quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Mahler Tocando no Fim do Mundo

Já faz alguns dias que tenho dormido o dia inteiro. Não consigo ler ou assistir como antes, a todo momento, dopado ou não, meu corpo pede pela minha cama. E eu sinto que, com isso, tenho deixado escapar a vida por entre os dedos. Mas o que posso fazer? São dez da noite, passei o dia absolutamente sozinho, nem mesmo mensagens eu recebi, e já penso em dormir, dormir amanhã e nem participar da reunião que tenho marcada a noite. 

Também sinto os impactos no meu corpo. Além de ter engordado muito, o que tem tornado minha autoestima cada vez pior, sinto dores o tempo todo. Se ando alguns poucos metros já perco o fôlego. Se saio um dia sequer, já sinto dores por toda parte por um bom tempo. Mas quanto mais quieto eu fico, menos vontade de me mexer eu tenho. 

Passei o dia completamente sozinho. Olhei ocasionalmente pela janela e vi um dia cinza, porém claro, nenhum sinal do sol, nuvens grossas, mas sem chuva. Embora goste de dias nublados, hoje estava profundamente triste. 

E então eu dormi. Acordei. Dormi. Acordei. Dormi de novo. Vida miserável. 

Não ouve espaço para mais nada. Me senti sufocado. Li algumas páginas de Dom Quixote, um pouco de um artigo sobre o Concílio Vaticano II e senti sono de novo. Pensei na conversa que tive ontem com um amigo, mas não quis continuar muito nesse assunto, tenho medo de me apaixonar de novo, e é algo que eu não consigo controlar por conta de uma maldita dependência emocional e afetiva. 

Mahler foi a única coisa minimamente fora da cama que fiz hoje. Como os golpes do martelo em sua sexta sinfonia, sinto que a cada momento se aproxima um fim. Mas, ao contrário dele, não grandioso como os rompantes da orquestra no último movimento, mas melancólico, minguando aos poucos. Acho que estou quase entrando em permanente estado catatônico, me fechando em mim mesmo, de tal modo que não tenha mais nenhum contato com o mundo ao redor. 

Afinal, esse mundo me cansa. A visão do homem me cansa. Queria apenas me sentar na sacada e ler um livro, mas parece que nem entender as palavras eu consigo mais, então vou assim, continuando, sem saber onde vou parar, sabendo apenas que continuo descendo, descendo...

Acho que vou tentar assistir mais alguma coisa, dormir e, amanhã, quando acordar, tomar de novo meu coquetel de Zolpidem, Fernegan, Ciclobenzaprina e Diazepam. Afinal esse mundo me cansa, e parece que já se aproxima seu fim. Ou o meu.

"Os espíritos, disse ele, nascem condores ou andorinhas, ou ainda outras espécies intermediárias. A uns é necessário o horizonte vasto, a elevada montanha, de cujo cimo batem as asas e sobem a encarar o sol; outros contentam-se com algumas longas braças de espaço e um telhado em que vão esconder o ninho. Estes eram os obscuros, e, na opinião dele, os mais felizes. Não seduzem as vistas, não subjugam os homens, não os menciona a história em suas páginas luminosas ou sombrias; o vão do telhado em que abrigaram a prole, a árvore em que pousaram, são as testemunhas únicas e passageiras da felicidade de alguns dias. Quando a morte os colhe, vão eles pousar no regaço comum da eternidade, onde dormem o mesmo perpétuo sono, tanto o capitão que subiu ao sumo estado por uma escada de mortos, como o cabreiro que o viu passar uma vez e o esqueceu duas horas depois. Suas ambições não eram tão ínfimas como seriam as do cabreiro; eram as do proprietário do campo que o capitão atravessasse. Um bom pecúlio, a família, alguns livros e amigos, – não iam além seus mais arrojados sonhos." (Machado de Assis)

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