sexta-feira, 18 de julho de 2025

Sonhos e Delírios

Assim como o ciclo das estações se sucede indefinidamente, desde a aurora dos tempos, passando pelo outono das eras. Ao mesmo tempo em que tudo se repete, nada permanece igual, tudo muda, como disse o velho Heráclito. Conclusão igualmente desconcertante, obvia, conquanto genial, que só pode vir da observação, algo digna de um quase monge que tenha, imóvel, por décadas, observado na sucessão infinda da criação, as mudanças que a tornam tão mutável. 

Mas, enquanto os filósofos observam, junto aos cosmólogos, os naturologistas, biólogos e tutti quanti, o que acontece ao universo ao nosso redor, os poetas, os bêbados, e os que, como eu, não se encaixam nem entre os primeiros e nem entre os segundos, se ocupam de observar, não com menos atenção e espanto, o próprio interior do homem.

Seja por meio dos grandes escritores da história, ou daqueles relegados ao esquecimento, dos pensadores moralistas que intentavam sondar o interior de cada homem, dos estudiosos da mente humana que buscavam compreender os impulsos mais profundos e discretos, desconhecidos e ignorados inclusive por aqueles por eles controlados. Em todos os casos observamos esse reflexo do universo, o microcosmo de estações que se sucedem se repetem e que, ao mesmo tempo, se transformam sempre num movimento infinito. 

O coração do homem é, talvez, ainda mais misterioso que os oceanos profundos e o imensurável espaço até hoje inexplorados pela humanidade que, ignorando o que se passa em si, se volta para as belezas que a rodeiam. 

Sim, porque é mais fácil. Agora, sem me arrolar o direito de falar em nome da humanidade, digo que é mais fácil observar os homens belos, as criaturas, os dias de sol e de chuva, as grossas nuvens, do que me perguntar a razão de continuar a insistir naquilo que já me é mais do que conhecido e resolvido, que já passou, que em nenhum momento houve real possibilidade de ser, ao mesmo tempo em que, no coração, alimentava-se uma esperança, tão bela, tão luzidia quanto a mais valiosa esmeralda, mas que, depois de certo tempo, transmutou-se em gema de desespero, conservando o brilho esverdeado já não refletia mais um futuro belo, mas a verdade cruel de um espelho quebrado. 

Esse futuro nunca será, jamais será. Foram apenas os habituais devaneios, surtos, sonhos alucinados de um não-ser, fantasias de uma criança com medo do abandono. De um homem que, dentre todas as conquistas dos homens, apenas queria acordar ao lado do amado, sem que fosse um sonho, um delírio causado por um remédio anormalmente forte. 

É sexta a noite, e eu só queria uma companhia. Um amigo, um amante. Alguém pra tomar umas cervejas, foder e assistir séries, depois dormir num abraço. Delírio.

"Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles." (Clarice Lispector)

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