Em consonância com a Teologia Patrística, São João Paulo II afirma a iluminação da dor pela expectativa da Ressurreição: “O sofrimento humano foi assumido por Cristo e, na sua Páscoa, tornou-se caminho para a vida.” Enquanto o mundo silencia sobre a morte, por um desespero silencioso, a Igreja consola seus filhos na voz do Papa: “A morte não é a última palavra sobre o homem, porque o Filho de Deus penetrou na própria morte e dela fez o início da vida eterna.”
A profundidade da teologia de Santo Tomás de Aquino não condiz com a frieza que normalmente apontam sua obra, nos meios não católicos. Pelo contrário, um coração frio jamais seria capaz de compor os mais belos hinos à Eucaristia, senão que só poderiam ser obra de uma alma ardente. Sem rodeios, ele apresente a morte como essa separação dolorosa e a recompensa perfeita que é a vida eterna transformada pela redenção em Cristo. “A morte, enquanto separação violenta da alma e do corpo, é a mais terrível das coisas naturais.” Mas não permanecemos nela, e podemos retomar a visão do rio, e a morte como passagem, dura, é verdade, mas certa do porto ao qual chegaremos: “A morte foi vencida pela morte de Cristo; assim, aquilo que era causa de temor tornou-se caminho para a vida.”
Desaba o céu e os trovões rasgam o firmamento. A orquestra explode como o terremoto do último dia, quando montanhas se movem e os mares se levantam como muralhas. O coro grita como multidão diante da verdade absoluta: o dia da ira não é capricho, mas revelação; não é destruição, mas desvelamento; não é horror, mas a justiça em sua pristina forma. É o estremecimento da criatura diante do Criador.
E entre esse caos, Verdi faz surgir um instante terrível e belo: um sopro quase silencioso do coro murmurando “Quantus tremor est futurus…” porque, no fundo, o medo humano não grita: se estreme.
O Dies Irae de Verdi é um ícone sonoro do momento em que Deus desce com toda a Sua verdade, e o mundo inteiro se reconhece pequeno, frágil, pó. Mas também é súplica, porque cada explosão é seguida por um pedido: “Recordare…” Lembra-Te, Senhor.
A pergunta “Que poderei eu dizer?” sobe como uma brisa triste, mas também honesta. É o reconhecimento de que a salvação não nasce das mãos humanas. Cada voz treme como folha ao vento do juízo e Santo Afonso nos alerta com gravidade: “A morte é a porta da eternidade: feliz de quem a encontra em graça!”
O Offertorium e o Sanctus mudam o tom, assim como aquela severidade de Santo Afonso se convertem em reflexão sobre a Pátria Eterna: “No paraíso não se deseja nada, porque nada falta; ali se possui o Sumo Bem.” É tranquilidade depois do abismo, música que sobe como incenso. O movimento é vertical: ascensão da alma que se oferece a Deus. Oferendas e preces a Ti, Senhor, conduzidas por luzes que já não queimam, mas acolhem.
Um clarão de felicidade inesperada, como se, após toda a dor do juízo, os céus finalmente se abrissem. É dança, é sol, é glória. O coro canta como multidão de anjos, com brilho e velocidade jubilosos. O Requiem se encerra não com triunfo, mas com esperança humilde, como se dissesse: “A eternidade começa na entrega.” Não apresenta o Paraiso, chegamos até sua antessala. O restante devemos ver por nossa própria conta. Essa bela visão nos é sugerida por São Francisco de Sales: “A morte não deve ser temida pelos que amam a Deus, pois é a porta da verdadeira vida.” A posição cristã é a da serenidade, não desleixo e pecado, claro, mas esperança na misericórdia, Deus conhece nossas fraquezas mais que nós mesmos.
A eternidade deve ser vista como primavera sem inverno. Se, nesta vida, o coração experimenta invernos de dor, a eternidade é a primavera em que todas as flores brotam ao mesmo tempo. Ali, não existe mais noite, nem frio, nem lágrimas, apenas o calor do amor que tudo preenche.
Como o Liber Scriptus, vemos a própria vida como um livro que Deus escreve e sela pela morte. Não contém apenas nossos pecados, como muitos o creem, achando que Deus deseja nossa condenação. Pelo contrário, ele deseja ardentemente nossa salvação. Nesse livro, cada dia é uma linha; cada dor, uma sílaba; cada graça, um adorno. Ele mesmo quer de nós a esperança de um dia vê-lo face a face, como nos ensina o Papa Francisco, sobre a esperança cristã diante da morte: “A morte é iluminada pela esperança da vida eterna; não é o fim, mas a porta pela qual passamos ao encontro com Deus.” A palavra final desse livro deve ser o nosso "amém", ressoando como trovão, ao Paraíso em que Nosso Senhor nos aguarda junto de seus anjos e de todos os seus santos.
Não poderia abreviar essa reflexão: é na repetição dessas palavras que a verdade se marca em nosso coração, e é preciso que a esperança da eternidade supere o medo da morte sem o verdadeiro arrependimento. Entre a sombra da morte e a luz da eternidade, a voz da Igreja canta: ‘Recordare, Iesu pie’ — lembra-Te, Senhor, que sou pó chamado à glória.
Referências
SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. Preparação para a Morte, Considerações I e VI.
SANTO AGOSTINHO. Comentários sobre os Salmos, 60, 1. A Cidade de Deus, XIII, 2. XXII, 30.
BENTO XVI. Carta Encíclica Spe Salvi, sobre a esperança cristã, 47.
SÃO BOAVENTURA. Palestra sobre os seis dias da criação, XIX, 14. Itinerário da mente para Deus, I, 1.
FRANCISCO. Reflexão da Audiência Geral, 27/11/2013.
SÃO FRANCISCO DE SALES. Tratado do Amor de Deus, XII, 13.
SÃO GREGÓRIO MAGNO. Homilias sobre os Evangelhos, II, 34. Comentários sobre a moral em Jó, XXVIII, 47.
SÃO JOÃO DA CRUZ. Carta 21. Dito atribuído, recolhido em Obras Completas, ed. crítica, p. 753.
SÃO JOÃO PAULO II. Carta Apostólica Salvifici Doloris, sobre o sentido do sofrimento humano, 23. Homilia na Solenidade de Todos os Santos, 1999.
SÃO PAULO VI. Missal Romano, Prefácio dos Domingos do Tempo Comum IX. Credo do povo de Deus - Solene profissão de Fé, 28.
SANTA TERESA D'ÁVILA. Poesias, 9. Castelo Interior, VI, 2, 1.
SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica , I-II, q. 5. I-II, q. 3, a. 8. Exposição sobre o Credo, art. 5.

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