quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Onde está você?

Escrevo isso agora imaginando onde você esta agora e o que estaria fazendo...

Quando estávamos juntos, e é ainda com pesar que escrevo isso usado o pretérito imperfeito, imperfeito como nós fomos em cumprir com as promessas que fizemos um ao outro, me lembro bem de ter tomado cuidado em nunca prometer nada do tipo "felizes para sempre" ou "por toda a eternidade", sempre fui realista e prometi que apenas faria o meu melhor para te fazer feliz.

Te fazer feliz. E como fui feliz nessa missão. Mas a minha impressão era a de uma ilusão. Ao fim de tudo, eu vi que havia falhado miseravelmente e a maior dor que senti não foi a de ver você me abandonando com palavras doces, pra que eu não me magoasse, mas foi a dor que senti ao olhar nos seus olhos e ver que você não estava feliz. Eu não te fazia feliz e você nunca o seria ao meu lado. Por mais que você tenha dito que eu o tenha feito, eu sei que isso não é verdade. 

Não sei dizer ainda com precisão onde errei, e já faz tanto tempo que acho que nem faz mais sentido buscar resposta pra isso. Basta enterrar. Como enterrei o que sentia por você e que de uma hora para outra fui obrigado a parar de sentir, ou ao menos de demonstrar, Como enterrei as alianças que você colocou em minha mão e fechou. Naquele momento percebi que fechava mais do que sua mão sobre a minha, era também seu coração que estava se fechando para mim. 

Não quero ser ingrato e falar mal de nenhum dos momentos que passamos juntos. Todos e cada um dos momentos ao seu lado foram os melhores que de minha vida, e acho que sempre pensarei neles assim. Engraçado que não penso em nós como lembranças cinzas e tristes, mas ainda me recordo com a mesma ternura e o calor que elas me proporcionaram a tanto tempo atrás. As vezes ainda me pego pensando em você como "meu amor", da forma como costumava te chamar, e não vou negar, isso dói.

Mas eu ainda fico pensando onde você está agora. O que está fazendo, se já encontrou outra pessoa... Na verdade essa última é uma pergunta idiota, pois alguém tão maravilhoso como você não fcaria sem niguém. Mas penso se essa pessoa o faz feliz, como eu nunca o fiz, e se ele conseguiu te dar o que eu nunca consegui.

Me pergunto se suas dores passaram. Se ainda tem crises de ansiedade. Me pergunto se está bem... Claro, poderia perguntar diretamente a você, mas acho melhor não, prefiro que tudo entre nós seja enterrado, junto com aquelas alianças, e assim, fazendo parte da terra, o nosso amor ali sepultado possa vir a alimentar novos amores em algum outro lugar. Mas ainda gostaria de saber: como você está? Está comendo direito? Conseguiu se desatolar dos muitos trabalhos do colégio? Voltou a praticar o violão? 

Sei que nada disso importa mais, só que, meu coração se recusa a parar de fazer essas perguntas e por consequência eu me pego com o pensamento vagando até você. As vezes paro e procuro por você a minha volta, do outro lado da rua, pela janela do ônibus, mesmo desejando do fundo do coração que você não esteja num lugar como esse. Pois olhar você dói. Me dilacera e ainda me queima como queimou naquele último dia. 

Você seguiu em frente? Já tem outra pessoa? Eu ja! Conheci um rapazinho a quem amo muito. Ele me faz bem sabe? Me traz tranquilidade, me faz rir, e é tão gostoso ver o quanto meu sentimento por ele fluiu naturalmente. Tinha medo de o enganar, de não conseguir amá-lo por conta do meu passado com você, mas não foi assim, ele de fato conseguiu me conquistar. E ele me salvou sabe?

Depois que você se foi eu passei por uns mal bocados. Minha cabeça realmente deu uma pirada, tive um princípio de depressão e um colapso nervoso. Por dias eu sequer fui capaz de sair a luz do sol e encarar o mundo real. Passei a viver como um zumbi, apenas chorando nos breves momentos em que ficava acordado entre uma dose de Lexotan e outra. Me tranquei no meu quarto e dentro do meu coração me refugiei, e alí, achei que fosse morrer. Mas quando eu já estava por perder o fôlego no oceano de lágrimas que eu havia chorado, a mão dele me resgatou, me trouxe de volta a superfície e me devolveu para a luz do sol que há muito eu já não via. E fez ainda mais do que isso. Ele me mostrou como ver a beleza da luz do sol novamente. E a ver que existem muitas outras paisagens belas para eu conhecer. 

Desde então temos viajado muito... Fomos à praia juntos, e ouvimos o som do mar enquanto a água lambia nossas pernas ao caminharmos pela orla. Fizemos uma viagem espacial e também voltamos no tempo. Dançamos um pouco nos anos 80 e assistimos uma execução pública na China antiga... Vivemos muitas coisas já, eu e ele, assim como eu e você. Mas "eu e você" não existimos mais, existe "eu" e existe "você", o nosso "nós" se partiu e deu lugar a um novo, e é isso que existe agora, "nós", eu e ele.

Me pergunto então se você já esteja com alguém que tenha te levado a praia, ou para dançar nos anos 80. Espero que tenha tido a sorte de conhecer alguém maravilhoso como eu conheci... Se alguém conseguiu despertar em seu coração o que eu falhei em fazer.

Enfim, me pergunto onde está você?

Atenciosamente,

O homem que um dia te amou.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Contemplação

Queria poder dizer que hoje é um daqueles dias onde posto um texto incrível, que levei horas para escrever até aconseguir atingir um alto nível de expressividade. Um daqueles dias em que coloco uma música no fone de ouvido e automaticamente me surgem mil e uma histórias para contar... Sobres heróis de nomes desconhecidos e amores impossíveis que se tornam realidade... Mas não!

Hoje não é um daqueles dias onde a inspiração flui naturalmente de uma fonte de água cristalina, onde as borboletas vem e dela bebem delicadamente, para depois voltarem a voar pelo ar com seu belo bater de asas. Hoje é um daqueles dias em que, ao contemplar meu próprio interior, tudo o que consigo ver e sentir é a aridez de uma terra seca e sem vida. Não que algo de ruim tenha acontecido, muito pelo contrário, me encontro num momento de minha vida onde tenho sido presenteado com muitas coisas boas. Não, a questão aqui é outra. Trata-se novamente daquele ciclo onde a alma precisa recuperar-se de uma longa batalha através de uma dopada candura e assim, fica meio que inacessivel por um certo período. Como resultado, a inspiração para as belas expressções se vão como a areia no vento. 

No entanto, não fico mais aflito com isso, pois bem aprendi que, para ser alguém que vive de expressar-se através de palavras, tenho de aceitar os momentos em que as palavras são insuficientes para tal. Talvez seja uma crise criativa, ou cansaço pelos estudos exagerados dos últimos dias. Talvez. Mas prefiro pensar que minha musa inspiradora tenha se recohido no fundo de sua fria alcova para repousar ao cair da lua, e ao ressurgir de uma nova aurora, voltará a me inspirar as belas palavras que fluem do meu coração. 

Encaro esse momento como uma jornada interior. Uma experiência em que devo me aventurar por caminhos e terras desconhecidas na busca por mim mesmo e assim, depois de muito andar por agrestes escarpados e campos floridos, eu finalmente aprenderei a dinâmica das estações do meu coração e assim, poderei voltar a falar delas. Talvez possa dizer que, mesmo estando na primavera que começou há algumas semanas, meu coração acaba de recolher-se no frio do inverno, para então, após uma breve hibernação, voltar a correr ao término dessa estação. 

Por hora então minha alma viajará por longíquos países, por terras mágicas e fantásticas, por lugares de criaturas fabulosas, tudo isso na missão do meu autodescobrimento. Ao retornar, um novo homem falará e dará testemunho de sua vida e história. Das aventuras que passou, dos monstros que venceu e das donzelas que conquistou. Esse homem saiu de sua casa durante uma noite escura de amor em vivas ânsias inflamada e agora, busca na criação a solução para o problema da criação. 

Ao olhar por todo o mundo ele busca uma resposta para aquela questão essencial que assusta o homem desde o primeiro pensamento. Uma solução para o vazio que existe bem no âmago de nossa existência e que o homem tenta preencher com todo tipo de coisa desde o início dos tempos. Ele busca uma forma de se fazer entender e de ser entendido pelos outros. Busca uma forma de alcançar a paz sem a necessidade de machucar ou subjugar ninguém. Busca uma forma de expandir-se e assim cobrir a totalidade da existência, e voltar aquele seio primitivo do qual saímos muito tempo atrás e que só nos trouxe desgraça e sofrimento. Esse homem não pode mais viver assim, simplesmente não suporta mais ver os homens matando-se uns aos outros sem motivo, e ele mesmo já não suporta desejar a morte de seus inimigos contra sua vontade. Não faz o bem que quer, mas vive a fazer o mal que não quer e depois disso, cai na amargura. Assim como os homens que se esquecem do amor, e depois que se esvaziam, no vazio se angustiam e vivem a sofrer. Ele não suporta mais isso.

Deseja uma mundo novo, um mundo onde as pessoas se entendam, onde se compreendam e se completem, e para isso ele vai viajar. Vai viajar para conhecer os problemas que afetam a alma desses seres infelizes e tentar descobrir como os solucionar. Assim, abarcando a maior quantidade possível de conhecimento, ele tentará chegar ao dogma final dessa situação e assim, quem sabe, conseguirá encontrar uma solução para essa questão que aflinge o homem desde tanto tempo.

Me perdoem o longo devaneio, mas penso que esses momentos de aridez sirvam justamente para essa reflexão, para essa contemplação interior sobre as coisas que vimos. Quando meditamos, buscamos no exterior algo que possa ser impresso em nosso interior e ai trabalhamos com isso até que aquela coisa se fixe em nosso coração. A contemplação é diferente, pois vem de dentro e para dentro, e assim resulta num momento de paralisia exterior, mas é que só então depois de compreendida a visão dada na contemplação, é que o exterior se tornará apto o sufiente a compreendê-la e assim voltar a derramar-se em prosa e poesia como o faz costumeiramente. 

Dessa maneira portanto, a alma conhece a si mesma de uma forma mais profunda, e aumentando a relação de intimidade entre a mente e o coração, a expressividade ganha nova cor e nova luz ao se lançar ao mundo mais uma vez. 

Pensemos, reflitamos, contemplemos e assim, vamos nos conhecendo cada vez mais e melhor, para só então, conseguirmos compreender e entender o nosso próximo e tentar mudar o mundo!

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Precisamos do amor

O homem precisa do amor, precisamos amar alguém apaixonadamente pra ter um sentido na vida, pra ter um rumo, pois, sem amor, nada faz sentido. 

Começamos a nos organizar em sociedade movidos pelo medo. Movidos pela necessidade de proteção constante e para ajudarmos uns aos outros fomos montando nossos pequenos grupos, nossas primeiras famílias. Com o passar do tempo, notamos que mesmo dentro de um grupo próximo, haviam pessoas que despertavam em nós mais do que sentimentos de afeto, gratidão e proteção. Algumas pessoas nos impeliam a passar mais tempo perto delas, a buscar sua felicidade e só nos sentíamos felizes, quando estávamos ao lado delas. Penso que aí foi quando o homem descobriu o amor. Talvez o homem tenha se dado conta que precisa de alguém que o acompanhe, não que o complete, mas que esteja ao seu lado a todo momento.

Algumas pessoas tem a capacidade de nos fazer melhorar, de nos fazer superar, e o que é então o amor senão uma constante melhora? Queremos melhorar para fazer o outro sempre mais feliz, sempre mais satisfeito, e assim, vamos nos aprimorando mutuamente e fazendo um ao outro mais feliz. Pode soar meio repetitivo e banal dizer essas coisas, mas para quem ama de verdade, o amor é uma constante reinvenção, e até mesmo as velhas palavras ganham novos significados com o passar do tempo.

Um exemplo claro disso pode ser usado ao pensarmos nas palavras mais ditas de todos os tempos, e mesmo sendo as mais banalizadas, ainda são as mais verdadeiras que a língua humana pode expressar:

"Eu Te Amo!"

Penso que não exista nenhuma outra expressão que possa ter tantos significados quanto essa. "Eu te amo" pode significar:

"Eu gosto muito de você" 

"Eu quero cuidar para sempre de você"

 "Eu quero ser feliz ao seu lado."

"Eu quero te fazer feliz.",

 "Eu quero que me faça feliz."

"Eu quero fazer sexo com você." 

"Me perdoe por magoar você." 

Ou pode significar ainda, na melhor da hipóteses, simplesmente

 "Eu amo você!"

Mil significados poderiam ser atribuidos a essa expressão tão pequena, tão desvalorizada, mas que sem a gente perceber, faz girar todo o nosso mundo. Todos vivem em função do amor, seja por alguém ou alguma pessoa. Até mesmo aqueles que vivem sozinhos amam a alguma coisa. Seja o dinheiro, o sexo, enfim, tudo na vida de um homem é movido pelo que ele ama.

Por isso eu não tenho vergonha em assumir que vivo em função do meu amor. E que tudo na minha vida eu faço por amor. E eu amo muitas coisas, sim, pois meu coração é grande, e nele cabem muitos amores. Eu amo servir a Deus, eu amo meu namorado, eu amo conhecer novas musicas e ter experiências com elas.

Por mais que eu seja dramático ao extremo e que goste de encarar as coisas de uma forma bem mais trágica do que realmente são, eu ainda amo viver, e amo as experiências que a vida me dá. Não posso ser mais verdadeiro do que isso, porque sem meu amor, não saberia viver.

Um amigo me disse certa vez que o homem está sempre apaixonado por algo. E na época eu não entendi o que ele quis dizer com isso, no entanto, hoje eu sei bem o que isso significa. Entendo pois agora eu concordo que, a vida sem amor, é vazia e sem sentido, e que é justamente ele que nos dá um rumo a ser tomado. Digo isso agora na certeza de ser alguém que ama apaixonadamente, seja a uma pessoa, a uma música ou a um serviço, mas que tem a certeza de que é esse amor que me faz existir e viver!

Amemos uns outros. Amemos nossos amigos e namorados. Amemos as artes. Amemos o mundo. Mas não deixemos de amar, pois, sem amor, não somos nada, sem amor, deixamos de existir.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Sobre amizades verdadeiras

Engraçado como são as coisas... O mundo parece estar sempre em constante mudança, as estaçãos, as transformações, o desenvolvimento tecnológico... E com a mente das pessoas não é diferente. Estão em constante mudança, e o que antes era verdade, hoje não passa mais de uma grande mentira. 

Me dei conta do quanto estamos rodeados de pessoas falsas e de caráter tão baixo que sua dignidade rasteja mais no chão do que o ventre de uma serpente. Fui há um lugar onde já não ia há algum tempo, e pude notar as pessoas que, antes, quando eu estava numa posição hierárquica superior, me tratavam super bem, agora nem olharam na minha cara e ainda soltaram piadinhas sobre minha presença. Nesse momento eu tive a certeza de que a amizade dessas pessoas era movida apenas por interesse, quando eu podia lhes oferecer o status de terem a confiança de alguém superior. Agora, quando iguais, já não precisam mais se preocupar comigo. E assim as nossas vidas se seguem. 

Pra ser sincero eu tenho pena, muita pena dessas pessoas que fazem amizade por interesse. Pois não conseguem ser verdadeiras consigo. Quase que como num relacionamento eu depositei minha confiança em pessoas que me traíram a primeira oportunidade. No exato momento em que deixei de ter a elas uma utilidade, viraram as costas para mim. Mas normal, me sinto aliviado na verdade, pois agora sei diferenciar uma amizade verdadeira de uma movida por interesses. Quem saiu perdendo aliás, foram eles, pois quando deposito minha confiança em alguém, eu gosto de honrar essa confiança, e eles perderam a oportunidade de ter um amigo verdadeiramente fiel.

A falsidade é uma máscara de vidro que quebra e faz barulho quando cai, e uma confiança quebrada pode nunca ser recuperada. Me sinto muito bem agora, conseguindo avaliar isso de uma nova perspectiva, agora que posso ver quem são aqueles em quem posso confiar e tudo mais. Claro, a amizade, por estar dentro do âmbito das relações humana é sempre muito complexa, e envolve muitos fatores, mas ainda assim, penso que saber reconhecer e valorizar as verdadeiras amizades é essencial.

Como exemplo cito um caso recorrente. Há alguns anos, fiz uma amizade que começou do nada. Nasceu repentinamente. Fomos conversando, aos poucos nos aproximando e quando menos esperava, percebi que tinhamos alcançado um alto nivel de intimidade. Claro, não demorou muito pra que eu estragasse tudo me apaixonando por ele. E nossa amizade passou por muitos altos e baixos por conta disso. Nos afastamos, deixamos de nos falar, brigamos, voltamos a conversar. Mas nunca acabou completamente. Acontece que quando é de verdade, não acaba. Pode esfriar, pode passar por momentos de dificuldade, mas não acaba totalmente. Pode ser que nunca voltemos a ter a intimidade de antes, mas só de não sermos mais estranhos, já é uma coisa boa, ao menos pra mim.

Não gosto de lidar com a ideia de ter pessoas que não gostem de mim, mas acho que é algo que eu preciso aprender a lidar, pois é óbvio que eu não vou conseguir agradar todo mundo e a experiência que citei no começo desse texto é um exemplo disso. Eu nunca agradei a nenhuma daquelas pessoas realmente, apenas me toleravam, e depois mostraram quem eram de verdade. Faz parte.

Continuarei a ser quem eu sou. Não vou mudar para agradar a ninguém, e muito menos fingir ser algo que não sou para fazer alguém feliz. Eu sou assim, cheio de defeitos e de características que a maioria das pessoas não gostam, mas eu também tenho qualidades e, quem me tem por perto, vai ter sempre o melhor de mim. Só posso lamentar por aqueles que nunca chegarão a me conhecer de verdade.

Obrigado aos meus amigos de verdade. Aqueles que toleram as minhas loucuras, que aceitam, mesmo sem entender as minhas excentricidades, que me avisam quando passo dos limites, que me impedem de tomar Lexotan até perder os sentidos e que me me entopem de sorvete com biscoito quando estou sofrendo por algum amor mal resolvido. Obrigado a esses em quem posso confiar. A esses que não me deixaram quando estava na lama, mas que se abaixaram para me ajudar. A esses, minha eterna gratidão!

sábado, 24 de setembro de 2016

Para o meu Romeu

Eu sinto que nunca consegui ser grato o suficiente, nem com você e nem com as pessoas ao meu redor. Mas isso precisa mudar pois, como disse Sêneca, "quem recebe algo com gratidão, paga a primeira prestação de sua dívida." E penso eu que estarei em uma dívida eterna com você. Sei que ainda não é o tempo de comemorarmos aniversário nem nada do tipo, mas tenho motivos pra me alegrar mais do que qualquer bodas poderiam me proporcionar.

A História da Criação começa dizendo que no príncipio havia o verbo, e depois houve a luz. Numa perspectiva menor, no meu universo pessoal, o criador criou de novo, mas dessa vez o fez no meu coração. Num momento onde então só existia o vazio do nada e a escuridão, ele chamou um sentimento à existência. Um sentimento que começou como tantos outros mas que se diferenciou destes justamente porque a vida gosta de nos surpreender, e nos mostra que há luz até mesmo nos caminhos mais escuros. Assim como então no príncipio de tudo, onde só havia escuridão, Deus fez a luz, também no momento em que meu coração habitava em meio às trevas, Deus me deu a sua luz. E é a isso que sou grato.

Sou grato pois eu me afogava num oceano de águas impetuosas que me faziam girar sem perspectiva alguma de sobreviver, mas encontrei um porto seguro, uma pedra onde pude me encostar e recobrar os sentidos. Nenhum caminho pode ser trilhado sem um objetivo a ser alcançado, e você me deu um novo objetivo. Me deu uma razão para lutar. A espada que eu há muito havia guardado, enferrujada pelo sangue das batalhas perdidas eu tornei a segurar e agora, esse guerreiro mais uma vez de pé se encontra pronto a enfrentar os exércitos do mundo em nome do amor.

Amor. 

Palavra tão vulgarizada hoje em dia que demorei a dizer a você, por medo de ser abandonado de novo, movido por uma covardia que tento vencer. Palavra que, não vou negar, ainda duvido do significado, mas cuja existência não pode ser negada.

Se é verdadeiro, se é de coração, é real! 

E se é real, só pode ser Amor.

E é a isso principalmente que sou grato. O seu amor me resgatou. Me tirou da escuridão onde eu mesmo havia me enfiado e assim me ensinou a amar novamente. Me mostrou que ainda sou capaz de amar apaixonadamente e que na verdade, esse amor foi tudo o que me manteve vivo nos últimos tempos, e como já te disse, tudo o que me permitiu manter a sanidade também. Foi capaz de acreditar en mim mesmo quando eu já não acreditava. Muito mais do que mereço.

Sou grato pela paciência e pela compreensão em aceitar esse maluco que transforma em romance até mesmo a rosa solitária do jardim da vizinha. Paciência em aceitar que não sou uma folha em branco mas um livro que já contém vários capítulos, alguns deles manchados de sangue, e outros ainda por escrever, ao seu lado, espero, mas um livro ainda longe do fim.

Por isso e por tantas outras coisas é que eu sinto ainda não ter agradecido o suficiente, que não digo o quanto te amo o suficiente, que não sou bom pra você o suficiente, mas quero que saiba que, não há um só dia em que, ao deitar a cabeça sob o travesseiro, eu não agradeça a Deus pelo imenso dom que me concedeste em conhecer você. Mesmo não sendo merecedor de todo o amor e carinho que de ti recebo, continua me amando, continua me fazendo bem, e continua iluminando meus passos, meu caminho... Pode não ter se dado conta ainda, mas sendo alguém completamente perdido no mundo como sou, uma bússola tão maravilhosa quanto você, que só é capaz de me apontar o caminho da felicidade é algo para ser eternamente grato, e nem todas as folhas do mundo caberiam as palavras de gratidão que brotam do meu coração. Até mesmo esse texto, não é mais do que um balbuciar de uma criança ao tentar repetir as palavras complexas que os adultos dizem. Não sou capaz de através de palavras exprimir o que fez por mim.

Eu podia ser apenas um cara que um dia cruzou o seu caminho. Nem sequer lembrávamos um do outro. Nos cruzamos há muitos anos e não imáginávamos que um dia haveria entre nós algo tão poderoso.  Sim, tomo a liberdade de acrescentar esse adjetivo a nossa relação pois não há como negar que há um poder misterioso a nos envolver. Um poder que, mesmo apesar das sombras de incertezas que surgem em nosso horizente, continua nos dizer que tudo ficará bem. Pois o amor tudo suporta, e a paciência tudo alcança.

Em alguns momentos compartilhamos nossos medos e incertezas. Me sinto grato também por confiá-los a mim. Mas em nenhum momento eu vi neles um impedimento ao que existe entre nós. O anonimato não é problema pra mim, pelo contrário, "o que ninguém sabe, ninguém estraga", já nos ensina a sabedoria popular que a inclusão digital nos proporcionou através do Facebook. A distância é apenas uma forja por onde o ouro precisa passar antes de tornar-se a jóia rara que adornará os aposentos dos amantes que, naquele jardim de rosas maravilhosas onde só os apaixonados podem entrar, repousaram eternamente, a gozar o amor que lhes foi dado.

O meu passado não muito simples me ensinou que promessas são mentiras que contamos a nós mesmos e repetimos aos outros. Não prometo felicidade, não prometo perfeição, não posso prometer o que não tenho e nem o que não sou. Mas o que tenho eu te dou, o meu coração, pequeno e machucado, mas que é capaz de amar apaixonadamente sem reservas e sem ressalvas, graças a você. Capaz de se entregar sem pensar duas vezes. Isso é tudo o que tenho a oferecer. Pode não parecer muito, mas do pouco que sei sobre o amor, sei que sendo verdadeiro, nada no mundo pode fazê-lo mal algum.

Peço perdão pela falta de estética desse texto. Pelas palavras parcas e pelas estilística pobre. Mas para um pseudo-escritor dramático, falar sobre coisas alegres pode ser difícil. Mas aqui também há sinais do que você mudou em mim, pois fazer alguém que só expressa melancolia e torpor falar sobre os deleites do amor é um grande feito. E assim, quando converso com você, quando estou ao seu lado, ou quando simplesmente penso em você, me sinto impelido a cantar sobre o amor, e embora não seja compositor, do meu íntimo brotam mil e uma canções onde tento dizer o que significou para mim conhecer a ti.

Mas isso é impossível, como já disse, e apenas estou fazendo isso pois esse sentimento já transborda de dentro de mim na forma dessas palavras. Espero que um dia possa transbordar assim também nos seus braços. Por hora, e já me retiro por aqui, só tenho a te agradecer: por me salvar de mim mesmo, por ser meu porto seguro, por me fazer sorrir, por me amar. E por mais que palavras sejam belas e capazes de emocionar, não poderia escever nada mais belo e mais sincero do que estas três palavras, que espero que nunca esqueça:

Eu Amo Você!

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Venha, doce morte Pt. 2 - E tudo retorna ao nada

Todas as coisas seguem um mesmo ciclo existencial. Se houve um início de tudo, existe também um fim para todas as coisas. No entanto, alguns dizem, baseados na Lei da Conservação das Massas de Lavoisier, que "nada se cria e nada se perde, tudo se transforma", tudo bem, mas antes, para que uma coisa seja transformada em outra, é preciso que ela primeiro seja destruida, antes de tomar uma nova forma, e exemplos disso é que não falta ao nosso redor.

A lei da transmutação alquímica diz que, para transformar uma coisa em outra, são necessários três passos: compreensão, decomposição e recomposição¹. Assim, após adquirir o entendimento sobre as substâncias que compõem uma matéria, o alquimista se torna capaz de decompor essa substância, e de reestruturá-la de uma maneira diferente. Tudo precisa ser destruido antes de evoluir. O ouro e a prata precisam ser derretidos antes de serem transformados numa jóia valiosa. E nós não fugimos a essa lei, pelo contrário, ela se aplica ao homem de duas formas semelhantes, porém distintas no que se refere a sua magnitude.

Para que o homem se torne um ser "superior" se é que essa é a expressão correta... Talvez eu deva usar a palavra "sábio". Sim, sábio me parece mais apropriado!

Para que o homem se torne mais sábio, precisa antes passar pelo sofrimento, para só então conseguir adquirir a sabedoria. Precisa ser destruido, esmagado pela dor e pelo sofrimento, para depois reeguer maior e mais forte. As formas como se dão essa transformação no homem são as mais variadas, e não caberia aquie descrever nenhuma delas. Mas é certo que somente através da experiência o homem consegue evoluir e se tornar outro, se tornar melhor.

No entanto, assim como acontece na natureza, nem todas as lagartas conseguem tornar-se borboletas, e nem sequer todas as borboletas conseguem voar. Assim também, muitos homens acabam estagnados na segunda fase da transmutação alquímica e permanecem destruídos. 

Esses quebram a lei e voltam ao nada, a inexistência!?

As vezes a fraqueza é maior do que o sofrimento e dessa forma não conseguimos passar para a reestruturação. Como uma grande estátua que, ao ser restaurada, acaba caíndo e se tornando pó. Não reestrututou-se como uma nova escultura, mas talvez possamos dizer que se reconstruiu como pó. Não sei ao certo quais os limites dessa lei e nem sua aplicação no que se refere ao psicológico do homem. No entanto, estou mais do que convencido de que tudo precisa ser destruido antes de ser evoluído.

Assim como a humanidade. Penso que somente através do retorno a inexistência poderemos ressurgir como uma raça pura e sem máculas, capaz de compreender uns aos outros e de viver em paz com os que são diferentes. Afinal, todos são diferentes. 

Mas não quero que isso se torne um texto semelhantes as loucuras pregadas pelos extremistas do Estado Islâmico (que não é um estado e muito menos islâmico), mas que essa transformação deva dar-se de uma forma superior. Superior pois não cabe a um homem ou grupo de homens auto nomear-se como os supervisores da humanidade e decidir quando ela deve acabar. Não. Mas penso que só através do caos, da destruição total, alcançaremos a forma perfeita. Afinal, não é essa a proposta do Apocalipse? A destruição de tudo o que é imperfeito como o pecado e a elevação dos justos ao estado da perfeita união com Deus? 

Pode soar loucura misturar meu pensamento sobre o sofrimento humano com teorias medievais adapatadas a mentalidades de artistas contemporâneos de sanidade mental duvidosa e religião, mas é assim que minha cabeça funciona. 

O momento pelo qual minha mente nesse momento é o a destruição completa. O momento do caos onde todas as estruturas são lançadas por terra. Mas penso ser eu aquela estátua derrubada no atelier, que não ressurgirá como uma obra restaurada, mas que será reduzida a pó, a cinzas. Assim como naquele dia de ira, que transformará todo o mundo em cinza fria. 

"E tudo retorna ao nada
Tudo começa a cair, cair, desabar
E tudo retorna ao nada
Eu apenas me entristeço, me entristeço, me entristeço, me entristeço."²

As construções caem como se fossem todas feitas de areia, voltam ao nada. Tudo o que se vê é desespero, medo, desesperança. Como se estivesse tudo voltando ao nada, tudo voltando a inexistência. Como se todas as coisas que um dia fizeram sentido, hoje tenham se abstraído de tal forma que não é mais possível definir o que é o azul ou o que é o vermelho. O que está em cima do que está embaixo. As perspectivas são muitas, tantas quantas são as dúvidas. De fato é o Apocalipse pelo qual minha mente tem de passar antes de ressurgir para uma existência nova.

Assim como num cataclismo nenhum povo, nenhum lugar é poupado, também na destruição mental todos os seus aspectos são igualmente destruídos, sem que haja perspectiva de melhoria. Todos os campos então estão se desmoronando. As dúvidas sobre as verdades, sobre o que é o certo ou errado, sobre o devo fazer daqui pra frente, sobre o real sentido de conceitos como o amor, a amizade e o abandono. Tudo isso tem explodido sem precedentes em minha mente e não há forma de controle. Não há como impedir que aconteça. 

Já começou.

O fim do mundo já começou. A destruição de tudo e de todos já começou. Em breve não haverá mais Gabriel. Não haverá mais eu e nem você. Haverá apenas o nada, a inexistência!

Está com medo não é?

- Não, não estou.  Eu sou feliz.  

Porque eu quero morrer.  Eu quero desesperança. 
Eu quero voltar ao nada. Mas eu não posso.  Ele não vai me deixar voltar a inexistência. Ainda não. Eu ainda existo porque ele precisa de mim. Mas quando tudo acabar, quando eu não tiver mais utilidade, ele vai me abandonar. Eu rezei pelo dia em que ele me abandonaria. 

Mas agora... Agora eu tenho medo. 

(Rei Ayanami)

Tudo isso precisa acabar. Esse mundo, as pessoas que fazem sofrer umas as outras, tudo precisa de um fim. Precisamos de um recomeço, precisamos renascer como uma unidade perfeita. Mais do que nunca eu desejo que a Instrumentalidade Humana fosse mais do que uma ideia alucinada de um artista mal compreendido. Mais do que nunca eu desejo que fosse uma teoria verdadeira, capaz de se tornar realidade. Capaz de trazer o mundo ao nada, capaz de levar todos a perfeição através da destruição.

Não faz sentido que esse mundo podre, corrompido e cheio de pecados continue a existir. Não é possível que alguém tão desprezível quanto eu mereça continuar a viver. Não é possível que haja algo de bom que eu ainda possa fazer. 

Não posso fazer nada de útil. De importante. De bom. Tudo o que posso realizar é a desgraça, tudo o que tenho feito é me arrastar na lama como um animal, me deflorando como se não tivesse valor algum, e de fato não tenho. Uma vergonha para pais e amigos. Incapaz de ter e amar uma mulher, incapaz de formar uma família. Incapaz de dar orgulho a alguém. Incapaz. Apenas faço o que ninguém mais quer fazer. Apenas estudo e vejo coisas que ninguém mais quer ver. Apenas levo uma existência vazia e sem sentido que não importa a ninguém. 

O eu que é reconhecido é o eu que ta representando o papel pra poder ser apreciado, mas esse não é meu eu verdadeiro. (Misato Katsuragi)

Com a aparência de um monge sábio, mas com a mente frágil quanto a de um alucinado. A vida que levo é uma mentira. A pessoa que o mundo vê é apenas uma máscara do louco que se esconde. Se esconde por saber que já estaria numa ala de hospital psiquiátrico se não fosse essa pequena e superficial sanidade que o matém capaz de continuar a segurar essa máscara. 

Mas a dor, o sofrimento pela incompreensão e o abandono já estão levando-o ao limite. Esse pobre miserável já não tem mais forças para viver como o mundo deseja que ele viva. Ele deseja voltar ao nada, voltar a inexistência. Deseja fugir de seus medos e de seus monstros interiores. Dos fantasmas do seu passado que o assombram continuamente. E só existe uma forma de acabar com isso. Uma única maneira de acabar com toda essa dor: a inexistência. O nada absoluto onde nenhuma dor ou sofrimento existem pois nada mais existem!

Ao buscar essa inexistência sua inutilidade humana é ainda mais latente. Tudo o que ele consegue fazer é isolar-se num quarto escuro e clamar pelo dia que deixará de existir. 

Pois você é fraco, fraco demais até para morrer e incapaz de uma só realização importante em toda sua existência miserável. Passará pelo mundo sem deixar vestígios, e seu nome será esquecido no exato momento em que derem às costas a sua sepultura, onde ninguém mais o visitará. Onde será devorado pela terra e finalmente, se tornando um só com o resto do mundo, voltará ao nada, fazendo parte do todo. 

Alguns criam grandes teorias que mudam a forma de ver o mundo. Outros criam máquinas que mudam a forma de nos relacionarmos com o mundo. Mas qual o fruto de sua fútil vida? Uma vida entregue aos desejos mais torpes e imundos da mente humana. Uma vida de busca por prazeres para fazer parar a dor, mas que só lhe causam mais dor. Um mundo de convenções sem sentido onde para ser aceito é preciso seguir uma série de normas e condutas criadas por alguém que nem está mais aqui mas que ainda dita o certo, o errado, o feio, o bonito e o socialmente aceitável. Uma existência desgraçada, que será apagada da história como se nunca tivesse existido. Um nada.

Mas nem ao nada você é capaz de retornar. É apenas escória, e as vezes, ao abandonar os amigos em função do próprio egoísmo, é pior do que a escória.

- Desejou um mundo fechado. Que fosse confortável pra você.
- Você o desejou para protegê-lo de sua fraqueza. 
- Para proteger seus poucos prazeres.
- Isso é simplesmente o resultado do seu desejo.
- Sem seu mundo fechado. Num mundo onde só você ter permissão pra estar outros não podem viver com você!
- No entanto, você desejou fechar o mundo que o cerca. 
- Seu desejo ejetou coisas que você não gostava e criou um mundo isolado e solitário. 
- Esse é o mundo que seus desejos criaram. Um céu particular nos recessos da sua mente. 
- É assim que acaba, esse é um dos muitos finais possíveis. 
- Esse é um final que você provocou sobre si mesmo, escolheu esse destino.

Instrumentalidade.

- Escolheu esse destino.³

~

Notas:

¹Não tenho conhecimento algum sobre alquimia, ao menos não conhecimento prático, apenas histórico. A citação usada aqui foi retirada da Fullmetal Alchemist, obra de Hiromi Arakawa.

²Trecho da tradução de "Come, sweet death" (Komm, süsser Tod, na versão original, em alemão) performada pela cantora Arianne, com arranjos do Shiro Sagisu, responsável pela OST de Neon Genesis Evangelion,

³Trecho final do penúltimo capítulo (24) de Neon Genesis Evangelion, do mestre Hideaki Anno.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Me leve para a Lua

Em algum lugar desse mundo, um jovem sonha com o dia em que aprenderá a voar... Da janela do seu quarto ele observa o mundo lá fora, os carros andandos, as pessoas. Alguns casais aqui e alí, outros grupos de amigos e conhecidos que caminham juntos depois de um dia cansativo de trabalho em direção às suas casas... Ao levantar o olhar ele contempla o pôr do Sol, a luz laranja que vai sumindo num crepúsculo belo e delicado, cedendo lugar ao azul aveludado da noite...

As luzes nas ruas se acendem, bem como as luzes dentro das casas, e nosso pequeno não vê o tempo passar, apenas continua a observar a noite com olhos sonhadores. Algumas risadas são ouvidas de uma casa próxima, uma família deve ter se reunido para comemorar algum acontecimento em suas vidas. Será que estão felizes?

As horas continuam a cair e ele continua a sonhar. As luzes das casas se apagaram e todos foram dormir. Ele mesmo se encontra no escuro, observando atentamente o céu que se abre acima de sua cabeça. Muitas coisas o encantam na noite: a profundidade da escuridão que envolve o mundo, o silêncio tão querido que lhe permite ouvir o som de seu dolorido coração e principalmente, os luzeiros que do alto do céu, impedem que o mundo seja mergulhado nas trevas absolutas. De fato nutre uma paixão pelos astros do céu que o fascina desde muito moço. Não se cansa de passar horas a imaginar os milhares de mundos que podem estar escondidos por entre aquelas incontáveis estrelas.

Quando criança, já gostava de deitar no jardim e olhar o céu estrelado até que seus pais o chamassem para dentro e lhe privassem de seus anseios. O interior de sua casa, ou de qualquer outro lugar fechado, lhe causava pânico, pois só o céu estrelado podia lhe oferecer a liberdade de viajar para universos desconhecidos, sem as limitações de uma caixa de concreto. Observando aquele oceano de estrelas ele era então conduzido a contemplar a rainha daquele espetáculo noturno, nosso pequeno satélite que, nas noites de todo o mundo, reina gloriosamente como o próprio Sol: ele olhava para a Lua como quem reverenciava uma deusa, dada sua beleza estonteante.

Uma antiga história conta que o Sol e a Lua são a manifestação física dos amores impossíveis, pois sendo um apaixonado pelo outro, nunca poderiam ficar juntos. Dessa forma, nosso jovem olhava para a lua e nela via-se a si mesmo pois, ainda que rodeada de estrelas, a lua deveria sentir-se solitária pois nunca estava ao lado do seu Sol. Ele, mesmo levando uma vida "normal" estava rodeado de pessoas, mas sempre longe de sua amada, a sua Lua. Ele então desejava em seu íntimo ir até aquela Rainha de Prata, e fazer-lhe companhia, ser para ela o seu Sol. Mas isso era impossível.

Aqui na terra ele buscava também por sua Lua e suspirava ao se perguntar se naquele exato momento alguém estaria buscando seu Sol também. Por algum motivo esse pensamento divertia-o, e ele sorria docemente sob aquela luz branca. Ele decidiu que gostaria de ficar ainda mais próximo de sua amada, e decidiu subir no telhado para lá contemplar o céu com maior clareza, sem os tetos das casas e os fios da rua o atrapalhando. Como sempre fazia, ao chegar no telhado, ajeitou-se da forma mais confortável possível e voltou a fitá-la. Mas nessa noite algo estava diferente...

A lua parecia maior, mais próxima, e todas as outras estrelas tinham perdido seu brilho. Era como se todos os corpos do céu tivessem lhe emprestado sua luz. Por um momento ele pensou ser a luz daquela noite tão clara quanto a do meio dia. E como num feitiço, ela parecia chamar por ele, atraí-lo para si. 

Uma brisa leve, porém gelada se encontrou com seu rosto e fez seu cabelo ondular delicadamente. A sensação era boa e ele se sentiu feliz por isso. Era como se estivesse sendo acariciado por mãos invisiveis. De repente ele notou que no céu, rapidamente cruzou uma estrela cadente e ele logo fechou os olhos e fez seu pedido, que surgiu do íntimo mais profundo de seu coração. De alguma forma ele sentiu que aquela estrela era na verdade um mensageiro, que levaria até a Lua a mensagem de seu coração. 

A Lua finalmente saberia então do seu amor!

Ele desejou então ardentemente se encontrar com sua Musa de Prata. Como nunca desejara antes. Do seu coração, brotou então uma canção*, que ele cantou cm sua voz fraca, porém decidida: 

Me leve para a lua e
Me deixe brincar entre as estrelas
Me deixe ver como é a primavera
Em Júpiter e Marte
Em outras palavras, segure minha mão
Em outras palavras, amor, me beije...

Como se suas preces em forma de canção tivessem sido ouvidas pelo próprio Deus, que em sua infinita bondade lhe concedera seu desejo, apareceu a sua frente um jovem. O mais belo que ela já havia visto.

De pele clara e cabelos prateados, se erguia a sua frente um menino altivo e com olhos tão brilhantes quanto a luz da lua, que o olhava com um olhar de ternura e afeto. Usava uma calça simples e desbotada, de um azul que um dia já fora tão profundo quanto o da noite, e sua camiseta era branca como a neve, aberta pelos últimos botões, revelando uma faixa de pele forte e igualmente branca. Ele tinha certeza: a Lua ouvira suas preces e lhe enviou seu amado. Sem dizer uma única palavra, eles se compreenderam completamente, e sem dizer uma palavra, o jovem filho da Lua lhe estendeu a mão, ao que ele respondeu prontamente levantando e pondo-se ao seu lado. 

Deram alguns passos em direção ao fim do telhado, e nosso jovem apaixonado hesitou. Como quem diz então "confie em mim", o Príncipe de Prata segurou sua mão firmemente e o conduziu. Não cairam, pelo contrário, começaram a flutuar. 

Num piscar de olhos seu medo passou e ele sentiu aquilo fluir naturalmente de dentro de si. Flutuaram por sobre as casas, saíram da cidade e foram ainda mais além. Em pouco tempo, que ele não soube dizer se foram horas ou minutos, estavam sobrevoando outras cidades, plantações, o oceano. Abaixavam-se aqui e alí para olhar uma ou outra paisagem bela sob a luz do luar e outras vezes, apenas sobrevoavam grande lugares, Engraçado notar que as luzes daquelas cidades, vistas de cima, se pareciam tanto com as estrelas, vistas de baixo... Mas nosso jovem voltou seu olhar mais uma vez para a Lua, e seu amado entendeu seu desejo.

Juntos, com as mãos cada vez mais apertadas, eles foram subindo, em direção a luz da lua que parecia cada vez maior e mais brilhante. Um jovem apaixonado e seu amante misterioso, ambos foram atraídos pela misteriosa beleza da mãe da noite e ali, sob a aquela lua de prata, os dois se amam até hoje ao contemplar a beleza das luzes, as da cidades cá embaixo, e as das estrelas lá em cima. E fazendo companhia para a Lua solitária, o amor vence mais uma vez, mostrando que para ele, nada é impossível, até mesmo viajar até os altos e velar pelos corações dos homens que aqui tentam se amar.

~

Obs.; A canção usada nesse texto é um trecho da tradução de "Fly Me To The Moon" de Frank Sinatra.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Outra dimensão

E mesmo depois de tantos anos, depois tantas histórias que já se passaram, eu ainda sofro ao olhar seu retrato. Mesmo sabendo que você nunca vai retornar minhas ligações, sabendo que você sempre desliga quando ligo para não ouvir minha voz, que muda de lado na rua quando me vê passando, mesmo depois de saber que o pouco que sentiu por mim já morreu faz tempo e agora jaz sepultado aqui no meu coração, eu ainda gostaria de dizer que continuo a amar você. 

Pois o meu amor nunca foi baseado em nenhuma relação de troca ou de reciprocidade. Meu amor sempre foi gratuito e eu o efereci de todo o coração. Era tudo o que eu tinha, tudo o que eu era, e eu ofereci a você. Te entreguei o meu nada e nada foi o que restou de mim em você.

Seus olhos, que um dia me fitavam de forma doce e carinhosa, hoje são frios como o gelo e só guardam maldade e ambição. 

Você seguiu sua vida. Apaixonou-se novamente, machucou-se novamente e se reergueu novamente. Sempre admirei sua capacidade de continuar vivendo por mais que a vida tentasse te matar, mas sempre abominei o fato de você ter de matar aqueles que te amam para isso. Você é um guerreiro, pois ainda sorri quando muitos não suportariam nem mesmo chorando. Mas você também é um assassino impiedoso, pois na tentativa de não ser machucado pelos outros acaba por machucar aqueles que só querem seu bem.

Ainda me sinto culpado por não ter sido bom o suficiente para você. Por não ter conseguido cuidar de você da forma que merecia. Você sempre precisou de um porto seguro e eu sempre fui mais uma pedra à deriva do que um cais onde alguém pudesse aportar. Não te ofereci a confiança que queria e por isso você, assustado, se afastou. Foi para bem longe de mim, não só fisicamente, mas também seu sentimento se afastou de mim de tal forma que hoje eu vejo que jamais poderei te alcançar. 

Ao olhar mais uma vez para o seu retrato, eu vejo o rosto que tanto amei contemplar hoje me causar dor. Seus olhos, onde antes adorava me perder, agora fazem eu me tremer de medo, tamanha frieza que neles se encontram para comigo. Cada curva do seu rosto, que um dia jurei ter sido esculpido pelos deuses, hoje me causam tristeza ao ver as finas e delicadas linhas que antes delineavam o mais belo e sincero sorrisso marcarem uma expressão de desprezo e nojo para com aquele que só te entregou amor.

Antes eu acreditava que nem tudo estava perdido, ainda tinha esperança que minhas palavras um dia pudessme te alcançar. Mas eu não poderia estar mais enganado. Se nem mesmo meus sentimentos puderam tocar seu coração, minhas palavras superficiais jamais poderiam fazê-lo. Eu estava a gritar num abismo, e era o abismo de seu coração. E por mais que eu usasse de todas as potências de meus pulmões, minha voz nunca chegava ao fundo do seu coração, sempre voltava para mim, como as mensagens que você nunca recebeu, como as cartas que você nunca leu. Por mais que eu corresse, a visão que eu tinha de você bem a minha frente não era mais do que um miragem, provocada pelo cansaço de correr atrás de você, mas você nunca esteve lá de verdade.

Estamos em mundos distintos, tão distantes um do outro que só mesmo um deus poderia aproximar ambas as dimensões. Aproximar novamente nossos corações. 

Desconfio se de fato nossa história aconteceu. Talvez tenha sido um devaneio meu que foi longe demais, ou o efeito colateral bizarro de uma anestesia mal aplicada, mas de uma coisa tenho certeza: não sei se um dia conseguirei de deixar de sentir o que sinto por ti. Mesmo sabendo que não passamos hoje de dois estranhos, a cada vez que penso em você meu coração se acelera, minhas mãos começam a tremer e eu volto a sentir  doce sabor do seu beijo em meus lábios. 

Ouvi histórias a seu respeito depois de algum tempo. Que estava seguindo em frente, Fiquei feliz por você. Mas me chateei ao perceber que, enquanto você já havia virado a página, eu estava sozinho escrevendo ainda no mesmo parágrafo. Você já estava em outra, você está em outra. Não apenas outra história. Outra dimensão. Estamos em mundo diferentes e tudo o que posso fazer aqui desse mundo é imaginar como seria se estivesse aqui comigo, e imaginar como seria ter seu abraço mais uma vez, ter seu beijo mais uma vez, ter você mais uma vez... 

Quando penso em nossa separação, eu penso na dor e no sofrimento daquelas noites em que você me rejeitou. E em cada uma das mensagens que você ignorou. Quando penso no dia em que se foi para sempre da minha vida eu penso no quanto sofri por saber que nunca mais o teria em meus braços. Quando penso em sua partida, eu penso no quanto meu amor foi lançado ao chão e pisoteado na lama, mas que mesmo assim continua a se entregar devotadamente a você. 

Eu me pergunto por onde você anda agora? Está amando novamente? Será que está feliz? Já conseguiu a aceitação de sua família? Perdeu o medo dos amigos? As fotos que publica sorrindo são verdadeiras? 

Eu desejo então poder voltar no tempo, voltar naquela noite fria de lua cheia, ficar mais tempo passando a mão no seu cabelo, sentindo a brisa nos nossos rostos e os seus lábios pressionados contra os meus. Mas desejar que o tempo volte é desrespeitar nossas memórias, é dizer que a felicidade que nos foi dada foi insuficiente, e eu não quero que isso aconteça. Pelo contrário, quero sempre guardar em meu coração que o tempo que passei com você foi um dos mais felizes da minha vida, e que mesmo depois de tantos anos, ainda penso em você com carinho e ternura. 

Por fim, poso dizer que não me importa mais que tenha se esquecido completamente de mim, guardarei nossas lembranças para sempre em meu coração por nós dois.

Paisagem

O homem é como uma paisagem em constante mudança. Como um arquipélago que visto pelas janelas de um grande castelo muda continuamente suas cores e humores e está sempre diferente aos olhos de que o vê, muito embora seja sempre o mesmo.

Essa comparação se deve ao fato de que, mesmo sendo sempre os mesmos, nossas características se mudam e se transformam de tal modo que, sob o olhar desatento, podemos até mesmo nos parecer com outra pessoa. Observemos atentamente a uma paisagem que muda de acordo com as estações e observemos o nosso próprio coração. Iremos notar o quanto somos parecidos com a natureza pois fazemos parte dela e assim como ela, também obedecemos as suas leis e estamos sujeitos a todas as suas tranformações. Não somos diferentes de uma planta ou de um rio nesse aspecto. Nossa única diferença se encontra na alma e na semelhança com Deus, pois de resto, em tudo somos iguais aos animais. 

Até mesmo a mais bela das paisagens naturais passa pelos dias de uma estação ruim. As folhas e flores, que antes brilhavam vistosamente sob a luz do sol e encantavam o olhar dos seus admiradores a voarem delicademente com a brisa, agora caem e apodrecem ao chão, virando alimento para a própria Terra. As águas do mais belo rio, que correm imponentemente sem encontrar nenhum obstáculo encontram na seca sua desgraça. Sua força é ceifada pelo sol escaldante e pela falta de chuva e quando o fundo do rio outrora cheio se torna quebradiço como as peças de um jogo infantil, o rio encontra sua morte. 

A natureza nos ensina então que, até mesmo as maiores arvores perdem sua glória, suas folhas, e assim, precisam passar por um período de provação e seca para só então, encherem-se novamente com o brilhante verde da esperança numa nova estação. Mas tão logo suas copas se enchem de folhas e flores e os frutos começam a nascer, logo vem a seca e acabam com toda sua vistosidade novamente. A natureza através desse ciclo então nos ensina que nada dura para sempre, e que é preciso mudar constantemente para continuar a sobreviver. 

Assim também podemos encarar a vida, como um eterno ciclo de mudanças e inconstâncias que nos fazem sobreviver. Cheia de altos e baixos é então a vida que busca nos ensinar o que viver, o que é aprender.

Começamos com a pura e tenra infância. Repleta de brincadeiras e sorrisos, a criança gosta de imitar os mais velhos. Suas brincadeiras, muito embora envolvam sempre elementos fantasiosos e mágicos, é sempre uma versão da forma como as crianças enxergam a vida que levam os adultos. Não é difícil ver as crianças brincando de exercerem as profisões dos pais ou dos adultos mais próximos. É uma fase clara, calma, onde nossas maiores preocupações logo são esquecidas pela fase seguinte da vida.

O período que se segue é de uma combinação estranha de luz e trevas. A brincadeira da infância de imitar os adultos não foi abandonada, apenas ganhou uma nova roupagem e agora, sob o véu de um crescimento que não se deu e de um amadurecimento que não aconteceu, os adolescentes irritantes se passam por versões ainda mais insurportáveis dos adultos. Quem dera se tívessemos autorização para amarrar-lhea pedras ao pescoço e lançá-los ao mar se não se comportassem corretamente, mas infelizmente a "evolução" da sociedade nos privou dessas correções. Resultado: adolescente imbecis que pensam serem algo que não são e que merecem nada mais do que destinos tãos cruéis quanto a diabólica mente humana possa conceber. 

Aqueles que sobrevivem a essa fase sem transformarem-se em demônios malignos sob a roupagem de pessoas podem ser chamados de jovens. Essa é uma fase que, embora envolta por luzes, é na verdade de trevas. Trata-se de um período de intensas incertezas e de verdades que nos são arremessadas na cara sem delongas pelo mundo. As responsabilidades se tornam um verdadeiro pesadelo e a iminência de um mundo totalmente novo sob nossa responsabilidade nos assusta de tal forma que não conseguimos sequer sair do lugar.

É nesse período que também nascem os primeiros grandes sentimentos. Os amores que arrebatam nossas mentes e que brotam naturalmente de nossos corações, e as vezes de nossos hormônios, acabam que por ocupar a maior parte de nossas mentes. Como resultado nos tornamos jovens ansiosos e amedrontados com as expectativas do mundo que vem se revelando hostil à nossa frente e ocupados demais com nossas paixões para enfrentar esse mesmo mundo. 

E então desabamos. 

Daí nascem os colapsos, as depressões, os surtos. 

Tudo vem dessa enorme quantidade de coisas que não sabemos como resolver e nem como lidar mas que ainda assim são lançadas sobre nós sem nenhuma clemência. Mas talvez isso seja a seleção natural agindo. 

Das centenas de tartarugas que saem dos ovos depositados na praia que andam em direção ao mar, poucas são aquelas que sobrevivem e conseguem chegar à vida adulta. Talvez no caso do homem, só consegue chegar a vida adulta aqueles que passam pela praia da juventude sem enlouquecer sob o peso do mundo que é lançado sob suas costas. Talz só não queiram nos contar, mas aqueles amigos que nossos pais falam com tanta nostalgia e que nunca mais tiveram contato, na verdade tenham enlouquecido e façam parte dessa parcela desconhecida de pessoas que não conseguiram passar pela juventude de forma sã.

Não sei se o caminho que estou traçando é o correto. Não sei nem ao menos dizer se estou traçando algum caminho. As vezes, como hoje, tudo o que consigo é ficar deitado no escuro, ouvindo músicas lamentosas e contemplar o imenso abismo do meu vazio interior, sem saber que decisões tomar e nem que passos devo dar para conseguir um rumo para minha vida. A meditação e a contemplação são por vezes minhas únicas companhias. Como nessa noite, quando ao som de Debussy, eu permito que minha mente viaje para mundos distantes. Para ilhas onde o amor é vivido intensamente. Onde meu prícipe encantado me espera para ao meu lado caminhar por belos jardins... Pra juntos tomarmos as refeições em grandiosos e luxuosos salões, onde imensos candelabros de cristal pendem sobre nossas cabeças, e os pássaros cantam ao longe. Onde a música nunca acaba e onde os gemidos de amor nunca terminam... E assim, sem que eu tome nenhuma decisão, minha mente vai viajando pelos mundos que ela mesma cria e não me permite encarar a realidade como ela é.

Talvez seja imaturo demais e fraco demais para encarar as verdades e por isso minha mente me proteja criando essas versões filtradas da verdade. Mas se as grandes obras da humanidade, antes de tomarem forma no plano concreto foram primeiramente ideias, por que isso significaria que o mundo onde minha mente frágil se refugia não é de verdade?

E a paisagem de minha mente muda mais uma vez. 

A primavera florida e alegre já se foi. Há ainda o frio inverno e o triste outono. O verão não é menos doloroso e até as flores da primavera guardam seus espinhos. Na verdade a vida não é um ciclo de momentos bons e ruins, mas um ciclo de momentos, que podem ser bons ou ruins, dependendo da forma como os encaramos. 

O mar revolto pode se acalmar. As folhas e flores podem voltar a crescer, se a raiz ainda estiver firme na terra. Não importa então as mudanças externas que a arvore sofra, seu interior, aquela sua parte fincada no íntimo da terra não terá mudará. 

Podemos mudar nossa aparência, nosso humor, nossas características, e vamos com certeza mudar. Mas as raizes permanecerão. Não importa a chuva ou o sol. Não importa quantas folhas caiam ou quantos frutos venham a nascer, a raíz permanecerá. Isto é, a essência da arvore, a essência do homem, essa nunca mudará.

Apenas a paisagem, que se transformará conforme as estações do ano. 

"Você prometeu não me abandonar em nenhuma primavera, ser meu amante em todo verão. Prometeu que se esfriássemos no outono, nos aqueceríamos no inverno." (Jayne Vituriano)

Venha, doce morte

Venho agora com mais uma musiquinha, embora o diminutivo seja desnecessário já que ela tem quase 8 minutos de duração. Enfim. Essa música faz parte do sofrido The End Of Evangelion, o filme que conta mais detalhadamente o final desse anime fantástico que é o Neon Genesis Evangelion, do Hideaki Anno

Para ser mais específico, essa é a música que toca durante o Terceiro Impacto, quando se deu o início da Instrumentalidade Humana (sobre a qual eu já falei muitas e muitas vezes, e continuarei falando). E ela fala justamente de um coração corroído pela dor que se perde nesse oceano de sofrimento na tentativa tíbia de sobreviver. Não sei se foi escrita especialmente pro longa mas de qualquer forma, quando a ouvi, não consegui entender direito o motivo da escolha. Agora, com a tradução da mesma, eu consigo entender: ela reflete o interior do Shinji, a alma humana usada no ritual da Instrumentalidade. E por esse motivo eu agora compreendo um pouco mais dos sentimentos dele no momento de retorno ao estado primitivo da humanidade. De fato uma música muito bonita e com uma mensagem profunda. 

Finalmente, a faixa se chama "Come, sweet death" (Komm, süsser Tod, na versão original, em alemão) e é performada pela Arianne, com arranjos do Shiro Sagisu, o responsável pela OST de Neon Genesis Evangelion. Mais uma vez e resolvi não colocar nenhum link, mas é só jogar no Google ou no YouTube que aparece facinho, e certamente não é uma faixa fácil de se esquecer....

Eu sei, eu sei que te decepcionei
Eu tenho sido um tolo para mim
Eu pensei que não poderia viver por mais ninguém
Mas agora com toda a mágoa e dor
É hora de me respeitar
O que você ama significa mais do que qualquer coisa

Assim, com tristeza no meu coração
Sinta que a melhor coisa que eu podia fazer
É acabar com tudo e deixá-lo para sempre
O que está feito está feito, é tão ruim
O que antes era feliz, agora é triste
Eu nunca vou amar novamente
Meu mundo está acabando

Eu desejo que eu pudesse voltar no tempo
Porque agora a culpa é toda minha
Não pode-se viver sem
A confiança daqueles que te amam
Eu sei que não podemos esquecer o passado
Você não pode esquecer o amor e orgulho
Por causa disso, isso está me matando por dentro

E tudo retorna ao nada
Tudo começa a cair, cair, desabar
E tudo retorna ao nada
Eu apenas me entristeço, me entristeço, me entristeço, me entristeço

No fundo do meu coração
Eu sei que eu nunca poderia amar novamente
Perdi tudo, tudo
Tudo o que importa para mim
São problemas neste mundo

Eu desejo que eu pudesse voltar no tempo
Porque agora a culpa é toda minha
Não pode-se viver sem a confiança daqueles que te amam
Eu sei que não podemos esquecer o passado
Você não pode esquecer o amor e orgulho
Por causa disso, isso está me matando por dentro

E tudo retorna ao nada

Tudo começa a cair, cair, desabar

E tudo retorna ao nada

Eu apenas me entristeço, me entristeço, me entristeço, me entristeço

E tudo retorna ao nada

Eu apenas me entristeço, me entristeço, me entristeço, me entristeço

E tudo retorna ao nada

Eu apenas me entristeço, me entristeço, me entristeço, me entristeço...

terça-feira, 20 de setembro de 2016

O Santuário de Rosas

Em algum lugar desconhecido duas almas enamoradas passeam juntas sem preocupar-se com o mundo que deixaram para trás...

Em meios a grandes colinas, longe dos vilarejos que as cercam, um grande jardim se esconde dos olhares curiosos das pessoas que não entendem o que é o amor. Alí, em meio a milhares de rosas vermelhas, uma brisa doce carrega o perfume dessas rosas e enche os pulmões de nosso casal apaixonado com a mais doce fragrância, a fragrância do amor. 

Nossos jovens encontraram aquele lugar como um presente do destino. Fugiam dos olhares frios que não compreendiam seu amor. Fugiam daqueles que gostariam de intervir em suas vidas e corações e, depois de andarem por muito tempo em busca de um lugar onde pudessem amar-se sem culpa, chegaram até aquele jardim. Sua primeira reação fora a estupefação: ficaram maravilhados com aquele mar com de sangue que cobria cada centímetro da estrada que conduzia a uma clareira. Esta clareira seria o santuário de seus próprios corações. 

Dentro de si eles tinham a certeza de que aquele lugar só poderia ser encontrado por eles mesmos. As rosas que ali nasciam, eram venenosas a todos aqueles que não eram capazes de amar verdadeiramente. Logo, quem ali chegava sem ser capaz de amar, era inebriado pela doce fragrância das rosas e vinha a falecer. Era a uma fortaleza perfeita, erguida pela beleza da mais bela de todas as flores e, ainda que alguém os encontrasse, sucumbiria ao veneno mortal das rosas que cresciam naturalmente com a bênção do próprio Deus para proteger o amor. Para os apaixonados, a fragrância profunda apenas lhe acariciava os sentidos e os conduziam ao grande santuário onde seus sentimentos estariam para sempre protegidos. 

Numa noite escura então, enquanto todos dormiam durantes as horas dulcíssimas do sono, nosso jovem herói resgatou o seu amado dos olhares atentos dos guardas que o vigiavam através de uma manobra sutil e inteligente. E os dois, pela secreta escada disfarçada, fugiram silenciosamente daqueles que lutavam pelo fim de seu amor. 

Se apaixonaram num dia comum. Enquanto um deles andava despretensiosamente pelo pequeno vilarejo, avistou ao longe um jovem que trabalhava  e por ele se encantou. Tinha feições brutas, embora jovem, resultado do trabalho iniciado desde muito moço. Membros fortes e rijos, cabelos negros que grudavam no rosto devido ao suor e uma pele morena que se encontrava vermelha devido ao esforço e do calor das chamas que usava para forjar as armas que fazia. Do outro lado da rua estava nosso pequeno principe enamorado. De pele lisa e delicada, bem mais baixo do que o outro rapaz, cabelos dourados e lisos que voavam delicadamente a menor brisa e olhos profundamene azuis, de delicado brilho. Bastou que seus olhares se cruzassem para que percebessem o sentimento mágico que ali nascera. 

Não lembram quem tomou a iniciativa de apresentar-se, mas o certo é que, pouco tempo depois de haverem se conhecido, se entregaram completamente aquele sentimento poderoso que nascera de um único olhar, Passaram a encontrar-se as escondidas poucas vezes a cada mês, para que ninguém desconfiasse, mas o amor entre eles era tão grande, que não muito tempo depois os encontros foram aumentando em frequência e quando perceberam, viam-se praticamente todas as noites as escondidas.

Não escolhiam local para o altar de seus desejos. Amavam-se nos fundos da oficina, em alguma rua vazia ou até mesmo em estábulos mais distantes. Tão logo passaram a se encontrar mais vezes, as pessoas que os cercavam começaram a perceber as mudanças que neles ocorriam. O corpo que desenvolvera-se rapidamente sem motivo aparente, e o visível cansaço pela muitas noites acordados dando um ao outro seu corpo e seu amor. 

Um deles, o mais novo, era filho de uma rica família da cidadela e seu pai possuia forte influ:ência política na região e já buscava dentre as famílias mais abastadas, uma jovem dama que pudesse ser sua esposa para também aumentar o poderio e a fortuna da família. O outro, pobre e orfão, fora criado pelo tio e iniciado desde cedo nos trabalhos da fabricação de armas. Espadas, escudos, armaduras. Desde muito novo aprendera a lidar com o metal e suas mãos, embora sendo muito jovem, já possuia os calos e a força de um homem feito. 

Num mundo onde pessoas de diferentes mundos sociais jamais poderiam pensar em relacionar-se, dois homens de classes tão distantes então seria o pior dos pecados. A tragédia iniciou-se quando, numa noite de descuido, uma criança flagrou a cena de amor entre dois dos jovens mais conhecidos da cidade. Um pela nobreza e riqueza de sua família e o outro pela qualidade de seu trabalho. Não tardou que a notícia se espalhasse e logo toda a cidade comentava a abominação dos jovens que, abandonado o interesse pelas mulheres, passaram a cometer um com o outros os atos lascivos da mais alta intimidade. 

O ferreiro fora trancado nos fundos da alforja onde era obrigado a trabalhar por horas e horas sem ver a luz do sol e o outro, mantido em cativeiro pela famíla sem sequer poder sair de seus ricos aposentos. Mas eles não davam importância a nada do que os outros poderiam pensar. A distância não fora suficiente para separar a alma desses dois que, já estando tão unidas, conseguiam falar-se através da linguagem do coração, que não pode ser interceptada de nenhuma forma.

Mas a dor da distância lhes dilacerava a carne e fazia doer até mesmo seus ossos quando, numa noite de lua clara, deram início ao audacioso plano de fugirem sem destino para um lugar onde pudessem viver sem medo nem regras seu amor. Em alguns momentos da vida, quando o amor é verdadeiro, conseque sobrepujar as vontades cruéis do destino e tomar as próprias decisões. Como que magicamente, conseguiram fugir dos olhares atentos de todos e dalí partiram sem nada levar. De mãos unidas e corações batendo no mesmo ritmo, sinal da proximidade que o amor lhes dera, eles caminharam sem destino por entre as colinas. O terreno acidentado e perigoso garantiria que ninguém iria até alí para procurá-los.

Depois de uma noite inteira de caminhada, quando o sol já ia surgindo, encontraram o caminho das rosas. Longe da cidadela, depois de um caminho pedregoso e de complicadíssimo acesso, chegaram aquele lugar pela graça e pela força de seu amor. De certo, qualquer um que quisesse fazer mal a eles, ficaria perdido por entre as pedras ou cairia nos abismos que cercavam aquele lindo lugar. Deram de frente com uma gigantesca escadaria, que parecia ter sido construída a séculos, mas que ainda conservava-se intacta como se tivesse sido feita a poucos dias. Ladeada de grande colunas do mais branco mármore, todo o chão estava coberto de rosas. As Rosas Diabólicas Reais cujo veneno era mortal a todos que eram incapazes de amar.

Nossos jovens apaixonados começaram a subir, inebriados pelo doce aroma que os guiava até o local preparado para eles pelas próprias ninfas do amor. No topo da escada uma grandiosa mansão. Feita de grandes e brilhantes blocos de mármore o local parecia ter sido esculpido pelos próprios deuses. Em seu interior, o piso brilhava ofuscantemente e as parades eram ricamente adornada de pedrarias das mais variadas cores e muitas outras coisas eram feitas do ouro mais brilhante. Olharam o lugar todo por horas e nunca cansavam de deslumbrar-se com cada detalhe que alí encontravam. 

Vasos de cristal com mais rosas vermelhas estavam espalhados por toda a parte, perfumando o lugar com um doce aroma. Cristais brilhante iluminavam o teto com uma luz bruxuleante que mudava de cor com o tempo e ao centro de entrada principal, uma enorme escadaria com detalhes de ouro os levava aos aposentos que, sem dúvida alguma, fora lhes preparado pela própria deusa do Amor, Afrodite, que ali desejava ser para eles o altar onde consumariam para todo o sempre as chamas ardentes de seu amor.

Selaram a felicidade com um beijo e alí, onde nunca seriam encontrados por ninguém, deram início a sua vida de entrega e dedicação um ao outro. Duas nobres almas retiradas do mundo para preservarem ali, naquele santuário, o amor que a humanidade perderia durante os séculos. 

Os deuses sabiam que chegaríamos ao estado em que estamos hoje, incapazes de amar verdadeiramente uns aos outros, e então, dando aqueles jovens a condição de imortais, perpetuariam por todos os séculos o amor que um dia existira de verdade. 

Há quem diga que, quando se busca o amor verdadeiro e silencia-se o coração, onde quer que estejamos, podemos ainda ouvir os gemidos dos amantes que nos garantem que o amor de verdade nunca morrerá. Consegue ouví-los?

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Uma guerra dramática ao lado de Respighi

Não gostaria de ser o tipo de pessoa que vive atrelado ao passado como sou. Não gostaria de sofrer pelos que se foram e tampouco de perder tempo imaginando como tudo seria se ainda estivessem aqui. Mas é assim que eu sou e por mais que tente, parece que não sou capaz de mudar. 

Dramático por natureza, até o mais simples dos acontecimentos tem pra mim uma importância absurdamente grande. Não sei delimitar as coisas por ordem de importância em diferentes níveis e infelizmente, em se tratando de pessoas, ou eu as amo apaixonadamente ou não sinto nada além do puro desprezo. Claro, não é assim o tempo todo pois acho que nenhuma mente seria capaz de suportar essa carga neural por muito tempo, mas o fato de ser assim comigo mostra o motivo por detrás do meu esgotamento psicológico. 

Cheguei a conclusão, não sem ajuda profissional claro, de que meu quase colapso nervoso e meu óbvio princípio de depressão (que só não era óbvio para mim) são frutos desse meu péssimo costume de dar a tudo uma importância demasiada grande demais e com isso, esquecer de viver para ficar me detendo e planejando formas de resolver problemas que ainda nem sequer aconteceram. Minhas prioridades são completamente invertidas. Enquanto por um lado vejo as pessoas a minha volta priorizando os estudos, a sáude, eu só consigo priorizar o meu coração que insiste incessantemente em tomar as decisões mais importgantes da minha vida no lugar da minha cabeça. Toda essa situação me faz imaginar então um cenário um tanto quando trágico, que eu vou tentar descrever enquanto escuto a Sinfonia Dramática de Ottorino Respighi.

O cenário que melhor descreve meu atual estado mental é o de uma batalha iminente. Como que num castelo, daqueles bem antigos do período feudal, onde o exército espera o avançar do exército inimigo. A batalha será inevitável e tudo o que se encontra no coração de um jovem soldado é o medo e o silêncio que o aguarda em sua primeira guerra. O ar da noite é frio e preenche seu pulmão com lufadas gélidas que lhe enrijecem a alma e o coração. Um calafrio percorre seu corpo fazendo-o perceber o quanto está trêmulo. Sua mão vacila ao tocar a bainha da grande espada. Mesmo tendo treinado e se preparado durante toda a vida para aquele momento, o medo da morte que se aproxima a marchas largas faz com que a sua espada não passe de uma grade peso em sua cintura. O suor frio que escorre por todo o corpo faz grudar a longa franja no seu rosto, atrapalhando sua visão que, fitando o horizonte, espera o momento em que irá surgir o grandioso inimigo a ser derrotado. Seus companheiros percebem seu desespero, mas mesmo sendo mais velhos e mais experientes, também eles estão paralisados pelo medo. Mas o que esta batalha tem de tão aterrorizante assim que até mesmos os velhos guerreiros se tremem de medo?

Trata-se de um inimigo ainda mais poderoso e temível do que todos os senhores desse mundo, pois o exército que marcha em direção ao castelo do jovem guerreiro é comandado pela própria morte. Uma gigantesca horda de cadáveres dos piores homens que um dia viveram caminha em direção a eles. A rendição não é uma opção pois a morte será igual a da derrota. A partida também não, pois as histórias contam que, não importa o quanto um povo corra, esse exército maldito sempre os encontra e os massacra, transformando a todos em soldados renegados que passam então a lutar ao lado da própria morte. Esse exército avança rapidamente, embora seja formado por corpos apodrecidos de homens, mulheres e crianças de todos os tempos, que marcham sem vacilar em direção a seus inimigos. É convocado apenas quando um povo atinge tal grau de desenvolvimento que precisa ser eliminado, pois começa a ameaçar a soberania do próprio Destino sobre o mundo. O Destino então ordena que sua maior general, a Morte, marche em direção a esse povo, antes que este se torne de fato um perigo aos seus planos de continuar a comandar o mundo.

Então os mortos se erguem num local distante, massacrando vilas inteiras impiedosamente, apenas para dar tempo suficiente do povo que é seu real alvo entrar no desespero total. Aqueles poucos que conseguem sobreviver e chegar ao reino para contar dizem que lutar é inútil, impossível um exército humano vencer o conjunto de todas as pessoas que morreram. Por mais que lutassem, destruissem e dilacerassem os cadáveres, milhares e milhares mais surgiam, tornando aquela uma batalha com um único fim: o extermínio total e completo daqueles que são atacados.

De volta ao castelo, o dia começa a nascer, mas isso não diminui em nada a apreensão de todo um povo que se reuniu para tentar lutar por sua própria vida. A combinação da mais elevada tecnologia junto as tradicionais técnicas de combate corpo a corpo fazem deste povo o mais temído no campo de batalha. Mas nada disso adianta frente a um inimigo que não pode ser derrotado. Serão todos dacapitados e verão o sangue da própria gente lavar as escadarias das grandes catedrais daquele país. O jovem soldado, apaixonado, pensa em seu amado que foi morto ao tentar extrair alguma informação do maldito exército dos mortos. Num descuido acabou sendo pego numa cidade onde passava a noite e agora, segundo testemunhas, sua cabeça está erguida num espeto ao lados das bandeiras negras que conduzem a Morte em seu cortejo real. Uma gota do suor frio escorrega por sua face e mistura-se com as lágrimas grossas e pesadas que caem, deixando pequenas marcas no chão que logo se secam como se nunca estivessem estado alí. Como essas lágrimas desaparecem, assim também sua vida se dissipará com o advento do último inimigo. Mas ora, o último inimigo a ser aniquilado é a morte. E ela não pode ser vencida pois, tudo o que tem vida, um dia morre. Aceitando o seu destino então ele se agarra mais decididamente a sua espada enquanto continua a fitar firmemente o horizonte.

Se recordando vagamente das reuniões táticas que tivera ele se lembra de ter ouvido que técnicas estrategicas não funcionam com esse exército. Não importa quantos milhares sejam mortos por bombas ou ataques nucleares. A Morte tem total liberdade para convocar todos os mortos dos grilhões do inferno para lutar ao seu lado. Tudo o que podem fazer é lutar até cairem de exaustão e serem dilacerados para se tornarem parte também da grande horda de demônios do passado. Mas esse jovem guerreiro, admitindo a superioridade do inimigo, permite-se perder-se em devaneios enquanto espera por sua morte.

Caminhando ao lado se amado por paisagens artificiais de beleza estonteante, ele se lembra da brisa fresca da manhã acariciar seu rosto enquanto faz rodopiar por sobre os dois suas longas vestes. Os cabelos ao vento voando na mesma direção de pequenas pétalas de flores dão a cena um ar romântico único. Ele observa então atentamente o rosto do seu amado. Sua face rosada, seus longos cabelos cor de fogo e seus lábios de um atraente carmim. Alí naquele jardim secreto onde apenas os dois tinham acesso, fizeram mais do que amor, fizeram juras de passarem toda a eternidade ao lado do outro. E as flores eram suas testemunhas. As pobrezinhas foram as primeiras a morrer quando da morte do corajoso homem que buscava uma forma de salvar seu pequeno amado. 

Eis que o exército surge finalmente no horizonte. Bem como o ressoar de dezenas de sirenes e outros sinais que avisam a presença do inimigo. Os generais e capitães dão ordens de comandos a seus subordinados, mas a tristeza já tomou conta de todos pois a notícia do exército invencível logo se espalhou. Embora mulheres e crianças também tenham pegado em armas, todos estão conscientes da impossibilidade da vitória. A cena é pior do que todos poderiam imaginar pois uma multidão incalculável de pessoas rodearam a pequena cidade, a última do grande reino que um dia prosperara como o maior de toda a terra. Os ataques aéreos, bombardeios e todas as artimanhas tecnológicas se mostram ainda menos efetiva do que a guerra corporal. Segundo uma lenda a Morte prefere esse tipo de guerra por valorizar ainda mais as iniciativas de homens corajosos a quem ela concede altos postos em seu próprio exército. 

Nosso jovem guerreiro com medo, embarca em direção ao campo de batalha junto a infantaria. Os primeiros a ter contato com o exército inimigo e, não raramente, os primeiros a serem massacrados por um inimigo obviamente superior. Mesmo com a doce imagem de seu amado em meio as rosas no jardim em sua mente, ele parte com a espada erguida em direção ao seu destino. Ao longe pode ouvir os acordes tristes e delicados do violino que costumava ouvir de seu amor, essa será a melodia da morte que o acompanhará. Essa marcha em direção ao inimigo é pontuada pelos sentimentos mais poderosos que ele já experimentara: o ódio ao ver a cabeça de seu amado estampada nas linhas de frente sendo usada como adorno para a procissão macabra da Morte fez seu sangue ferver e seus olhos brilharem como fogo, a desejar queimar pessoalmente a cada um dos seus inimigos nas chamas do inferno. 

Já com os pés no chão, ele sente-se vacilar mais uma vez, no entanto até seu medo é suprimido pelo poder de seu amor transformado em ódio e desejo de vingança. Agarrando firmente sua espada como também se agarra as lembranças mais felizes que tivera ao lado do homem que ele amava, nosso valente guerreiro parte em direção a sua última batalha. O último inimigo a ser vencido é a própria morte. Morte esta a quem ele olha com olhar mortal e cujos olhos vermelhos não lhe causam mais temor algum. Ele sente querer arrancar para si aqueles olhos brilhantes e ver a vida deles se esvair assim como a vida dos olhos de seu amado se foi, onde agora restaram apenas dois buracos ensanguentados.

Avançado imperiosamente ele se degladia violentamente com os solados já mortos. Como sempre voltam a levantar-se e a tentar devorar a carne de quem os enfrenta, a única opção razoável é cortar-lhe o maxilar com um potente e certeiro golpe de espada a fim de impedir que o mordam. Ele pode ouvir os gritos desesperados dos seus companheiros que, não tendo a mesma sede de sangue que ele tem por sua vingança, não conseguem vencer as hordas de mortos que partem em sua direção. Aos olhos românticos de quem acredita realmente poder vencer esta seria uma batalha fácil. No entanto todos nós já sabíamos que tratava-se de uma batalha sem chance de vitória. A imensidão de cadáveres parece nem sequer ter sofrido uma baixa, tamanha sua superioridade numérica. A cidade é logo devastada. Os prédios icendiados. As mulheres e crianças mortas por todos os lados, bem como a maioria dos soldados. 

Aqueles poucos que ainda não morreram, já não tem mais forças para lutar bravamente e logo se entregam aos dentes dos seus antepassados que os devoram para logo ressurgirem como membros desse mesmo exército. Toda a batalha dura apenas um único dia. Ao raiar do novo dia, após o massacre que se sucedera durante a noite, apenas um guerreiro permance de pé. Coberto de sangue a pingar de seus cabelos junto com o suor, um brilho diferente emana de seus olhos. Não parece cansado nem tampouco fatigado pelas últimas vinte e quatro horas ininterruptas de intensa batalha. Age como se estivesse começado a lutar a poucos minutos e cada vez derruba mais inimigos. Mas seu objetivo não é derrotar o exército todo. Mesmo em sua insana vingança ele sabe não ser capaz disso. Deseja apenas desafiar a Morte que, lhe concede esse desejo, como o último de sua nobre porém curta vida.

Como não poderia ser diferente, a morte não precisa de muito para fazer cair aos seus pés a cabeça do pequeno guerreiro. Mas mal sabe ela que esse fora seu objetivo desde o início. Desde o começo da guerra ele não se importara com sua própria vida, nem tampouco com a de seu povo. Pensara apenas em juntar-se a seu amado no outro mundo, onde quer que ele estivesse. Dessa forma, agora, com sua cabeça aos pés da morte, sua alma finalmente pôde voltar a contemplar o doce olhar daquele que ele amou por toda sua vida. Agora, mais uma vez unidos, de mãos dadas, eles não mais se separarão. Caminhando lado a lado por toda a eternidade. Marchando junto ao exército da Morte para defender a soberania do Destino.

Mais uma vez juntos, na morte, por toda a eternidade.