Exatamente como disse ontem, nem tinha acordado direito hoje, com efeito, nem tinha me levantado, e já planejava dormir de novo. E olha que hoje é o que chamaria de "dia bonito", o sol brilha, mas não muito forte, mas a temperatura está amena a ponto de usar um casaco leve, agradável. Fiz uma xícara de chá de camomila, erva-doce e maracujá e estou ouvindo a 5° Sinfonia de Mahler num volume mais alto do que o normal. Esperando apenas o momento em que os remédios farão efeito e eu começarei a ficar com ainda mais sono. Claro, eu poderia deitar agora e dormir, mas não seria o bastante.
Zolpidem, Fernegan, Ciclobenzaprina, Diazepam e Rivotril. É a eles que tenho recorrido ultimamente. Não tenho intenção de encarar cada um desses dias, com suas horas intermináveis, sóbrio, acordado, vigilante. É impossível encarar esse mundo assim de frente, como um único guerreiro armado de espada contra um exército inteiro. Ele será completamente esmagado, apenas isso.
Esmagado, é assim que me sinto.
Me olho no espelho e vejo apenas um espectro, a pele sem viço, sem vida, nenhum brilho no olhar, observando o mundo ao redor com intensa indiferença. Intensa indiferença. Gosto dessas expressões contraditórias, dessas dicotomias. Vejo minha vida desse modo. Como a santa ansiedade que se pode depreender da obra de São João da Cruz, o lamento do pastorinho.
Me perdi olhando produtos que não tenho como comprar. Mais uma vez depois de ter pegado um livro um pouco mais sério e ter desistido a segunda página. Acho que isso pode ser um gesto inconscientemente simbólico da desistência do eu. A fera não grita mais Eu no coração do mundo. Pelo contrário, a fera silenciou após as ondas esmagadoras de um destino cruel, e apenas observa os dias passarem, com olhar de profunda apatia.
E os dias são cada vez mais cruelmente longos. Eu durmo. Acordo. Durmo. Acordo. E o maldito dia ainda não acabou. Nem preciso dizer que acordar, o perceber-me acordado, desperto, e olhar para o teto ou para a janela, vendo a luz entrar insistentemente pela fresta da cortina, é um baita saco. E se tento levantar, sinto dores por todo o corpo, quero continuar deitado, mesmo sabendo que isso só vai piorar a dor. Inferno.
"Estive sozinho - ainda que não por completo - por dois dias e meio e já me vejo, se não transformado, decerto, a caminho disso. Estar sozinho é algo que tem um poder sobre mim que nunca falha. Meu íntimo se solta (superficialmente, por enquanto) e se revela disposto a deixar emergir coisas mais profundas. Alguma ordem começa a se produzir em meu interior, e não há nada mais que eu necessite, porque a desordem, quando é pequena a capacidade, é o que há de pior." (Franz Kafka)
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