Meu sobrinho acordou assustado, e começou a chorar, e ninguém conseguiu fazer ele parar. Peguei ele no colo e brinquei com ele por mais de vinte minutos até ele se acalmar. Ele estava com muito sono, encostava a cabeça no meu peito, mas não conseguia pegar no sono. Depois de parar de chorar ele tomou um pouco de leite com chocolate e, ainda minutos depois, pegou no sono. A imagem dele encostado em mim sempre me marca bastante, especialmente depois que ele para de chorar. De algum modo aquele pequenino confia em mim, se sente confortável o bastante para sorrir e dormir quietinho no meu colo. A pureza delicada desse momento é uma lembrança cara, a qual eu nunca imaginei ter, afinal, nunca imaginei ser pai e, mesmo sendo apenas tio, essa é uma experiência que me faz repensar sobre tudo: sobre uma pequenina pessoa, incapaz de sobreviver sozinha por algumas horas, dormindo paciente e confortavelmente em meus braços, sorrindo quando eu brinco, e se acalmando quando a acalento.
Essa breve visão é um tipo de, como poderia dizer? Pense num caminheiro a cruzar agrestes escarpados, ventos fustigantes a castigar seu rosto, depois um deserto escaldante, meses longe de sua cidade, sem lugar para repousar a cabeça, e enfim, no meio do caminho ele encontra um bosque, onde pode sentar-se na beira de um riacho e refrescar sua face, saciar sua sede com aquele fonte cristalina e a fome com as frutas que crescem ali perto, ao alcance da mão. É um sorriso do mundo para um homem cansado, caminhando sem rumo, mas que, por instantes, pode contemplar alguma beleza que não as dores de seu corpo ou as estradas da vida. Essa contemplação, de um viajante silencioso, é assim, silenciosa, amorosa. Ele observa ao redor e cada detalhe se imprime em seu coração. Lhe servirá ao retomar a jornada uma vez mais.
A beleza desse bosque é essa. Ele, no entanto, não pode ficar apenas ali. A caminhada continua, a beleza fica para trás até que se encontre outra. O homem então deixa ali aquele instante, leva consigo suas memórias, e fica aguardando a próxima paragem. Retorna sua jornada, mesmo sem vontade.
Ele caminha, de novo sem saber para onde vai, apenas continua. No entanto, não raramente, ele apenas para e se deita beira da estrada, incapaz de continuar. É como se, a cada passo, seu corpo fosse ficando mais e mais pesado. Quando isso acontece, não importa o calor do sol ou o frio, ele apenas apaga. Muitas vezes acorda coberto de poeira, neve ou próximo a algum pássaro que acha que se trata de um estranho tronco caído, já sem vida. O que, de certo modo, não está errado. É que, de tempos em tempos, ele precisa morrer, ainda que seja essa morte breve de cada dia, porque a vida, contínua, lhe é demasiado pesada. E então ele fita o horizonte, antes de cair em sono profundo,
"Eu às vezes tenho uma saudade de uma coisa que eu não sei o que é, nem de donde, me afrontando." (João Guimarães Rosa)
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