quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Fantasma

Donde vem essa escuridão, que mesmo nos dias mais claros ainda me faz perder de vista a luz do sol? Donde vem esse medo de, mesmo rodeado de pessoas, ficar sozinho e ser esquecido do mundo? Donde vem esse medo de, mesmo ouvindo tantas vozes, gritar sem nunca ser escutado por aquele que amo? Donde vem esse desespero pela solidão? Esse borderline que constantemente sussurra em meus ouvidos: você ficará só! Ninguém quer você por perto! Seria melhor se você morresse! 

É como um fantasma que nunca se vai, sempre assombrando silenciosamente os meus momentos mais felizes. É uma impressão de que sempre serei deixado só, de que sempre sou um incômodo, que sempre sou odiado pelo simples motivo de ser quem sou e como sou. 

Mas, de onde vem essa voz, quem é essa criatura que nunca me deixa aproveitar completamente minhas alegrias mais singelas? De onde vem essa certeza da infelicidade, mesmo quando a própria vida parece me dar sinais de que a felicidade é possível? 

Sei que olho aqueles que estão ao meu redor e imagino que eles sempre vão me deixar. Não consigo parar de pensar que a todo momento sou odiado por todos, e que todos se incomodam com a minha presença... De onde vem? Será que algum dia esse fantasma me deixará? Será que algum dia minha felicidade será plena, sem o medo constante de perder tudo a qualquer instante? 

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Que um dia poderia desejar

Num instante de profunda carência, deitei alguns instantes na cama e me veio a súbita consciência da solidão presente ali. Desejei um corpo quente para se juntar ao meu, um corpo alto e forte que me abrace, fazendo esquecer o vento frio que corta a pele lá fora, e que me faz recordar que nem todos nesse mundo tem alguém para abraçar. A cama se tornou maior do que o normal, e o vento doeu mais do que o normal também. Na verdade não estava sozinho, senão que a própria solidão deitava-se comigo e me abraçava com seu corpo gélido, semelhante aquela frialdade da terra. 

No entanto me alegrei quando olhei o espelho, ao lado de minha cama, e vi que a imagem refletida ali me agradou profundamente. Me recordei de quando me sentia sozinho e acabava me sentindo ainda pior quando olhava no espelho. Eu me enchi de alegria então, com a imagem que me veio a mente e a impressão que encheu meu coração: a possibilidade de um novo amor. Um amor cujo nome ainda desconheço, cuja figura posso nem conhecer ainda. Mas um amor novo, com todo aquele frescor que uma nova paixão traz ao coração.

A carência não passou, ainda sinto meu peito bater por alguém, mas não me fechei na desolação de uma campina vazia e escura, pelo contrário, me alegrei pela possibilidade de estar só, podendo algum dia estar acompanhado. 

Interessante o quanto isso se contrapõe com aquele eu de alguns meses atrás, absolutamente necessitado de alguém, no limite do corpo que clamava por outro corpo. Sinto que, aos poucos, a energia que flui dentro de mim violentamente sem direção vai se organizando, se alinhando. Sinto que aos poucos vou melhorando, me equilibrando. 

Tenho conseguido lidar com certa maturidade com coisas novas, que antes me desestabilizariam completamente, mas que agora mesmo mexendo comigo não me destroem como antes. Tenho conseguido seguir em frente, coisa que achava que seria completamente incapaz de fazer, e isso meus amigos, é a maior vitória que um dia poderia desejar!

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Espelho

Meu espelho está sujo, cheio de marcas... Por algum motivo fiquei olhando para ele por vários instantes, e encontrei naquele espelho, empoeirado e engordurado, um símbolo do meu coração. Do meu coração ainda manchado, ainda desarrumado pelo vendaval que passou por mim. Meu coração está cheio de marcas. 

Talvez tê-lo visto me tenha ajudado a entender o momento pelo qual estou passando. Momento de arrumar a casa, tirar a poeira e limpar as manchas que estão por toda parte. Não posso receber ninguém aqui assim, não posso me abrir assim. 

Meu coração está sujo, cheio de marcas.... E embora eu ainda consiga me ver refletido no espelho de meu quarto, meu reflexo é prejudicado pela sujeira que se coloca entre nós. Quando limpo, reflete perfeitamente o mundo que o rodeia, e até mesmo as belas cenas se tornam ainda mais belas através daquele reflexo fiel. Posso sorrir então, gracioso, quando meu espelho refletir perfeitamente quem sou e como sou, sem marcas, sem manchas. 

No dia seguinte

Prometo que, quando as luzes se apagarem, ninguém saberá de nós! 

Quando nossos corpos, transpirando a excitação luxuriosa, forem iluminados apenas pelos feixes que entram atrevidamente pelas frestas da cortina, fazendo brilhar o suor de nosso amor. Podemos apagar a luz e esquecer todos os outros lá fora, que falam rápido e alto, sorrindo do mundo que os cerca, podemos apenas ficar aqui, só eu e você, com a playlist abafando os sons de nossos gemidos e de nossos toques. Prometo que, quando no dia seguinte o sol nascer mais uma vez, não ligarei e não cobrarei por sua atenção. 

Quando nos tornarmos uma só carne, consumida em chamas. Uma só voz, entoando em uníssono os prazeres de nossa paixão. Uma só lágrima, silenciosamente percorrendo os medos e as incertezas que se foram quando a luz se apagou. 

E então, quando por alguns instantes você for você mesmo, sem medo de mostrar o que há de mais oculto em seus desejos, eu vou contemplar seu corpo nu, firme, alto, enrijecido diante de mim. Perolado pelo bronze da luz da rua, salpicado de gotas de suor. Não há razões para se esconder aqui, e dentro desses três metros quadrados você pode ser o que quiser, pois no dia seguinte tudo terá acabado. Você vai voltar pra sua casa, apagar da memória o meu perfume, o meu toque delicado, a minha voz em seu ouvido sussurrando seu nome e pedindo por mais. 

Agora, mesmo que me esqueça, que nos esqueça, ainda haverá, gravado em algum lugar, os nossos momentos juntos. Mas, por enquanto, enquanto ainda somos um, liberte-se de suas máscaras, me use como quiser, liberte suas cores, me leve pra lua, me deixe te mostrar meu mundo.Prometo que, no dia seguinte, ninguém saberá de nós!

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

In aeternum

Alguma postagem perdida nas rolagens do feed do Facebook dizia que "é muito fácil alguém dar flores, difícil é fazer florescer as que estão mortas dentro do coração." Ou algo mais ou menos assim... E minha nossa, quanta verdade nessas palavras!

Começo a me adaptar a ideia de que minha vibe é carreira solo, sabe, cansado demais pra tentar provar o contrário sabe-se lá pra quem... Destino, ou eu mesmo... Alguém que diga que os homens estão condenados a solidão in aeternum e que esteja errado? Não, quem quer que tenha dito está coberto da mais absoluta razão: os homens estão sim condenados a eterna solidão, desde a Torre de Babel, quando seu orgulho lhes fez perder a capacidade de se entenderem.

As rosas de meu coração permanecem mortas, e já viraram adubo, mas não para novas rosas, mas sim pelas minhas flores. Pois não significa que preciso deixar de florescer só por estar só, afinal eu preciso de um belo jardim para contemplar quando, num fim de tarde, me encerrar em meu próprio coração.

E agora, as vésperas de meu próximo aniversário, eu tento imprimir isso dentro de mim. Tento fazer com que as flores que nascem em meu peito não venham com suas pétalas sujas de sangue. Tento fazer com que meu jardim seja um jardim fechado, protegido de todos os homens que apenas buscam a destruição desse meu éden, tão íntimo, tão caro, tão raro, e que tanto sofreu com as intempéries dos últimos tempos...

Posso ver as pessoas irem e virem na estação, as vidas que passam, que chegam, que se vão... Posso ver as flores crescerem e murcharem conforme passam as estações. 

Talvez a condenação da solidão in aeternum não seja assim tão ruim afinal de contas... Talvez no fim sobrem apenas as belas flores de alguém que desistiu de saber o que era o amor de verdade, que sabe que ele foi apenas um vendaval que se soltou, um átomo a mais que se mexeu. e depois se foi, como a brisa do inverso se perde em meio aos raios do sol...

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Um passo atrás

Eu não sou o único a passar por essa vida, a ter que aprender, a ter que encontrar a si mesmo, a ter que encontrar um caminho a trilhar... 

Mas, por mais que tente encontrar, por mais que caminhe, eu não consigo nunca andar ao lado de ninguém, eu estou sempre com a impressão de que estou andando atrás de alguém. Eu estou sempre com a sensação de estar um passo atrás. 

E de novo, 

e de novo, 

e de novo...

Será que serei para sempre uma criança, alguém que custa a aprender, alguém que custa a entender, que precisa sempre cair e se reerguer, 

cair e se reerguer, 

cair e se reerguer? 

Nunca me vem a sensação de crescer, evoluir, mas a cada vez que olho ao meu redor eu vejo os outros ainda mais distantes, sempre evoluindo mais e mais, enquanto eu afundo mais e mais. 

Os outros são rápidos em suas conclusões, são felizes em ver o que os de fora querem dizer mesmo quando o dizem. Não confundem o dito pelo não dito, já eu... Sempre caio nas ciladas que minha própria mente arma. E por isso eu me vejo sempre como uma criança chorona, vítima dos próprios medos, que nunca existiram senão em sua pequena mente distorcida.

Eu estou sempre um passo atrás. 
Sempre olhando os outros por trás. 
Sempre seguindo-os. 
Sempre vendo-os de longe. 
Eu nunca sou um igual. 
Eu nunca sou respeitado como um igual. 
Sempre o aluno, sempre o aprendiz... 
Nunca consigo aprender para me tornar o mestre... 

Quando vou me tornar o mestre? 

sábado, 16 de fevereiro de 2019

Perfeitamente

Das profundezas surge a figura de um homem, que intenta compreender a própria história. Ele fecha os olhos, e num vislumbre dá de cara com toda a sua existência. Ele está diante da única coisa que é capaz de realmente conhecer: a sua própria alma imortal. Diante de si, despido de todas aquelas mascaras que usa para apresentar-se ao mundo ele contempla algo que difere, e muito, daquela imagem que via cada vez que fitava o espelho. 

O quanto é diferente, aquilo que somos daquilo que mostramos ao mundo. Surpreende até mesmo a nós, que usamos tantas mascaras que chegamos a esquecer como somos de verdade. 

Mas quem é esse? Que tanto fugiu, que tanto se escondeu do mundo num quadro de eficiência perfeccionista, que fez os outros acreditarem, que de fato era alguém bom e importante. Mas não era...

Ele era um homem medíocre, que constantemente fugia de seus fantasmas, que era incapaz de realizar sequer algo simples sozinho. Alguém que nunca iria realizar coisas grandiosas, alguém que sempre ficaria por baixo, admirando os feitos dos outros, com uma inveja incapacitante, fazendo dele um pária, alguém incapaz de ser alguém. 

Essa constatação o constrange de tal maneira que uma voz, a sua voz, constantemente grita em seus ouvidos, lembrando-o sempre de sua existência mais do que patética, de sua existência herética, vil; Uma existência que fere as outras existências, uma existência que envergonha-se de seu próprio ser. 

Um turbilhão o envolve. Gotas pesadas de chuva e violentas lufadas de ar o machucam por todos os lados, ferem-lhe o rosto como as bofetadas que o algozes deram ao nosso Salvador. Mas o Salvador foi elevado numa cruz acima de todos na terra, enquanto ele apenas foi oprimido e humilhado, sendo obrigado a dobrar para cima seu pescoço, vendo a todos sempre por baixo, onde é seu lugar, abaixo, perfeitamente inferior a todos os outros.

Consternado de sua posição no mundo ele se deita numa cama vazia. Onde nunca se deitara o amor... Apenas as bestialidades luxuriosas de uma alma distorcida. Ali ele fecha os olhos e busca ignorar as lágrimas que aquecem o seu rosto ferido pelos cortes do vento, e de olhos fechados ele abre um sorriso macabro. Ao menos os vermes haverão de se fartar com sua carne podre. 

Oceano misterioso

Mistério.

O prenúncio de algo grandioso que se esconde na escuridão. Algo poderoso que, no entanto,  se comprime na singeleza de uma bruma que lentamente se espalha sobre o mar. 

O mar esconde dos homens tantos segredos. Tantas criaturas que ali habitam as profundezas dos oceanos, observando os homens com sua paciência titânica, aguardando o atrevimento de alguma embarcação cruzar o limiar da abóbada, e assim destruir com seus tentáculos gigantescos os sonhos nefastos daqueles que pretendem dominar o novo mundo. 

Refestelam-se em seus pecados. Ó homens orgulhosos, como ousam cruzar os umbrais de seu livre arbítrio, optando pela desobediência original? Tomam para si o conhecimento divino, querem decidir por si o que é bom ou não, querem dar por si aquela antiga assinatura. 

E o mistério continua a destruir os sonhos daqueles que se atrevem a descobri-lo. O mistério, no entanto, traz consigo uma beleza hipnótica. Como a das sereias que cantando encantam os marinheiros que não pensam duas vezes antes de pular em alto mar, entregando-se de braços abertos aos monstros ferozes que esperam ansiosos a devorá-los. Cairão eles nos braços serpentários de Scylla, cuja beleza escondem horrores tamanhos que a razão humana jamais poderia descrever. Ou cairão no horrendo turbilhão da divina Caríbidis, que de tempos em tempos põe-se a sorver as águas do mar e a cuspir novamente, num demoníaco ciclo de fúria bestial. 

Como prosseguir a viagem pelo oceano do mistério? Como não deixar-se atrair pelas bestas que escondem nas águas negras do desconhecido? Qual cera devemos colocar em nosso ouvidos para não ouvir o canto hipnótico das sereias que tanto buscam perder os homens? Como sobreviver as investidas desses monstros que, com um lance de seus tentáculos destroem embarcações inteiras? E como ignorar os gritos dos jovens anspeçadas que clamam pela sua vida, ao perceberem que respondendo aos encantos de tal canto, na verdade lançavam-se a própria condenação? Como descobrir os segredos desse oceano sem encontrar a morte certa?

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Da existência inferior

Pequena pausa nas obrigações diárias. Precisando de novas perspectivas. O cansaço me atingiu com força, e com ele também o desânimo espiritual. Começo a questionar minhas capacidades, meus limites. 

Enquanto meus alunos se surpreendem com o meu currículo medíocre, prova de sua latente ignorância e não de minha superioridade intelectual, eu me culpo por sentir tanta dificuldade em cumprir as mais simples tarefas. Quando o fato de sentar e elaborar provas me faz chegar ao limite do cansaço, quando a desatenção me faz desejar não ter escolhido profissão alguma, quando a dor que correntemente ainda passa pelos músculos do meu corpo e não diminui um só instante, quando tudo isso se abate sobre mim, eu me sinto péssimo.

Olho ao meu redor o quanto as pessoas são capazes, o quanto conseguem fazer coisas incríveis, e eu, apenas sei reclamar. Nada faço direito. Medíocre em todos os aspectos. Mais uma me vem a percepção de minha notória inferioridade. Uma existência patética, indigna sequer de ser chamada vida. Uma pseudointelectualidade incapaz de realizar qualquer coisa, por mais pífia que seja. 

Sabe o que pessoas como eu realizam em vida? Realizam um um fim patético, regado a fumaça de cigarro e copos de cachaça vazios, com um cheiro forte no corpo, sinal de quem já desistiu dos cuidados básicos consigo mesmo. O descaso externo mostra o que se passa internamente, onde a preocupação já deu lugar a completa desilusão. 

Afinal, qual o motivo de uma existência tão patética quanto a minha, que é incapaz de realizar o mínimo que se esperaria de um homem qualquer? 

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Alta contemplação

Já vejo que tomais, o caminho para o meu calvário, eis a vossa esposa, que tu prontamente a segue.  Outro desejo não tens, a não ser o de ser tornar, uma perfeita companhia. Se vossa vida será então, de amor e dedicação, de agora em diante dever ser a minha... 

Meu ardente coração quer então dar-se sem cessar, ele necessita demonstrar toda a ternura que dele transborda. Quem haverá de conseguir compreender o meu amor, e me dar uma resposta? Quem haverá de um dia lançar o seu olhar a mim e, olhando a mim, não veja a mim mas o meu amor? Quem haverá de me contemplar como a um canvas e assim sentir que minha imagem e minha figura o fazem propender ao bom, ao justo, ao verdadeiro? 

Ah, quem haverá de assim me compreender? Não sou uma obra de arte. Oh não, apenas sou uma figura que vive em uma eterna noite escura, de amor em vivas ânsias inflamada, buscando aquela união entre a alma amante e amada. Apenas alguém que entrou onde não soube e quedou-se não sabendo, ainda que toda ciência transcendendo. 

Vivo já fora de mim desde que morro de amor. Quando o coração lhe dei com terno amor, percebi que morro porque não morro. Mas sou uma das almas que, nesta terra, buscam a felicidade em vão... Daquelas que suspiram olhando uma rosa que delicadamente se despedaça no chão, se perguntando: quem haverá de compreender meu amor, que coração quererá me corresponder? 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Hino ao Amor

O céu azul sobre nós pode desabar,
E a terra pode bem desmoronar,
Pouco me importa. Se você me ama,
Não me importo com o mundo inteiro.
Enquanto o amor inundar as minhas manhãs,
Enquanto o meu corpo tremer sob as suas mãos,
Pouco me importam os problemas,
Meu amor, já que você me ama.

Eu iria até o fim do mundo,
Eu tingiria meus cabelos em loiro,
Se você me pedisse.
Eu iria desprender a lua,
Eu iria roubar a fortuna,
Se você me pedisse.

Eu renegaria a minha pátria,
Eu renegaria os meus amigos,
Se você me pedisse.
Podem muito bem rirem de mim,
Eu faria o que quer que seja,
Se você me pedisse.

Se um dia a vida te arrancar de mim,
Se você morrer, que esteja longe de mim,
Pouco me importa, se você me ama,
Pois eu morreria também.
Nós teremos para nós a eternidade,
No azul de toda a imensidão.
No céu, mais nenhum problema.
Meu amor, você crê que nos amamos?

Deus reúne aqueles que se amam.

Tradução de Hymne a L'amour de Edith Piaf

De lendas e maldições

A roda do destino gira mais uma vez. 
O que será isso? 
Algum tipo de carma? 

Talvez tenha eu irritado com severidade algum deus da fertilidade, e este me amaldiçoou com a incapacidade de viver sob a égide de um amor correspondido. A reciprocidade, tão dita em nossos dias e tão distante, é um mito dos tempos modernos, uma lenda que nada deixa a dever a mitos como o de sílfides e titãs que tanto pululavam a mente de homens antigos. 

A roda do destino gira mais uma vez. 
E a sua espada é lançada sobre minha cabeça. 
Eu olho-a e dessa vez não me aventuro a segura-la. 
Não, eu corro para o mais longe possível. 
Corro de seu aço frio que transpassa-me a alma. 
Corro. 

Já não estou completamente cego ante as artimanhas de um destino que busca-me destruir sempre pelo meu lado mais frágil. Mas esse lado não será atingido se eu não entrar na guerra. Se eu não me atrever a lutar uma batalha que não posso vencer, talvez sobreviva. 

E é isso que eu quero, sobreviver!

Desejo nunca mais voltar aquele féretro da escuridão perene que tanto me aprisionou e me cortou as asas. Nunca mais. A espada pode até ser lançada, mas não aceitarei seu desafio. Me fecharei nos cantos mais remotos de minha própria existência, me trancarei tão fundo que poderei viver feliz na segurança de meu próprio ser. Já estando minha casa sossegada viverei as noites escuras uma a uma, sem me arriscar entregar aos braços de meu próprio algoz. 

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Primeira vez

Noite fresca. 
Sexta a noite. 
Lua escondida no céu. 
Estrelas esparsas no horizonte.

Amigos sorrindo. 
Vestes coloridas. 
Encosto minha cabeça 
em seu braço forte e alto. 

Sinto seus músculos rijos
Ele acaricia meu cabelo. 
O vento acaricia minha pele.

Sua mão a minha cabeça afagava. 

A brisa brinca em meu estômago.
Eu me desmancho num quebranto. 

Eu fecho os olhos em ternura. 
Um sorriso puro.

Na volta pra casa
Queria segurar sua mão.

Em uma noite escura, 
de amor em vivas ânsias inflamada.

Oh ditosa ventura, 
sair sem ser notada, 
já estando minha casa sossegada. 

Oito de fevereiro. 
Ele me fez carinho pela primeira vez.

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Viverei

Sabe, queria poder fechar os olhos e, ao imaginar alguém me abraçar e aquecer meu coração com o doce calor de seus braços, ver outro alguém. Mas as imagens são vagas. Vejo pessoas que não deveria ver. E, pra dizer a verdade, queria poder sentir apenas o meu próprio calor. 

Não quero depender de ninguém para me aquecer, agora que o frio lentamente ganha espaço daquele calor incômodo e tórrido de dias atras. Aos poucos a brisa fria vem se aproximando, e espero que com ela venha também a liberdade de olhar os ventos do inverno sóbrio, sem a melancólica lente que me faz desejar apenas viver para encontrar alguém. 

Claro que isso me leva a uma espécie de crise existencial, afinal, se não viver para encontrar, viverei para que? 

Viverei para me encontrar. Viverei para marcar os meus pés nas areias inexploradas das praias do meu próprio coração. Viverei para achar em mim o que há de me fazer feliz!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

Sobre querer mais

Não sei, queria puxar assunto com você... Talvez ouvir sua voz, quem sabe contar alguma piada...  Saber que, por alguns instantes sou importante pra você. Algo em mim deseja falar com você. E isso é ruim.... 

Eu não quero falar com você. 

É com um sorriso irônico no rosto que eu digo isso, aliás. 

Essa é a dicotomia que há em mim...

O querer e o não querer. 
O medo e o desejo. 
Algo assim. 

É uma foto nossa. Estamos sorrindo. 

Qual o motivo do nosso sorriso? 
A companhia um do outro? 
Uma felicidade interior? 
Uma esperança futura? 
Qual a razão do seu sorriso? 
Será que eu posso ser o motivo por trás disso? 

Não, eu acho que não... 

Alguém como você jamais olharia para alguém como eu. 
Não posso ser o motivo do seu riso, e nem de seu sorriso. 
Sou pouco demais pra isso, e você merece algo melhor. 

Merece mais.
Você deseja mais... 

Você podia me olhar,
Podia me enxergar,
Mas eu sei que não vai

Sinto muito por não ser suficiente. 
Sinto muito por ter considerado essa ideia.

Desculpe-me por querer.
Desculpe-me por existir...

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Fechado para balanço

Biel, por quem está está apaixonado? 

Eu não sei, não sei mesmo. É algo que tem me deixado confuso... Minha história ensinou que apaixonar-se é sempre algo perigoso demais. Envolve riscos muito altos, e isso é algo que passei a temer. O estado lamentável em que fiquei da última vez que me permiti entregar meu coração a alguém é algo que não desejo nunca, para ninguém. 

Não quero sofrer daquele jeito, receber as feridas que recebi. Não quero novas cicatrizes, as que tenho já vem custando a sarar. Não quero viver de novo aquele inferno. 

Amar é abrir-se ao outro, é estar sujeito as raízes que o outro quiser plantar, é deixar que ele se espalhe em seu coração. É estar vulnerável. E como alguém que chegou no ápice da vulnerabilidade. Como alguém que passou a se magoar com toda e qualquer ação da outra pessoa, eu passei a ter medo desse amor. Sabe, medo de me abrir e estar sujeito as raízes que o outro quiser plantar. Medo de deixar que ele se espalhe em meu coração. Medo de ficar vulnerável. 

Por isso eu decidi não mais me apaixonar. Fechar para balanço. E ainda que algumas pessoas mexam comigo, não vou deixar o sentimento evoluir. Não como eu fiz, e que falhei miseravelmente, mas de uma forma a realmente andar com o pensamento onde quero chegar: na maturidade de saber escolher o que vai ser bom para mim.

Excluo portanto aventuras que não me darão futuro. Não quero investir em zonas que não me peçam seguras. Sei que posso soar covarde, e que o amor exige sua cota de coragem, mas eu não posso mais arriscar a pouca saúde mental que me restou. Excluo pisar num terreno desconhecido. Excluo alimentar fantasias que só me deixarão mais e mais triste. 

Há alguém que mexe comigo, sim, mas há também alguém que não mostra nenhum interesse em mim, e isso significa que para evoluir eu precisaria arriscar, tentar descobrir alguma forma de fazer despertar um sentimento. E isso seria mais riscos do que estou disposto a correr. Não posso esquecer que não fazem muitas semanas desde a última vez que chorei copiosamente por alguém que não se importava comigo. 

Claro que isso implica estar só, mas eu não quero sentir aquilo que senti nunca mais... Aquele sentimento de ser absolutamente insuficiente para o outro, de não conseguir corresponder a nenhuma de suas expectativas... 

Por outro lado isso me leva a crer que devo me apaixonar por mim mesmo nesse momento. Dedicar a melhorar onde quer que possa melhorar. Dedicar a cultivar eu mesmo o jardim que há em mim. E assim quem sabe eu consiga sorrir com minhas próprias flores, sem esperar do outro que ele me faça sorrir. 

Para isso eu preciso de mais tempo, até que tudo se ajeite melhor dentro de mim. Até que meu coração se cure daquelas feridas que ainda doem, das feridas que ainda sangram. Preciso cuidar de mim mesmo, depois de tanto tempo cuidando de quem amava e esquecendo de mim... Preciso ficar um pouco sozinho, ainda que seja sentado numa cadeira de balanço, apenas para esperar, que as coisas se ajeitem. 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Amar e conhecer

Conhecer e amar, duas faces de um mesmo fenômeno. 

Conhecer e amar. 
Conhecer é amar. 
Amar é conhecer. 

É preciso conhecer para amar, mas também é preciso amar para conseguir conhecer. Um alimenta o outro, como um uróboro. O conhecer alimenta o amar, e quando se ama, quer cada vez mais conhecer. 

Aquele conhece, passa a amar mais profundamente, pois vê aquilo que os outros não conseguem ver. E conhecendo o que não se revela a todos, deseja conhecer ainda mais, deseja amar ainda mais. Só é possível conhecer quando se ama, só é possível amar quando se conhece, quando se contempla face a face, quando se vê aquilo que não se revela aos muitos, pois aquilo que está oculto apenas revela-se a quem se ama. 

O amar é a chave para conhecer, e conhecer é necessário para continuar amando. Não há amor sem conhecimento, pois senão seria engano. Não conhecimento sem amor, pois logo tudo seria esquecido. 

Quem quer amar sem conhecer olha para um copo com água, achando que ali se encontra toda a maravilha do mundo. Quem conhece mergulha no oceano que se abre para o infinito, quem ama sabe que não pode conter com as mãos o mundo que deseja ansiosamente que ele conheça.

Deve-se amar, e deve-se conhecer. Quem conhece descobre o véu de tudo aquilo é bom, justo e verdadeiro. Quem vê aquilo que é bom, justo e verdadeiro não consegue deixar de amar. 

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Da melancolia

É uma bobagem, é algo pequeno e sem importância, é algo pequeno. Mas é algo que doeu, machucou, como se fosse algo grande, sério, frio... 

Eu tipicamente me sinto chateado com coisas desse tipo. Acho que meu temperamento melancólico é ainda meu maior limitador. Minha tendência para ver o mundo por lentes pessimistas, por não acreditar e por me machucar com facilidade me faz uma vítima constante de mim mesmo.

Sempre triste, sempre doente, sempre reclamando do mundo ao meu redor. Nunca satisfeito, nunca eu mesmo. Sempre abaixando a cabeça para os outros, sempre matando um pouquinho de mim a cada dia para não ferir a ninguém. Sempre sendo ferido pela minha própria delicadeza. Tudo me machuca, tudo me maltrata, tudo me constrange, tudo me oprime.

Eu sou um fardo para mim mesmo. Sou meu próprio lobo, meu próprio algoz. Como viver não tendo outros inimigos senão os pensamentos que habitam minha pequena mente distorcida e pervertida? 

Opróbrio

Meu corpo protestou antes mesmo de começar. Como uma profecia a dor se instalou em meus músculos e algo de sobrenatural me disse que naquele lugar iria me ferir. O perigo se anunciou e minhas articulações se enrijeceram diante de uma frialdade espiritual, uma realidade que não pôde ser percebida no sensível, embora nele tenha se iniciado.

O sensível apontou para o suprassensível, o mundo apontou para aquela dimensão onde tudo é perfeito e sem máscaras. A palavra dita neste reflete a realidade daquele, sendo este uma cópia imperfeita daquilo que se esconde sob o véu dos sentidos.

Pelo ouvido entrou a morte que naquele outro mundo já se instalou. Foi a forma que a ideia maligna que se encontrava pairando no encontrou de dominar o coração daqueles fracos demais para enxergarem o que de real acontecia. 

Os homens foram dominados por aquela música hipnótica. Seus sentidos substituídos por cacoetes mentais altamente contagiosos, suas mentes passaram a alinhar-se conforme o pensamento daqueles que os controlavam. E eu, assistia a tudo isso atônito, sem nada poder fazer senão chorar a lamentável cena que minuto após minutos se repetia ante meus olhos. 

Aquela sinfonia macabra se tornou então meu opróbrio, diante de meus amigos eu me tornei motivo de risadas e zombarias. Não conseguiam eles ver o quanto se deixaram dominar por aquela crença maldita? Não, não o puderam fazê-lo, senão que puseram-se a me chamar de louco, por não conseguir dançar no mesmo compasso. 

A música que entrou doce em seus ouvidos saiu como palavras ácidas. Assim é a doutrina do amor ilimitado que dizem propagar os defensores dessa ideia satânica: o amor só existe quando você decide negar tudo aquilo que há de bom, justo e verdadeiro, e aceitando colocar qualquer coisa em seu lugar passa a crer que tudo aquilo que não se oponha a isso seja bom, justo e verdadeiro. Não passa de uma íntima necessidade de não entender nada, uma óbvia incapacidade de perceber o que de real se desenlaça ante seus olhos, já dominados pelo filtro da bondade cor de rosa. 

A sanidade deu lugar a uma saturada enxurrada de lágrimas desesperadas. A mente já não doía, senão que clamava desesperadamente pelo fim, pelo silêncio, daqueles dias tão obscuros que, embora iluminados por uma potentíssima rosa solar, estava repleto de uma névoa escura, hipnótica, seduzente, que escondia o demônio que buscava a quem devorar. E devorou-os. Completamente. 

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Quem sou

Gosto de como os noturnos evocam-nos imagens da noite. São impressões afinadas, da mais alta delicadeza, que nos fazem viajar. Sendo o poeta que sou, gosto de viajar, ainda mais quando trata-se de uma viagem ao meu próprio interior, permitindo-me ver algo que até então estava na escuridão. É o tipo de coisa propícia a reflexão.

Ainda ontem antes de dormir eu refletia sobre o passado. Coisas que me aconteceram anos atrás e que ainda tem seu efeito sobre mim. Pude ver o quanto me transformei, dos processos pelos quais passei. Pude repensar o peso que algumas coisas tiveram em minha vida. 

Foi uma reflexão propícia, muito embora não tenha o instrumental necessário para coloca-la aqui. Eu repassei os caminhos que percorri, desde meus primeiros passos de descobrimento até as paixões que passaram por mim. Os amores, que deixaram marcas profundas no meu coração, na minha alma e também no meu corpo. Das dores, que vieram com esses mesmos amores.

Me recordei de meu primeiro contato afetivo com uma pessoa. Ou fora puramente físico? Por coincidência ainda ontem conversei com tal pessoa. Me recordei do meu primeiro namoro, e de como abandonei um grande sonho naquela ocasião para apostar nesse relacionamento, e de como me destruí completamente depois disso. Me recordei das pessoas que passaram, que me fizeram rir, e das que se foram, de um jeito ou de outro, não tendo mais espaço dentro de mim. Me recordo de alguns que vem e que vão, e de alguns que ainda sinto falta. Alguns que quase chegaram lá e outros nem tentaram chegar. 

O quanto as pessoas conseguem nos marcar, não é mesmo? Tantos nomes que, simplesmente ao serem mencionados tem o poder de evocar um mundo inteiro de sensações. Quantas pessoas, cuja simples imagem tem o poder de mudar tudo quanto dentro de mim. As pessoas estão por toda parte no caminho em que seguimos, e acho que não é possível mais viver sem que elas nos influenciem de alguma maneira.

Como viver sem apegar-se as pessoas? Como viver sem deixar que elas nos façam sofrer? Como viver sem permitir que elas adentrem o canto mais íntimo de nós e lá se instalem? Como não permitir que as pessoas tornem-se hóspedes em nosso coração, espalhando-se impetuosamente por cada parte de nosso peito? 

Vejo agora que em determinados momentos, como agora, eu tive de me fechar em mim mesmo, e assim tentar buscar aqui dentro algo que pudesse me orientar lá fora. Em outros momentos eu pude viver a vida do mundo livremente. E isso faz parte de mim, esse processo de troca, entre meu eu interior e esse eu que se apresenta aos outros, isso é uma constante que não posso ignorar, uma de minha facetas que faz de mim ser quem eu sou.