A aceitação radical da realidade é um traço básico da maturidade, faz parte do crescimento como pessoa não se perder em idealizações de modo que elas falem mais alto do que aquilo que se mostra diante de nós. É apenas diante da realidade, que podemos encontrar algum meio de ação, que só surge, ipso facto, depois da compreensão mesma da situação. A negação da realidade em detrimento de um devaneio gera o desespero, cumina em niilismo, pois se funda nas areias de uma praia a mercê de tempestades incontroláveis que derrubam essas convicções como se não fossem nada. E de fato não o são.
É a constatação de que, diante do mundo, nossos meios de ação são bastante limitados e que, na maior parte do tempo, podemos apenas lidar com situações que se apresentam a nós.
Veja que minha posição não é a da aceitação estoica, que também termina por desembocar no niilismo, e nem a que pularia essa etapa e aceita o niilismo de modo a buscar superá-lo, como colocava Nietzsche, sem grande sucesso. Talvez se equilibre entre ambas, no entanto, não sendo um realismo, ao modo aristotélico-tomista, pois encontro certa dificuldade em crer no transcendente frente ao lodaçal da realidade que se antepõe a mim.
Pois bem, esse excurso serviu única e tão somente para aprofundar e marcar, em minha própria pele, isto é, a minha consciência, da aceitação do meu lugar. Seja diante de amigos, distantes, embora presentes, ou de (im)possíveis pretendentes, que eu reconheço a minha solidão como condição inerente a minha existência. As fugazes conversas sobre sexo, prazer e até mesmo sobre aproximação e favores sexuais, são apenas uma espécie de aceno, talvez até mesmo um engodo maligno, que eu não posso permitir que me leve a pisar em terrenos resvaladiços.
A verdade, simples e bruta, é que ninguém nunca, jamais, olhará para mim. Eu sou alguém com uma imperfeição fundamental, alguém que repele os outros, que os afasta com asco. Por isso, não se iluda jamais Kaoru Gabriel: os que sorriem para você, os que até falam alguma sacanagem com você, jamais deixarão que você sequer os toque e, ao menor sinal dessa sua intenção, eles lhe darão as costas. Como tantos outros já fizeram.
Você conseguiria ao menos enumerar todos que já se foram e hoje nem sequer recordam da sua existência miserável? Quantos homens transaram com você e nem sequer souberam seu nome e nem você os dele? Quanto mais aqueles que nem mesmo cogitaram essa opção, não porque você é homem, sabe bem que outros homens podem conquistá-los, mas porque é você. E você é nojento.
Recorde da música e faça uma lista de grandes amigos: quem você mais via há dez anos atrás? Quantos você ainda vê todo dia e quantos você já não encontra mais? Quantas pessoas que você amava? Hoje acredita que amam você?
Enquanto me perco nessas reflexões, preciso dar um passo. Não uma superação daquele nada sobre o qual comecei esse breve texto. Mas aceitação, ainda que dolorida e, não raras vezes, revoltosa dessa verdade brutal que me confronta a cada dia.
a cada espera,
a cada sorriso difícil de interpretar,
a cada abraço confuso atrapalhado num beijo.
Nem sequer deveria prestar atenção a esses detalhes. E o fato de ter notado já mostra, por si, que uma vez mais permiti ao meu coração aquele sentimento que, um dia, jurei, que não ia mais entregar a ninguém. Porque amar é uma droga. Ser dependente é uma droga, não muito diferente das que eu todo quase todos os dias. Esses sentimentos que me prendem, que me fazem crer incapaz, são um inferno. Amar é um inferno. Voltar a amar depois de tudo que já passei é saltar sozinho no abismo que cavei com os meus pés, agora sangrentos.
Pelo menos percebi antes de colocar outro ídolo no altar da adoração. Assim posso deixá-lo vazio, como deve ser. Suportando, amparado pela realidade, essas verdades porque sei que elas não dependem de mim. Como disse, o que controlamos é bem pouco em face do mundo que nos rodeia, nos molda e nos ataca como quem, bem como nos consola quando quer também. Portanto, devo apenas aceitar, mudar o que for possível e o que não for, bem, não tem o que fazer, ainda que possa reclamar e me irritar.
Essa é a verdade simples eu preciso aceitar: a sua inevitável e inadiável solidão. Jamais vou conseguir me conectar. O outro é inalcançável.
Estou escrevendo sozinho, numa sala vazia, sob efeito de uma dupla dose dos remédios que normalmente uso para dormir por seis ou oito horas, discorrendo sobre o vazio que é o sentimento dos homens por mim. Tantos deles passam por mim todos os dias, tantos sorriem e cumprimentam, mas continuo só. Estão com amigos, comendo, sorrindo, jogando, se beijando ou se masturbando, enfim, sendo amigos, sendo amantes, sendo qualquer coisa que não o são comigo, pois eu não sou nada para ele. Essa é a verdade simples eu preciso aceitar: a sua inevitável e inadiável solidão.
Esse é o único final possível.
"Devo estar envelhecendo para começar a soma das compensações. Mas a alegria simples de sair em silêncio para visitar um amigo. De amar ou deixar de amar sem nenhum medo, nunca mais o de empobrecer, de me perder, já estou perdido!" (Lygia Fagundes Teles)
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