Decidi hoje privar da minha boca o mundo,
não responder ninguém, calar-me em absoluto,
no túmulo do sono mais profundo
sepultar meu espírito, por inteiro dissoluto.
O dia morreu em mim — cadáver mórbido —,
s eu, quase saciado, despertei como um ressuscitado,
tomei nos lábios o chá-preto, cálido,
que exalava a baunilha em aroma sagrado.
Na tepidez do quarto, a música rasteira
vinha lamber-me a alma com língua de espectro,
e, por um segundo, senti a vida inteira
suspensa num bem-estar apodrecido e neutro.
Não me recordo, entre tantos escombros mentais,
quando foi a última vez que, em calma breve,
senti o perfume efêmero dos mortais
e não apenas o pus da miséria que em mim ferve.
Na noite escura, longe daquele por quem a luxúria clama,
a cruel realidade da alcova solitária e fria
fazia me contorcer a carne ao imaginar
as imagens que aquela candura me trazia,
Mais forte que minha imaginação
sempre tornava, como uma maldição
a me tomar e a controlar o sexo que eu buscava
em vão esforço acalmar.
Aquela pele clara estendida sobre ossos,
os olhares tímidos como de uma virgem
entregue ao amante que tanto desejou
quase podia senti-lo sob minha pele.
O rubor aumentando na face,
os lábios cor de sangue,
marcas pelos seios e costas de cândido mármore,
causadas pelas minhas unhas num combate de morte.
Finalmente quando a avulsão da forma nívea
e os gemidos calaram da noite todo ruído,
deixando apenas a ofegante respiração
de dois amantes naquela cela escondidos.
Olhos fechados simbolizavam o segredo
que deveriam guardar até deles mesmos
nos profundos recessos de uma consciência
que não se atreverá a dizer que seu sonho se realizou.
Num jato branco escorrendo,
por entre as fileiras de suor
a felicidade antes contida
agora finalmente se aliviou.
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