quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Sinfonia em silêncio maior

4° Movimento: “O som abafado de uma vida interrompida”

Eu sabia que ia doer, só não sabia que ia doer tanto assim. Achei que o costume, as constantes decepções, me teriam feito forte, que eu conseguiria passar por isso sem grandes preocupações, que poderia passar como se não fosse nada, como se não tivesse me atingido. 

Mas atingiu.

Subitamente foi como se acordasse de um sonho, ou de uma alucinação profunda. Um som grave e imponente ao fundo me fazia tremer e ficar silêncio, sentindo me esfriar a carne e os ossos até o tutano. 

Passados os instantes iniciais do despertar, ainda cego não pela luz do sol, mas pelo brilho lúgubre da espada de um desconhecido que, conquanto estivesse bem à minha frente, tentei levantar, mas não foi possível. Quase imobilizado pelo peso e a dor daqueles dias de melancolia profunda que quase me fizeram tornar-me um só com os lençóis, fechando os olhos para não mais encarar o brilho, pude ouvir passos se aproximando, e trombetas tocando ao longe, como se anunciassem o avançar de um exército. Sem que soubesse, eu seria uma ameaça insignificante a ser aniquilada por um único soldado em meio ao um combate violento?

Combate.

Sempre vi, até nas relações mais amenas, uma espécie de combate. Não no sentido que dava Foucoult, da guerra de todos contra todos, mas algo mais próximo daquele dilema do ouriço dito por Schopenhauer. A aproximação com o outro é sempre de uma dificuldade tão tremenda que, por vezes, uma palavra dita, ou uma ação que nem sequer foi dirigida a mim, pode me abater como a um golpe violento de um martelo, uma certa espécie de martelo do destino que resulta numa morte brutal, num homem caído com parte do corpo esmagado por seus próprios sentimentos que o outro usou para macerar o meu orgulho. 

Golpe.

Um barulho, rápido como um raio, mas abafado como quem joga por sobre um grande caixote de madeira um martelo gigante do mesmo material. Ou talvez ele esteja acertando apenas a mim. 

As revelações são sempre complexas, de modo que, como a fumaça quente depois do banho, não vejo as coisas de modo claro, mas embaçadas. Podendo esconder-se ali perigos desconhecidos. 

Mas não, isso não é verdade. Eu sei o que há depois do vapor quente e das gotículas que escorrem pelo meu corpo. Há uma parede, branca, fria, intransponível, muito embora pareça fina e delicada como cristal, porém forte como diamante. 

É sempre assim, eu nunca consigo avançar. 

Achei que conseguiria escrever uma espécia de programa sinfônico como ontem, mas não. Não funcionou, e talvez eu deixe junto aos outros justamente para me lembrar de mais esse fracasso. 

Como um camponês insignificante, morto por um bárbaro com uma poderosa martelada, também me silencio ao sono, ao silêncio, de modo que, terminada mais essa destruição, algo me reconstrua para que novamente sinta dor, essa mesma dor que eu esperava, mas que não imaginava que doeria tanto.

~

Inspirado no 4° movimento da Sinfonia N° 6 em Am de Gustav Mahler

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