quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Sob as Luzes do Afeto - Estética e Emoção nas Produções Audiovisuais Asiáticas

As formas daquilo que vemos revelam muito e nos impactam muito, das mais diversas maneiras, além de, é claro, revelarem o pensamento por trás da produção. Não apenas de quem produziu, mas de toda sociedade que o cerca. Sendo um reflexo direto da mesma ou a busca por uma contraposição. Pretendo com esse esboçar alguns breves apontamentos acerca da fotografia de obras audiovisuais asiáticas, traçando um paralelo entre suas cores e a personalidade ali representada, de modo ainda um pouco amplo, algo como uma espécie de sociologia do audiovisual asiático. Isso corrobora com meus estudos atuais acerca do simbolismo porque essas produções são o simbolismo atual.

Se durante a Idade Média o simbolismo era visto por toda parte, da natureza às catedrais, e refletiam a relação do homem com a revelação divina, no ambiente cristão, mas também no paganismo asiático, ainda hoje podemos tentar compreender o que as produções contemporâneas podem nos significar. 

O início desse projeto vem da experiência de algumas centenas de obras assistidas, e esses apontamentos sempre estiveram presentes em minha mente. Assistindo várias dessas obras ao mesmo tempo, essas percepções foram se tornando comuns para mim, mas acredito que o início de um estudo mais aprofundado da mesma possa ser bastante útil.

Em princípio vou me deter nas produções coreanas, japonesas e tailandesas, afinal são as que mais tenho familiaridade, primeiramente destacando elementos particulares e depois traçando paralelos entre as mesmas, afinal essa é uma cultura de alcance internacional e, se chega até mim que estou do outro lado do mundo, não é de se estranhar que afete também, e principalmente, aqueles países mais próximos. 

A fotografia e o uso de cores nas produções audiovisuais (especialmente nas séries BL ou dramas) refletem não só questões estéticas, mas traços culturais, históricos e sociais de cada país. Por trás de cada obra há um universo imagético profundo. Dou aqui especial notoriedade a esse mundo formador do imaginário, pois a psiquiatria moderna afirma como principal causa da síndrome depressiva, a incapacidade da percepção e leitura dos símbolos. No entanto, eles continuam lá, e continuam exercendo influência sobre nós, quer percebamos ou não.


A Estética da Pureza

Começando pelas produções coreanas que, nos últimos anos, alcançou o gosto do público ocidental cada vez maior, creio que seja mais palatável ao leitor. A fotografia dos doramas coreanos é marcada por tons frios e pastéis, com predominância de azuis suaves, brancos, cinzas e beges. Essa escolha reflete não apenas o clima temperado e invernal, mas também uma dimensão cultural: o ideal estético coreano valoriza a limpeza visual, a harmonia e o controle emocional.

Câmeras fixas e movimentos sutis reforçam a ideia de disciplina e introspecção, tão presentes no comportamento social coreano. O foco difuso, o uso de filtros de “pele leitosa” e a iluminação homogênea buscam a perfeição e o equilíbrio, ecos da filosofia confucionista ainda enraizada na sociedade.

A luz fria dos doramas é como o silêncio das ruas coreanas: uma estética do domínio de si.

Essa estética reflete o ideal de perfeição social e estética profundamente enraizado na cultura sul-coreana:

A sociedade valoriza o autocontrole emocional, a disciplina e a aparência impecável. A pós-produção costuma alisar texturas de pele e suavizar contrastes — espelhando o padrão de beleza “limpo” e o desejo de harmonia visual e comportamental.

Seja pela milionária indústria dos cosméticos coreanos, que criam no imaginário popular a ideia da pele perfeita, seja em mulheres ou homens que, ao menos no âmbito do entretenimento, não escondem o uso de maquiagem e de muitos cosméticos: é algo comum que o homem se cuide, afinal, precisa que sua imagem esteja perfeita na tela, pois o homem perfeito não é apenas bem-sucedido, cavalheiro e carinhoso: é também belo. Não possui defeitos morais ou, se os possui, aprende a redimir-se pelo perdão.

O clima (invernos longos e frios) reforça o gosto por paletas geladas e sutis, que evocam introspecção e melancolia. Como exemplo podemos citar dramas como Goblin, Our Beloved SummerIt's Okay to Not Be Okay, Mr. Sunshine, Crash Landing on You e My Liberation Notes, os tons frios e o enquadramento centralizado traduzem o conflito entre emoção contida e desejo reprimido. Nos BLs coreanos (Semantic Error, To My Star, Our Dating Sim, Where Your Eyes Linger, Jun & Jun), essa fotografia polida reforça a contenção emocional e a pureza dos afetos, refletindo o peso social do decoro e da aparência. As cores frias e o enquadramento minimalista comunicam tanto a dificuldade de expressar sentimentos abertamente quanto o ideal romântico de harmonia e disciplina — valores centrais em uma sociedade marcada pelo coletivismo e pela pressão estética. Ainda que os personagens estejam num contexto de homoafetivo, sua aparência ainda reflete a imagem séria, limpa, do meio coreano.

A Melancolia Realista e Poética

 O Japão, por sua vez, aborda a imagem com uma estética do silêncio. A fotografia japonesa é mais naturalista e contemplativa, com tons pastéis, iluminação difusa e uma paleta que privilegia o desgaste, o vazio e a passagem do tempo. costumam ter uma fotografia naturalista, com iluminação suave e cores dessaturadas (bege, cinza, azul-claro). Os enquadramentos são simétricos, contemplativos, e os planos longos deixam espaço para o silêncio e o tempo real.

Isso decorre de uma sensibilidade estética moldada pelo wabi-sabi — a beleza do imperfeito, do transitório e do simples. A imperfeição, a passagem do tempo, o isolamento são, em si, geralmente evitados, mas a rotina de trabalho e estudo que buscam a perfeição, levando em consideração as exigências de resultados acadêmicos e profissionais excelentes, se contrasta com essa filosofia que, não apenas aceita, mas acolhe o imperfeito, revelando nele beleza e verdade, não inferioridade, e uma beleza que pode ser, até mesmo, maior que aquela. 

Os personagens tendem a se fixar em seus defeitos, meditam, refletem e remoem essas situações em longos silêncios de profundo significado. Só aos poucos costumam adquirir consciência de suas potencialidade, mas não sem percorrer um longo e doloroso caminho de autoconhecimento. É a evidenciação do imperfeito.

Séries como Shitsuren Chocolatier, Midnight Diner, Hanzawa Naoki, Mother e Quartet exploram o espaço entre o que é dito e o que é sentido, traduzindo o isolamento emocional e a sutileza relacional da cultura japonesa. Nos BLs (Cherry Magic! Thirty Years of Virginity Can Make You a Wizard?!, My Beautiful Man, Old Fashion Cupcake, Utsukushii Kare, Minato’s Laundromat), as cores suaves e o ritmo lento criam uma sensação de intimidade silenciosa — o amor se manifesta na contenção, no olhar desviado, no toque hesitante. A fotografia tende ao realismo poético, com câmeras fixas e enquadramentos longos, refletindo uma sociedade que valoriza o autocontrole, o ritual e a permanência das emoções sob a superfície.

Aqui também encontramos uma contraposição: enquanto a sociedade valoriza a tendência introspectiva, bem como uma grande reserva do espaço pessoal, o que gera frieza e distância, as obras apelam para o realismo das cores, especialmente pelo uso da luz natural na criação de um ambiente acolhedor. É como se elas dissessem ao público: sim, o outro pode ser acolhedor, a presença do outro poder ser um lugar quente e confortável capaz de nos fazer felizes.

O Calor da Vida e das Emoções

A Tailândia, país de clima tropical e cultura vibrante, transborda cor e movimento. A fotografia das séries tailandesas reflete a exuberância do clima e da vida cotidiana: luz solar intensa, saturação alta, contrastes fortes e ambientes urbanos cheios de sons e texturas. Séries como Bad Genius: The Series, Hormones, The Gifted, Girl From Nowhere e Home School mostram essa vitalidade cromática — uma energia visual que expressa tanto a modernidade quanto a mistura de tradição e liberdade. Nos BLs tailandeses (Until We Meet Again, TharnType, SOTUS, The Eclipse, Only Friends e, claro, I Told Sunset About You), o uso de cores quentes, iluminação natural e movimentos de câmera fluidos criam uma atmosfera de sensualidade, espontaneidade e afeto direto. O uso desses elementos enfatiza, o desejo, a ternura e a memória afetiva. 

A Tailândia, por ser o país asiático que mais liberalmente incorporou a representação LGBTQIA+ à cultura pop, reflete isso em uma fotografia que celebra o toque, o calor e a visibilidade. As cores saturadas e os corpos próximos traduzem o valor social da emoção expressa, da coletividade festiva e da aceitação gradual da diferença. 

Muitas produções refletem bem um aspecto interessante dessa cultura: a alegria. Um povo sofredor, pelas constantes crises políticas, pela pobreza, pela corrupção nos altos cargos que impactam serviços essenciais, a despeito disso, o tailandês é um povo feliz, tanto que são a "Terra do Sorriso": receptivos e calorosos. As paradas musicais que percorrem as vilas do interior, os artistas mais famosos, que usam e abusam de cores e brilhos, também são vistos com muita frequência: a quantidade exagerada de elementos em cena, tudo isso revela a presença dessa alegria em cena, mesmo naquelas séries mais melancólicas.

Enfim...

Sociologicamente, essas diferenças fotográficas revelam o modo como cada sociedade concebe o indivíduo e o afeto. A Coreia busca o equilíbrio e a pureza estética — um ideal moral e visual; o Japão mergulha no silêncio e na contemplação — a ética da impermanência; a Tailândia exibe o corpo e o calor — a vitalidade da expressão. Nos BLs, esses contrastes se tornam ainda mais visíveis: o amor entre homens, que é um tema marginal, ganha forma dentro do ethos dominante de cada cultura. Por isso, o BL coreano é o amor que não pode dizer seu nome, o japonês é o amor que não precisa dizê-lo, e o tailandês é o amor que se orgulha de sê-lo. A fotografia, nesse contexto, é mais do que uma técnica — é uma filosofia visual que traduz o modo como cada sociedade encara o desejo, o corpo e a própria ideia de humanidade.

A fotografia e as cores não são apenas escolhas visuais, mas expressões da alma cultural de cada país: A Coreia ilumina o ideal e o desejo de perfeição; O Japão suaviza o olhar para o efêmero e o humano imperfeito; A Tailândia acende a chama do afeto e da realidade, com toda a imperfeição e calor que ela traz.

Em breve talvez faça uma análise mais detida, quem sabe com um artigo para cada um dos países aqui analisados, aprofundamento até mesmo para mim, essa pesquisa com exemplos aprofundados, que evidenciem mais claramente o ponto que tento provar.

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Esse é o primeiro de uma série de artigos em que vou aprofundar o tema aqui exposto, cada um abordando um país diferente. Você pode encontrar as continuações aqui: II - Coreia do Sul, III  Japão  e IV - Tailândia.

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