domingo, 24 de agosto de 2025

O gesto do recuo


Acredito que este seja o instante —
enquanto ainda conservo algum fio de lucidez —
de escolher a distância.
Não a fuga,
não o exílio completo,
mas aquele espaço mínimo
onde ainda respiro
sem ser ferido pelos espinhos.

O dilema posto diante de mim 
é sempre o mesmo,
o ouriço e seu inverno:
aproximar-se é dor, quente como brasa
a marcar a pele,
afastar-se é frio, aço cortante e vil.
E no meio há uma linha tênue
onde talvez eu possa existir.

Já passei dela, sei disso.
Elevei o coração além do suportável
e a queda foi motivo de grande depressão.
Banhada ficou minha face,
por meu amigo traído, 
tinha por inimigo agora.

Agora, diante de uma conversa banal,
sinto-me incendiado 
como se fosse revelação.
E isso, mais do que tudo,
me mostra:
eu deveria ter erguido fronteiras antes,
ter inventado o gesto discreto do recuo.

Pois, ao vislumbre do desejado posto
de um homem querido
pondo-se disposto a unir-se com ele em gozo
percebe que se trata apenas
de um desejo, do tema de um poema.
E que, voltando ao real
precisa proteger-se da projeção
que colocou ele e seu desejo 
em corpo branco tal.

Muralha da consciência,
campo de absoluto terror. 
Aquele orbe que por sobre os homens,
os separam de todos os outros homens,
fazendo de todos esses homens
pobres seres incapazes de se compreenderem.

Existe esse vazio no âmago de cada homem,
e o homem teme esse vazio,
desde o primeiro pensamento,
desde o primeiro momento em que, 
olhando ao redor
se viu sozinho no meio de uma infindável multidão.

Temendo esse vazio, 
temendo a multidão,
temendo o silêncio no coração,
temendo a dicotomia 
entre a proximidade e a solidão,
o homem em desespero 
busca preencher esse vazio,
ou, na maioria das vezes, 
esquecer simplesmente sua condição.

Que infelicidade a sua visão,
vê aquilo que deseja, 
o outro ao alcance da sua mão.
Mas, ao mesmo tempo, 
distante como um pequeno observatório,
a fitar o céu,
de toda uma constelação.

Por fim, essa constatação, 
olhar o outro, 
e ver o quão distante estão.
A impossibilidade total,
completa, absoluta e irrevogável, 
da compreensão.

Carinho que finda em palavras,
que nunca encontra ternura
na demonstrada afeição.
A união que nunca se perpetuará,
o toque que nunca se dará;
O jorrar daquela forma nívea
que nunca por mim será.

Entregando-se aos braços de outra,
sorrindo em seus seios,
ao contato de seus dedos,
descendo cada vez mais a procurar
o prazer e o frêmito daquela apoteose,
úmida no outro sexo a buscar.

Encheu de terror, 
a totalidade dos filhos de Adão.
Um útero primitivo que se perdeu,
e uma vontade de poder em,
apenas um só, 
tornarem a ser.

Pois somente assim, 
em completa e total união, 
preenchendo uns aos outros, 
o homem encontrará 
alguma forma de realização.

Mas tal possibilidade é apenas isso,
devaneios de uma mente em depressão
e um coração que já não suporta mais
a verdade dessa solidão.
Buscando no absurdo, 
a completude do ser, 
a finitude de sua condição.

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