Consegui encontrar alguma força para ir, ainda que sozinho. O que sentia durante toda a experiência? Bem, não é como se eu tivesse tomado a decisão de fazer isso sozinho. Não. Era apenas a aceitação, quase estoica, de um destino a mim imposto. Eu não escolhi ir sozinho, o fui porque não tinha outra opção além dessa ou ficar em casa e não fazer o que tinha vontade. Mas não tive sequer ânimo de comprar chocolates ou entrar numa loja de presentes para ver canecas. Não. Só conseguia estar super consciente da minha condição: completamente sozinho.
Percebia a cada passo solitário, que realmente sou aquele do qual todos se lembram num problema, mas que, em momentos como aquele, que gostaria de partilhar uma alegria, singela e até comum, eu olhava ao meu redor e não encontrava ninguém.
Estava lá, sozinho, mas não por escolha minha.
"Atualmente percebo, com toda a nitidez, que eu mesmo, em virtude da minha ilimitada vaidade e, por conseguinte, da exigência em relação a mim mesmo, olhava-me com frequência, com enfurecida satisfação que chegava à repugnância e, por isso, atribuia mentalmente a cada um o meu próprio olhar." (Fiódor Dostoiévski)
X
Podia. Houve um tempo em que podíamos falar de tudo. Então tudo isso mudou quando você começou a enxergar erro e falsidade onde havia beleza, descartando tudo que se parecesse com o pecado, ainda que fosse oposto a isso. Você não percebeu, mas ao fazer isso, levantou uma barreira entre nós. Você não a enxerga, mas para mim ela é não só visível como palpável, uma gigantesca muralha de cristal, refletindo ambos os lados. A beleza que tento te mostrar não chega a você, e você se fechou num estado de contemplação surpresa onde, imobilizado pela grandeza do que vê, é incapaz de avançar justamente porque dar um passo significaria aceitar que há beleza após esses umbrais que você evita transpassar.
É triste, pois a muralha também impede que meu amor o alcance, e então você, ao olhar o que supostamente seria seu horizonte, enxerga apenas as possibilidades que dele me excluem completamente. Incapaz de ver a verdade em meus sentimentos.
Por isso eu só posso me lembrar com saudades daquela época, em que podíamos fala de tudo, e que não parecia haver uma barreira tão grande diante de nós. Os reflexos de sombra e luz que você julga serem a verdade são, em verdade, reflexos do seu medo. Medo esse alimentado por um puritanismo que contaminou seu coração, impedindo que você usasse a luz da Verdade para limpar aquilo que lhe era realmente útil, bom, justo, daquilo que lhe era sujo. Em verdade é uma linha tênue de se distinguir, mas a muralha que você ergueu também me impede que eu o ajude. Logo, o que você vê, essa luz brilhante, na verdade esconde as sombras que se aproximam lentamente do seu coração, como tentáculos silenciosos, prestes a joga-lo no mesmo abismo do qual você julga fugir.
culpado
nós desperdiçamos
nossas oportunidades,
nós estrangulamos
nossos próprios corações.
Uma pena, uma pena, uma pena."
(Charles Bukowski)
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