sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Ao Nada que persiste

Em alguns momentos tem sido difícil escrever. O barulho, as ocupações. Vejo que minha família está no limite aqui. O bebê já está engatinhando e, logo, vai começar a andar, e moramos num apartamento pequeno, além de que temos muitos móveis. Estamos todos nos sentindo sufocados. De minha parte, queria um apartamento pequeno, mas só meu, à imagem daquele que comentei anteriormente, que possa ser disposto de modo a ser aconchegante, acolhedor. Mas, bem, graças ao meu atual estado de desempregado, isso não vai ser possível tão cedo.

Então, mesmo me sentindo sem ar, preciso escrever, preciso dizer, ainda que não raras vezes eu sinta a ideia se esvair no exato momento em que me deparo com a página em branco. Mas ainda assim escrevo, sobre a frustração da inspiração que se foi. 

Mas também preciso encontrar um modo de falar da atual dicotomia, uma contraditória seleta de sentimentos que vem me dando trabalho para manter sob o mínimo de controle. 

É uma relação que nasceu da simples cumplicidade, da necessidade da proximidade com alguém num ambiente onde os círculos sociais se encontram já consagrados e fechados. Daí a união de dois excluídos. No entanto, como era de se esperar de alguém como eu, logo essa cumplicidade se transmutou em algo de dependência. 

Quando vi outro lado dessa pessoa, no entanto, senti enorme decepção ao ver que a confiança que ela dizia devotar a mim era diferente daquela que devotava a breves desconhecidas, com quem não se eximia de abrir-se e falar de seus desejos, de seus medos e coisas assim. Não fiquei triste por ter uma imagem destruída, como se esperasse que ele fosse sempre virtuoso, não. Mas fiquei triste porque, como amigo, entendo que confiar ao outro também suas fraquezas ou aquilo que não queremos que o todo saiba, mas apenas um pequeno círculo íntimo. Fiquei triste por descobrir que eu nada sabia da pessoa que dizia me ter em tão altíssima conta.

Mas, talvez, aos poucos consiga conquistar essa confiança, ainda que parta de mim a iniciativa de compartilhar minhas dores, misérias e baixezas. É que continuo acreditando na sinceridade, ainda acho que, numa realidade onde jamais podemos conhecer o outro inteiramente por conta da separação de nossa consciência, dessa muralha que sempre vai haver entre nós, a sinceridade encontra aqui o único modo de dois corações se aproximarem. 

Infelizmente, aumentar a proximidade também significa aumentar a dependência, e uma posterior paixão, que gera ainda mais dependência. E é com essa dicotomia que eu tenho lidado, com querer a aproximação, a intimidade, mas sem que dela crie uma dependência a ponto de machucar como já o fiz tantas vezes. 

Continuo, em busca de sinceridade, de conexão simples, porém verdadeira. Que faça sentir que estou um pouco menos sozinho nesse gigantesco oceano de consciências fechadas em si. Sem que dele passe a depender, sem que me apaixone, sem que sofra por saber que, em outra instância, não importa a sinceridade do meu amor, ele não será o bastante para vencer uma barreira que ele levantou ao redor de si.

Me tornei um caminhante. Alguém que não tem terra, que não se apega a um lugar. Percebi que aqui e lá eu sou dispensável, percebi que eu sou aquele moribundo que aparece repentinamente num dia excepcionalmente quente, em que todos se escondem do calor, ainda que precisem trabalhar. Buscam a proteção da sombra de uma árvore, de uma marquise. Escondem o rosto, a pele machucada pelo sol, enquanto não há escapatória da umidade que pesa o ar. 

Esse homem, eu escondido debaixo de tecido que me protejam do calor, apareço sozinho no horizonte, quase como uma miragem. Quem seria louco de andar ali aquela hora? "É a loucura do homem que ainda tem esperança", poderiam dizer. Mas não, é apenas a loucura niilista que, não enxergando valor em nada, tenta, ao menos, da destruição de si, encontrar algo. Alguém cujo nada é "não" e "sim" ao mesmo tempo. Não ao sentido do ser, sim ao continuar, em busca de algo que, se tentasse dizer, seria apenas um balbucio qualquer. 

Ao se aproximar das pessoas, que não se incomodam em sair da sombra para melhor entender aquela triste figura, cria nelas a impressão de um homem absolutamente vazio, mas que caminha a passos firmes, como se buscasse encontrar, enfim, um abismo real que correspondesse ao que há em seu peito. Caminha sem esperar chegar, mas também sem parar. Traz consigo apenas um remorso, culpando a si, pelos amores que nunca deram certo. 

 “Depois de tudo, no vazio
da manhã inabitável,
este remorso:
eu só queria uma canção
que não morresse
e a hipótese de um poema
que não fosse
o lugar onde me encontro
uma vez mais,
sem desculpa, sem remédio,
diante de mim mesmo.”
ajuda-me a negar

(Rui Pires Cabral)

Nenhum comentário:

Postar um comentário