quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Não restou nada! Pt. 2

Eu sentei mais cedo, pensando em escrever, mas não consegui pensar em nada que não fosse uma lista quase infindável de palavrões e ofensas muito bem dirigidas que, no entanto, não deveriam ser ditas em voz alta por ninguém, quanto mais escritas.

Não pelo fato de ela não merecer, pois ela merece e muito, mas pelo fato de que sei não ser saudável para mim cultivar esse tipo de coisa. E no entanto isso também não pode ser ignorada.

Ontem experimentei de novo o sentimento do sangue que se tornou veneno e que passou a correr nas minhas veias. Nada mais doloroso do que sentir o ácido e depois não sentir mais nada.

Queria dizer o que me levou a isso, mas muito do que disse, do sentimento de impotência frente aquele que é importante pra mim, já foi dito quase a exaustão aqui. E nada mudou. Só o que aconteceu foi a constatação dessa minha impotência e insignificância.

Não pode haver mais nada em mim além dessas duas coisas pois tudo se foi, e não restou mais nada. Apenas a casca formada de impotência e insignificância.

Desculpe, mas não há aqui mais palavras, ou sequer belos aprendizados. Nem mesmo há um poema sobre a beleza de dor. Há apenas a constatação de um homem que descobriu não ser mais uma pessoa, mas um simulacro humano, formado por nada mais do que uma aparência externa e uma personalidade impotente e insignificante.

Eu tentei ser o melhor que pude, tentei ser um apoio, estudei para que pudesse melhor responder a suas perguntas, fui paciente, carinhoso, ouvi a todos as suas dores e reclamações. Mas nada isso foi suficiente para que me considerasse digno de andar ao seu lado e segurar sua mão. Tudo o que foi inútil, de nada serviu. De nada serviu.

Eu passei meses te ouvindo. Fiz o que pude pra te compreender, pra secar suas lágrimas, pra te ver sorrir. Você dizia que só confiava em mim quanto a tudo isso, e que ninguém ia sequer saber que passou pelo que passou. Mas foi só ela chegar e você mudou sua palavra. Em dias você contou a ela tudo o que dizia ser difícil demais contar pra outra pessoa, e quanto o alertei sobre o quão perigosa ela pudesse ser, você logo a colocou em meu lugar. Tudo aquilo que fiz de nada serviu.

E agora não há mais nada aqui. Não há mais vontade de servir, ou de ser importante. Não há mais disposição para ser melhor. Não há nada. Não restou nada. 

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Não restou nada!

Alcancei um novo estágio de ódio. Não sabia que meu corpo tinha capacidade de suportar tanto rancor sem desfazer-se em cinzas de ira. 

Já não sinto mais o gosto do sangue, que me era comum ao sentir raiva, mas apenas a boca seca, bem como meu coração, que derramou todo o amor que ali havia para abarcar apenas todo ódio que no mundo pudesse abarcar. Não restou nada!

Até mesmo ânsias assassinas que antes me assolavam o pensamento e dominavam minha carne se foram. Restou apenas uma casca vazia, sem conter em si nem sequer uma centelha de vida. Não restou nada!

As lágrimas foram as únicas que ainda não secaram, pois as segurei com toda a força que restava ainda na minha carne, que já começara a se desfazer e apodrecer.

Apodrecer. Mas não restou nada para apodrecer. Não restou nada!

O desejo do meu corpo é desfazer-se na frialdade da terra, e não mais viver a contemplar a glória dos meus inimigos. Não restou nada!

Não há nem sequer mais palavras em meu interior que deseje despejar. Não restou nada!

Nem mais loucura, nem mais esperança, nem sequer desilusão. Tudo se foi, tudo se foi, tudo se foi. Não restou nada!

Sobre priorização

Sou uma pessoa que vive em busca de objetivos. Estou sempre atrás de algo, que seja uma simples musica ou a compreensão de um conceito complexo que ainda não conheça. 

As pessoas ao meu redor normalmente classificam as coisas que são importantes para mim como banais demais para que elas deem atenção. Como quando digo que faço dois cursos de filosofia, mesmo já tendo uma graduação e duas pós. E isso é para mim algo tão superficial ainda, mas para aqueles que tem total desprezo pelo conhecimento isso não passa de uma busca sem sentido.

Mas admito que muitos dos meus objetivos são sim, para os outros, irrelevantes. Como quando, por exemplo, tomo por prioridade o cuidado e a atenção com uma pessoa especial, que em quase nada parece notar meu esforço. 

Esse esforço é, para mim, algo tão básico e superficial que não o chamo esforço, mas o digo ser apenas o mínimo que posso fazer por quem amo. Mas em comparação com o que vejo ser prioridade nos que me rodeiam eu percebo que de fato o que é importante para mim em nada é para o outro. 

Pode parecer uma constatação boba, e de fato o é, mas ela me faz questionar se estou tão errado em interpretar a realidade dessa forma, e não como os outros a fazem. Mas do que posso ver dos outros, e do que fazem e como vivem em nome de suas prioridades, não quero ser em nada igual a eles. Antes disso, é uma honra ser considerado um aborto da sociedade, por não partilhar da mesma visão que todos tem.

Eu desejo servir. Ser instrumento. Eu desejo ter utilidade para o outro, e ajudar o outro a cumprir seus objetivos. Eu quero ver o outro sentado em seu trono e saber que eu o coloquei lá. Eu quero ver aqueles que amo felizes, realizados, ainda que não tenha objetivos de realização pessoal. 

Mas as vezes sinto como se fosse uma ferramente quebrada, incapaz de levar aqueles que amo a sua plena realização. Isso porque não compreendi ainda que não posso fazê-lo senão tendo também eu um objetivo de realização. 

Mas e agora, qual objetivo criar? 

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Sobre um pequeno aprendizado

Alguns dias cheios, cansativos ao extremo do meu físico e emocional. Dias em que sucumbi ao peso e a força dos encargos que eu mesmo adquiri para mim. 

Em alguns momentos eu vi a fadiga e o cansaço cobrarem de mim uma grande taxa, o que me motivou a desejar ficar deitado, sem me importar com nada que pudesse acontecer ao meu redor. Mas a responsabilidade moral me impeliu a levantar e continuar, mesmo que meu corpo gritasse em protesto. 

Nesse meio tempo eu ainda fui acometido de súbitas carências, onde desejava não mais fugir sozinho, mas com alguém ao meu lado. Acredito que o cansaço físico tenha me deixado deveras suscetível aos riscos de interpretar mal o carinho e a atenção dos outros. Como não poderia deixar de ser.

Por essa razão em alguns momentos eu decidi me afastar, me silenciar, para proteger meu coração dos ciúmes, e para evitar me machucar futuramente. As vezes sinto como se fosse uma coisinha molenga, que se tornou uma máquina eficiente de cumprir obrigações, mas ainda pilotada por uma coisinha molenga.

Mas eu sobrevivi, e consegui enfrentar cada uma das minhas batalhas com tudo o que tinha. E embora cansado, saí de cada uma delas vitorioso. O melhor lado de tudo isso foi ver o desempenho, ao término, onde pude perceber que todo o esforço valeu a pena. E pude ainda aprender algo das coisas que percebi.

Percebi algumas coisas que ainda preciso trabalhar em mim: minha capacidade de ignorar sem fazer cara feia, de não me deixar me iludir facilmente, ainda que não seja intenção do outro fazê-lo. Preciso aprender mais, melhorar mais, evoluir, crescer, amadurecer. Imprimir na minha mente e no meu coração que as coisas são como elas são, e não como eu quero que elas sejam. A minha interpretação da realidade é errada demais para alguém que deseja viver com o mínimo de sofrimento autoinfligido. 

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

A Serpente obsessiva - Pt. 2

Eu devia odiar a sua imagem. Devia odiar o seu semblante. O seu riso. O seu nome. A sua personalidade. 

Devia odiar a forma como me faz sorrir mesmo quando estou irritado, e como desmonta quase sem argumentos os edifícios que monto pra me afastar de você. 

Devia odiar tudo o que me faça recordar o que é, quem é e o significado que tem na minha vida.

O que você significa para mim? O inalcançável. 

Você é para mim aquele útero primitivo que a humanidade perdeu tempos atrás. Você é o complemento pro vazio que existe bem no âmago da minha existência e que me assombra desde meu primeiro pensamento. 

Eu devia odiar a sua imagem. Devia odiar o seu corpo perfeito. Devia odiar o seu olhar profundo. Devia odiar a sua voz desconcertante. 

Eu devia odiar o fato de que foi você quem deus as costas a mim, e que me trocou na primeira oportunidade que lhe pareceu mais benéfica. Eu devia odiar a você e não ela, pois ela não te tirou de mim, mas antes disso, você é que preferiu ir, e voltar decepcionado.

Eu devia então odiar a forma como você se foi, e odiar ainda mais a forma como voltou. Mas não. Não consigo odiar você. 

Não consigo odiar sua imagem, nem seu semblante, ou seu sorriso, ou seu nome, ou qualquer coisa relacionada a você! Isso porque não consigo odiar se eu amo você. Não posso, não sou capaz de tal feito. 

Tudo o que posso fazer é te amar. Independente do quanto me fez sofrer ou chorar, independente do quanto ainda vou chorar. Tudo o que consigo fazer é ainda pensar em você como a serpente obsessiva olha a águia a voar sob o céu azul. 

A Serpente obsessiva

Me preocupo com a forma obsessiva em que penso em você. A frequência e a força com que minha mente, e meu coração flutuam até você, é deveras sufocante. 

Eu costumava pensar que, se meu sentimento fosse puro e sincero, ele iria alcançar você de algum modo, se fosse paciente e perseverante, e continuasse sendo o melhor que posso para você, conseguiria sua atenção e consequentemente seu coração. Pensava que, se fosse o melhor amigo possível para você, poderia me tornar algo mais.

Acreditava que um amor era um amor, independente de quem fossem os envolvidos, e que só importaria quem somos por dentro. Esperava que ao alcançar seu coração, perceberia que posso ser para você mais que um amigo. 

Mas isso não aconteceu.

Não poderia estar mais enganado. Não poderia estar mais preso num conto de fadas. Acorrentado pelas minhas próprias convicções. As convicções de um bobo, apaixonado, incapaz de enxergar a verdade, a realidade, bem a minha frente!

Não percebia que agindo dessa forma apenas servia de escadaria para aquelas que realmente serviriam a você. Eu seria um mero degrau, para a acensão delas. O ajudaria com seus dilemas existências e suas crises morais, e quando estivesse bom, seria largado para que ficasse com quem realmente pode te fazer feliz.

É a velha história da serpente que, rastejando pelo chão, sonha em voar pelo alto céu. E rastejando pelo chão, apenas observava a águia voar, sem  que com isso percebesse que não sou uma águia, mas apenas uma serpente, vil e venenosa. 

E agora? O que me resta fazer? Mudar o meu modo de ser e sufocar o que sinto até que já não sinta mais nada. Ou apenas continuar sendo o que sou e, calmamente sentado na praia, contemplar a onde de destruição que o futuro faz avançar por sobre mim? 

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Sobre escrever

Desde pequeno eu aprendi que as palavras tinham forte poder. Minhas professoras diziam que escrevia bem, e com efeito minhas notas sempre foram excelentes, principalmente quando podia escrever livremente. E ainda que discordasse delas, continuei escrevendo, e passei a gostar do que fazia.

Sempre tive dificuldade de entender o que significava o tal poder das palavras. Quando cresci, no entanto, aprendi da pior maneira que elas tem poder para ferir, e embora também possam curar, aprendi que não curam tanto quanto matam. 

Muito embora as palavras possam soar mais letais que tiros de canhão, e cortarem mais fundo do que o aço frio de uma espada, elas ainda são incapazes de transmitir a exatidão de uma alma.

As pessoas continuam dizendo que as palavras tem poder, mas isso não é verdade, pois elas tem poder como arma, mas não como transmissoras dos afetos de nossa alma. Quanto a isso, seus símbolos continuam rasos e sem significado. 

Claro que o horror que elas podem transmitir também são afetos da alma, mas quando tentam transmitir o amor, ah, aí elas se tornam completamente opacas para quem as ouve, e quem as diz se sente como que balbuciando sons ao vento, sem que tenham mais valor do que o barulho que faz uma pedra ao cair no chão. 

Percebi então que me derramar em palavras, sejam as mais belas e doces numa carta apaixonada, ou as frias e secas palavras numa noite escura da alma, ainda assim elas serão sempre incapazes de abarcar a totalidade do que sinto e penso. 

Some-se então a insuficiência da linguagem a minha incapacidade e tudo o que me resta são palavras multiplicadas em seu próprio vazio. 

Qual o sentido de continuar a escrever, então? Nem mesmo eu sei responder a isso. Continuo a escrever pois, mesmo insatisfeito com o que aqui digo, ainda necessito de dizer. Então quando me debulho em lágrimas ao escrever, ainda me sinto revigorado, mesmo que não tenha conseguido dizer o que se passava dentro de mim, da forma como se passava dentro de mim. 

As palavras são, para mim, uma válvula de escape. Uma necessidade que tenho de dizer, e ainda que não consiga dizer aquilo que quero, da forma que quero, só o fato de dizer algo já me acalma, já faz de mim um pouco mais feliz.  

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Sobre aprender a existir

Não seja quem você não é. Nem tente. Você não conseguirá ser quem não é, se perderá no caminho e ainda vai se odiar no final. Não há justificativa para ser ou agir dessa forma. 

Não obrigue ninguém a ser como você quer que ela seja. Ela não será capaz de ser como você quer que seja, você vai decepcionar-se com ela e por fim, ainda será capaz de odiá-la. Não há justificativa para ser ou agir dessa forma. 

Não espere demais dos outros. Primeiramente eles não sabem que você tem expectativas e, ainda que o saibam, não tem nenhuma obrigação de as realizarem. Isso é pedir para ser decepcionado. 

Não mude por alguém ao menos que a mudança seja, antes de tudo, boa para você mesmo. Isso não quer dizer que você deva ser uma pessoa egoísta, mas que seja realista o suficiente para não mudar por alguém que não sabe apreciar quem você e que tampouco compreende os motivos por trás dessa personalidade.

As pessoas tem o péssimo hábito de exigirem aquilo que elas não têm. Exigem atenção, carinho, fidelidade e interesse, ao passo que não oferecem nada. Certamente o amor não deve ser baseado em querer algo em troca daquilo que se dá, mas apenas exigir do outro também não. E se insistir nisso, você vai se decepcionar com o outro, consigo mesmo e você vai se odiar no final. 

Sobre a existência e os limites de Deus

- Gabriel, estou beirando uma heresia.

- Diga.

- Olha só: ainda vai em contraposição com a primeira leitura de hoje. Acho que Deus não é perfeito! Ele tem defeitos, e sei de um. 

Na verdade, não estou certo quanto a defeitos, mas sei quem há um defeito! 

- E qual seria ele?

- Ele não joga xadrez comigo! Queria que ele jogasse. Melhores amigos jogam xadrez, e ele é meu único e melhor amigo!

- Ah bom.

- Estou falando sério! Ele não solta pipa também! Que amigo é esse?

- Tecnicamente ele solta pipa. Mas quanto ao xadrez, penso que você tenha razão.

- Solta?

- Sim. Filosófica e teologicamente falando ele é o fundamento da realidade. Então tudo o que existe necessita da fundamentação da sua existência em Deus. Por isso se considerar o vento que faz a pipa voar uma extensão do pensamento de Deus, é ele quem solta a pipa.

Por isso penso que não faça muito sentido filosófico dizer que Deus existe. Pois existir supõe criação, início, meio e fim e Deus metafisicamente tá acima de tudo isso. Deus não existe, ele é o fundamento da existência. "Por ele todas as coisas foram feitas" inclusive a existência!

- Mas Deus existe não é mesmo? E continua sem jogar xadrez comigo!

- Então, costumamos dizer que sim pra não chocar; mas Deus tá acima da existência pois ele criou a existência. Se ele criou a existência não podia existir nada antes, logo ele tá acima disso pois existir é uma forma inferior de ser, e só Deus é. 

E se você jogar sozinho? Não tenho resposta (pronta) pra isso. Mas vamos lá: o fato de ele não jogar xadrez pode ser considerado uma falha? Então ele não alimentar as crianças da África também o é? 

Acredito que a não participação dele na sua partida seja fruto do pecado original. Afinal no princípio Deus andava no paraíso e conversava com Adão diretamente. Se esse contato não fosse perdido, talvez hoje ele jogasse com você.

- Entendi. Porra Adão!

- No curso que estou fazendo, meu professor fala muito sobre o conhecimento. Nosso conhecimento é aprendido, adquirido. O conhecimento de Adão era infuso e perdemos isso também.

- E por que ele se afastou da gente pelo pecado original? Ele não poderia continuar comigo e eu mesmo com pecados, ainda jogar com ele?

- Na verdade quem se afastou foi Adão, ele (Deus) respeitou a decisão dele por conta do livre arbítrio. Se Adão quis desobedecer e se afastar, se Deus obrigasse sua presença estaria se contradizendo. E Deus não pode se contradizer.

Se você pedisse que eu me afastasse e ainda assim eu me forçasse a estar contigo, estaria te desrespeitando.

- Mas quem expulsou do paraíso foi o Abbá.

- Sim, e então?

-  Deus poderia esperar mais um tempo e assim eles se reconciliariam.

- Mas onde abundou o pecado, superabundou a graça. E então começou a História da Salvação. Deus não quis apenas se reconciliar, mas deu ao mundo algo ainda maior. Com efeito, ser um só com Deus é mais do que apenas conviver com Deus; Ele criou uma forma infinitamente superior de se reconciliar do q apenas readmitir-nos no paraíso, mas readmitir-nos no próprio seio.

- Mas ser um com Deus não é tanta coisa pois assim não jogo xadrez, não é?

- Você não vai querer e nem precisar, pois ser um só com Deus é inconcebivelmente superior a toda experiência humana, inclusive jogar xadrez. 

Eu por exemplo, temia não mais poder ouvir Beethoven, mas espero que os anjos cantem ainda melhor que o Corale da Nona Sinfonia. 

- Sim!

- Consegui te convencer? 

- Mas os humanos podem ser um com Deus? Ou temos que esperar o paraíso? Ou o santo já é um com Deus? Até eu ser um com Deus, não posso jogar xadrez com Deus?

- Aqui na Terra pode-se experimentar como é ser um só com Deus, como é nas experiências de tantos santos que foram arrebatados em êxtase. Pode-se conhecer, mas não viver plenamente. A Liturgia é uma das formas de ser um só com Deus, já que é uma antecipação da Liturgia Celeste, celebrada pela eternidade. Mas de fato ser um só com Deus só após a morte, onde seremos deuses, por participação, como disse S João da Cruz.

Expliquei direito? Saber como é a sensação não significa viver exatamente...

- Explicou sim, direitinho.

- Se possível, leia o Diálogo, de Santa Catarina (de Sena).

- Mas espera aí.  Não explicou tudo!

- Prossiga

- Isso não nega o fato de que até eu ser um com Deus, ele não vai jogar xadrez comigo! Nunca vou jogar xadrez com ele mesmo?

- Não vai. Mas você enxerga isso como uma limitação de Deus? Como se ele não pudesse jogar xadrez com você?

Mas ainda está no âmbito da possibilidade, então pode ser que um dia aconteça. Mas poder acontecer não quer dizer que vá acontecer.

- Sim, isso é uma limitação!

- Estou aqui, querendo jogar xadrez com meu melhor amigo, e ele não veio...

- Mas é uma limitação mais sua do que dele. No entanto se formos falar de limitação, eu proponho que pensemos sobre o paradoxo da onipotência. Que tem uma resposta mais simples do que parece.

 Se Deus pode tudo, ele pode criar uma pedra tão grande q ele mesmo não possa carregar ou destruir?

- Já escutei essa. Só Deus sabe responder.

- Ela parece complicada, mas não é... 

É uma pergunta errada, e se você tenta responder, inevitavelmente vai cair em contradição. Isso porque as pessoas tem uma concepção errada de onipotência. Onipotência é, para o senso comum, poder fazer qualquer coisa, mas não é bem assim! Por exemplo, eu e você podemos fazer coisas que Deus não pode, como pecar, trapacear e praticar o mal. Eu e você temos o poder de pecar se quisermos, Deus não. Mas então como dizer que Deus é onipotente se ele não pode tudo?

O conceito de onipotência na verdade não diz que ele pode tudo, mas que pode tudo aquilo que seja de sua natureza. E uma das características de Deus é a coerência. Outra característica é que Deus é infinito. Algo incoerente é algo ilógico, irracional. A incoerência da pergunta está em afirmar que algo finito e portanto quantificável (pedra) possa limitar o infinito (Deus). A pergunta mistura duas categorias de coisas, finito e infinito.

Então não, Deus não pode criar essa pedra. Mas isso não é uma limitação de Deus e sim da pedra, que sendo finita não pode limitar algo infinito. E a pedra não pode ser infinita porque pedra é sempre algo criado, existente e sempre finito. Se é infinito não pode ser pedra, e se é pedra não pode ser infinito. Isso é o princípio de não contradição, onde uma coisa não pode ser e não ser ela mesma ao mesmo tempo.

Outro exemplo seria sugerir que Deus criasse um quadrado redondo. Ora, se é redondo não pode ser quadrado pois ambas as coisas estão em categorias diferentes, ou seja, quadrado e redondo. E isso faz parte da estrutura da realidade, e sendo Deus fundamento da realidade, ele não poderia fazê-lo pois seria incoerente, e Deus não pode ser incoerente.

Logo, o ato de jogar ou não xadrez, sendo ação humana é portanto ação finita, e a sua não realização não limita a Deus pois algo finito não pode limitar a Deus.

A menos que você seja um menino muito santo e que Jesus se encarne novamente pra jogar contigo!

Será que você ia conseguir ganhar? Digo, você não vai, mas saber q isso está no espectro da possibilidade é deveras interessante.

Mas opa, com isso eu percebi q deixei passar uma coisa: se essa possibilidade é probabilisticamente possível, ainda que improvável, significa que sim, Deus pode jogar xadrez com você! Pq se ele pode conversar e se apresentar fisicamente, jogar não seria problema. Logo, alegre-se, você pode jogar xadrez com Deus. Você só não vai, mas pode!

´- Eu só não vou. Mas posso. E acho que ele perderia!

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Sobre uma existência diferente

Eu sou diferente de todos os outros, pois é impossível que exista alguém com as mesmas experiências que tive, e ainda que fosse possível que houvesse mais alguém com essas experiências, elas não se dariam da mesma forma como se deram em mim por essa pessoa não possuir as mesmas predisposições que eu possuo ou possuía quando as experimentei.

Isso me torna único. As experiências que tive, com as pessoas que conheço e com quem criei laços moldaram quem sou, e continuam me moldando, assim como de alguma forma a minha existência também molda a personalidade de o eu daqueles que estão ao meu redor. 

Essa é uma das poucas verdades que aceito em minha existência. 

Essa diferença entre mim e o outro, diferença essa atestada pelo contraste entre eu e o outro, é constada na afirmação de que eu não posso ser como o outro, nem tratado como ele. A diferença é algo intrínseco a todos nós e é a diferença que dita quem somos e o que fazemos. 

Mas a diferença também machuca, pois o processo de diferenciação do Eu é demasiado doloroso em sua base. Constatar as diferenças é notar a todo instante o espectro das possibilidades e impossibilidades que se ergue a frente da existência humana. E isso é, para mim, algo tragicamente doloroso.   

Notar que não sou o outro dói. Notar que não posso ser como o outro dói mais ainda. Notar que as minhas incapacidades são maiores que minhas capacidades é algo deveras assustador pra minha existência de compreensão tão limitada e de aceitação mais limitada ainda. 

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Sobre uma existência confusa

Há em mim uma confluência de duas forças conflitantes. Uma digladiação, um duelo, com minha mente como campo de batalha.

Parte de mim deseja falar, sem parar, sobre dezenas de pensamentos que fluem com mais força do que os consigo conter. E essa parte deseja gritar ao outro, fazer-se ouvir e ser sentida, percebida. Talvez seja um grito, como o da fera que gritou Eu no coração do mundo, informando a todos os outros sobre a sua existência. 

Outra parte deseja o silêncio. O nada, como costumo dizer. É um desejo de solidão, de aproveitar a minha própria companhia. Sem ouvir as vozes abafadas dos outros me dizendo o que fazer. 

A perspectiva do fim de semana me nocauteia com golpes certeiros acima do estômago. O desejo de me isolar durante esses dias grita como um animal assustado por seu predador. É como se a multidão que terei de ver e conviver nas próximas horas fosse me devorar, ou me expor continuamente ao ridículo. 

Eu sei que o contato com o outro é necessário, e que não posso viver sozinho. Mas é mesmo necessário conviver com o outro agora? 

O contato com o outro me irrita. A lerdeza das pessoas me irrita. A incapacidade das pessoas em me compreender me irrita. Minha incapacidade de fazer os outros me compreenderem me irrita. 

Eu sou eu mesmo, mas os outros não conseguem perceber isso, e me medem segundo os próprios parâmetros. Esperam que eu seja como eles querem que eu seja. Mas eu não sou como eles querem. Não poderia ser nem mesmo se quisesse. 

Eu sou eu mesmo. Mas quem eu sou? 

Eu sou quem quero ser? Não. Se faço o que não quero fazer sou apenas um outro eu fazendo algo que não é da vontade do meu próprio eu. Mas esse eu que faz coisas que não são da vontade do meu próprio eu, ainda sou eu, mesmo que despersonalizado. Então quem sou eu?

Sou um eu sem vontade própria, que faz a vontade do outro na esperança de que o contato com o outro delimite a minha existência, mesmo que, ao fazer a vontade do outro e não a minha deixo de ser o meu eu e me torno outro eu? 

O que eu devo fazer? A responsabilidade social não me permite me esconder. Mas e a responsabilidade pessoal? Como posso me obrigar a fazer o que eu sei que vai me machucar? 

O que eu quero de verdade? Encontrar a mim mesmo no silêncio e no escuro da minha própria paz? Ou encontrar a mim mesmo na minha relação com o outro, onde sei que vou sofrer, ao me diferenciar? 

A cada dia que passa eu amaldiçoo ainda mais a individualidade, que nos torna tão suscetíveis a dor da incompreensão. Acentuada pela insuficiência da linguagem em comunicar ao outro o que ele é incapaz de perceber por si só. 

Por mais que nos comuniquemos com palavras, musicas, metalinguagens em geral, tudo o que o homem é capaz de fazer é balbuciar. Com um alguém sem acesso aos próprios sentidos que, emitindo grunhidos, não é capaz de expressar-se e nem de compreender a si ou ao outro.

Existem então dois de mim lutando no meu interior. O meu eu que deseja falar e o meu eu que deseja se calar. E eu não sei qual desses dois devo ser. 

A existência do homem é uma existência patética, e no entanto sequer temos a coragem de colocar um fim a essa existência. 

Do desespero

(Trecho de O Desespero Humano)

O desespero é portanto a “doença mortal”, esse suplício contraditório, essa enfermidade do eu: eternamente morrer, morrer sem toda-via morrer, morrer a morte. Porque morrer significa que tudo está acabado, mas morrer a morte significa viver a morte; e vivê-la um só instante, é vivê-la eternamente. Para que se morresse de desespero como duma doença, o que há de eterno em nós, no eu, deveria poder morrer, como o corpo morre de doença. 

Ilusão! 

No desespero, o morrer continuamente se transforma em viver. Quem desespera não pode morrer; assim com um punhal não serve para matar pensamentos, assim também o desespero, verme imortal, fogo inextinguível, não devora a eternidade do eu, que é o seu próprio sustentáculo. Mas esta destruição de si própria que é o desespero é impotente e não consegue os seus fins. 

A sua vontade própria é destruir-se, mas é o que ela não pode fazer, e a própria impotência é uma segunda forma da sua destruição, na qual o desespero pela segunda vez erra o seu alvo, a destruição do eu; é, pelo contrário, uma acumulação de ser, ou a própria lei dessa acumulação. Eis o ácido, a gangrena do desespero, esse suplício cuja ponta, dirigida sobre o interior, nos afunda cada vez mais numa autodestruição impotente. 

Bem longe de consolar o desesperado, pelo contrário, o insucesso do seu desespero em destruí-lo é uma tortura, reanimada pelo seu rancor; porque é acumulando sem cessar, no presente, o desespero pretérito que ele desespera por não poder devorar-se nem libertar-se do seu eu, nem aniquilar-se. Tal é a fórmula de acumulação do desespero, o crescer da febre nesta doença do eu.

S. Kierkegaard

Alta contemplação

Uma tarde fresca, uma mente em busca de sentido. Um olhar rápido as folhas que o vento afaga, e aos sons que o mesmo vento traz. 

Busco no vento o sentido da existência, e ouço pelo vento a busca contínua de sentido de outras existências. 

Uma música lenta, um coração apaixonado. Uma criação humana, uma criação divina. Uma sensação humana, uma sensação que suponho ser divina. 

Uma saudade. Uma carência. Um calor no coração. Uma nostalgia. Um "não sei quê" que me agonia.  

Dois olhos negros. Dois lábios vermelhos. Dois olhos verdes. Dois lábios rosados. Um rosto corado. Um sorriso encantado. Um gemido abafado. 

Impressões erradas. Imprecisas. Incompletas. Infinitas. 

Uma tarde fresca, uma mente em busca de compreender os seus sentidos. Um olhar sonhador que ao longe imagina a utopia nascida dos seus desejos mais íntimos.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Das marcas

Tem marcas deixadas por ele em todo meu corpo. Essas dizem que ele esteve em mim, como eu estive nele, e relembram a posteridade dos meus dias uma história ainda inacabada. 

O perfume dele ainda continua forte no meu quarto, e quando me deito, as lembranças dos momentos intensos que vivemos ali vem a tona com força, e me inebriam novamente em furor. 

Marcas

Marcas no meu corpo, na minha memória, nos meus sentidos, no meu quarto. 

Mas são marcas que atestam a existência daqueles momentos que passamos juntos, não mais do que isso. Antes, teria eu afirmado que seriam marcas de um amor que ainda não foi vivido, apenas experimentado, e que tudo aquilo era sinal de algo latente ainda mais poderoso que a paixão. Mas dessa vez, não! Não passam de marcas que sim, me recordam, mas não me fazem crer num futuro utópico e feliz. 

São marcas, não signos de esperança. 

São marcas, não ideais a serem alcançados. 

São marcas, declarações de desejo, não de amor. 

Me contento em agora olhar para essas marcas e não mais sofrer, mas apenas me alegrar em recordar tudo o que se passou. Não há necessidade de mais significados do que isso. Melhor que deixe minha natureza simbólica apenas interpretar os símbolos da religião e da filosofia, e não sonhar em interpretar as marcas da paixão.

Sobre uma existência distante

Você é uma pessoa distante, que no entanto se encontra sempre alguns passos longe de mim. Uma existência distante, que no entanto pode tocar a minha se erguer os braços. 

Uma existência próxima como um amigo próximo, mas distante como os polos de um planeta, ou como os braços da via-láctea. Uma existência distante que eu só posso desejar que esteja próxima a mim. 

Uma existência que desejo tão próxima que se confunda comigo. Que já não possa mais ser delimitada como algo que esteja fora de mim. 

Assim é feita minha existência: de um conjunto de existências distantes, que nunca chegam a se tornarem próximas o suficiente para que sejam uma só comigo. 

Por isso essas existências provocam em mim o desejo de que sejam uma só comigo. 

De onde vem todo esse desejo, de diminuir a distância entre a minha e a outras existências. 

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Sobre uma existência patética

Ainda ontem me questionava sobre os motivos que fazem as coisas, a vida, serem como são. O que faz a minha vida ser como é? 

Seria a estrutura da realidade a responsável por ditar tudo que é e acontece? Ou nós temos algum poder e influência sobre essa estrutura? Podemos nós mudar a realidade ou apenas por ela somos moldados e, por não conseguirmos delimitar a real forma dessa estrutura, acreditamos por ela sermos limitados? 

Gosto de pensar que as coisas são como elas são. E que isso não se trata de uma limitação, mas sim de uma estruturação. Bom, minha mente é então a responsável por imaginar coisas além da possibilidade e, com isso, sofrer por acreditar ser limitada.

Percebo isso quando me vejo perdido em devaneios, sonhando com realidades que nunca irão se concretizar. Mundos fantásticos, acontecimentos igualmente impossíveis, enfim, toda sorte de coisas que nunca vão acontecer. Tudo isso me paralisa antes as possibilidades que se encontram bem aos meus olhos, e me impedem de dar sequer um passo rumo a realidade. Isso porque toda vez que a realidade me toca com seus tentáculos gelados, me sinto obrigado a retornar para a seguridade do meu pensamento. Mas nem isso tem sido suficiente para me apartar do desespero que a realidade me proporciona.

Daí surge o desespero, da constatação de onde me encontro na realidade. À margem. À esquerda. Apartado de tudo e de todos que, vivendo, sabem o que fazer com sua própria existência. Eu, por outro lado não consigo mais do que viver, sem saber o que fazer. 

Daí também me surge a dificuldade em querer sair, em querer olhar ou ouvir o outro. Tudo me ofende, dói, tudo me faz querer ficar sozinho, no silêncio, sendo acompanhado apenas pela musica que, ao fundo, não me maltrata, não me assusta. 

Uma existência patética, eu sei, mas a única que eu tenho. Um existência que sonha, idealiza e nada realiza.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Sobre a existência ideal

Primeiramente vem de súbito uma onda filosófica quase incompreensível. Depois, quando os ânimos se acalmam e decanta-se as inspirações no fundo da alma, conseguimos dizer algo que verdadeiramente faça algum sentido. 

Nos últimos dias tenho refletido bastante acerca de questões como a personalidade, a limitação da existência, o Eu... Em parte motivado pelas aulas de um curso que tenho e também pela reprise de Neon Genesis Evangelion, que sempre me rende umas boas doses de reflexão, após muita paranoia, claro!

O fato é que mais uma vez eu tenho notado o quanto o limite da consciência é algo prejudicial a nós. 

Esse limite é o que, com base nos nossos processos históricos e predisposições gênicas, ditam quem somos, o que fazemos, como fazemos, do que gostamos ou não... Enfim, tudo o que somos é o que é com base na combinação desses dois fatores, que delimitam a nossa consciência. E essa é justamente a fonte de nossas dores. 

O nosso Eu apenas consegue delimitar-se por comparação com o outro. Essa comparação se dá, principalmente, no convívio social, na troca de experiências, afetos e pensamentos. E é apenas por meio da comparação que o Eu distingue-se do outro.

Andando lado a lado com todos os outros o nosso Eu busca constantemente reafirmar-se, para si e para os outros, sob perigo de cair na despersonalização e assim virtualmente deixar de existir. 

Isso, no entanto, é algo relativamente raro, pois o que geralmente se dá e a contínua reafirmação do Eu por sobre o outro. E aqui retomo o Dilema do Ouriço, descrito por Schopenhauer, e que mostra que o limite do nosso ego é na verdade como espinhos, que causam dor e sofrimento a nós e aos outros. 

Como já descrevi isso longamente em vários outros textos, bem poéticos, diga-se de passagem, vou me limitar apenas a explicar os motivos que estão por trás da negação do Eu.

O desejo por trás da Instrumentalidade Humana, descrita na obra do meste Hideaki Anno, é a personificação da necessidade de recolher os limites da consciência de cada um. Baixando os escudos que cercam a nossa mente, e que delimita quem somos, a dor se torna inexistente, já que a úncia cosia realmente dolorosa no mundo é a relação entre vários egos que estão sempre a competir pela definição do próprio Eu.

Dessa forma, sendo todos um só Eu, não haveria mais dor e nem sofrimento, já que a expansão da consciência de cada um seria usada para preencher o vazio que habita o âmago da existência do homem. 

Sei bem que a despersonalização advinda desse processo pode ser em si algo mais doloroso do que a própria existência real, mas convenhamos, sonhar com um mundo onde todos sejam Um é deveras tentador se você, assim como eu, sofre diariamente com as intempéries do convívio com o outro e que, não sabendo lidar com a dor de ser você mesmo, desejaria ser Um só com o todo. 

Assim não haveriam mais escudos, nem ódio ao outro, nem consciência, nem opiniões dissonantes. Todos seriam um só, e Um só seriam todos... 

Seria essa a existência ideal? Ao menos para mim, sim! Retornar ao útero primitivo, a unidade perdida tempos atrás é para mim, a única forma de existir. Todas as outras resultam em dor e sofrimento...

Sobre a existência

O inferno são os outros!

Uma verdade que a cada dia se impregna com mais força no meu ser. 

O meu ser. 

Uma máquina que causa dor. Uma medida para a dor. 

Essa parece ser a única coisa em comum a todas as pessoas: a dor! Parece que somos feitos apenas para machucar e sermos machucados. 

Será essa a razão para nossa existência? 

Ferir uns aos outros, enquanto caminharmos pela terra, e apagar nossa existência patética deixando aos outros mais dor? 

Os limites de nossas existências se revelam lâminas afiadas, que se chocam umas com as outras, provocando em todos a mesma sensação horrível de que se está sendo invadido, violado, destruído. 

E assim vivemos, destruindo uns aos outros, contínua e ininterruptamente, dia após dia, sem piedade. Apenas assim vemos realizada a nossa existência patética, movida pelos desejos torpes de nossas mentes distorcidas pela dor, pelo horror.

E quando mais dor nos causam, mais buscamos amor nos braços que nos chicoteiam. Ah, nossos infernos são os outros. Somos os infernos uns dos outros. 

Sartre disse que "o homem não é nada mais do que aquilo que faz a si próprio" e o que fazemos? Fazemos de nós escravos de um sentimento que nós mesmos criamos para preencher um vazio no âmago de nossa existência. O homem não é nada mais do que um escravo, condenado a perpetuar sua existência nos chicotes ensanguentados que nós mesmos colocamos nas mãos de nossos senhores. 

Essa é a essência patética do homem.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Obcecadamente

Foi me imposta hoje a contemplação de sua beleza. Não pude fugir, ou me esconder da sombra de sua existência a oprimir o meu ser. 

A sua imagem apareceu a minha frente, e não pude sequer desviar o olhar, pois como o sol poente a cor de seus fulgurantes incendeia até o cantos mais remotos da existência, e abrasando meu ser me vi impotente ante a imponência da palavra que pronunciava seu nome, doce com a mais bela sinfonia jamais composta, ou a ópera jamais cantada. 

Como um Davi fulgurante sua imagem erguia-se por entre as entranhas da minha mente, e sendo o centro de minha galeria particular, ali todas as luzes voltaram para você, e sem saber como raciocinar, apenas me dediquei em ali te contemplar.

Altivo, branco, marmóreo, retilíneo. Com o cabelo negro a me recordar a imensidão escura do universo infinito, tal qual é o meu amor por você, e tal qual é a distância entre nós dois. 

Infelizmente não conheço adjetivos melhores que possam descrever a distância que me separava de você. É uma distância tão grandiosamente concebida para nos separar que pergunto-me se o destino arrependeu-se de permitir que o conhecesse, ou se o nosso conhecer foi um erro, um deslize de sua onipotente vontade. 

Bom, quer tenha sido um erro, ou um ato proposital, a única certeza que tenho é a de que duas coisas marcaram minha vida de maneira permanente: a sua vinda, e sua partida. 

Ah, quem há de compreender meu amor, por você? Que coração, quererá e poderá me corresponder, da forma infinita como amo, obcecadamente, amo você?

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Aroma inebriante

Observei um anjo a dormir. Silencioso, a sonhar com outros anjos. Uma bela visão, que eu gostaria de ter gravado numa tela, e eternizado-a para mostrar aos homens o verdadeiro significado de "Belo".

O mundo esqueceu o que é belo, porque o mundo não pôde ver o que eu vi. O mundo perdeu a esperança em si mesmo, porque não o conheceu como conheci. 

Guardei aquele pequeno idílio em minha mente, e em meu coração. Com a certeza de que depois daquele dia, minha visão, minha vida não seriam mais as mesmas. 

O que fiz eu, pobre homem, para merecer do destino tão belo presente? Serei eu mais uma vez enganado pelo doce aroma das artimanhas da morte, inebriado pela beleza que contemplei? 

Num momento

O sol, ao longe, foi sumindo, se enfraquecendo, e aos poucos a escuridão foi nascendo. As trevas trouxeram consigo a brisa fria, e essa frialdade a me tocar o rosto me remeteu a um olhar. Um olhar que escondia maldade e eu fingia não saber, um olhar trazia calor ao meu peito, mas que fui obrigado a esquecer. 

Agora chove na minha janela, e a água cai numa velocidade estonteante, quase a mesma em que os muitos pensamentos de antes pululam de um lado a outro em minha cabeça, reverberando cruelmente no meu coração.

Como a chuva que cai e depois escorre, também minhas lágrimas precipitam-se ao meu colo e depois somem, em direção a terra. Serão minhas lágrimas apaixonadas pelas gosta de água que caem do céu, e desejam elas se encontrarem na frialdade da terra? 

A beleza das gotas no ar, refletindo a luz como um cristal, dura apenas um segundo. Mas aquele instante de idílio da visão é suficiente para despertar no coração uma canção. Assim como as lembranças, de momentos que passaram num instante, mas que foram suficientes para despertar uma paixão.

Oh, quanta poesia num momento de escuridão. Quantas lembranças que, na tentativa de serem revividas, nos levam a depravação. Quantos pensamentos num momento de solidão. 

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Eu e o outro

O inferno são os outros (Sartre)

Onde está a possibilidade de abarcar a totalidade da existência? 
Onde está o eu absoluto, que não sofre com os espinhos do meu eu e do outro?

O que são os outros? 
Onde está o limite do meu eu? 
Como lidar com os outros, que não são eu? 

A linha não tão tênue assim, que separa o meu eu dos outros é a causa da dor de todos. O escudo de nossas consciências é a úncia arma realmente capaz de ferir, pois esse mesmo escudo é o o motor de todas as outras armas criadas pelos mesmos homens para se matar. São estas apenas ferramentas da nossa consciência para maltratarmos uns aos outros.

A individualidade é uma guerra constante, que teve início na busca pelo preenchimento daquele vazio que o homem tem em seu âmago desde o primeiro pensamento, e que culminou na descoberta da dor do outro como forma de regozijar o próprio eu no sofrimento. 

Somos todos como ouriços, tentando viver em comunidade, pois a verdade é que somos fracos demais para a solidão, e ruins demais para a viva em unidade. O meio termo entre a unidade e a solidão é a patética existência do homem. Machucando uns aos outros, sangrando uns aos outros, espinhando uns aos outros.

Isso é viver. 
Viver é matar e ser morto constantemente. 
Isso é a individualidade, é seu eu, é ser outro. 
Isso é a dor. 

O limite do meu eu é a dor do outro, e o outro, a existência do outro, é a causa única da minha dor. Onde está então o Projeto de Instrumentalidade Humana, que nos forçará a evoluir, e a viver sem o outro? 

Sendo apenas um com todos a dor deve cessar. 
Sendo apenas um com todos a morte deve findar. 

Onde está a possibilidade de abarcar a totalidade da existência? 
Onde está o eu absoluto, que não sofre com os espinhos do meu eu e do outro?

Isso tudo se deve a dificuldade em lidar com o outro, ser paciente com o outro, tentar não ferir o outro. Mesmo sendo difícil para outro lidar comigo, ser paciente comigo ou tentar não me ferir. 

Tenho ciência de que isso se deve a uma compreensão errada da realidade, e portanto a uma deficiência, e também a uma latente covardia, mais um exemplo da péssima pessoa que sou. Mas ainda assim depois de tudo isso, ainda não consigo ver facilidade em lidar com as crises do outro, sendo esse mesmo outro o principal motivo das minhas crises, sendo esse outro o limite da consciência que mais me causa dor.

Tenho consciência ainda, de que minha paciência atingiu o limite do ego, e que isso significa, que já não tenho mais paciência pra quem não tem paciência comigo.

Onde está a possibilidade de abarcar a totalidade da existência? 
Onde está o eu absoluto, que não sofre com os espinhos do meu eu e do outro?

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Superlativamente apaixonado

Eu me apaixono, com frequência, sou o superlativo vivo da palavra apaixonado. 

Estou sempre apaixonado. 
Por quem? 

Não sei, 
as vezes por ninguém... 

As vezes por um alguém, 
ou vários. 

Mas sempre por um sorriso, 
uma palavra de docilidade, 
um carinho, 
um olhar brilhante, 
um momento sozinho...


Eu amo um belo sorriso, 
e me apaixono pelo seu dono. 


Eu amo um jeito desajeitado, 
um "não sei quê" de envergonhado
um cumprimento sincero
um abraço apertado
um balançar de mão
ou um rodopiar na ponta do pé
uma piada casual
ao natural

Não gosto de coisas forçadas, 
e não me apaixono por forças mal amadas

Eu me apaixono, com frequência, sou o superlativo vivo da palavra apaixonado. 

Amarrado, 
enlaçado
acorrentado

Deslumbrado
encantado
enfeitiçado

Apaixonado