sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Homeopatia do Fim


"Alma minha gentil, que te partiste 
tão cedo dessa vida descontente,
repousa lá no céu eternamente,
e viva eu cá na terra sempre triste."
(Camões)

Não estou surpreso. Um pouco triste, talvez, mas surpreso não. Sei que logo chegarão mais mensagens, pedidos. Sempre assim. Mas esta será mais uma sexta em que passarei sozinho, sem ânimo até mesmo para assistir às séries que, antes, me faziam tão bem.  Ninguém vai lembrar de mim, no entanto, para os embalos de sexta à noite. Mas, bem, não vou fazer nada, continuo quietinho no meu mundo fechado, pois, como disse Machado de Assis: "há coisas que melhor se dizem calando." 

Eu só não quero mais lutar. 
Embora triste e humilhado, 
reconheço a derrota. 

Sempre a derrota.
Não apenas de uma batalha,
mas toda minha guerra.

Sempre derrota.

Não há lugar para mim nesse mundo. 
Não há onde possa me deitar em colo.
Vivo exilado em mim. 

Como se a um reino
tivesse atentado à soberania.
De fato tentei invadir,
mas o coração não era meu. 

E então, quando decido recuar
percebo que estou tomando
um remédio homeopático.

Em pequenas doses 
vou morrendo, 
em cada pequena dose de desamor.

De solidão, desesperança
de frial indiferença.
Enquanto de mim se lembram na precisão.

Não estou surpreso. Um pouco triste, talvez, mas surpreso não. Sei que logo chegarão mais mensagens, pedidos. Sempre assim. 

É curioso quando ofereço ajuda, ou quando aceito um pedido. Dizem que sou lindo, que sou um sonho. E então devoram cada pedaço com uma fome voraz, violenta. Mas quando eu preciso de ajuda, quando peço por alguma demonstração mínima de amor, quando quero companhia pro cinema ou pro concerto de piano, bem, aí é incômodo demais. Engraçado, não é demais quando sai de mim. Mas, de todo modo, esta será mais uma sexta em que passarei sozinho.

São João da Cruz disse, em certo lugar, que "ferida de amor não se cura, senão sem a presença ou figura." Tomarei o oposto como realidade, quero buscar agora o afastamento por iniciativa minha. Quero ser eu a dizer não. Não quero pular com os jovens, não quero ouvir besteiras sobre garotas, detesto garotas, não quero ser obrigado a estar sem querer. Estar vivo já é mais do que eu queria. Estar acordado, então, é um absurdo a minha vontade!

E eu só queria dormir nessa droga de dia! Mas nenhum dos remédios funcionou, e gastei o resto que tinha na conta para comprar outros dois e, quem sabe, conseguir apagar. Não aguento mais ficar acordado. Simplesmente. Sei que já é um quadro de dependência, mas que importa? Não consigo pensar numa razão para querer me manter sóbrio. A sobriedade me inspira uma preguiça existencial. Eu  observo o ser, a vida, tudo com total e absoluta desesperança. Minha única vontade é a de ser completamente destruído, deixando de existir. 

Voltar ao nada. 

X

O trabalho que eu havia feito por prazer e praticamente de graça estava sendo recompensado com dinheiro vivo. Me senti como o jovem Hemingway. Deve ser uma maravilha ser um escritor verdadeiramente bom, mesmo que isso signifique um tiro de espingarda no fim da linha.

E talvez seja por isso que eu, Bukowski, ainda estou aqui, não menos sagrado que Gandhi e, doçura, talvez um pouco menos morto, disparando histórias que talvez só as pessoas interessadas em sexo possam entender. 

Eu bebo,
minha cabeça tomba sobre a máquina de escrever,
ela é meu travesseiro!

Eu sou o Underground, sozinho. E não sei o que fazer.

(Charles Bukowski)

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