domingo, 31 de janeiro de 2021

Um observador


Sentado na varanda, numa cadeira de balanço com um livro no colo, os olhos ardem da leitura que já se prolonga por algumas horas. Deixo o livro fechado com cuidado sob as pernas e fecho os olhos, mentalizando alguns compassos de um dos movimentos sinfônicos de que gosto muito*. 

Os violinos iniciam um lamento que se prolonga, numa dialética com um clarinete solitário e um fagote perdido em melindrosas memórias e, como ondas, as cordas vêm e vão, fazendo com que eu me sinta ofegante, sendo engolido por aquelas notas, revolvido pelas águas impetuosas de um passado que eu tento esquecer, um presente que me têm sido dolorido e um futuro incerto, amedrontador em seu mistério.

O homem que contempla a música em sua memória sente o peso de seu destino, o seu ser que sangra em constatações que ele não gostaria de fazer mas que as faz porque pior do que a verdade dolorida é aquela que, mesmo sendo escondida por camadas e camadas de mentiras, ainda grita sua presença nos recantos mais obscuros do seu coração. 

E é com um pesar que ele se lembra da sua condição: atormentado pela sua condição de observador consciente, perseguido pelos seus desejos e prisioneiro de um destino cruel, que lhe impôs pesadas correntes, as quais ele carrega por onde quer que vá. Como observador ele é obrigado a perceber uma série de coisas que os outros não percebem, como sua mediocridade disfarçada de resignada abnegação, ou de sua ojeriza pintada em belos tons de amizade ou ainda, e mais óbvio que tudo, o desejo real travestido de amor imposto, isto é, a negação do próprio ser. 

Não é com outra expressão senão a de profunda consternação que eu observo o mundo ao meu redor, em especial os que me cercam, mas não me colocando acima deles, como bem pode parecer tantas e tantas vezes, mas justamente por estar no mesmo plano porém distante, é que consigo ver o que muitos não enxergam, ou fingem que não capazes de fazê-lo.

Não é incomum que o homem se feche em suas próprias mentiras, e ainda mais comum é que diga mentiras ao outro afim de impedir seu avanço, afim de impedir que o outro tenha acesso aquele lugar reservado, aquele ponto inacessível dentro de cada um de nós, mas a quem não mostramos a mais ninguém. Não tenho a presunção, tampouco, de dizer que vejo a isto, muito pelo contrário, tudo o que vejo são as próprias mentiras, muitas das quais eu mesmo repito. 

Temos o costume de mentir uma irônica verdade, mas o destino também tem sua parcela de culpa ao nos fazer crer na mentira. Ele nos infecta com um veneno a que ele chama de esperança, e nos faz crer, nos faz alimentar cada vez mais essa esperança que passa a habitar o íntimo de nós, apenas para que ela irrompa algum tempo depois como uma violenta hemorragia, deixando-nos completamente destruídos, a mercê da morte.

E como ele se diverte com isso! Não raramente é possível ouvir as risadas do demônio quando percebe que nós entramos em desespero por causa da esperança que inoculou em nosso coração. Não raro ele se diverte com as nossas tentativas vãs de nadar contra a forte correnteza que ele com prazer sopra contra nós. Em nada podemos ter a chance de vencê-lo e ele, bom, há de sempre garantir que tudo se saia errado ao pobre homem, que não é mais do que uma marionete em suas hábeis mãos, capazes de plasmar as mais terríveis opções aos homens, apenas para seu deleite. 

Ele também ri das minhas atitudes, dos escritos patéticos e de vaga interpretação, do niilismo ao qual ele me prendeu, do pessimismo que permeia a cada uma das minhas palavras e ações. Sequer consigo responder quando alguém me pergunta se estou bem: não sei se minto diante da perspectiva de que ninguém se interessaria pela minha concepção cosmológica negativista da coisa ou se digo a verdade e mato a pessoa de tédio. Me pergunto ainda se a indagação é feita a mim com o intuito de saber a verdade ou de cumprir uma formalidade tosca mas, sabendo a verdade que atitude podemos tomar contra ela? E, sendo uma formalidade comum não posso exigir que se abstenham dela quanto a mim...

"Apenas quando estou profundamente melancólico é que tenho a sensação de que sou eu mesmo." (Franz Kafka)

~

*Sinfonia No. 6 em Bm, Op. 74 "Pathétique", IV. Finale - Adagio Lamentoso de Piotr. L. Tchaikovsky

sábado, 30 de janeiro de 2021

Resenha - TharnType 2: 7 Years Of Love

Uma reclamação bastante recorrente no meio BL é a falta de maturidade dos personagens, isso porque muitas vezes nós nos deparamos com situações de drama extremo que poderiam muito bem serem resolvidas com uma boa dose de conversa, coisa que parece não existir na Tailândia. 

Embora seja um dos motivos de ter feito sucesso, a primeira temporada de TharnType gerou bastante controvérsia sobre a romantização de abuso sexual, a MAME teve até que vir a público algumas vezes pedir desculpas por coisas que ela escreveu, já que a mulher tem um monte de livro publicado e esse parece ser um tema recorrente no estilo dela. TharnType 2: 7 Years Of Love vem acompanhar A Chance To Love na jornada redentora da autora, que participou ativamente das duas séries (muito embora eu continue com muitas ressalvas quanto a continuação de Love By Chance) com uma proposta mais madura e responsável. 

Aqui nós acompanhamos o nosso casal morde e assopra sete anos depois da primeira temporada, com um relacionamento estável e muito bem consolidado. Tharn (Mew Suppasit) agora trabalha com produção musical e ainda toca de vez em quando no bar de uns amigos, enquanto Type (Gulf Kanawut) se formou e agora trabalha num hospital. A maior felicidade da temporada foi não ter medo de pesar a mão e mostrar um casal de verdade. Os dois brigam, tem ciúmes um do outro, momentos fofos e, principalmente se beijam como qualquer outro casal que mora junto há sete anos. Sempre me incomodou o fato de que os casais são mostrados quase como amigos nas séries thai, claro, sem deixar de levar em conta o fator cultural deles, que é obviamente bem diferente do nosso mas, de qualquer modo, casal é casal em qualquer lugar do mundo. Eles acertam em cheio nisso. 

Claro que eles precisariam de algo pra marcar esse ano especificamente, então nós somos apresentados ao drama principal: Tharn quer se casar com Type, pois continua sendo muito bem resolvido sim senhor e quer mostrar pra todo mundo o maridão. Type, por outro lado, acha que eles estão bem assim, até porque o casamento deles seria simbólico já que não há casamento gay (juridicamente falando) na Tailândia e também acha que ninguém tem nada que ver com isso. Importante ressaltar que ele não faz isso tendo medo ou vergonha de se assumir, isso ficou para trás, aliás ficou ainda mais claro na cena em que ele não pensa duas vezes antes de encarar uma dona que estava dando em cima do seu homem, isso mesmo, eu gosto assim!

Logo nós conhecemos Fiat (First Chalongrat), um menino muito bonito mas muito, muito grosseiro com todo mundo e que parece não se importar com nada além de si mesmo. Ele machuca o joelho e, depois de ir em vários médicos, acaba sendo tratado por Type, que o conquista sem querer, fazendo ele se sentir bem cuidado. A partir desse momento Fiat toma como principal objetivo na vida conquistar Type custe o que custar, mesmo sabendo que ele tem namorado. 

Também tem Léo (Ja Phachara, de Until We Meet Again), o melhor amigo de Fiat e a única pessoa que parece ter algum tipo de influência no rapaz. Os dois são mega íntimos, e Léo volta correndo da Europa quando descobre que Fiat se machucou, e cuida do amigo com zelo quase devoto. 

Acontece que Fiat tem uma história mais complicada do que parece, dando a impressão de que é só um moleque mimado que decidiu pegar o homem dos outros mesmo tendo uma geladeira Electrolux em casa (porque o Léo é basicamente isso, um homão). Ele foi abandonado pelo pai e negligenciado pelo resto da família, tendo crescido com a amizade dele sendo a sua única referência afetiva. Como resultado ele cresceu extremamente carente e inseguro, o que ele disfarça saindo com várias pessoas para tentar preencher esse vazio. Além disso ele também gosta do melhor amigo, mas como sempre foram muito íntimos ele nunca percebeu que Léo sentisse algo a mais por ele e por isso acabou caindo nessa vida numa tentativa de atrair a atenção dele ou esquecê-lo, o que viesse primeiro. Léo, por outro lado, teme que se contasse a Fiat dos seus sentimentos, ele que vive trocando de parceiro, vai se afastar dele, e por isso acaba deixando o amigo fazer o que quer por aí. Ele se opõe, sem muito sucesso é verdade, as investidas do amigo em Type, e é obrigado a confrontar os próprios sentimentos. 

Do outro lado do apartamento do nosso casal principal nós temos Cirrus e Phugun. Cirrus (Haii Sarunsathorn) é calado, sério e o super protetor namorado do pequeno Phugun (Title Tanatorn, a coisinha mais fofa desse mundo), que é amigo de Tharn desde pequeno e bom, é só isso. Os dois já são um casal e ajudam os vizinhos de vez em quando, mas sem muito desenvolvimento. 

Os amigos de Type continuam fazendo parte da vida do casal, Champ (Boat Napat) e No (Mild Jinna) também seguiram suas carreiras, o primeiro como chef de cozinha e o segundo como funcionário público, e continuam saindo com os amigos pra beber e falar da vida sempre que possível. Eles entram na perigosa missão de ajudar Tharn a pedir Type em casamento. Outro que chega pra somar é o Dr. Khunpol (Jame Phat), amigo deles desde a faculdade, que trabalha no mesmo hospital de Type e demonstra uma paixonite platônica por Champ que, como deixam bem claro o tempo todo, não faz ideia que o outro gosta dele, embora seja cuidadoso com o doutor o tempo todo. O retorno de Tong Thanayut como Thorn, irmão mais velho do Tharn, também foi bom, embora ele não tenha muito espaço também. 

A história avança junto com as investidas de Fiat em Type e Tharn tentando conciliar a vida de adulto com o romântico inveterado que ele é. Parece pouco pra fazer o plot andar mas por incrível que pareça a história não ficou maçante só com isso, tendo um ritmo bem gostoso, resultado de uma direção muito bem feita. Temos uma temporada que mostra o crescimento dos personagens que agora tem de lidar com chefes implicantes, clientes e a formação de uma família, além das próprias questões pessoais. 

O maior pecado pra mim foi a falta de desenvolvimento dos casais secundários. Léo e Fiat especialmente mereciam um pouco mais de atenção mas parecem terem sido descartados depois de servirem ao objetivo de criar o clímax da temporada. Champ e Khunpol também, ficou só jogado no ar e até Cirrus e Phugun mereciam mais do que só um artifício pra fazer a história andar aqui e ali, esses não tem nem meia hora de tela na temporada toda, o que é uma pena porque tinham potencial pra ser explorado.

MewGulf deram um show de atuação, mostrando que a intimidade que há entre os atores ajudou e muito na construção dos personagens. Como é de conhecimento geral que eles são muito próximos na vida real isso ficou bem evidente que só contribuiu pra que eles se entregassem ainda mais ao papel. First também arrasou como Fiat, conseguindo despertar ódio e empatia das pessoas (geralmente não ao mesmo tempo), o que só confirma que ele é um excelente ator. Type continua esquentadinho mas admite momentos em que tem de mimar o outro também e Tharn todo bobo e apaixonado, mas ainda assim firme quando se trata do relacionamento deles e os dois pegam fogo na cama, algumas coisas nunca mudam. 

No mais, ficou clara a intenção da produção em repetir a fórmula que deu certo na primeira temporada, corrigindo o que os fãs apontaram de problemático e entregando justamente o que pediram: um casal que não tem medo de ser casal numa história de casal. Mas, pra quem tem tanta coragem com os protagonistas faltou investir também nos outros personagens. 

Nota: 8,5/10

"E essa é a história de amor entre Tharn e eu, do homem que eu odiava até as entranhas para aquele que amo de todo o meu coração."

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Resenha - Gen Y

Contém SPOILERS, prossiga por sua conta e risco!

Foi Arthur Schopenhauer quem, num aforismo, disse que "o destino embaralha as cartas e nós as jogamos" e, acreditando com afinco na sabedoria do filósofo alemão, eu penso que esta seja esta uma boa maneira de descrever o enredo dessa série. Gen Y é marcada por encontros e desencontros de almas gêmeas na palma da mão do destino, essa força invisível e intangível que nos cerca e dita os caminhos que escolhemos trilhar, mas será que podemos escrever o nosso próprio destino ou apenas jogar conforme as regras por ele estipuladas? 

Com um elenco enorme, que inclui parte dos meninos do SBFIVE e também do Superboy Project, a Star Hunter Entertainment nos levou a um mundo completo de amores, intrigas, boas risadas e até uma pitada de pimenta pra esquentar as coisas. 

A história se passa com um grande grupo de amigos e conhecidos e se divide, basicamente, em três núcleos interligados. Os primeiros protagonistas são Mark e Kit, o primeiro é calouro na faculdade de engenharia e acaba se apaixonando à primeira vista pelo veterano de medicina. Mark (Kim Varodom, de 2Moons, Hotel Stars) é o melhor amigo de Wayu (Bas Suradej, 2Moons e 2Brothers), que vive um romance dos sonhos com P'Pha (sua aparência é um mistério), outro veterano de medicina e amigo de Kit (Copter Panuwat, 2Moons e Hotel Stars). Acontece que Pha termina com Yu sem dar a ele nenhuma explicação, o que deixa o garoto arrasado. Mark cuida de seu melhor amigo ao mesmo tempo que aproveita para se aproximar cada vez mais de Kit, que também começa a ajudar Yu a superar o amigo de alguma maneira. 

Depois chega Thanu (Dun Romchumpa, mas que também poder ser o amor da minha vida), a quem Yu confunde com seu ex num primeiro encontro meio embaraçoso. Yu se torna alvo de metade dos garotos da universidade, tendo pretendente de todos os cursos, mas não consegue esquecer o médico. Thanu acaba se aproximando, e mais tarde se apaixonado, dele a pedido de Pha, que não queria deixar seu ex sem ninguém para cuidar, sabendo que ele precisaria de alguém ao seu lado depois de sua partida. Thanu, por outro lado, também acaba se envolvendo com Phai (Pon Thanapon, de The Moment), irmão mais novo de Kit, com quem tem uma espécie de ligação especial, algo ainda mais forte do que simplesmente amor à primeira vista... 

Mark conta com a ajuda de vários garotos do colégio, e futuros calouros na universidade, para surpreender Kit e, ao mesmo tempo, consolar Yu. Temos Sab (Kad Ploysupa), irmão de Yu; Sandee (Bank Thanathip, de The Moment), melhor amigo de Phai, por quem ele tem uma pequena quedinha e Klui (Bank Theewara). Também temos Tong e Pok, amigos de Phai, que acabam se envolvendo numa relação de amor, traição e ódio que vai do colégio até a faculdade. Os mais novos formam um outro núcleo, com Sandee se envolvendo numa vingança de Pok (Bank Toranin) e Tong (Bonus Tanadech) e até mesmo interferindo na relação já conturbada de Thanu, Phai e Yu. 

Além deles também temos Jack e Koh, (Jet Bundit, de The Moment Since e Jame Kasama) os pretendentes mais ousados de Yu e Padbok (Junior Ronnakorn), amigo de Thanu e Phai que nutre um desejo de vingança pelo amigo por algo que aconteceu no passado, procurando briga com o calouro de medicina o tempo todo e até partindo pra cima de Yu e Kit, até mesmo chegando a ameaçar tirar o namorado de Mark dele, caso não cuidasse bem do veterano. 

A série é CHEIA de momentos fofos, com um monte de declarações de amor e tudo o que pessoas românticas precisam pra se iludir facilmente e se apaixonar por qualquer um dos mil garotos lindos que compõem o elenco. Cheguei a cogitar que flerte e romantismo são matérias obrigatórias na faculdade tailandesa, já que praticamente todo mundo teve um momento assim em um dos doze episódios de mais de 1 hora de duração. 

Não dá pra deixar de falar da semelhança do plot inicial com 2Moons, outro fenômeno tailandês. Além da tríade de atores que participou da primeira versão da série, Bas, Kim e Copter, também tem a semelhança dos nomes dos personagens (em 2Moons era Wayo, Ming, Kit e Pha) e dos cursos, medicina, engenharia e ciências, dos protagonistas. Mas as semelhanças param por aí e, pelo menos pra mim, fica claro que isso foi uma excelente jogada pra atrair os fãs desconsolados pelas duas temporadas de 2Moons que não andam muito bem das pernas. 

Num primeiro momento pode parecer que esse tanto de personagem causa uma bagunça completa no roteiro, e pra quem não tá acostumado com séries thai pode ser mesmo, mas na realidade Gen Y foi uma das séries mais bem desenvolvidas dos últimos tempos. Ela mostrou que já tinha um proposta bem elaborada e soube desenvolver bem isso durante a temporada. Também já estava claro que eles pretendiam renovar a série para não apenas uma mas duas temporadas, o que justifica bem a divisão de tempo de tela para os diversos núcleos.

Mark e Kit ficaram com boa parte dos primeiros episódios, com a conclusão do seu arco levando diretamente ao arco do triângulo amoroso entre Thanu, Yu e Phai. Mais tarde vemos também o desenvolvimento de Tong e Pok, quando todos os meninos do colegial entram na faculdade e se tornam calouros dos personagens que já conhecíamos. 

A trilha sonora é impecável, claro, com dois boygroups no elenco, e estamos no aguardo da liberação de todas as faixas, o que deve acontecer agora que a série acabou e começa aquela temporada de eventos de divulgação pela Ásia que as empresas thai costumam fazer. Acontece que, de alguns anos para cá, a Tailândia tem investido pesado na formação dos seus artistas, copiando o esquema já adotado em outros países, de desenvolver as habilidades de seus agenciados em diversas áreas, como atuação, canto e dança, fotografia e até design, o que tem dado excelentes resultados porque inevitavelmente todos acabam se destacando em alguma área. 

Além disso ela tratou com bastante delicadeza alguns temas que muitas vezes são jogados de qualquer jeito nas séries. Mark e Kit tem um relacionamento simplesmente lindo, em que ambos se respeitam e se admiram, ainda que tenham personalidades tão opostas. Mark é o melhor amigo e namorado possível, fazendo de tudo pra ver quem ela feliz. O cara simplesmente é uma máquina de surpresas e, quando menos se espera, ele saca uma declaração de amor. Kim mostrou ser um ótimo ator porque o personagem dele foi que teve um espectro mais explorado, foi desde a animação extrema até a depressão, passando pela fofura e pela safadeza. Copter também deu um show mostrando vários níveis de intensidade em Kit. 

A forma como desenvolveram o triângulo amoroso de Thanu, Yu e Phai também me agradou muito, apesar de ter dividido opiniões, em nenhum momento pareceu que havia algum tipo de malícia mas sim uma dúvida em descobrir o que, ou quem, realmente se ama: a pessoa que conquistou aos poucos ou aquela a quem já estava predestinado a conhecer. Bas aqui foi praticamente impecável, tanto nas muitas cenas de choro em que ele se entregou totalmente, e como esse menino chorou misericórdia. Já Dun e Pon tem uma atuação um pouco mais extática, o que pode parecer estranho dado as tantas camadas que os personagens deles entregam: Thanu se sente incontrolavelmente atraído por Phai, e ele igualmente, os dois chegam até a compartilhar visões quando se tocam e tem um certo sentido premonitório, vendo claramente que o destino reserva lágrimas e dificuldades pra ambos; Mas ao mesmo tempo Thanu está apaixonado por Yu e ele decide que não quer apenas seguir o destino mas escrever o próprio destino. 

Pok e Tong se querem muito mas nenhum dos dois diz isso abertamente, então a tensão que ambos têm em todas as cenas é imensa, e em alguns momentos, bem mais explícitos eles entregaram muito também. Mas o prêmio de atuação da temporada vai pro Bank Thanathip, que mostrou um Sandee fofo e preocupado com o amigo, um conselheiro do destino e, pra surpresa geral, também se mostrou frio e vingativo. Tudo isso naquela embalagem de fofura e inocência. Ele entregou um personagem complexo com muita facilidade.   

Enfim, além de um roteiro inteligentíssimo, que conseguiu colocar tantos personagens dentro de uma história sem parecer aleatório, a série ainda conseguiu desenvolver bem todos os núcleos, deixando espaço, é claro, para mais coisas serem exploradas nas próximas temporadas. O que mais eu posso dizer? Coesão e aclamação. 

Nota: 10/10

PS.: Como se já não bastasse um triângulo amoroso, com Yu se apaixonando por Thanu depois de muita luta pra superar o P'Pha... Eis que no último episódio temos a revelação bombástica de que ele voltou, pra completar a treta toda. 



quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Frente ao Mar

"Vivemos em uma plácida ilha de ignorância em meio a mares negros de infinitude, e não fomos feitos para ir longe." (H.P. Lovecraft)

Me aproximei do cais, depois de sair andando com raiva. Meus pés doeram depois de alguns quarteirões e foi quando percebi que estava usando força demais, parar para prestar atenção nisso me acalmou um pouco, ou melhor, me distraiu da raiva que me subia pelo peito e transbordava em ar quente pelas narinas, como se a qualquer momento fosse explodir num dragão de fúria. 

Andei pela madeira que tanto tempo fora banhada pela umidade salgada da praia, e parei para prestar atenção ao vento que batia no meu rosto com força. Em outros dias eu aproveitaria essa sensação, ela ma acalmaria, mas hoje não! Hoje o que eu sinto é apenas um incômodo, até pelo barulho das ondas se quebrando com violência no muro de pedras. Mas aquela imensidão, que antecipava uma forte tempestade tinha algo de fortemente amedrontador. Os trovões ficavam cada vez mais altos e frequentes, ao passo que a minha respiração se acelerou, a fúria retornando. O céu é de um cinza tão escuro que parece que resolveu desafiar a própria escuridão da noite. Há no ar uma mescla de ira e melancolia, as mesmas coisas que compõem o meu ser nesse momento.

Pensei em tudo que estava dando errado naqueles dias. A mudança forçada, a falta de uma casa decente, o dinheiro escasso, o otimismo estúpido dos meus pais ou a indiferença da minha irmã. Esse era um daqueles dias que eu só sabia odiar, tudo e todos. Como uma criança birrenta que sai batendo as portas por ter sido contrariada eu saí sem dar satisfações, qualquer coisa iria minar ainda mais a minha paciência que, a este ponto, já estava completamente fora de alcance. 

Não queria pensar em nada, nas caixas espalhadas pela casa, cheia de coisas velhas que os meus pais não tinham coragem de se desfazer e nem, tampouco, dar a elas algum uso. Não queria pensar na casa que provavelmente vamos alugar, alta e feita, claramente "planejada" por alguém que não fazia a menor ideia do que estava fazendo, aliás, mais uma vez a imensa capacidade das pessoas de não se importarem com a beleza de algo me irrita com uma profundidade ímpar. Como alguém pode oferecer a outro uma casa dessas para alugar? 

Minha consciência me acusa de um orgulho desmotivado, uma ganância desenfreada, um desejo pelo luxo e pelo conforto excessivo. Por outro lado algo em mim não suporta mais os arranjos da vida, os jeitinhos que são necessários pra chegar ao fim do mês com algum puto no bolso. As instalações elétricas precárias, as roupas reaproveitadas de outras estações... Isso me irrita. A frase "é muito caro" é capaz de despertar em mim ânsias de vandalismo tão violentas que até mesmo os demônios fogem de mim com medo dessa fúria. E as pessoas insistem que viver dessa forma é sacrificar-se, como se fosse algo bom o sofrimento que vem do universo. Saber sofrer é certamente uma virtude, mas o sofrimento não pode ser em si algo bom. E eu claramente não sei sofrer, admito, reconheço a minha total falta de virtude e envergonho aqueles que tanto gostaria de agradar.

Mas a perspectiva de uma vida em que as coisas continuam dando errado de novo e de novo me irrita demais, e eu me transformo nesse mesmo oceano que está agora à minha frente: ameaçador a tal ponto que ninguém se atreveria a navegar aquelas águas, sob a pena de ser engolido e destruído com o peso daquelas águas infindáveis, que se se agitam deixando claro a todos que ninguém deve contrariá-lo, ninguém deve testar a sua fúria.

As semelhanças, no entanto, terminam aí. Ao contrário do oceano a minha fúria não é capaz de destruir nada além de mim mesmo, fosse assim eu posso garantir que não existiriam senão mais do que ruínas desta cidade em que vivo, afundada sob muitos metros de água, para que ninguém torne a voltar aqui e a tratar esse lugar com uma dignidade que ele não merece. E as pessoas continuam vivendo como se isso aqui fosse o paraíso! Não enxergam elas que pouca coisa poderia ser mais parecida com o inferno do que isso, o inferno que se acomodou em si mesmo, que se fechou e que contempla o espelho como quem contempla uma pedra preciosa, não sendo mais do que um pedaço de carvão, um torrão qualquer de terra. 

A morte continua a espreitar-me, murmurando suas setas malignas por entre o som das ondas, com sua voz fria e metálica, distante, ao mesmo tempo que parece estar sendo dita em meus próprios ouvidos, como se a maresia fosse o hálito daquela que busca ceifar as vidas, mas que em dados momentos espera que a própria vítima faça o trabalho em seu lugar. 

E continuo a pensar em todas as coisas que odeio nesse momento, odiando principalmente o meu destino que escolheu-me para viver dificuldades as quais claramente não tenho virtude para suportar, sempre rastejando pelos cantos, murmurando contra a própria sorte, pensando na morte e na felicidade daqueles que têm uma vida com maior dignidade. 

Não temo em mostrar esse meu lado. Não temo em dizer que gostaria de estar gastando os meus dias no alto de algum prédio milionário, gastando numa punica compra na internet mais do que minha família ganha num ano inteiro de trabalho. Essa diferença me causa uma repugnância tão grande, não pelos ricos e poderosos, mas pela minha própria sina que não seria exagero dizer que a retalharia se se aparecesse diante de mim, como retalhei a mim mesmo em tantos momentos, quando já não suportava a integridade de um corpo que apenas existe para sofrer, do qual ainda exigem que suporte com graça e vitalidade, quando sequer consigo me levantar da cama sem gemer ou quando o calor é tanto que transformam a carne numa espécie de gelatina, e ainda querem nos obrigar a ter mais disposição. Eu odeio como romantizam a dificuldade da pobreza, como vivem aceitando resignados essa vida miserável quando um fim, ainda que autoinflingido, seja muito mais digno do que essa mediocridade sem limites. 

E eu sei que eles não conseguem a razão de eu pensar assim, eu sei que deixo muita gente triste ao olhar com desprezo o que conquistaram com tanto pesar, e eu juro que eu não queria ser assim, mas eu não consigo evitar, não consigo pensar de outro modo que não seja grande, belo, não consigo querer nada que não me agrade o senso estético, que não me dê conforto e status, e por isso eu não consigo imaginar vivendo feliz a vida resignada e abnegada que, por exemplo, a minha mãe vive.

Ela não consegue me entender, e tem sempre nos lábios um discurso de que algum dia as coisas serão melhores. Mas eu não consigo parar de pensar que, em sua já avançada idade as coisas nunca melhoraram, então por qual razão eu deveria crer nisso? A mim parece-me que está é só uma mentira que ela repete para si mesma há tanto tempo que passou a acreditar, não sendo mais possível enxergar a realidade tão dura que temos de enfrentar, seja no convívio uns com os outros, seja na nossa própria forma de encarar o ser. 

É olhando para este mundo, essa realidade das coisas, que eu desejo o fim, o fim desse mundo como o conhecemos, o fim das diferenças, dos muros que nos separaram uns dos outros, o fim da dor, ainda que isso signifique ter de destruir tudo e todos que conhecemos para renascermos novamente como àquele fruto do útero primitivo que perdemos há muito tempo atrás. É por isso que eu desejo que a mente das pessoas se desfaçam, quem retornemos a inexistência, ou melhor, que retornemos ao um, que esse um seja a fera que gritará Eu no coração do mundo, sem dor e sem a infelicidade que é viver no meio de tantas feras que gritam e se matam nesse mundo.

Tudo isso eu vejo, me lembro e imagino, às margens desse oceano de escuridão, que não me traz paz e nem aquela tranquilidade, mas que me amedronta, que desperta em mim a mesma fúria selvagem de suas águas, que me atrai com sua ânsia destrutiva, com sua magnitude de quem não quer ser contido, quer apenas expandir-se ilimitadamente, sem as prisões de sua própria consciência. 

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Esquinas e Correntes

"Caminhante, detém-te a contemplar estes restos mortais; E, se sentires a mágoa a transbordar, detém teus ais." (Eça de Queiroz)

Não adianta, palavras não podem simplesmente trazer de volta aquele que foi tragado pelo vórtice da escuridão, aquele que apenas diverge dos mortos por não habitar o féretro de madeira barata mas, estando ele mesmo já há muito mais morto do que estes mortos, não sente mais o calor doce do sol na praia, ou as carícias do mar nas pernas, ou a brisa leve na face. Já não sente nada senão o vazio apático e silencioso do limbo que é viver sem viver em si, morrer sem poder morrer. 

Que sou eu mais do que carne e ossos? Um consumo desregrado de remédios para dormir e produtos industrializados que mascaram de certa forma, ressaltando na realidade, a podridão que restou do meu ser. Eu fui, pouco a pouco me desfazendo em meio a uma confusão dos diabos, refém dos meus próprios sentimentos que me colocaram em correntes inquebráveis, maltratado e lançado ao chão, sendo obrigado a me rastejar, escondendo na lama as minhas lágrimas enquanto outros caminham por cima de mim, enquanto pisam sem esconder o seu prazer, e enquanto me usam para nada mais além de os impulsionar para cima, indo cada vez mais para baixo. 

Já não vejo mais a beleza das cores, do perfume das flores, e tenho até dificuldade de apreciar as belas melodias, senão que me servem de companhia para abafar os gritos do meu abismo interior, e os rugidos da fera que no seu subterrâneo me devora. 

Em cada esquino por onde passo, vejo pessoas, algumas andando contentes, outras séries, consternadas, todas fechadas em si mesmo, e em algumas eu sinto angústia análoga a esta que também sinto, que é uma revolta furiosa contra o ser, é uma agonia por não saber, é um medo, um desespero desmedido diante da existência, de uma existência que transcende tantas e tantas vezes a minha capacidade de entender e controlar o que quer que seja que eu prefiro desistir, e em cada esquina eu vou abandonando um pouco de tudo isso. 

As imagens que eu pinto aqui por meio de palavras são quase sempre as mesmas, eu bem sei disso e, felizmente, não tenho poder de forçar ninguém a ler ou se compadecer de minha humilhante posição frente a existência. É sempre a fera, a escuridão, o vazio, o silêncio, o abismo. Mas, se eu aprendi que a única coisa dita válida de fato é aquela que parte diretamente da experiência isso é de fato tudo o que tenho a dizer. É o que consigo captar desse mundo, a eterna tensão entre a beleza externa e o horror interno, entre o mundo que brilha sob o sol e a escuridão que nem a lua pode iluminar, são as luzes que me deixaram e as trevas que me envolveram quando eu abandonei a luz para me tornar um monstro. 

O que aconteceu, aconteceu, uma vez fomos felizes mas hoje somos apenas tristeza. Eu gostaria de poder voltar no tempo, mas não ao meu próprio passado, mas para aquele tempo sem divisão, àquele útero primitivo que perdemos há muito tempo atrás. Eu gostaria de esquecer o passado, o meu, os tantos erros repetidos até a exaustão. Queria começar, mesmo achando que já estou velho demais para isso, e que os outros já não toleram recomeços, que já deveria estar bem encaminhado. Mas o fracasso é tudo o conheço, e por isso as imagens que pinto sempre refletem isso, o mundo que se despedaça e se desfaz em cinzas, o tudo que retorna ao nada. 

E esse é o meu retrato mais fiel, é o melhor que posso fazer, o meu adagio lamentoso, meu réquiem, a prece de um homem contrito que geme sob o peso dos próprios pecados e desejos tal qual réu que se apresenta diante do juiz onipotente em toda sua miséria exposta como ferida aberta pelas lanças e espadas de um destino zombeteiro, de uma luxúria arrasadora. É o último compasso dessa longa e triste sinfonia, que lentamente vai diminuindo, calando o coral e os sopros, após uma apoteose tremenda, num último suspiros dos violinos que, lenta e melodicamente, vão se extinguindo na imensidão do horizonte.  

"Em cada esquina cai um pouco a tua vida; Em pouco tempo não serás mais o que és..." (Cartola)

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Resenha - Tonhon Chonlatee

A GMM TV costuma fazer um anúncio anual das próximas séries na expectativa de atrair patrocinadores, mas nem todas são anunciadas, e eles guardam algumas surpresas para os fãs durante o ano. Desde o anúncio inesperado de Tonhon Chonlatee as minhas expectativas ficaram altíssimas pois eu já acompanhava os atores principais há muito tempo e queria muito que eles ganhassem mais destaque, e qual não foi o tamanho da minha surpresa  já que a combinação foi bastante inesperada!

A série conta a história de Chon que é secretamente apaixonado pelo amigo de infância, Tonhon, mas nunca teve coragem de se declarar, com medo de perder a amizade. Os dois acabam se separando quando P'Ton se muda para Bangkok, mas o sentimento do mais novo continua. Anos mais tarde eles acabam se reencontrando, após uma desilusão amorosa do mais velho, e como Chon acaba de entrar na mesma universidade que o amigo eles decidem morar juntos. Então, como ficará essa paixão há muito escondida? 

Chonlatee é interpretado pelo fofíssimo Khaotung Thanawat (de My Tee e 2gether), e é um menino doce, que nutre uma paixão platônica pelo amigo e vizinho desde a infância. Ele esconde seus verdadeiros sentimentos perto de Tonhon por medo de rejeição mas é bem seguro de sua sexualidade. Quando se vê praticamente forçado a dormir na mesma cama que seu grande amor ele precisa se cuidar para que ele não descubra e acabe desfazendo a amizade. 

Tonhon (Pod Suphakorn, de Kiss Me Again e Dark Blue Kiss) é um veterano da faculdade de Engenharia, e o típico hétero top. Ele é superprotetor com Chonlatee desde a infância, vendo o amigo quase como uma princesa indefesa que precisa ser defendida, principalmente porque depois de entrar na faculdade Chon recebe muitas cantadas de vários caras, deixando Ton furioso. Ele recebeu uma criação rígida, tendo um pai que sempre cobra dele um sucessor para o nome da família, o que faz Ton ser esse tipo mulherengo. 

Eles moram com outros dois rapazes, Ai e Ni (Toptap JirakitMike Chinnarat, os dois tiktokers que também já foram um casal em 2gether) melhores amigos de Ton que escondem dele que na verdade eles namoram há vários anos. Os dois fingem ser mulherengos na frente do amigo mas são apaixonados (e fogosos) o tempo todo. Esses dois roubam a cena toda vez que aparecem e, não durma no ponto GMM, deixam claro que já passou da hora de ambos ganharem os papéis principais em alguma série. 

Depois eles também têm a companhia de Miriam (Jan Ployshompoo), que eles conhecem numa situação um tanto quanto inusitada num bordel. Ela finge ser namorada de Ai e Ni para enganar Ton mas a farsa não dura muito tempo (ou melhor, teria durado porque Ton não fazia nem ideia do relacionamento deles). Ela se torna uma grande parceira dos meninos e sempre se envolve em alguma confusão tentando ajudar Chon. 

Não preciso dizer que a série dividiu opiniões na internet. Acontece que Tonhon é um personagem extremamente machista e homofóbico em boa parte da série, tendo uma série de atitudes que causaram muita revolta nas redes sociais, ao passo que Chon continuava sendo apaixonado pelo amigo, mesmo quando ele o forçava a ir a festas para pegar meninas ou quando o obrigou a ir num bordel para perder a virgindade. O fandom BL caiu em peso em cima dessas atitudes do personagem e muita gente deixou de ver a série por isso. 

A principal alegação é que atualmente as séries já trazem uma linguagem mais moderna, onde a questão sexual já é mais amplamente discutida e que as atitudes de Ton não seriam apenas repreensíveis como absolutamente inaceitáveis. A crítica é totalmente justificada, no entanto, também há outros aspectos a serem levados em consideração: a proposta da série é bem menos séria do que outras, até mesmo dentro da própria GMM TV. Tonhon Chonlatee é uma comédia romântica que beira o pastelão, com situações cômicas até nas cenas mais dramáticas. Primeiro ponto. Além disso temos o fato de que o próprio plot se justifica de algum modo: por ser uma comédia, as situações são realmente exageradas para causar impacto, muito embora a forma como isso foi feito seja completamente questionável, mas se levarmos em consideração o próprio P'Ton podemos entender um pouco da razão para o seu personagem ser tão infeliz em alguns momentos. 

Ton cresceu sob a forte pressão do pai para dar continuidade ao nome da família. Embora tenha uma irmã mais velha o seu pai ainda queria um neto de Ton, por ser seu filho. Isso explica em partes a sua personalidade afetada, seu pai chegou ao extremo de fazer um pronunciamento anunciando que o filho estava solteiro numa festa de família e que estava aceitando candidatas a ser a mãe de seu neto. Qualquer pessoa com o mínimo de questionamento sexual se sentiria coagido a suprimir qualquer sentimento diante de uma situação dessas. A ideia era justamente mostrar como os pais podem impactar na mente dos filhos, impedindo-os de serem felizes, além de mostrar como se dá a desconstrução desses conceitos na descoberta do Eu. 

Infelizmente a série realmente não possui muitos pontos fortes pra tentar compensar essa dificuldade. O roteiro é bem simplório e as situações são resolvidas de modo conveniente demais, o que é típico da comédia tailandesa. A situação do Ton poderia sim ter sido abordada, mas sem precisar se arrastar por dois terços da temporada, o que praticamente sufocou o relacionamento deles, que teve de ser desenvolvido às pressas nos últimos episódios causando uma óbvia falta de profundidade no drama que foi apresentado. Principalmente se levarmos em conta que o trailer e as imagens de divulgação já deixavam bem claro que os dois iriam ficar juntos era de se esperar mais tempo de tela deles como casal, deixando uma sensação de que o sacrifício do Chon de suportar o comportamento do amigo por tanto tempo não foi recompensado. Muito embora Ton seja romântico e fofo quando finalmente decide aceitar os sentimentos pelo mais novo ainda assim ficamos com a impressão de que eles mereciam mais. Na novel os dois fazem sexo em praticamente todos os capítulos desde que começam a namorar e os momentos casalzinho são muitos, o que faltou aqui. 

Dos pontos altos eu dou destaque pra atuação do Khaotung. Desde My Tee eu fiquei de olho nele, na espera de uma série em que ele tivesse mais destaque e eu fiquei bem feliz com ele em tela. Chonlatee é um fofo o tempo todo, e todo mundo concorda comigo porque metade da universidade também se apaixona por ele. Eu sei que muita gente vai discordar mas eu achei ele incrível tanto nas cenas fofas quanto nas que exigiam mais emoção, além de fugir ao padrão de dois meninos padrão hétero que se apaixonam. Chon já sabe bem que é gay e tudo bem, além de ser bem mais delicado que os outros meninos, inclusive soltando tudo e dançando no palco de uma balada numa cena icônica que merecia no mínimo uma música da Britney ou, para ser mais patriótico, Yinglee ou Gena

Outro ponto positivo foi Na (Neo Trai, também de My Tee), de longe o personagem mais sensato da série. Na é um influencer digital com um ego mega inflado, que joga na cara de todo mundo que ele é podre de rico e famoso, que se interessa por Chon desde o primeiro dia e investe nele com vontade. Na é uma figura! Com o tempo nós vamos descobrindo que, além de saber muito bem o que ele quer, super bem resolvido, ele também é um cara gentil e sensível, que tenta proteger Chon até mesmo do sentimento que ele tem pelo amigo, que tanto o machuca. Na também é fundamental pra fazer Tonhon entender e aceitar seus sentimentos por Chon, mesmo se machucando no processo. Ícone.

Mike e Toptap também deram um show de química juntos, ponto pra eles também. Infelizmente faltou beijinho pra gente ficar feliz...

Então, pra resumir, temos uma série com a proposta de ser uma comédia leve, mas que acabou irritando boa parte da audiência pela falta de tato nos assuntos mais delicados. É divertida se você conseguir abstrair esse fato, mas se você for do tipo militante da causa, passe longe! Poderia ter sido uma baita história amorzinho com um milhão de cenas fofas, já que Khao e Podd deixaram claro que não são ruins em cenas mais íntimas mas que tiveram um baita potencial desperdiçado. 

Nota: 05/10

Apatia

Encostei a minha cabeça sob o seu ombro e, de repente, o mundo inteiro desapareceu ao meu redor. Nada mais importava além da sua presença ali comigo, o cheiro doce do seu corpo, nossos dedos entrelaçados, o som suave da sua risada próxima ao meu ouvido. E eu queria, mais do que qualquer outra coisa que, naquele momento, o mundo tivesse sumido para você também, e que ficasse consciente da minha presença, do quanto estar ali ao seu lado fazia emanar de mim todo o amor que sinto por você. É, mas você logo se afastou, mostrando que, na verdade, não foi o mundo ao meu redor que desapareceu, mas que você se tornou o meu único mundo e, você vivendo no mundo real, não percebeu que eu não estava mais ali, mas que estava num mundo onde só existia você. 

E por isso eu me enfastiei das companhias. Das longas conversas, dos passeios, nada mais tem dado prazer ao meu espírito, que tem se contentado a acordar todos os dias apenas para esperar o adormecer, e assim sucessivamente até que... Bem, até que nem sei o quê mais pode acontecer, não há em mim sequer imaginação para tentar prever algo assim. Eu só consigo ver as coisas assim: durante o dia, o tédio abafado dessa cidade feia e empoeirada, esperando para quando poderei finalmente adormecer, me perder num mundo onírico, onde sequer me lembro de meus sonhos. 

Tenho me entediado na leitura e dormido durante as aulas, tenho dado desculpas a mim mesmo para justificar uma dopada candura diária, na esperança de que os ansiolíticos possam diminuir a duração dos dias e, dessa forma, diminuir a agonia que é estar consciente da própria existência. Dormir é melhor do que prestar atenção nesse mundo. O cotidiano é uma doença corrosiva, o acordar, cumprimentar, responder, tudo é uma tortura sem tamanho. 

Num átimo de disposição eu fiz a barba, depois de quase 1 mês ignorando o fato de que transparecia desleixo, mas isso não me incomodava. Depois, ao ver o resultado, esperando ter uma aparência mais dócil e menos animalesca, só pude constatar que continuo igualmente deprimido ao ver meu próprio reflexo me olhando com profundo desprezo, o mesmo desprezo que transborda do meu ser numa ânsia irrefreável de vandalismo. A existência hoje me cansa!

E já nem sequer penso que isso poderia mudar com alguém ao meu lado. Talvez se ele estivesse comigo essa angústia fosse, em partes anestesiada, mas ela não deixaria de existir. Isso porque o que falta em mim não é alguém, a minha carência não é simplesmente de um amado, não, o que há em mim é uma imperfeição fundamental, da qual eu não consigo falar senão apenas balbuciar sobre. Existe um vazio bem no âmago do meu ser mas, embora toda minha existência seja voltada para o preenchimento desse vazio, eu já não tenho forças para percorrer sequer o meu próprio quarto em busca dessa parte que falta em mim. Tudo o que me resta é ficar deitado, a espera de que algo me desperte da apatia profunda, a espera de algo que faça brilhar novamente os meus olhos, brilho que há tanto se foi como o sol que se pôs e deu lugar a uma eterna noite escura, de amor em vivas ânsias inflamada. 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Tesouro

Os últimos dias têm sido intensos. Depois de proposto ao meu pai a compra da casa em que moramos, o que ele negou prontamente pois a casa é horrível e só moramos aqui por falta de condição de coisa melhor, o dono pediu que saíssemos dela em menos de 30 dias, dando largada a uma corrida para encontrar uma casa que caiba todos nós pois, além de muitos, temos muitas coisas. Somos sete pessoas com um complexo de acumulação preocupante.

Além disso tem um outro fator que já há bastante tempo nos preocupa, de algum modo: alguns de nós tem muita vontade de mudar para o Sul do país, na esperança de melhores condições. Eu mesmo tenho a grande esperança de viver num lugar que seja minimamente mais belo, organizado, que seja menos caótico que o mundo horroroso que me cerca.

Eu posso parecer que estou cometendo um erro terrível, me colocando infinitamente acima do mundo, contemplando toda a miséria como se estivesse eu mesmo fora dela. Mas isso não é verdade, o fato é que eu estou bem no meio da lama, eu estou chafurdando na lama. 

Já não aguento mais a feiura que me cerca, não aguento a mesquinhez, não aguento a falta das mais básicas virtudes humanas. Eu preciso de uma lugar onde o homem seja mais homem ou vou me sufocar. Não aguento mais, e minha mãe concorda comigo, que esse mundo em que ajudamos os outros e recebemos a pura ingratidão como pagamento é o que há para nós aqui, sendo a única esperança o mundo novo que há de vir.

Não há um dia sequer que eu não pense na morte, oprimido e atingido por toda a falta de humanidade que me cerca. Eu só quero o belo, só quero poder crescer, só quero ver algo que não seja uma selva de concreto, entre muros, entre poeira, entre choro, entre paredes descascadas e relacionamentos frustrados, esse é o desejo profundo do meu ser... 

E não há um dia sequer também que eu não pense que a beleza, a bondade, a justiça é o que me salvará desse abismo existencial. Quando me apego ao Réquiem do Verdi ou a Sinfonia Patética do Tchaikovsky é porque essas coisas são a ligação entre o que há de belo no mundo e a minha imensa pequenez, é a escada pela qual eu posso alcançar aquele lugar, lá em cima e ocupado por tão poucos, que se fizeram grandes homens, se destacando dessa massa disforme e putrefata que vivo atualmente.

Mahler me traz num só movimento de sua Sinfonia Trágica mais experiências humanas do que meses inteiros dentro de casa, os golpes secos do martelo do destino soam em harmonia com cada um dos golpes que eu disse ter recebido aqui, e isso me eleva, um pouco que seja, e me faz olhar o céu e as estrelas, sabendo que o cheiro horrendo que me nauseia não é tudo no mundo, que há algo melhor em algum lugar. São o meu tesouro, presente concedido pelas mãos generosas de meu anjo, que sabe de todos os meus defeitos e necessidades, e que hoje me carrega em seu colo, sabendo ele que já não posso caminhar sozinho.

Isso, aliado a vários problemas na Igreja no último fim de semana, me deixaram num estado de euforia, quase desespero. Precisamos procurar casas, arrumar as coisas em caixas, que não são poucas, e tudo isso aliado a minha mais absoluta falta de ânimo pra praticamente qualquer coisa. Tenho passado dez, doze horas, em cima da cama, estudando, pensando, ouvindo música, mas incapaz de reagir. Preocupado, chorando. Eu vou mergulhando cada vez mais fundo num oceano de águas escuras, gélidas, que me golpeiam com violência, me roubando o fôlego, me esmagando. Eu não tenho forças para lidar com isso, não dá para lutar, eu sou fraco demais e meus membros já nem sequer obedecem os meus comandos. Isso porque muitas das perspectivas de futuro que eu tenho são bastante pessimistas. É a solidão, os problemas em casa da incompreensão, a falta de dinheiro, as obrigações que precisam ser cumpridas. É o castelo que se desfaz, é o tudo que retorna ao nada... O desejo do belo sendo morto pela feiura...

"Muito do que fazemos na vida - às vezes, tudo - é compensação de alguma tristeza que tivemos na infância ou na adolescência. No meu caso, sei exatamente que tristeza foi essa. Quando, no início da adolescência, comecei a me interessar por literatura, teatro, música clássica, história, filosofia, psicologia, teologia, entendi que tinha descoberto um tesouro infinitamente valioso, o alívio quase imediato da maioria dos padecimentos humanos. Qual não foi a minha surpresa ao perceber que em geral as pessoas não apenas eram desprovidas de qualquer interesse por essas coisas, como tinham até um certo orgulho da sua indolência mental, acreditando piamente que acabariam por vencer todas as dificuldades da vida pela simples repetição dos automatismos rotineiros que lhes davam um sentimento de segurança na mesma medida em que, a longo prazo, garantiam o seu fracasso. 

Muitas dessas pessoas não escondiam o desprezo que sentiam pelas minhas preocupações, que elas diziam estratosféricas, e não raro o desprezo se manifestava como arrogância, agressividade e exclusão ostensiva. Aos poucos fui descobrindo que isso não acontecia só no meu ambiente social, mas era uma praga endêmica, uma constante da vida brasileira. Os melhores, os mais conscientes e mais sensíveis eram sistematicamente boicotados e escorraçados, jogados para o fundo de uma existência obscura e deprimente pela santa aliança da mediocridade com a arrogância, da inépcia com a vaidade, da indolência com o carreirismo."

(Olavo de Carvalho)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Golem

Ouvi em algum lugar que em dados momentos é normal a vida ter alguns instantes em que as cores desaparecem, em que o tempo passa devagar e fico tudo assim, sem graça, sei lá... Eu me vi hoje, empertigado na cama, sem forças para conseguir comer, tomar banho ou sequer responder as ofensas tentavam lançar contra mim. Acontece que as flechas não me acertaram a carne, senão que apenas riscaram a superfície, o que restou, a casca vazia que continuo sustentando na frente das pessoas para fingir que ainda existe um eu vivendo aqui nesse corpo. Mas ele já se foi há muito tempo.

E o que sobrou foi apenas esse golem, um boneco, sem coração e nem mente, que sequer é capaz de ver as cores, enxergando um mundo cinza em que o tempo passa devagar, sem conseguir entender como os outros podem sorrir, como pode haver alguma coisa além desse imenso vazio, silencioso e escuro, em que habito. 

E me perguntam por qual razão eu não faço a barba, ou qual motivo de estar sempre usando a mesma roupa surrada. Isso é porque não há em mim sequer uma centelha de vida que consiga lançar alguma luz sobre a escuridão em que me encontro. Não há como reacender a fornalha ardente, o que se desfez em cinzas não pode tornar a ser fogo. Eu me desfiz, voltei ao pó, e não consigo fazer outra coisa a não ser me deixar levar pelos ventos turbulentos, que me conduzem para qualquer lugar ou lugar nenhum. Não há qualquer razão para reagir. A minha vida foi apenas um átomo que se agitou, uma chama que resplandeceu e logo se apagou. 

Por isso fico aqui deitado, com os olhos opacos e distantes, a sentir frio ou calor mas sem reagir, porque aquela vida, aquelas cores que vejo nas séries, estão distantes demais daquele que já cruzou os umbrais da existência, retornando ao nada, pois tudo retorna ao nada e, embora meu espírito e minha vontade de viver já tenham se extinguido há muito tempo, resta apenas o meu corpo vazio, essa casca de aparência humana, a ser transformada também em cinzas, extinguindo assim, de uma vez por todas, essa existência patética, sem a transmitir ao futuro o legado da minha miséria, pois me vejo como parte das estirpes condenadas a cem anos de solidão, as mesmas estirpes que não terão uma segunda chance sobre a terra. 

O fim é como uma canção, e eu vou cantando como aqueles que tanto viram a morte que já não reconheciam sua própria terra senão como um grande palácio de execuções, assim como em meu coração tantos amores se foram como as cabeças daqueles príncipes que a lei de ferro do Filho do Céu levou ao chão... "Adeus amor, adeus raça, adeus ó estirpe divina... E assim, se acaba a vida..."

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Entre o que sente e o que vê

Foi um fim de semana bastante intenso, e se estendeu até segunda, quando pretendia descansar e ainda assim tive de correr atrás de resolver uma série de coisas completamente acima da minha capacidade. Embora eu goste bastante de tudo que se relaciona a igreja eu não posso negar que demanda muita disposição e, como bem sei, não é exatamente algo que eu tenha sobrando. 

O resultando é agora estou absolutamente exausto, com dificuldade até mesmo para abrir os olhos, tanto mais para ficar de pé e executar funções. Necessito de uma boa e longa noite de sono, apenas isso. 

Ontem eu fiz um pequeno lanche com meus amigos, chilli e massa frita pra acompanhar a conversa, eu precisava de um momento assim. Na verdade eu desejava um momento à dois, mas não foi possível. Queria passar um tempo deitado sob seu peito, recarregando as minhas forças. 

É estranho que nossa intimidade cresça, que fiquemos tão próximos, e que nosso relacionamento não se diferencie em muitas coisas de um namoro. Mas não é um namoro, é apenas algo que se assemelha bastante. Muito embora eu fique deitado sob seu peito, que beije seu rosto e toque seu corpo ainda há um limite, uma barreira, entre nós. E talvez por isso que nós comemos chilli entre amigos e não apenas nós dois, como eu queria. 

Dias atrás eu me senti assim com ainda mais intensidade. Precisava de um abraço, tomado por uma súbita carência, uma necessidade latente do outro, um absoluto vazio que só podia ser preenchido com o abraço apertado daquele que eu amo. E eu não ganhei nada. Me sentia mergulhando cada vez mais fundo numa escuridão sufocante, e assim me sinto, cada dia mais, um corpo sem ânimo andando sem razão por aí. 

Como pode o homem ser apenas essa criatura de desejos tão primitivos e poderosos que nos curvamos ante a necessidade carnal da presença do outro? Há dias em que sinto que cada um dos meus poros exala desejo, desejo de ser possuído e de possuir, desejo de realizar os fetiches mais sombrios e as fantasias mais alucinantes que a mente juvenil possa conceber. Há dias, como hoje que, mesmo cansado, sinto cada fibra do meu corpo clamar por uma presença física que possa saciar essa fome irrefreável, esse desejo de sentir na pele os lábios molhados, corpos suados e mãos trêmulas se tocando, ouvir os gemidos e arfados, rasgar a carne com as unhas e me entregar completamente até cair em delírio. Como pode tanto desejo? Como pode viver uma fera assim dentro de um homem?

Quando eu o vejo, vejo o homem gentil, o doce brincalhão, mas também vejo o amante incessante, que padece dos mesmos desejos que eu; Que como uma tocha se consome em ardor de chamar bruxuleantes nas noites escuras onde a carência é mais patente e presente do que o próprio ser. E então ficamos nesse limbo, entre o imenso desejo que sentimos e o que podemos ver, um um mundo sépia que apenas nos serve de razões para desejar sem, no entanto, nos permitir que realizemos o que tanto queremos. 

Me sentia mergulhando cada vez mais fundo numa escuridão sufocante, e assim me sinto, cada dia mais, um corpo sem ânimo andando sem razão por aí. Mas é uma mentira, não é como se andasse sem razão, eu ando em busca de algo, de alguém, que me completa, que me faça ser eu mesmo. Pode ser que esteja dentro de mim ou nos braços de alguém, mas não está comigo. Pode ser que esteja aqui ou nas praias de Phuket, nas ruas floridas de algum lugar, mas não está aqui, não está comigo. Ou talvez esteja comigo e eu não notei ainda, não consegui encontrar ainda. 

Não consigo organizar as ideias o suficiente para escrever mais, é meu limite, a fadiga e o cansaço estão exigindo que eu descanse... 

Talvez o descanso que eu precise não seja esse de apenas dormir, ou ficar com alguém, talvez seja algo diferente, talvez seja o descanso de uma vida nova, de uma vida sem o incômodo de um exército de pessoas de caráter duvidoso na minha casa, sem a confusão de todo dia... Ah, algo diferente que eu não consigo dizer o que é senão balbuciar como criança num anseio que vem do fundo do meu peito, numa necessidade, um desejo que clama desde a profundidade do meu ser. 

E então eu acordo, às vezes de modo abrupto ou após um orgasmo, numa súbita tomada de consciência e fico ali, contemplando toda a imensidão da minha natureza bestial. Não é uma visão agradável, sentir-se homem e olhar no espelho e ver uma fera, ou sentir-se fera presa no corpo de um homem, desesperada para rasgar-lhe o peito e a garganta para correr livre, fazendo dos homens jovens de perfume doce e pele macia suas vítimas. 

"Tudo quanto tenho feito, pensado, sido, é uma soma de subordinações, ou a um ente falso que julguei meu, porque agi dele para fora, ou de um peso de circunstâncias que supus ser o ar que respirava. Sou, neste momento de ver, um solitário súbito, que se reconhece desterrado onde se encontrou sempre cidadão. No mais íntimo do que pensei não fui eu. Vem-me, então, um terror sarcástico da vida, um desalento que passa os limites da minha individualidade consciente. Sei que fui erro e descaminho, que nunca vivi, que existi somente porque enchi tempo com consciência e pensamento. E a minha sensação de mim é a de quem acorda depois de um sono cheio de sonhos reais, ou a de quem é liberto, por um terramoto, da luz pouca do cárcere a que se habituara. Pesa-me, realmente me pesa, como uma condenação a conhecer, esta noção repentina da minha individualidade verdadeira, dessa que andou sempre viajando sonolentamente entre o que sente e o que vê." (Fernando Pessoa)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Resenha - Friend Zone

Contém MUITOS SPOILERS, prossiga por sua conta e risco.

Bom dizem por aí que "chifre trocado não dói", e eu acho que essa galera discorda, mas nem por isso eles deixam de trocar. Hoje eu vim para falar dessa série que é um verdadeiro rebuceteio tailandês e que poderia perfeitamente ter sido inspirada na vida de qualquer jovem brasileiro.

Friend Zone é uma série da GMM TV que conta com um elenco de peso e uma história bem diferente da maioria das propostas da empresa. Aliás, já adiantando um pouco o meu expediente, parece que em 2021 eles vão direcionar suas séries para um público alvo um pouco mais velho, acompanhando, penso eu, o crescimento dos espectadores assíduos. Mas okay, vamos ao plot:

A série tem duas temporadas (Friend Zone e Friend Zone 2 - Dangerous Area) e foi ao ar de 2018 a 2021, contanto a história de um grupo de amigos com sérios problemas em seus relacionamentos. Pode-se dizer que por aqui ela ganhou popularidade por causa do núcleo dos personagens gays, já que séries hétero não chamam tanta atenção do público BL aqui do Brasil. 

Pra começar nós temos Boyo (Pearwah Nichaphat de Hormones, Bangkok Stories e mais uma porrada de trabalhos, ela tem uma lista extensa, eu conheci no MV da OST de My Ambulance, feat. com o Ice Paris). Ela é uma garota que tem dificuldades de se manter num emprego fixo e isso acaba atrapalhando o seu relacionamento, mesmo mais tarde ela descobrindo que seu namorado, Safe (Joss Way-Ar de 3 Will be Free e Boy For Rent) já estava de caso com outra. Ela divide a casa com seu amigo, Stud (Plustor Pronpiphat, de My Dear Loser: Edge Of 17) que é um galinha de marca maior e todo dia leva um cara diferente pra casa, dispensando todos na manhã seguinte. Numa dessas noitadas um dos rapazes acaba furtando o notebook de Boyo, com um trabalho importante, o que a deixa enfurecida e expulsa o amigo de casa. 

Convenientemente ela conhece Good (Lee Thanat, de My Dear Loser: Monster Romance e Boy For Rent), que está procurando um lugar para ficar e acaba se mudando, substituindo Stud. Ele tem alguma dificuldade em se manter num emprego também por não saber muito bem o que quer fazer da vida e também tem relacionamentos frágeis. É após várias desilusões que ele e Boyo começam a se aproximar. 

Stud então vai passar um tempo com seu amigo Earth (Singto Prachaya, de SOTUS e He's Coming To Me) e seu namorado, P'Sam (Nat Sakdatorn, de Oh My Ghost e Bad Friends). Acontece que o casal acaba passando por algumas tribulações, já que Sam é médico e quase nunca tem tempo para Earth, que adora passar o tempo planejando momentos e viagens juntos. Com esse atrito entre eles Stud encontra uma brecha pra atacar Sam, e pronto, está armado o circo.

Também temos Boom (Namtarn Tipnaree, de Wake Up Ladies e Slam Dance) amiga de Boyo, Stud e Earth (todos se conhecem desde a faculdade) que namora Tor (Best Nathasit, de Social Syndrome), que não aceita o trabalho dela como modelo por ficar muito exposta ao assédio de muitos homens, enquanto ele não dá também sinais de querer um relacionamento realmente sério.

Por fim, (ufa!), temos Amm (Aye Sarunchana, de Kiss Me Again) e Bern (Ter Ratthanant, de Diary Of Tootsies) que são amigos de Boom e Good e que enfrentam um relacionamento de vai e volta já há bastante tempo desgastado, com Bern investindo em vários negócios fracassados e sendo sustentado por Amm, uma comissária de bordo bem sucedida. 

Ótimo, agora que gastei metade do texto pra apresentar os personagens me sobrou pouco espaço pra falar sobre a história em si. Todos esses aí vão terminando e voltando o tempo todo, volta e meia trocando de parceiros também (e olha que ainda nem cheguei na segunda temporada). A proposta de uma série com uma temática que foge completamente ao habitual colégio/universidade da GMM TV foi um acerto e cheio. Pela cachorrada comer solta os brasileiros se identificaram bem também, não sei como foi a recepção na Tailândia mas não deve ter sido ruim, já que foi renovada para uma temporada maior que a primeira, e com mais adições de peso no elenco. 

Entre uma briga e outra, os personagens vão começando a entender um pouco mais sobre como lidar com as consequências de suas ações, bem como perdoar um amigo ou amado por uma ou mais traições, ou aprender a encarar o trabalho como algo sério, até descobrir um novo talento, podendo mudar completamente o rumo de uma vida até então indefinida. Então, embora pareça só uma bagunça, Friend Zone é uma série sobre autoconhecimento, aceitação, crescimento. 

Na segunda temporada nós temos a entrada de Locker (Pluem Purim, de Birthday e My Dear Loser: Edge Of 17), que se torna interesse amoroso de Boyo ao mesmo tempo que tem um caso com uma garota que se torna "amiga de foda" de Good. Também tem Bew (Preen Ravisrarat, de Slam Dance), amiga da faculdade da galera que volta pra tentar causar atrito entre Boyo, Good e Safe, por quem ela sempre foi apaixonada. 

Não achei espaço aqui pra falar de Ta (AJ Chayapol, He's Coming To Me e Dark Blue Kiss), um estagiário na empresa em que Earth e Stud trabalham e que se interessa por esse na primeira temporada mas é logo descartado por ele, sofrendo bastante com isso. Os dois acabam se reencontrando tempos depois, mostrando que talvez a história deles ainda não tenha acabado. 

Como disse que o plot gay foi o mais interessante pra galera daqui eu vou falar mais dele. Depois de Sam ter traído Earth com seu melhor amigo ele teve de correr muito atrás dele pra ser perdoado, mas a ferida no relacionamento deles nunca se curou. As coisas não melhoram muito quando Earth se vê no dilema de ajudar ou não o amigo que perdeu a mãe para uma doença e com o retorno de Pop (Arm Weerayut, Waterboyy The Series) o antigo namorado de Sam, que ainda não superou o término mesmo de tantos anos. Numa estranha forma de ajudar o amigo Stud acaba seduzindo Pop, mas o relacionamento não vai pra frente porque nenhum dos dois tem interesse nisso. Por fim, pra completar a bagunça, descobrimos que Stud sempre foi apaixonado por Earth, e os dois acabam ficando juntos algumas vezes, deixando Earth ainda mais confuso, Stud triste e Ta, bem, o coitado caiu de paraquedas na história pra ser o saco de pancadas emocional deles. 

À primeira vista parece ser só uma grande bagunça mas, como eu disse, a série fala sobre amadurecimento. É preciso crescer para abandonar a vida de farra e se dedicar a alguém especialmente, ou para aceitar que ainda não está preparado para um relacionamento, e tudo bem! Também é preciso conhecer bem os próprios sentimentos para não machucar quem se ama, especialmente quando as ações podem ter efeitos tão devastadores na vida do outro. Ta ficou destruído depois de ter sido largado por Stud e quase se tornou igual a ele, ao passo que o namoro de Earth e Sam nunca mais foi o mesmo, apesar do esforço de ambos. 

Uma coisa nova também foi a presença de um casal GL, Amm conhece Chris (Apple Lapisara, de YYY e mais uma porrada de trabalho que eu nunca vi, mas a lista é longa) num bar onde a garota é barista e as duas acabam se aproximando e se envolvendo romanticamente, levando a outros problemas já que Chris é bipolar e muito difícil de lidar e Amm precisa se aceitar como lésbica, além de contar para sua mãe. 

A série tem uma pegada única dentro das produções da GMM, o visual é deslumbrante e todo mundo parece ser rico porque se vestem muito bem e moram em casas enormes. Mesmo com tantos personagens, todos com uma história de fundo que não é simples de se trabalhar, conseguiram desenvolver todos muito bem, mostrando vários lados de uma mesma história e mostrando que as pessoas, especialmente os jovens, nem sempre estão preparados para tomas as decisões certas, e que por isso tem de aprender lidando com as consequências das decisões erradas. Quem assiste somente com a atenção nos barracos e traições pode não pegar essa camada, especialmente os críticos da produtora. Também preciso mencionar o fato de que o Plustor é um ator assumidamente gay, e ver ele atuando ao lado de tantos grandes nomes mostra uma baita representatividade pra comunidade, já que a GMM TV tem muitos funcionários LGBTQI+ só que infelizmente eles sempre são ofuscados pelos héteros, enfim, parece que aos poucos vamos conseguir mudar isso. 

A trilha sonora é sensacional e conta com nomes como a própria Pearwah, Fiat Pattadon e Gena Desouza, dentre muitos outros, o que para mim também conta muito pra construção das cenas e do clima da série que, apesar de tudo, é descontraído e mostra bem esse lado do jovem que, mesmo com o mundo se despedaçando, continua querendo se divertir. Dentro de sua proposta ela cumpriu tudo o que prometeu, mesmo não sendo nenhuma história épica ou um divisor de águas, ainda que audaciosa, e isso justifica a nota que eu vou dar:

07/10