"Tenho náusea da vida, como os que têm náusea da comida só por verem comer." (Fernando Pessoa)
Expectativas demais em cima de mim. Agendar reuniões, formações, encontros de espiritualidade, fazer artes, criar campanhas, ir nas missas da minha comunidade, da comunidade vizinha, do setor inteiro... Mas hoje, hoje não tenho a menor condição de terminar esse dia.
A psiquiatra aumentou duas das minhas medicações e tirou outra. Concordo com ela, me senti levemente melhor quando tomava um pouco mais. Mas o problema não é esse. É olhar as mensagens e ver que esperam demais de mim. Agendar reuniões, formações, encontros de espiritualidade, fazer artes, criar campanhas, ir nas missas da minha comunidade, da comunidade vizinha, do setor inteiro... É demais para mim. Esperam demais de mim, e eu? Bem, eu não sou bom assim.
E ninguém percebe e isso é normal.
Uma amiga, anos atrás, me disse essas palavras, numa madrugada íntima, quando ela me falou sobre os abusos que recebeu na infância e início da adolescência: no fim, é você quem precisa lidar com seus problemas, sozinho, ninguém vai fazer isso, nem tampouco te ajudar. Dá seu jeito. Cada um precisa dar seu jeito. Mesmo que alguém morra, podem te desejar os pêsames e, no dia seguinte, exigirem que esteja bem. Não só os chefes imbecis fazem isso, eles também, mas, em geral, todos são assim.
Por isso, eu que disse que ia melhorar a qualidade do meu sono e diminuir os remédios, voltei a encher a cara de sedativos hoje. Porque me incomoda olhar para a janela, e ver o sol brilhando lá fora, e saber que esperam que eu seja assim: capaz de iluminar a todos, e corresponder as expectativas de todos. Mas, em verdade, a única expectativa que terei hoje é a minha própria: quero dormir.
Dormir para não ver e nem ouvir o que esperam de mim. Não quero olhar mensagens, não quero agendar reuniões, formações e encontros de espiritualidade, não quero criar campanhas, não quero sair e, acima de tudo, não quero ser usado como pretexto para tentarem conquistar meninas, as quais me enojam simplesmente pelo fato de serem mulheres. Elas sempre me roubaram os homens, e isso acho que nunca serei capaz de perdoar.
Quero dormir, e fingir que esse dia não existiu. Fingir que não senti tristeza ao ver que ele só pensa nas coisas que posso fazer, mas que não pensa em mim propriamente. Não pensa no que disse aquele dia. Mas se lembra das palavras das mulheres. Sempre elas.
Não quero mais ser feito de bobo, mesmo sabendo que a maior parte da culpa é minha. Agora não quero mais ir nos compromissos do fim de semana. Ele terá muitas meninas por lá. Aliás, a minha presença só é necessária quando eu posso ajudar a chamá-las, não é? No fim, eu sou só mais uma abominação. Nunca um amigo de verdade, tampouco um melhor amigo, como já chegaram a dizer. É que confundiram a minha vontade de querer ser bom e me aproximar, e ser amigo, com a disponibilidade para ser feito de idiota.
Eu estou cansado, cansado de agir assim, cansado mesmo.
Cansado de ser assim, cansado de implorar assim, cansado de me humilhar assim. Cansado mesmo.
As pessoas lembram de mim quando veem algo da Igreja. Lembram de mim quando precisam de um favor. Lembram quando eu não faço o favor na hora. Lembram quando eu posso responder uma pergunta difícil com a precisão de uma Inteligência Artificial. Lembram quando eu sou útil.
Elas só não lembram de mim.
E parece que mesmo que eu desista cem vezes, sempre algo no meu coração desperta e começa a sentir de novo. De novo. E de novo. Preso no eterno retorno de amores não correspondidos, num ciclo infernal de entrega e morte. A serpente mordendo a própria cauda. Eu sempre morro. Porque corro demais só para ver alguém. E morro. Porque nado demais. E morro. E voo demais, só para ver alguém. E eu morro. De novo.
Quero dormir, e fingir que esse dia não existiu. Quem sabe não se decepcionem comigo como fizeram no trabalho e, com isso, me descartem. Prefiro ser descartado a ser usado para algo tão baixo e estúpido quanto conquistar uma menina. Por isso hoje não tenho a menor condição de terminar esse dia.
"A compaixão pelos homens deve ser substituída por compaixão por nós mesmos: libertar-se deles." (Nietzsche)
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