domingo, 31 de agosto de 2025

Sexta-feira em ruínas malditas e zolpidem

"O álcool é provavelmente uma das melhores coisas que chegaram à Terra, além de mim. Nos entendemos bem. É destrutivo para a maioria das pessoas, mas eu sou um caso à parte. Faço todo o meu trabalho criativo quando estou intoxicado. O álcool, inclusive, me ajudou muito com as mulheres. Sempre fui reticente durante o sexo, e ele me permitiu ser mais livre na cama. É uma liberação porque, basicamente, eu sou uma pessoa tímida e introvertida, e ele me permite ser este herói que atravessa o espaço e o tempo, fazendo uma porção de coisas atrevidas… O álcool gosta de mim.”

(Charles Bukowski)

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O que o velho Buck diz sobre o álcool eu digo sobre os meus remédios para dormir. Embora eles pareçam querer me abandonar, fazendo cada vez menos efeito, devo admitir que foi sob efeito deles que consegui escrever algumas de minhas páginas mais memoráveis. Não que eu seja um escritor memorável, não sentado no chão da sala ouvindo os roncos do meu pai aos trinta anos, desempregado e fazendo tratamento psiquiátrico. 

Mas eles me deram a oportunidade de fugir, por pouco tempo que seja, dessa droga de mundo. 

Se as coisas que digo são um incômodo a todos, a quem ouve e a mim que sofro as consequências, o que pode haver de melhor do que a oportunidade de não dizer? De me calar diante do mundo? 

Por isso queria ser mais independente do outro. Aquelas pessoas que não precisam de ninguém, que sentam numa mesa de bar e tomam sua cerveja sem ligar para nada. Eu fui ao cinema sozinho duas vezes e, esperando ter a mesma experiência das pessoas na internet que disseram ser libertador, acabei achando excepcionalmente deprimente.

Se já não acreditam mais quando falo sobre meus planos para meu próprio fim, não falarei mais a ninguém. Essas páginas serão minhas únicas confidentes onde, em letras escarlates, registrarei com meu sangue a minha dor existencial. 

Sozinho enquanto outros enchem a cara, trepam com suas namoradas ou amantes, comem com os amigos. Lembrarão de mim na necessidade, apenas. Mas eu não quero mais ser assim, e se for preciso ficar completamente sozinho, o que não seria muito diferente de agora, eu vou ficar.

Só queria que as drogas continuassem funcionando. Que pudesse dormir sem preocupação. Me encanta estar inconsciente desse mundo.

Rivotril. Diazepam. Zolpidem. Cloridrato de Ciclobenzaprina. Dramin, Fernegan. Celestamine. Hidroxizina. Todos ao mesmo tempo, e ainda assim dormi por menos de seis horas. Gostava de quando metade disso me apagava por oito ou até doze horas. Era delicioso. E com isso podia ignorar as mensagens, aliás naquela época todos me odiavam, ninguém me procurava. Talvez devesse voltar a ser assim. 

Bem, eu só queria um bom sono, desses que apagam completamente. Tão profundos que sequer sonhamos. Só queria uma dopada candura que me permitisse não mais acordar. Não mais ver o amanhecer de outro dia terrível. 

É uma ilusão, no entanto, acreditar que isso faria alguma diferença para os outros. Não. Os remédios me fazem dormir, mas eu também serei aquele a ficar doente por isso. 

Meu silêncio apenas deve me proteger dos outros, não vai incomodá-los ou preocupá-los. As coisas que digo não tem a menor importância. 

É como quando alguém falece. Na família alguns cuidam dos documentos, outros choram, mas o resto do mundo continua. Se a pessoa trabalhava, começam imediatamente a buscar um substituto. O Papa Francisco nem havia sido velado e já se falava no próximo conclave, com especialistas e idiotas dando suas opiniões. Portanto, essa minha opção, e isso precisa ficar claro para mim mesmo, é apenas e tão minha e para minha proteção. Eu simplesmente não quero mais me incomodar e sofrer pelo outro. 

Ensaiei dizer que não queria sair, o convite foi cancelado. Menti quando disse que estava tudo bem, mesmo mudando minha forma característica de escrever, e bem, ninguém ligou. Então, essa é uma ação que serve apenas para mim. 

Dormir serve para aliviar minha dor ao anestesiar as chamas da realidade que me consomem. Serve para me afastar do outro, para me proteger do peso de conviver. Não serve ao outro senão para aliviar o peso da minha incômoda companhia. 

Alguém até poderia me questionar: mas por que raios uma pessoa poderia querer isso? E então eu fecho os olhos tentando me concentrar em vão no Concerto para Piano N° 3 do Rachmaninoff e o barulho ao redor mostrou que é simplesmente impossível. Também não consegui me concentrar nas leituras. Aumentam os números dos livros que não consigo ler. Além de incapaz, cada dia mais doente da cabeça, serei burro também. E eu acho que isso já é motivo mais do que suficiente para querer me isolar no sono. Meu sono. 

Finalmente começo a sentir algum sono. Espero que durma todo o resto do dia. 

Bom mesmo seria nunca mais acordar.

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"(...) A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece." (Clarice Lispector)

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