Quarto e último artigo que aborda aspectos estéticos de produções audiovisuais de alguns países. Você pode encontrar os outros aqui: I - Introdução, II - Coreia do Sul e III - Japão.
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A Tailândia é um país de riqueza cultural fascinante. Em muitos aspectos me lembra o Brasil: mesmo com um complexo jogo político em permanente andamento, uma população vítima da violência institucionalizada, assim como uma pobreza endêmica e ignorada, a Terra do Sorriso ainda insiste na alegria. As cores das festas, a alegria das músicas mais populares, tudo grita uma forma de sobrevivência: é o povo que luta contra a tragédia do próprio destino, tema ao qual retornarei logo mais adiante.
Este eixo se diferencia dos anteriores: a estética tailandesa é mais solar, tátil e emocionalmente explícita, refletindo tanto o clima e o imaginário do país quanto a sua cultura de expressividade e espiritualidade.
Na Tailândia, a afetividade é parte visível da vida cotidiana — o gesto, o toque e a expressão emocional têm legitimidade cultural. Os BLs tailandeses refletem isso por meio de abraços longos, risadas espontâneas e gestos cotidianos de cuidado, que naturalizam o amor homoafetivo dentro do afeto humano mais amplo. "Bad Buddy" (2021), por exemplo, mostra a espontaneidade afetiva, os gestos de cuidado e a familiaridade no amor. Quando os personagens se conectam, se reconciliam, aceitam sua amizade e, logo depois, sentimentos mais profundos, logo seu afeto se torna visível, sejam as lágrimas ou o beijo apaixonado. "My School President" (2022) também segue essa linha, num tom mais leve psicologicamente que a série de Ohm e Nanon, e traduz o afeto em ações cotidianas e brincadeiras entre amigos que sentam para comer, tocar, e que estão sempre juntos, seja para seguir o sonho do grupo em vencer o concurso de música ou simplesmente ajudar um dos amigos a se declarar para uma garota.
Essas relações evidenciam um laço profundo. A Tailândia acredita que o homem tem, em sua essência, a capacidade e o desejo de formar laços. As lendas, as grandes histórias, sempre colocam os laços como tema central da vida. Essas histórias frequentemente evocam reencarnação, destino e o retorno do amor através de vidas — uma herança do budismo theravada. O amor é visto como uma energia cíclica e inevitável, mais mística que social, e isso suaviza os conflitos morais e religiosos em torno do desejo. Desse modo, os laços se tornam superiores ao tempo: não terminam com o fim de uma vida mas, se verdadeiros, perduram e vencem as dores.
Na obra-prima "Until We Meet Again" (2019–2020) a reencarnação e o destino como motor do amor transcende vidas. Embora a tragédia do amor proibido seja a razão da morte, é também por ela que se dá o renascimento e o reencontro, num laço que transcende o passado e se fortifica no presente para perdurar. Dean e Pharm, os personagens de Ohm e Fluke são aqui quase como arquétipos das almas enamoradas, destinadas uma a outra, ligadas pelo fio vermelho que, embora se estique e se enrole, jamais se parte. O reencontro de ambos, trinta anos após a tragédia que os separou, significa o início da cura pelo amor. Dean sempre procura por algo, sente um vazio que não sabe explicar, enquanto Pharm sofre com traumas e pesadelos que ele não sabe de onde vêm. O contato, literalmente contato de almas, dá início a uma vida nova, não mais marcada pelos tons escuros das cenas chuvosas do passado, mas de uma atmosfera clara, acolhedora, muito embora a fotografia seja ligeiramente mais fria que as demais obras tailandesas, o que na realidade é uma característica do Studio Wabi-Sabi, que se inspira na estética coreana.
Não só do ponto de vista romântica, a Tailândia é uma sociedade de laços comunitários intensos. Os BLs refletem isso em cafés, repúblicas estudantis e vilas onde os personagens convivem, reforçando o afeto coletivo. As relações não se constroem no isolamento (como nos dramas coreanos), mas na convivência. A comunidade se torna um espaço extensivo ou substitutivo da família.
Ambientado numa escola, com o coletivo como elemento central de mudança, "The Eclipse" (2022) traz à tona muitas vezes o valor da amizade. O protagonista interpretado por Khaotung se apresenta quase como um anti-herói, sempre entrando em conflito o outro, um First seguidor das regras. Os amigos deste acabam se tornando um grupo só com aquele, ainda que muitas vezes não concordem com a forma de fazer certas coisas. Mas, no fim, ainda sentam para comer e beber juntos.
Essa característica vem da tradição das Kathoey: hostilizadas pela própria família, encontravam na associação entre semelhantes uma rede de apoio. Essa sensação está profundamente impressa na mentalidade dos Bls em comparação com os Lakorns que, em sua maioria, trazem histórias de disputas e dramas no âmbito familiar. Enquanto neste temos as famosas entradas triunfais em casa, onde os personagens chegam confrontando uns aos outros, nos BLs temos mais cenas entre amigos, seja ao redor de uma mesa de churrasco de barriga de porco ou de uma grande panela de Shabu-shabu. Com efeito, assim como as kathoey geralmente só tinham, e em muitos lugares continua assim, umas as outras, também os personagens encontram nos amigos o amparo necessário.
"Only Friends" (2023) apresenta uma narrativa mais madura e polêmica da produtora que, geralmente foca num público mais novo, a convivência em grupo e as redes de amizade sustentam os personagens emocionalmente, assim como são também o eixo ao redor do qual se desenrola a trama, com as dificuldades advindas dessa proximidade.
Proximidade essa que se dá das mais diversas formas: amigos que se abraçam e choram juntos ou as tradicionais cenas na praia. Diferente da contenção japonesa e coreana, a corporeidade tailandesa é natural e calorosa. O toque, o suor, o sol e o mar são elementos narrativos que tornam o corpo um espaço de honestidade emocional — onde o amor é dito sem palavras. Aqui cabendo citar dois dos maiores BLs de todos os tempos.
"I Told Sunset About You" (2020), protagonizado pela dupla Billkin e PP Krit apresenta o toque e a corporalidade como metáforas da revelação afetiva. A descoberta da sexualidade se dá com a consciência do próprio corpo e do corpo do outro. Teh percebe, ao tocar Oh-aew, que este não é uma menina, não tem seios, então por qual razão ele ainda se sente atraído por seu cheiro, o xampu de coco, por qual razão deseja constantemente sua companhia e quer se aproximar dele cada vez mais. Ao mesmo tempo, Oh-aew, embora tenha mais segurança quanto a sua sexualidade, começa a questionar se Teh se aproximaria mais rápido e sem medo dele se ele fosse uma garota. A constatação do seu corpo, masculino, é dolorida porque aceitar-se é aceitar que Teh, inicialmente, não quer um relacionamento amoroso com ele.
Tudo isso se dá em meio às prais de Phuket, iluminadas pelo sol, com cores saturadas: um ambiente quente, afetuoso. Mas calor demais também gera desconforto. Quem voa muito perto do sol acaba se queimando. O sentimento assusta, machuca, os jovens demoram se acertar quando ambos são intensos: o querer e o medo. Mas o sol que ilumina a praia termina por lançar essa mesma luz nos corações confusos: ao fim do dia encontram finalmente a aceitação de seus sentimentos. A série termina com a mesma pergunta feita no começo, dita com outras palavras, "você consegue?"
"The Miracle of Teddy Bear" (2022) traz, com maestria, uma fisicalidade poética, símbolo de transformação e aceitação. Inspirado em O Pequeno Príncipe, o personagem de Sarin tem um objetivo: ensinar uma família destruída a voltar a amar. Desafio dificílimo para pessoas que já se fecharam ou sofreram tanto que já não querem ou sabem amar. E então o nosso ursinho feito menino que caiu do céu, com seu jeito inocente, desarma a todos com seu sorriso e sua espontaneidade. O homem que se escondia atrás de uma figura forte e ríspida chora, e ele o consola, abraça e diz que, naquele momento, não precisa se preocupar em parecer fraco, pois tem quem o apoia. Após uma longa jornada, o personagem de Job acaba por redescobrir o amor que lhe foi roubado na juventude, aos poucos curando as mágoas deixadas desde então, das quais ele fugia se concentrando no trabalho. Aliás, curiosidade, embora de produtoras diferentes, a série se passa no mesmo universo de "The Eclipse", pois ambas são adaptadas da mesma série de livros.
O personagem que foge dos medos se enfiando no trabalho é também um reflexo da juventude como espelho de um tipo de ideal nacional. A juventude tailandesa é representada como moderna, sonhadora e globalizada, mas ainda enraizada em valores tradicionais. Os BLs equilibram o amor liberal e a moral familiar, espelhando o país em transição entre tradição e modernidade. Numa das primeiras cenas de "My Gear and Your Gown" (2020) ouvimos que as mesmas coisas que eram comuns há duzentos anos continuam iguais por lá. Os mais velhos esperam que a nova geração não só honre a passada, mas que a supere. Isso pode ser observado nas diversas classes sociais: os mais ricos querem o crescimento de seus negócios, os pobres desejam uma vida melhor aos filhos. De todo modo, a nova geração recebe essa pressão.
Em "The Gifted" (2018/2020) vemos a juventude como metáfora de renovação e responsabilidade social elevada ao extremo, onde os jovens são incentivados a explorar suas habilidades e potenciais ao máximo, sem se preocupar com as consequências. O mesmo em "Blacklist" (2019) onde vemos que os jovens carregam a responsabilidade pela justiça que os mais velhos falharam em defender. Mais recentemente, a aclamada "Shine" (2025) apresenta os ideais revolucionários levados ao extremo: uma juventude que não quer ver o país sofrendo como o país de seus pais, clamando por mudança até as últimas consequências.
Uma das formas mais usadas nas produções audiovisuais é justamente as emoções representadas em cores: há quase um consenso, mas também há espaço para posições particulares. A luz quente, as cores saturadas e os ambientes abertos (praias, dormitórios ensolarados, interiores floridos) criam uma atmosfera emocional e sensorial que comunica liberdade. A estética tailandesa é solar e emocional, contrastando com a frieza das séries coreanas. Há aqui, no entanto, uma combinação de ambas em certo sentido, visto que os atores mais famosos são aqueles com tom de pele mais claro, bem como o uso de produtos de clareamento facial.
"Hidden Agenda" (2023) representa bem essa estética mista: o ambiente é solar e colorido, contrastando com o tom emocional das confissões, bem como a aparência perfeita dos personagens de Joong e Dunk: pele perfeita, cabelo impecável, roupas alinhadas. O retrato da perfeição coreana.
Citando novamente "I Told Sunset About You" (2020) e sua continuação "I Promissed You The Moon" (2021) brinca bastante com esse jogo de cores: a primeira temporada tem um ambiente quente, como dito, o sol que lança luz sobre os sentimentos escondidos. Na segunda temporada, a paleta de cores frias dos prédios de Bangkok (já que a série não explora os ambientes mais alegres da cidade) remontam a essa melancolia da incerteza, embora mais madura que a questão juvenil da descoberta da sexualidade. Um elemento interessante é que, em certo ponto, o personagem de PP Krit pinta seu cabelo com um vermelho que contrasta com o ambiente frio, incomum para uma Tailândia quente e úmida, revelando e retomando o calor da primeira temporada: o personagem está descobrindo sua vocação.
Por fim, "Moonlight Chicken" (2023) usa as cores como forma de confissão emocional: as cores quentes, a pele suada, são retratos do desejo dos personagens, da tensão de sua relação ainda sem bases de Earth e Mix. A paleta é suavizada quando o casal secundário, Fourth e Gemini, entra em cena. Embora também exista neles tensão, e até desejo, isso é atenuado pelo fato da descoberta do novo mundo pelos meninos.
Muitos personagens são artistas, músicos ou estudantes de arte. A performance — cantar, atuar, escrever — funciona como metáfora para o autoconhecimento e a aceitação de si. A arte é o meio de cura, e a confissão, o ponto de virada. Em "Lovely Writer" (2021) vemos um escritor e um ator em meio ao furacão da pressão social que eles mesmo criticam, e precisam lutar pelo próprio relacionamento. Em "Star In My Mind" (2021), Daonuea passa anos fazendo os trabalhos de arte de Kluen, muitas vezes repetindo o símbolo do girassol, sinal de fidelidade, tanto que a flor se torna um símbolo de ambos. "Cutie Pie" (2022) usa a arte como forma de aceitação: o personagem só sente a própria personalidade quando toca ou canta, em contraste com a máscara certinha que ele usa normalmente. "We Are" (2025) se passa quase totalmente na faculdade de Artes do protagonista interpretado por Phuwim, e a conclusão de uma tela é tema central para o desenvolvimento do personagem.
Nos BLs tailandeses, o erotismo raramente é vulgar; é simbólico. Os beijos longos, os olhares demorados e a naturalidade do desejo são apresentados como formas de expressar o amor verdadeiro, não como tabu — em contraste com a reserva das outras produções asiáticas. Obras como a já citada "Cutie Pie", "WhyRU?" (2020) chocando os fãs de um Saint antes contido em "Love By Chance" (2028) e apresentando um picante Zee que viria a ser um dos símbolos desse erotismo como expressão de entrega. "KinnPorsche" (2022) é uma das mais gráficas nesse ponto, desmistificando o prazer como parte integrante desse simbolismo, cada vez mais profundo conforme as relações sexuais se repetem e também no descobrimento, como acontece com os personagens de Bible e Build, onde aquele encontra na entrega deste o afeto que até então desconhecia. "The Sign" (2023), coloca a relação sexual como ponto alto da superação das questões míticas envolvendo os personagens.
Também encontramos muito de um erotismo mais poético. "La Pluie" (2023) trabalha com a sutileza, um meio de revelação do afeto e conexão espiritual. A belíssima "I Feel You Linger in the Air" (2023) traz uma das mais belas cenas de amor: entrega e libertação das pressões e medos que cercam o romance proibido numa época distante. "BedFriend" (2023) explora a relação sexual como construção da relação afetiva, ao passo que "The Next Prince" (2025), embora alguns considerem apelativo, marca a confiança como ponto central do amor.
Os BLs tailandeses tendem a unir realismo emocional intenso e a espiritualidade cotidiana, o que os torna únicos entre as produções asiáticas. Sua estética solar, a centralidade do corpo e a naturalidade dos afetos criam uma linguagem audiovisual de empatia e humanidade. São séries que, embora fantasiosas, nos dão mais impressão de conexão com a realidade.

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