. Não tenho estudado sobre eles nem buscado soluções em ervas milagrosas, muito embora os chás me ajudem muito em dias como esses de crise respiratória, ou agora a noite, incomodado por gases por conta da quantidade de remédios que tomei. Apenas passo um chá, provavelmente do jeito errado, e aproveito o aroma, o sabor, o calor da xícara em minhas mãos, fechando os olhos e deixando o perfume penetrar assim com o som de um concerto de piano, como o n° 1 de Chopin que escuto nesse momento na interpretação do fofo Seong-Jin Cho.

O lado bom da doença é que ela redefine nossas prioridades, e isso é excelente. Um professor certa vez disse que poucas coisas fazem tão bem a um homem do que tomar um soco na cara, e eu concordo plenamente. Com tantas dores pelo corpo e a realidade desacelerada, eu posso dizer que quase não penso nas coisas que disse nos últimos dias. De novo me recordo da música e penso 

"Quantos mistérios que você sondava? 
Quantos você conseguiu entender? 
Quantos segredos que você guardava? 
Hoje são bobos ninguém quer saber... 
Quantas mentiras você condenava? 
Quantas você teve que cometer? 
Quantos defeitos sanados com o tempo 
eram o melhor que havia em você?"
(Oswaldo Montenegro)

É com reequilibrar um pouco a mente, ainda que às custas de uma doença. O trabalho, quando não nos rouba totalmente ou nos corrompe, também o serve. Discordo quando dizem que o trabalho dignifica o homem. Vi o bastante para notar que ele o destrói. E nem preciso ir longe atestar isso. Morando numa cidade onde tudo fecha às vinte e uma horas porque todos estão cansados demais, comerciantes e clientes, da jornada exaustiva das fábricas. No fim de semana o cansaço fica impregnado no ar de tal modo que, se esticar a mão, é quase possível sentir, como uma chuva densa de verão, o peso da umidade, aqui sendo o da fadiga. Parece que a todo momento uns tentam devorar os outros. Assim com na figura do ourobouros a cobra devora a si mesma. Assim como pareço alimentar a todo tempo aquilo que mais me destrói. 

Não devo ir para a terapia amanhã. Preciso começar a pensar em uma alternativa a todo esse consumo de remédio para dormir. Nas duas últimas semanas eu já dobrei a dose que derrubaria até um elefante, e nem assim tenho conseguido dormir o dia todo. Também tentei ficar longe completamente das mensagens, sem sucesso. Mas isso eu também já sabia como seria, ou tinha vaga ideia. Talvez termine esse texto depois, pois as dores estão voltando com o sono. Ou não. 

"Não ser devorado é o objetivo secreto de toda uma vida." 
(Clarice Lispector)

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