É provável que ele nem tenha percebido meus olhares. Gente como eu não costuma acender radar nenhum, sei bem disso, mas costumo me lembrar diariamente. Fiquei ali, firme, acompanhando cada movimento, como se a presença dele fosse um vício velho e barato. Ele não era exatamente forte, não era desses caras que parecem esculpidos por um artista deprimido. Mas tinha aquele corpo de academia: ajustado, sem sobras. E aquele bumbum grande, projetado, que parecia desafiar a gravidade e a minha paciência.
Eu devia desviar o olhar, mas não desviei. Tem dias que o corpo do outro é a única poesia possível. Desejei por um cigarro naquela hora.
E o idiota nem vira o rosto. Caminha como se tivesse sido treinado pra ignorar o mundo inteiro, e talvez tenha sido mesmo. Alguns caras nascem com a certeza de que o universo tá no bolso deles, que qualquer olhar é aplauso, qualquer desejo é elogio. Ele passa, e aquele corpo, especialmente aquele rabo, insiste em existir na minha frente, me lembrando do quanto desejo ainda é uma coisa que me escapa pelos dedos. E é isso que irrita: como pode alguém provocar tanto sem sequer tentar? Como pode existir tão distante e tão perto?
A verdade é que caras assim brotam em todo canto. Cheios de mensagem com propostas indecentes, cheios de ego, cheios de nada. Sempre bonitos demais pra desperdiçar tempo com alguém como eu. Eles não enxergam as pessoas, só refletem o próprio brilho, embora esse nem pareça ser assim tão narcisista, essa reclamação é só um pouco de despeito meu. Talvez transem muito, ou talvez não. Existem sempre esses dois tipos: o pavão e o idiota.
Talvez eu realmente seja um pária, como pensei. Mas, às vezes, fico com a sensação de que o mundo inteiro é feito para os outros, nunca para mim. Eles vivem, sorriem, batem uma, se escolhem entre várias opções como carne numa vitrine. Eu observo. Sempre observo. Como se minha vida tivesse sido escrita para ser segundo plano.
Eu existo assim, o sujeito que olha, deseja e pensa sacanagem, e sabe que faria aquele desgraçado perder o rumo se ele encostasse um dedo em mim, ou se eu colocasse as mãos naquela bunda maravilhosa. Imagino se seu pau também é gostoso, com a cabeça rosada e babando de desejo de meter em alguém como eu.
Tem dias que quero simplesmente sair na rua e foder com o primeiro que encontrar. Mas as experiências aqui não foram muito boas. Me lembro de ter parado num barraco, baixo e úmido, e o cara ainda parou pra receber uns amigos enquanto eu esperava pelado atrás da porta. O pau dele ficou meia-bomba e gozou em poucos minutos. Voltei pra casa sem gozar, na chuva, e pensando em tantas outras coisas que poderia ter feito.
Me senti naquela noite como disse Bukowski: "estranhos no primeiro encontro, estranhos na despedida - um verdadeiro ginásio olímpico de corpos anônimos masturbando-se mutuamente." Mas, o trecho seguinte é de uma verdade cruel:
"Gente sem moral normalmente se considera mais livre, mas a maioria carece da capacidade de sentir, de amar. Então, viram swingers, num troca-troca incessante de parceiro. Morto fodendo morto. Nenhum senso de humor, nada de brincadeira no jogo deles cadáver fodendo cadáver."
Parece que, às vezes, o sexo é a única coisa capaz de mover um homem. No entanto, acho que o máximo que posso fazer é fumar, tomar um trago de um vinho barato e, se meu pau subir, bater uma antes de dormir.
Fiquei ali pensando nisso, enquanto ele passava feito uma miragem, desses que suam bonito. Ele não sabe, mas bastou um só movimento seu pra acender alguma coisa em mim, uma mistura de fogo e raiva, dessas que deixam o peito apertado. Eu me peguei imaginando como seria se ele percebesse. Se ele travasse no meio do caminho e mirasse de volta com aquele olhar de “eu sei o que você quer”.
Mas ele não sabe.
E se soubesse, talvez não se importasse.
Ou importaria, fingindo que não.
Tem algo de cruel em desejar o inalcançável. E mais cruel ainda é saber que aquilo nem percebe que você existe. Ele caminha com a naturalidade dos que nunca precisaram lutar por atenção — enquanto eu carrego meu corpo como quem arrasta um móvel pesado por um corredor estreito.
No fundo, eu fico ali, encostado no mundo como quem espera um trem que não passa. Observando, desejando, respirando errado. É essa espécie de estupidez que me mantém vivo às vezes: o desejo de alguém que não dá a mínima.
E talvez seja melhor assim.
As tragédias pessoais sempre começam quando alguém olha de volta.
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