sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Perspectiva de Sentido

Gostei da proposta de não trabalhar na segunda, posso aproveitar a preguiça na cama enquanto a cidade em polvorosa retoma as atividades, já que no domingo tudo praticamente para. Hoje eu estou me recuperando da eletricidade que percorreu meu corpo ontem o dia todo, num episódio de mania mais forte do que o habitual. 

Na verdade, embora seja bem melhor do que ficar deitado querendo desaparecer, esses episódios também trazem alguns problemas. Em primeiro lugar as pessoas pensam que esse é meu estado normal, quando não é. E fato ele representa um acréscimo de disposição, mas essa não é nem de longe minha condição normal. Eu não sou de falar tanto e, mesmo que seja de postar com frequência nas redes sociais, qualquer um pode notar que passei dos limites. Acontece que eu também fico um pouco inconsequente. Tampouco podia tomar meu coquetel pra dormir, já que o efeito do zolpidem ia com certeza me fazer falar alguma besteira antes de dormir. 

Muito embora eu não me importe com o que pensam de mim a ponto de me arrepender de me expor demais eu sinto que também não queria me mostrar tanto porque é normal depois disso acharem que eu vou ficar assim de modo permanente, e me obrigarem a ter uma energia que eu não consigo acessar. Embora os episódios tenham gatilhos eu não consigo acessar essa parte assim, como quem liga um interruptor, e eu continuo apenas flutuando lentamente de um lado pro outro, às vezes chegando aos extremos.

No outro dia me vem aquela ressaca, felizmente meu corpo não perdeu toda a disposição ainda e eu não me sinto tão cansado, mas certamente algum dia essa semana, quando a energia sumir de uma vez, eu vou sentir um vazio e um peso fora do comum. Me incomoda também, não pelo que vão pensar de mim, mas ver que isso só mostra um grande descontrole, em como parece que eu sou alguém completamente governado por vontades e impulsos incoercíveis, uma besta irracional. 

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E foi exatamente como eu disse que seria. Apenas dois dias depois e eu já estou não exausto, mas simplesmente sem forças, como se a energia que havia em mim e que se agitava como um mar revolto tivesse simplesmente evaporado deixando apenas uma grande cratera no lugar. Não é cansaço. Quando estou cansado eu sei que preciso deitar e dormir por algumas horas, e só, mas isso é ausência total de disposição, é um estado de existência diminuída, é apenas um grande vazio que parece crescer mais e mais e tapar toda a visão do sol com uma neblina que vai se tornando mais e mais densa. 

Agora, ouvindo uma música melancólica, a qual eu nem sei o nome, eu fecho os olhos e me sinto impaciente. Incomodado, com o barulho da criança no ônibus cheio, com a superficialidade de algumas pessoas, com idealizações idiotas. Mais uma vez eu preciso fechar os olhos e me concentrar no que eu quero conhecer, no que preciso aprender pra dar sentido a minha vida. E a trilha sonora apenas me confirma que isso não é algo facilmente encontrado ao meu redor. Embora eu me refugie nesse mundo onde quero chegar, hoje e, apenas hoje, eu queria poder dormir e sonhar com ele.

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A semana acabou, ou quase já que eu ainda trabalho amanhã, e esse texto que foi escrito em três dias diferentes mostra bem o que aconteceu comigo, ou pelo menos eu tentei mostrar. De absolutamente elétrico até querer deitar e dormir assim que eu chego em casa. Mas eu não posso deixar ser vencido desse jeito, se o fizer logo eu não terei mais vida, vou trabalhar e dormir apenas, e por isso mesmo preciso me forçar a estudar e assistir todos os dias, ainda que indisposto, para conseguir manter o mínimo de uma rotina que sirva pra alguma coisa. 

Amanhã será o dia mais puxado e eu já estou exausto hoje, claramente sentindo os efeitos desse episódio depressivo e também do cansaço propriamente dito, maximizado pela depressão. Minha vontade é de chegar em casa e dormir, direto, mas eu não posso fazer isso. Também tenho mentido, dito que estou bem e feliz, apenas por preguiça de dizer a verdade, e tenho ficado bom nisso, não me fazem perguntas se digo o que querem ouvir. Não exigem muito de um homem além de um trabalho e um espírito de mediocridade. Na verdade, mesmo aqui tendo mais beleza do que onde eu morava, posso perceber que as pessoas não vão muito além de trabalho e divertimentos medíocres, e não parecem nem imaginar algo melhor do que isso. Alguns tem mais acesso a cultura, claro, mas também parecem ver isso apenas como um adorno superficial, não muito além disso. 

A essa altura fica claro que o trabalho é necessário porém exige um sacrifício por parte do intelectual que muitas vezes se vê exaurido e não pode examinar corretamente as suas questões. É por isso mesmo que devemos nos apegar a essas questões para conseguir manter uma busca constante, ecoando o conselho do Professor Olavo: "Não parar, não precipitar e não retroceder." Mesmo que eu diminua o ritmo não posso parar, é o apéiron que vem me dando alguma perspectiva de sentido nessa vida, apenas isso. 

Já percebi que, para perseguir a verdade, preciso me acostumar com esse Trabalho de Sísifo, as coisas são assim, mais uma vez torna-se urgente ter paciência. 

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Mais do que palavras, pt. 2

Continuando a reflexão sobre More Than Words e dessa vez tratando de outro elemento que me chamou atenção, dessa vez a exploração do psicológico dos personagens, especialmente do Makio. 

Bem, mas antes de falar dele eu quero falar da personagem que deu início a série. Miechan estava fechada para qualquer relacionamento com homens, por causa do abandono de seu pai e do seu namorado violento que começou a história batendo nela. Foi a doçura de Makio que a fez se abrir e aceitar a amizade dele e, depois, a de Eiji. A relação dos três é então construída em cima dessa amizade, e eles vão criando confiança e aproveitando a companhia, um do outro. Ela parece ter se sentido um pouco excluída quando eles começaram a namorar e, mais tarde acabou novamente fazendo parte do relacionamento deles ao decidir ter um filho para que assim o pai de Eiji não continuasse se opondo ao namoro dele.

Chegamos então ao ponto que eu quero abordar. Depois que Miechan engavidou e Makio descobriu que não foi no dia em que eles tinham ficado juntos mas que, de acordo com as semanas da gestação ela e Eiji tinham ficado de novo semanas depois, traindo-o, ele resolveu se afastar. Tanto pela traição quanto pela mentira dela em dizer que a criança era dele, além da crescente preocupação de Eiji com Miechan, deixando o mais novo de lado. E então ele partiu. 

Anos depois vemos um Makio fechado em si mesmo. Ele sempre foi brincalhão e sorridente, tinha aquele jeitão largado com as roupas largas e tudo, mas agora ele simplesmente ia e vinha sem nenhuma perspectiva. Comia a mesma coisa sempre, deixou o cabelo crescer não por estilo mas descuido e se vestia não porque gostava, mas apenas porque sim. Embora ainda fizesse uma piada ou outra ele estava envolto em melancolia. 

Sua relação com Sakuragi começa então a partir daí, sem envolvimento afetivo explícito mas carregada justamente da carência que ele vinha ignorando desde a separação. Na cela em que ele pede pra se aproximar do outro na cama, encostando a cabeça em suas costas e dizendo que ele é quente, foi de uma delicadeza e uma dor singular. Ali ele disse que havia muito tempo desde que sentiu alguém próximo daquele jeito, e que ele se sentia sozinho. 

Mesmo as primeiras relações sexuais dele foi permeada dessa tensão. Por um lado ele dizia que só queria aliviar o outro, e talvez estivesse apenas buscando se aliviar também, mas ao mesmo tempo ele estava sentindo o calor de outro mais uma vez. Embora tenha fechado seu coração, lá dentro ele ainda queria gostar de alguém de novo e sentir que é querido e amado. Pouco a pouco Sakuragi vai rompendo essa barreira e, talvez até sem nem perceber, Makio vai se rendendo também. 

Quando ele reencontrou Eiji e Miechan ele voltou pra casa ainda pensativo, chorou, mas depois, na cena em que o amigo chega da visita ao avô no asilo, ele demonstra que ali seu relacionamento mudou. Ele estava esperando por Sakuragi, finalmente ele colocou um ponto final na relação que o machucou, e conseguiu até mesmo conhecer a filha dos antigos parceiros, mas agora ele estava com o Sakuragi. E logo mais corta pra eles deitados juntos, num momento de intimidade, e então vemos que as coisas mudaram mesmo. 

Isso me deixou feliz. Ver como ele sofreu e se fechou e, mudando de um menino alegre para um homem autodepreciativo e agora, finalmente se iluminando de novo, se abrindo pro amor e se sentindo feliz de novo... Na cena final, com ele conhecendo a pequena Shiho, ele termina se despedindo delas e indo cada um pra um lado, ele finalmente pode seguir seu caminho. E que seja feliz. 

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Mais do que palavras

Ontem pouco antes de dormir eu assisti a um episódio de uma série japonesa que foi lançada recentemente e que, por vários motivos, me chamou a atenção, mas eu gostaria de falar de um aspecto em específico que achei de uma beleza poética muito valiosa. Em resumo, porque isso não é uma resenha, a série conta a história de uma garota que, traumatizada com os homens por causa do pai que a abandonou e o namorado violento, se vê consolada por um colega de classe muito popular. E então ela assiste ao romance que surge entre ele e o colega de trabalho de ambos, um homem um pouco mais velho que se descobriu gay há pouco tempo. 

Em vários momentos, mas especialmente no fim de cada episódio e durante a apresentação dos créditos, os personagens são mostrados em situações cotidianas, sem diálogo, por alguns minutos. O espectador desatento pode pensar que foram cenas gravadas apenas pra apresentação dos créditos mas, depois de ter contato com outras obras japonesas, embora o recurso seja também usado em todo cinema e televisão mesmo que nem sempre com a mesma profundidade, eu percebi que trata-se de algo bem simbólico.

Um outro artista que faz uso desse elemento em suas obras é o diretor Hayao Miayazaki, muitas vezes em seus filmes do famoso Studio Ghibli os personagens dão uma pausa na ação do roteiro e fazem algo aparentemente desconexo com a história que estava sendo contada. Temos personagens sentados num vagão de trem, ou à beira de um  lago olhando um jardim, esperando um ônibus ou pássaros voando e as nuvens passando. Em uma entrevista o diretor explicou que isso é um conceito que em japonês chama-se Ma (não vou colocar os caracteres aqui mas em japonês é uma junção dos caracteres de Portão/Porta e Sol, e juntos significam Vazio). Ma então é esse período vazio, não necessariamente sem ação mas que apenas é um contraponto daquela ação que a linha principal da história passa. 

E ai, voltando pra série, entra a beleza desse recurso: o vazio em questão faz referência justamente as palavras que o compõem. Uma porta aberta é, por definição, um espaço vazio, mas é por esse espaço vazio que passa a luz do sol. Ainda que definida pelo tangível, o material que compõe a porta, é o intangível que lhe dá significado. 

Claro que os diálogos, os olhares e toques discretos dos personagens são importantes, são eles que compõem o núcleo da história, mas se eles refletem os momentos de intensidade de cada são os momentos em silêncio, correndo pelas ruas da vizinhança ou brincando com os amigos no parque, que fazem esses momentos intensos serem depurados pela alma de cada um. Num dos episódios, após um diálogo bem difícil, os dois rapazes, Eiji e Makio (interpretados respectivamente pelo belíssimo Nakagawa Daisuke e o fofo Aoki Yuzu) se deitam, conversam mais um pouco e dormem, mas a cena dura uns bons minutos. 

Novamente, para um espectador acostumado com séries e filmes onde tem ação a cada segundo, coisa também presente em desenhos animados, onde os criadores têm medo que as pessoas fiquem entediadas e mudem de canal ou acelerem a cena, isso pode passar despercebido ou soar excessivamente chato, até pedante talvez. Mas esse recurso, bem utilizado como vem sendo, pode dar todo o toque de sensibilidade que da o tom para a obra. 

Assim como numa música as pausas são tão necessárias quanto as notas, como por exemplo na abertura do Prelúdio de Tristão e Isolda onde há o uso da fermata que traz ainda mais dramaticidade ao conjunto da obra, esses momentos servem para que os personagens, e nós, consigamos compreender o que foi dito e feito nos outros momentos. É um parar pra respirar, como na música cantada, mas que tem um significado profundo: é desse respirar que puxamos o fôlego pra frase seguinte. 

Eiji disse o que sentia a Makio, que ainda está confuso. O mais novo disse que não se interessava em sair com as meninas do colégio mas que se saísse com ele poderia se interessar. E então eles dormiram, um deles acordando mais tarde, pensativo. E esse silêncio foi de novo profundamente significativo. Embora nenhuma palavra tenha sido dita ele revelou a insegurança do mais velho, a confusão do mais novo, a profusão de pensamentos de ambos imaginando o que poderia acontecer, o passado em perspectiva, o futuro incerto... Tudo isso numa cena de um menino com a cara no travesseiro e o outro sentado apreensivo ao seu lado, depois ambos deitados. Muito foi dito sem nenhuma palavra. 

Gosto muito de como essa linguagem pode ser usada, especialmente em tempos em que tantas coisas dizem e mostram tanta informação que, na realidade, contém pouco ou nada de significado. Apenas uns poucos gestos, um olhar, um toque, já diz muito nos dá toda uma constelação de significados, e observar isso atentamente é um grande enriquecimento pra forma como vemos, nos expressamos e interpretamos. Elas vão, como ensina o professor Olavo de Carvalho, "se incorporando para sempre à intimidade da sua paisagem interior." 

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Resenha - More Than Words

Sem dúvidas o melhor comentário sobre essa série foi justamente feito por um dos fansubs que a lançaram aqui no Brasil e que dizia justamente que, apesar do nome "Mais do que palavras" essa obra nos deixava justamente sem palavras e bem, é exatamente isso. E eu nem estava esperando por esse lançamento, comecei a assistir porque apareceu no fansub e só, e ela já capturou nos primeiros episódios. 

Mieko (Fujino Ryoko) é uma estudante colegial desiludida com os homens por causa do seu pai que a abandonou e do namorado violento. Ela começa a história fugindo desse relacionamento e acaba recebendo a ajuda imprevisível de Makio (Aoki Yuzu), um garoto bem popular que estuda na mesma escola que ela. Nasce aí uma amizade e, mais tarde, ao começarem a trabalhar juntos eles conhecem Eiji (Nakagawa Daisuke), um rapaz mais velho que eles e que se apaixona por Makio. Os três se tornam muito próximos e ela decide ver o relacionamento deles crescer, a medida que a relação entre cada um vai mudando pouco a pouco e tomando rumos inesperados. 

Essa série se tornou uma grata surpresa por três motivos principais: o excelente uso da linguagem simbólica, sobre a qual eu vou falar especificamente em outra oportunidade ou isso ficaria muito longo, pela qualidade da história que toma sentidos surpreendentes, e a perspectiva de uma série japonesa com temática gay sendo explorada com mais profundidade. Isso porque nos Bls japoneses geralmente vemos os casais percorrendo o caminho até ficarem juntos, acabando por aí, e em More Than Words nós acompanhamos mais das dificuldades que vêm após meses e anos de relacionamento, e como ele afeta amigos e família. 

Ela segue mais ou menos o formato intimista ao qual estamos acostumados das obras japonesas, a simplicidade é admirável e a composição dos episódios é muito bonita. Como disse, o excelente uso da linguagem simbólica enriquece muito a obra que não precisa de muitas palavras para dizer muita coisa. Os diálogos não são poucos nem nada do tipo, mas eles dividem o espaço com momentos de silêncio e introspecção que enriquecem muito as cenas, seja em mostrar a insegurança dos personagens ou sentimentos até mais complexos, como a melancolia, o ciúmes, o arrependimento, ou tudo isso junto. 

O caminho de cada personagem também é admirável e os três percorrem um caminho distinto, crescendo ao seu modo e sendo obrigado a lidar com problemas cada vez maiores e dilemas e decisões que certamente vão proporcionar uma forte emoção em quem assiste. Isso porque vemos sentimentos mudarem, crescerem e transbordarem. Vemos o trio de protagonistas com personagens bem diferentes, lidarem com as inseguranças, abrirem-se ao amor, as possibilidade, e fecharem-se após decepções. 

Como disse também o rumo surpreendente da história nos coloca frente a decisões deles que questionamos, e como as consequências delas impactam na vida uns dos outros. Também vemos algo que, embora presente como um fantasma, não tinha sido mostrado muito bem nos Bls japoneses que é a relação com a família e como ela lida com a sexualidade dos filhos. Vemos o impacto do preconceito que os pais têm sobre os filhos, forçando-os a tomar certos caminhos e desencadeando outras situações mais e mais complicadas. 

Mais a frente temos a importante adição de Asato (Kanechika Daki) a história, somando ainda mais com seus dramas e inseguranças e se relacionando com o trio de protagonistas. 

Temos então uma série que aborda os sentimentos intensos de descobrimento, aceitação e de como precisamos lidar com as consequências das escolhas, nas nossas vidas e sobre os outros também. Com uma narrativa forte e crua ela nos mostra personagens com várias camadas e personalidades sendo formadas, uns vão se descobrindo mais ao passo que outros se fecham e passam a viver superficialmente sem deixar-se tocar por ninguém. 

Também tem, além de um visual poderoso com o uso de cenas intensas ao mesmo tempo que aparenta uma simplicidade proposital ao retratar o interior conflituoso dos personagens em pequenas, ou não tão pequenas assim, demonstrações externas, e uma trilha sonora sensacional que, em cada episódio, consegue ajudar na construção desse conjunto. 

Nota: 9,5/10 

Obs.: Tô sendo parcial mesmo, seria 10 se não tivessem feito o pobre Makio sofrer tanto. 

domingo, 25 de setembro de 2022

Ciclo e silêncio

Acordei no horário habitual, mas algo no meu corpo estava diferente, e também na minha mente. Não sabia identificar de primeira se era um novo episódio ou apenas cansaço, mas me sentia pesado, mesmo depois de desperto a mente ainda anuviada, como se pedaços de chumbo estivem me puxando pra baixo. Por alguns momentos eu ouvi o canto distante de pássaros e o vento batendo na minha janela, e fechei os olhos tentando buscar forças, e felizmente as encontrei, mas mesmo que consiga me levantar eu ainda sinto tudo pesado, ainda sinto como se meus olhos pesassem e como se algo puxasse meus braços e pernas pra baixo. 

Estava fora de mim no caminho para o trabalho, não vi o tempo passar e entrei e saí do ônibus no automático. Sentado eu fiquei olhando as luzes e deixando a visão passar pelas telas sem me deter em nada. O dia iluminado, no entanto, deixou as pessoas ao meu redor agitadas, talvez pela animação de finalmente dois dias seguidos de sol depois de semanas inteiras nubladas, mas eu estou quieto, pensativo. Pensando no quê exatamente? Não sei dizer bem, ontem assisti uma aula magnífica sobre a desmistificação daquela história sobre os limites da linguagem e a importância de adquirir os meios necessários para expressar nossa experiência com outra consciência, e isso tem reverberado em mim desde então, e tenho pensado nisso mas, embora se trate justamente de falar ao mundo do que vejo no mundo e do significado que isso tem no meu interior, eu estou mais contido no meu universo particular do que realmente prestando atenção ao meu redor. 

Muito isso só seja possível também pelo mundo que me cerca, a bela paisagem da vizinhança no trabalho, as pessoas bonitas que vejo, as séries que assisto e as músicas que escuto. Tudo isso gera a atmosfera que possibilita que, no meu interior, eu medite sobre a beleza que capto no exterior, ainda que não fique o tempo todo pensando nela, mas é nela que se apoia o pensamento que vagueia livremente no mundo das ideias. 

Também observo e fico a pensar em algumas coisas do presente e do futuro. Em como tenho visto pouco a minha mãe esses dias, em como preciso comprar um novo protetor solar e coisas assim e essas aleatoriedades se misturam, pouco a pouco, com coisas mais importantes, como o tema da linguagem de que falei anteriormente. Não só o que digo, e atualmente não tenho dito muita coisa que valha a pena ouvir, senão que me preparo ainda para um dia entender e, se assim me for concedido, dizer a alguém, mas também a minha imagem passa uma mensagem. Há alguns dias eu disse que havia aceitado o meu cabelo ao vento, pois estava simplesmente satisfeito em ir andar na beira do mar e a brisa fria me agradava, mas essa imagem também refletia um interior que, assim como externamente me preocupava mais com o mar do que com o vento, as coisas mais importantes vêm ordenadas antes das mais triviais. 

Não venho me alongando muito em conversas fúteis, small talk, o que não significa que consegui excluir isso completamente dos meus dias, senão que venho tentando dar prioridade cada vez mais as coisas que tenham um real importância pra mim. E, como ainda sou inexperiente, prefiro ficar calado e ouvir os que sabem mais a dizer alguma coisa. Tenho chegado em casa então e me silenciado por algumas horas a ouvir aulas e conversas entre pessoas que discutem assuntos importantes, seja sobre a política do dia, superficial mas ainda importante, como discussões mais profundas como investigações históricas e filosóficas sobre o pensamento do homem contemporâneo. Me lembro então das palavras valiosas do professor:

"Se você não tem nada de valioso para falar, fique quieto. Eu acho que é inteiramente normal pessoas que são amigas que gostam muito uma da outra, ficarem quietas. Essa ansiedade de falar, esse temor do silêncio isso corrompe as pessoas." (Olavo de Carvalho)

E então eu venho ficado mais em silêncio, seja no trabalho onde só preciso falar quando me perguntam algo das obras aqui expostas, seja em casa onde prefiro estudar, ou caminhando à beira do mar onde deixo que o som das águas se quebrando falem mais também ao meu coração, especialmente em dias mais melancólicos como este, onde a depressão pouco a pouco se aproxima da superfície da minha consciência e me deixa assim, um pouco mais frágil e sem contorno. 

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Te dizer

Eu queria só te dizer, de um modo que você pudesse entender, o que é a vida, no caso, a minha vida, depois de conhecer você. Isso porque muita coisa mudou e eu, que era tão soturno e sempre negativo, tinha o contato diário com um sol quente que, com delicadeza, beijava-me a face num bom dia. Como o sol eu sentia aquecer meu coração, sentia dissipar a névoa que me impedia de ver, e muitas vez eu não conseguia ver nada, mas via a você. 

Alegria e dor andam juntas em mim, e também em você, pois assim é a vida, mas de todo modo nós dois temos algo em comum: fazemos do nosso nada, amor. Só amor. Eu com minha pessimista visão de tudo, achando que o universo é hostil e a humanidade é inviável, e é mesmo, e você vendo o pôr do sol e tirando fotos da luz que entra pela janela. Tem algo de otimista nisso, e acho que o sorriso que você consegue dar é tão belo quanto esse sol poente. Na manhã após a noite escura eu sinto e vejo o sol nascer quando, ao me chamar de amor, me deseja bom dia, e ao anoitecer nossa despedida é uma dor mas, como disse Shakespeare, tão doce que eu te diria boa noite até que amanhecesse um novo dia. 

Você também tem seus mistérios, traz aos poucos o silêncio nobre da noite onde escondem-se os amantes, mas a maior parte ainda é a luz que toca a cidadela, deixando apenas alguns poucos becos escurecidos, mas quem não os têm não é mesmo?

Sua companhia me faz feliz, me faz sorrir, corar, me faz palpitar o coração e às vezes me faz também ficar confuso. E eu sei que isso é uma movimentação do sentimento que há em mim, um carinho especial por ti que só poderia ser descrito como o amor, o meu nada que se tornou amor, por ti. Quando digo que te amo, é isso que me vem a mente, essa é uma parte da constelação de significados que meu amor por ti desperta e me faz querer cantar, às vezes te cantar, e que transborda no te amar. 

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Do Homem Estético


"O discernimento estético é parte integrante da cultura espiritual. A música, as artes plásticas, o cinema e o teatro são armas letais usadas na desumanização das massas, e isto menos pelo conteúdo propagandístico explícito (uma exceção) do que pelo simples fato de dissolverem o senso estético das multidões pela exposição repetida ao feio e disforme apresentado como normal."
 (Olavo de Carvalho)

Em contato com diversas formas da beleza se apresentar, inclusive da ausência da própria beleza, eu venho refletindo mais e mais sobre o quanto isso me tem impactado. Da janela do primeiro andar do pavilhão aqui da galeria eu tenho a vista de uma bela casa, no estilo neocolonial catarinense, e muito verde, é uma bela vista. Andando alguns minutos da minha casa eu vou até um trapiche na Baía da Babitonga e lá fico sentado por vários minutos, olhando aquela imensidão cinza do oceano (cinza porque ainda não andei num dia de sol para ver o mar azul). Alguns dos quadros expostos aqui, ou pelo menos nos numerosos catálogos, também possuem uma certa beleza em si, algo de inspirador sai deles também. 

Assim como quando entro na internet e vejo a beleza arrebatadora de um Wonho, e seu corpo gigantesco em contraste com seu rosto de expressão fofa e até quase infantil. A sensualidade aliada a aparência tímida, e de tímido ele não tem nada, mas o sorriso meigo permanece lá, a despeito do apelo sexual que ele provoca em suas apresentações. A beleza dele é inquestionável, assim como tantos outros por aí, me vem a mente nesse momento o Kim Woojin, o First Chalongrat e, bem, a lista segue indefinidamente. 

 Ouvi uma história certa vez, que foi contada com certo desdém, de que uma linda mulher na Grécia antiga estava em julgamento e ela era culpada, e então em defesa dela tiraram-lhe a roupa na frente do júri e então ela foi absolvida porque ela, sendo bela, não poderia fazer o mal porque o belo é bom e dele nada de mal pode vir. Bom, guardadas as devidas proporções e o teor em que a história me foi contada, que era justamente de desmerecer a beleza e coloca-la como uma cobertura para a mentira, sendo então o oposto do que ela realmente é, a beleza é objetiva, embora o caráter individual não esteja necessariamente ligado a ela. O que se segue daí é que justamente por pior que fosse a mulher, e merecedora ou não de condenação por seu crime, ela ainda continuava bela. 

Mesmo então a despeito do seu caráter a beleza continua lá. em algum lugar, porque ela não é simplesmente a aparência do corpo, e mesmo que a mente e até a alma estejam corrompidos a beleza física não está a refletir essa corrupção, senão que reflete a Beleza verdadeira, que está muito acima de qualquer mera corrupção de um ente em particular. O que eu quero dizer é que a beleza é apenas um reflexo, símbolo da beleza verdadeira e imutável, e por isso pode ser encontrada até mesmo numa alma que se corrompeu, e justamente por esse contraste é que constatamos a beleza exterior e a corrupção interior.

E é quase uma heresia da minha parte começar um texto com um trecho do Professor Olavo e depois falar de artistas coreanos e tailandeses sobre beleza, mas acho que, guardadas as devidas proporções, também neles se encontra algo de esteticamente belo que também me inspira a buscar coisas mais belas. Isso porque quando leio algo, sejam das grandes obras da literatura universal como, por exemplo, na Divina Comédia quando aparece um anjo, há algo da beleza desses homens na forma como imagino a criatura divina. Também um mero cantor ou ator pode me ajudar a entender algo dessa beleza transcendente que há na descrição do divino de que faz Dante, e assim as coisas vão seguindo. Na beleza das curvas de seus corpos eu vejo também um pouco da beleza do homem, imagem e semelhança de Deus e, em certa medida, imagem e semelhança da beleza que é Deus. Não estou dizendo que são belos como Deus, mas que há algo da beleza de Deus neles, e que sua beleza apontam para uma beleza que transcende infinitamente a eles mesmos. 

O mesmo já disse tantas vezes sobre músicas, como uma bela sinfonia de Mahler, e sua força esmagadora, ou uma sonata de Beethoven, com aquela intensidade revolucionária de quem faz sair de si aquelas notas como um tratado das ondas que existiam dentro de seu peito, que transbordaram de seu ser assim como o amor de Deus transbordou na criação do homem. O homem também transborda e, quando isso acontece, ele é capaz de escrever uma Nona Sinfonia. Algo do eterno e imutável está presente não nas linhas da partitura, mas no todo daquela obra. Algo também há de belo e eterno mesmo num homem que, sendo belo hoje, pode não o ser mais amanhã. A verdadeira beleza, no entanto, não passa jamais. 

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Asfódelos e o Anjo

Eis que entram na sua morada mais íntima e lhe arrancam da alcova com a delicadeza com que um pugilista acaricia seu adversário, verdadeiro inimigo, a quem deseja a morte eterna. E, roubando-lhe a voz, sopram sobre ti a sua lei com a calma de um tornado que varre a terra e lança aos céus e depois debaixo dos escombros a vontade que antes se escondia embaixo dos lençóis. E embaixo de cinco palmos lhe arrancam o corpo, expondo-o a execração, mas ele já não se abala - ora, está morto!- e morto continua ainda que lhe coloque o garboso terno para dizer ao mundo que os que o criticam não aceitam crítica e, afirmando não haver verdade o obrigam a tomar isso por verdade, e ele só dormia sua morte, expondo agora a podridão da sua carne e o incômodo dos vermes que lhe reviram o túmulo. 

X

Um domingo tranquilo depois de uma semana agitada. Não precisei me virar para fugir do sol, mas aproveitei o dia fresco e um sono revigorante durante a tarde, bem como um breve passeio na baía e alguns momentos reflexivos no trapiche, olhando a água, hoje menos cinza por causa do céu ligeiramente mais iluminado por um sol tímido, e aceitando meus cabelos ao vento sem me importar com a aparência de confusão. Aceitei também com isso a confusão intrínseca da existência, bem como o fundo de ordem onde ela se apoia mas que minha razão e meus sentidos podem se confundir mas que eu sei que está lá em algum lugar. 

Pensei nos longos anos em que fiquei praticamente vegetando em cima de uma cama, saindo em breves e raras ocasiões com os amigos e, depois, nem isso. Eu achei que ia acabar ali, que não ia sair daquele limbo escuro jamais. E, embora eu não esteja feliz e saltitante por aí como um lebrílope, mas conseguir caminhar e ver uma bela paisagem e homens bonitos, acordar cedo e pegar três ônibus até a galeria de arte onde consegui trabalhar me parece agora não um antigo sonho distante, mas algo que, se me dissessem a meio ano atrás, eu jamais acreditaria que seria capaz de algo assim. 

Bom, algumas mudanças já são visíveis, e pode ser que sejam passageiras, como ter de me readaptar com o tempo reduzido para estudar e assistir, e ainda descansar. Essa semana mesmo eu passei bem menos tempo estudando, embora o continue fazendo, e ainda menos tempo escrevendo, mas é apenas sinal de que preciso me esforçar um pouco para continuar mantendo essas áreas numa qualidade aceitável. A começar pelos estudos contanto que a qualidade não caia a quantidade pode ser realocada a medida que eu for adaptando meu corpo a nova rotina. Não deve demorar a começar novos ciclos também e eu vou precisar aprender a administrar os episódios depressivos durante o trabalho. 

São novos tempos, novos ares, mais frescos, em dias nublados, e eu agora tenho uma bela vista para olhar, e vejo que tudo isso é muito bom. 

X

Pensando brevemente em fantasmas distantes que ressurgem da morada dos mortos, com olhos famintos e me fazendo tremer diante de seus olhos frios que tantas e tantas vezes me causaram paralisante temor. Felizmente a existência deles na minha memória é evanescente, como a vida daqueles mortais que iam parar nos Campos Asfódelos, pairando sobre o ser como uma fumaça sem muita substância, mas ainda permanecem lá, em algum lugar, no fundo dos recessos da minha mente e nos pesadelos desconfortáveis sobre a sua indiferença inorgânica quanto a mim. Ficaram no passado, naquela terra distante, mas a sua figura ainda permanece e vai desaparecendo aos poucos...

X

Dew Jirawat me chamou a atenção desde o primeiro episódio de F4 que, por ser um romance que pouco me chamou a atenção eu não dei importância no início mas, foi apenas dada a partida ansiosa e com a temática de clara apelação psicológica para os personagens eu fiquei encantado com esse ator, até então desconhecido senão em uma outra publicação que passava nas redes sociais, um ator que passava, assim como seu personagem, uma energia calma em meio ao caos dos seus amigos, pensando em coisas distantes dali, não sendo violento como os outros e interferindo para ajudar a protagonista indefesa quando necessário, aliás, numa belíssima cena onde ele ativa o alarme de incêndio molhando a sala toda e fazendo os garotos que a incomodavam saírem correndo. 

Desde então tenho dedicado atenção a ele, sempre calmo, algumas vezes com um sorriso discreto no rosto. Mas não parece desinteressado, é apenas na dele, um homem simples, que diverte-se vendo os outros sorrirem. Muito alto, chama a atenção por onde passa e fica incrivelmente elegantes com tons sóbrios, como beges, branco, mais uma vez discreto porém elegante e isso lhe dá seu charme especial. A sensação maior que fica é a da plena tranquilidade que ele transmite, alguém que pode ficar ao seu lado por horas sem conversar e ainda te fazer sentir tranquilo e confortável. 

Vejo ele assim: calmo,calado, com um sorriso simples no rosto, mas presente, e algo nessa atitude dele me deixa a impressão de que ele tem um coração caloroso, como Ren foi com Gorya em F4. Me sinto bem ao ver esse belo anjo pairar por cima das nuvens cinzas dos Campos Asfódelos. É como a imagem do anjo que desperta no homem o temor reverencial mas também o desejo profundo de tornar-se tão divinamente elevado como aquele que parece não ser como nós, mas melhor, e é nesse melhor que eu quero me inspirar.

Não estou dizendo que ele especificamente é o melhor, apenas que seu comportamento e beleza me fazem lembrar da beleza verdadeira e, essa sim, me convida a ser melhor. Ele é instrumento da beleza verdadeira para. 

"Se você não tem nada de valioso para falar, fique quieto. Eu acho que é inteiramente normal pessoas que são amigas, que gostam muito um da outra, ficarem quietas. Essa ansiedade por falar, esse temor pelo silêncio, isto corrompe as pessoas." (Olavo de Carvalho)

domingo, 18 de setembro de 2022

Uma conexão especial

A conexão entre duas pessoas pode ser algo incrivelmente complicado mas, quando é verdadeira, ela muda a vida daqueles envolvidos. Tenho visto isso no desenvolvimento dos personagens de Oh! My Sunshine Night. Sobre Phayu e Rain eu já falei alguns dias atrás mas sobre os protagonistas, Kim e Sun, só agora me surgiu a inspiração. 

Num dos episódios Sun se sente mal uma vez mais, e desmaia no chão, e Kim o socorre imediatamente e, ao tocar seu coração, o traz de volta, simbolicamente com sua voz e com o toque. Pouco depois eles conversam e Kim, tímido e muito reservado a ponto de ser temido por todos, ele se aproxima e pergunta como Sun se sente, e ele que é sempre muito confiante e sincero em lágrimas responde que sente medo, medo de morrer. 

A cena em si já é tocante por isso mas se torna ainda mais bela quando lembrados que eles tiveram um conflituoso começo, com suas personalidades tão distintas. Sun, caloroso como seu nome diz, e Kim tão frio o tempo todo mas, não por maldade, sim por dificuldade em expressar seu coração em chamas. E agora ele se esforça pra se aproximar do outro, quer vê-lo bem e se preocupa com ele em pequenos detalhes, isso já demonstrado desde o primeiro episódio quando ele acende as luzes por onde Sun passa e lhe deseja um silencioso feliz aniversário. Depois ele comprou maçãs e até decidiu cultivar uma macieira, além de ficar ao lado de Sun nas vezes que ele passou mal, uma delas inclusive mantendo distância o bastante pra não invadir o espaço do outro que não quer sentir que os outros tenham pena dele.

Agora foi uma vez mais atencioso, ao perguntar sobre Sun da sua doença e se desculpar quando percebeu que isso envolve muito mais da intimidade do outro. Sun de novo mostrou uma força enorme ao dizer que precisava ficar sozinho por causa de uma superstição dos pais e que estava se sentindo bem, embora fosse solitário. O Fluke, é claro, tem dado um show de atuação desde o início, a cena dele se sentindo esquecido no aniversário foi de partir o coração. Ohm também vem conseguindo demonstrar intensidade em pequenos gestos e mudanças de postura e olhar. 

Agora a ligação deles tem se fortalecido e acompanhar isso vem sendo muito satisfatório, embora o desenvolvimento mais lento tenha incomodado algumas pessoas, pra mim tem sido perfeito, eu gosto de saborear lentamente e, como olhar as estrelas, requer paciência pra olhar e se maravilhar com isso. 

De um início então conflituoso até descansar a cabeça sobre o ombro do outro na praia, foi um grande avanço. Conversarem sinceramente sobre a doença de Sun e expor sua solidão, tudo isso é uma construção bela e sutil de algo que pouco a pouco vai evoluir para uma companhia onde ambos se apoiam, Sun despertando o lado amoroso de Kim que se tornará sua companhia nas noites solitárias. 

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Resenha - Minato's Laundromat

Mais uma produção japonesa que foi feita especialmente pensada para deixar o coração quentinho e proporcionar uma experiência suave sobre dois pontos de vista diferentes de um relacionamento. 

Minato Akira (Kusakawa Takuya, de Cherry Magic) trabalhava num importante escritório em Tóquio mas acabou sofrendo uma crise nervosa, então ele saiu do trabalho e assumiu um pequeno negócio de família (uma lavanderia, daquelas onde colocam a moedinha pra máquina funcionar) numa cidadezinha do litoral, onde pode levar uma vida calma e tranquila,  lá ele conhece Katsuki Shintaro (Nishigaki Sho) um belo jovem que logo desperta o interesse de Minato mas que, por ser um estudante do ensino médio, ele se mantém distante mesmo claramente abalado, no entanto, quando Shin descobre que Minato é gay ele começa a dar em cima do mais velho descaradamente, dando início a uma grande corrida do jovem para fazer o outro aceitar seus sentimentos. 

A série traz então uma perspectiva intimista sobre os personagens, com a pacata cidade e o mar frio do Japão como pano de fundo pra essa história. Minato é facilmente desestabilizado por Shin que sabe bem consegue mexer com o outro que tenta resistir bravamente. O veterano é um exemplo de autocontrole, qualquer outro teria cedido facilmente as investidas de alguém tão bonito e decidido quanto Shin, e isso nos leva ao primeiro ponto dessa resenha: a perspectiva do jovem é a do primeiro amor, e ele quer provar a todo custo que seus sentimentos são reais. Ele é extremamente maduro e seguro de si pra sua idade. Não só entende bem seus sentimentos como é compreensivo com Minato e cuida dele a maior parte do tempo. 

O mais velho se preocupa em não ceder aos seus impulsos toda vez que chega perto do garoto, mas ele é inseguro e não superou totalmente uma antiga paixão da sua época de escola e, agora aos trinta, retorna a sua antiga cidade e precisa aprender a lidar com seus sentimentos, sejam aqueles que tinha na sua juventude quanto os que Shin despertou ao se aproximar dele. 

Acompanhamos então essa dinâmica entre os dois, o mais novo que carrega um sentimento intenso e o outro que se sente confuso se vendo na obrigação de ser responsável mas ao mesmo tempo não conseguindo controlar o que sente, e claramente o garoto conseguiu entrar em seu coração. Shin é simplesmente um sonho e Minato tenta acordar toda vez que olha pra ele. Com leveza e um humor simples os dois personagens vão construindo essa relação, que vai se fortalecendo cada vez mais de ambos os lados. 

O resultado é mais uma série curtinha, leve e muito gostosa de assistir. Não sentimos falta de um desenvolvimento romântico maior, no sentido de mais cenas de beijos ou coisas assim, porque é tudo construído de modo a ser plenamente aceitável desse modo: simples, íntimo e reconfortante. Mesmo assim a série brinca o tempo todo com a tensão que Shin desperta em Minato gerando várias situações engraçadas com um humor também leve e na medida. 

Com atuações boas, já que ambos entregam bem em cenas cômicas e dramáticas, com Shin sendo absolutamente descarado em dar em cima do outro e maduro o bastante pra aceitar quando o outro dá sinais de precisar de espaço ou, ao contrário, quando precisa de um abraço. Minato é o típico personagem com reações exageradas, sejam cômicas ou dramática mas, mesmo assim, não fica caricatural e a personalidade dele se torna então um ponto interessante da série. 

O Japão entrega então mais uma obra na medida exata pra quem procura uma série fofa, romântica e engraçada. Simplesmente excelente!

Nota: 10/10

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Mais uma experiência memorável

Mais um domingo terminando de forma melancólica e, hoje além do clima nublado que já percebi ser quase permanente aqui em Joinville também se deve ao fato de ter passado o dia assistindo uma série que contava sucessivas histórias tristes, embora com os olhos cansados da exposição as telas o dia inteiro eu me sinto pelo menos um pouquinho mais rico com as coisas que vi. Das muitas coisas que vi hoje, mais uma vez me marcou a profundidade do roteiro de 180 Degree Longitude Passes Through Us, que eu inclusive já comentei há alguns dias mas que me obriga a retomar. 

Esse quinto episódio foi construído de forma magnífica e a força das cenas principais me deixaram completamente extasiado com a potência sugestiva de suas palavras. Inn continuou contando a Wang sobre seu passado com seu pai e o início do relacionamento deles com sua mãe, sobre como eles ficaram amigos, como ela se apaixonou por Siam e como ele resolveu se afastar deles. A fala dele carregava tanto sentimento, tanta dor pelo afastamento e pela morte do Siam que era quase tangível, tanto pro Wang que o fitava vidrado quanto pra mim que assistia. Quando ele se entregou as lágrimas e disse que não amava simplesmente o outro, mas que o adorava, admirando-o em todos os aspectos, foi como se ele revivesse ali tudo o que acontecera no passado, e eu imagino como deve ter sido para ele dizer aquelas coisas com Wang ali na sua frente (na série Wang e seu pai são interpretados pelo mesmo ator, Pond Ponlawit).

Mais tarde, com eles na cama, a série conseguiu chegar a um outro patamar. Inn disse que sentia como se Siam estivesse ali com ele, e mais uma vez a expressão corporal e o peso das palavras dele deram a cena um tom poderoso. Wang, por sua vez, disse que não via seu pai no outro, nem sentia que ele estivesse lá fora, mas que ele estava ali com ele mesmo, e então veio algo que deixou claro como ambos se sentiam ali numa cena de simbolismo belíssimo: Wang estende o braço, deixando-o livre para segurar a mão de Inn, que por sua vez toca o coração apertado como se a dor estivesse se manifestando fisicamente. Mais uma vez o símbolo da ponte, onde um deles estende a mão para o outro. No fim, quando ambos adormeceram, as suas mãos estavam finalmente mais próximas, praticamente conectadas, como Wang disse que se sentiu antes de adormecer. 

No dia seguinte Wang conta a Inn uma história de quando estava no internato, e de como ele se aproximou de um garoto lá. Essa foi outra cena forte pra mim porque a forma como ele conta essa história, a raiva em suas palavras e seu olhar ao descrever como era a violência que ele sofria e como seu amigo sofreu depois foi um verdadeiro espetáculo, e depois como ele chorou ao contar como foi doloroso ver o outro sendo machucado, e de como ele o ajudou e isso os aproximou, terminando com o amigo declarando seu amor a ele, e agora Wang já menos exasperado contando essa parte... A cena foi construída de jeito a mostrar uma subida, com Wang aprendendo a se defender, vendo o outro mais fraco sofrer e indo atrás de ajudá-lo e então novamente descendo quando eles se afastaram e cada um seguiu por um caminho distinto. 

Descrevi brevemente essas cenas e esse nem era meu objetivo, mas a minha deficiência expressiva continua e eu não conseguiria falar sobre elas de outro modo. O ponto em questão é como eles conseguem mostram, com tamanha intensidade, os sentimentos que há dentro de cada um. Seja um olhar profundamente triste, misterioso, uma lágrima pesada ou a forma como a mão treme antes de tocar o outro, tudo é construído de forma a montar uma cena que, como disse no início, arrebata quem assiste de um jeito que nos colocamos no lugar dos personagens e aquelas experiências, doloridas e que pouco a pouco vão compondo o quadro da história, vai se compondo também dentro de nós.

Mais uma vez torno a falar do poder que essa arte tem sobre nós, nos fazendo ver o mundo de outro ângulo, aqui trazendo um drama possível, quem nunca passou por medos? Dúvidas profundas que sequer conseguimos expressar em palavras? Quantas vezes nos afastamos porque achamos que seria melhor assim? Quantas dores escondemos e que só revelamos depois de tantos anos porque nem mesmo entendíamos quanto o porquê doíam?

E então vem esse embevecimento, essa estupefação diante da obra, nada diferente do fim da execução de uma grande sinfonia ou de quando terminamos de passar por uma exposição de arte, aquele silêncio de quem espera que todos aqueles estímulos, que todas aquelas imagens se condensem, se decantem na nossa alma antes de conseguirmos voltar a falar. Tenho uma gravação do Claudio Abbado regendo magistralmente a 6° Sinfonia de Mahler, "Trágica", no Lucerne Festival em que ele mesmo fica alguns minutos em absoluto silêncio após o fim da execução da peça e, só então aí, quando ele abre os olhos emocionado e acena para os músicos é que irrompem os aplausos que prosseguem por vários e vários minutos. É desse estupefação, não simples afetação, mas sinal de uma alma que foi transformada pela obra contemplada, é disso que eu estou falando. 

Muito disso também vem do fato de que estamos pouco habituados a experiências de beleza genuína, a apeirokalia de que falavam os gregos, e por isso acabamos assim, tão encantados com esse tipo de coisa, mas é bom, é bom que isso tenha chegado a olhos que normalmente continuariam perdidos e que isso possa despertar um sentido de buscar sempre coisas melhores e que nos elevem cada vez mais. 

Assim também tem sido essa experiência para Wang e Inn, juntos e sozinhos naquela casa no interior, sendo transformados pela experiência de falar e de se deixarem levar por tudo que guardaram por tanto tempo que nem sabiam que ainda estava lá. E então eles compartilham também momentos de silêncio, onde tudo isso reverbera, e mais uma vez os transforma de dentro pra fora, ambos sendo transformados pela experiência de estarem juntos. É belíssimo, simplesmente. 



domingo, 11 de setembro de 2022

Deuses

"Não é permitido aos humanos renegar os deuses!"

Apolo disse imponente e arrogante para o pequeno cavaleiro cujo cosmo se elevava até o infinito em sua frente e que desprezava a sua posição de menosprezar os humanos fracos e, aos seus olhos, insignificantes. 

Acho que já fiz uma reflexão sobre esse trecho do Prólogo do Céu há alguns anos mas, de todo modo, achei que seria interessante falar um pouco sobre isso agora mais uma vez. Isso porque vejo que estamos agora rodeados de deuses que nos obrigam a adorá-los o tempo todo. Escrevia hoje cedo um texto e me deparei com um trecho da República de Platão onde ele falava daqueles que, sem experiência da sabedoria e da virtude, estão sempre em festas e diversões e são levados cada vez mais para baixo, como animais. 

Tal afirmação não poderia ser mais atual, hoje que vivemos no império dos divertimentos e onde as pessoas sequer conseguem imaginar que possa existir algo de melhor. Essas coisas, esses prazeres momentâneos que buscamos sempre com mais e mais afinco ignorando o que há de verdadeiro no mundo são os deuses que somos obrigados a cultuar. 

Seja nos corpos perfeitos ou nas histórias idiotizantes eles estão sempre lá, sempre nos obrigado a olhar para baixo como animais, presos a lama e achando que o cheiro podre que vem dali é tudo que há para sentir, sem permitir que elevemos o olhar para o monte onde se ergue um jardim de flores perfumadas. E não nos é permitidos renegá-los, eles nos destroem se o fazemos, com a solidão acachapante. Mas não importa, se é isso que são os deuses então não precisamos deles, porque nosso coração é capaz de elevar-se acima deles, e quando isso acontece, o que os deuses vão julgar e o que eles vão perdoar? 

Em face da eternidade até esses deuses não passam de poeira, e é em vista e em face dessa eternidade que tudo o que fazemos deve se orientar, nada mais importa. E talvez por isso sejamos tão incompreendidos por aqueles que vivem apenas a emergência do hoje, não que o hoje não tenha nenhuma importância, mas a sua importância vem justamente da sua relação com a eternidade. 

E quantos deuses não continuam nos mantendo de cabeça baixa? Adorando-os pois precisam disso para existir, pois do contrário desapareceriam como areia no vento já que não há razão para existirem senão que serem esse arremedo de algo bom ao homem mas que o afasta do que é verdadeiramente Bom. São as coisas que "seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti" de que fala Santo Agostinho em suas Confissões e é justamente isso que devemos fazer: confessar que por muitas vezes nós nos esquecemos do que importa verdadeiramente e nos deixamos guiar por falsos deuses, tantas vezes sedutores.  

sábado, 10 de setembro de 2022

Começando a caminhar

Chegando agora da minha primeira entrevista de emprego aqui, depois de dois anos parado, e isso me encheu de uma esperança nova. Mas calma, o que um niilista como eu entende por esperança? Acho que a mudança de ares tem me feito bem, assim como ontem fui a praia e pude ver algo diferente do habitual, a saber a imensidão cinza de um mar revolto que me lembrou os olhos ressacados de Capitu em Dom Casmurro, e então também uma experiência simbólica com o infinito e com os limites do conhecimento no apeiron da minha existência. É, um pouco longe eu sei, mas isso tem me dado ânimo, e foi com um certo ânimo, com uma afetação do espírito, que eu peguei o ônibus hoje cedo e me encontrei com algumas pessoas simpáticas.

Claro, otimismo não é meu forte desde que eu descobri que sabia falar, mas mesmo que não passe nessa entrevista, afinal é apenas a primeira aqui, talvez já seja mais um sinal da mudança: eu consegui sair da cama, superei a letargia que me prendeu por tanto tempo, por tantos dias intermináveis naquele quarto, e fui com meus próprios pés até lá. Isso pra mim já trata-se de uma vitória. 

Isso significa também que, a partir de agora, eu preciso me atentar pra não me deixar engolir pela rotina e então me equilibrar para inserir de modo satisfatório os meus estudos e minha formação do imaginário nessa nova fase. O importante agora é inserir em cada momento livre algo que possa acrescentar, não fazendo a divisão do diletante ou beletrista entre arte e entretenimento mas me entretendo com coisas que realmente sirvam a minha formação e assim aprender a olhar cada vez mais pra cima. 

"Logo, os que não têm experiência da sabedoria e da virtude, que estão sempre em festas e diversões semelhantes, são levados, ao que parece, para baixo, e depois, novamente, até à região intermédia, e por aí andam errantes toda a vida, sem jamais ultrapassarem esse limite, erguendo os olhos ou elevando-se até ao verdadeiro alto, nem se encherem do Ser realmente, nem provarem o que é um prazer sólido e puro; mas, olhando sempre para baixo, à maneira dos animais, inclinados para o chão e para a mesa, engordam e acasalam-se, e, devido à cupidez de tal gozo, dilaceram-se e batem uns nos outros com os seus férreos chifres e cascos, matando-se por causa do seu apetite insaciável, porquanto não enchem de alimentos reais a parte real e estanque de si mesmos."
(Platão – A República)

Essas palavras ressoam em mim como inspiração profunda, marcadas em rocha e na carne para guiar o que deve ser o eixo de toda uma vida. E eu sinto que, embora saiba que a rotina vai tentar me engolir como os olhos ressacados de Capitu, se isso estiver marcado como a prioridade única da vida, fazendo desse objetivo a minha tábua de náufrago, posso conseguir, um pouco que seja, me aproximar da Verdade. 

Vou aproveitar esses últimos três dias de calma para tentar reorientar minha mente para me preparar para o impacto que há de vir, e receber essa mudança de braços abertos como uma forma de dignificar minha ação e de me ajudar a formar minha personalidade, já que eu terei contato com novas experiências e isso vai me forçar a amadurecer de algum modo. 

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Resenha - Unforgotten Night

Contém SPOILERS!

Com a proposta de trazer um BL com temática BDSM Unforgotten Night chamou atenção desde o lançamento com o inusitado shipp formado por Ton Saran (Y-Destiny) e Yoon Phusanu (YYY e Y-Destiny), ambos com jeito meigo e aparência delicada, como fariam um projeto onde um dos personagens é descrito como um mafioso bem mais velho? 

A história gira ao redor de Kim (Ton Saran) que, após uma desilusão amorosa com Day (Khopkhet Natkharin), acaba entrando num período de luto pelo fim do relacionamento. Nisso ele acaba conhecendo e indo para a cama com o misterioso Kamol (Yoon Phusanu), que se revela praticante do BDSM, surpreendendo Kim, que mesmo assim aceita a proposta do outro. No dia seguinte, Kim sai assustado consigo mesmo e com o parceiro e Kamol praticamente apaixonado por ter encontrado alguém que finalmente conseguiu satisfazê-lo, e passa a ir atrás de Kim para que eles possam morar juntos. 

A primeira impressão não foi positiva, Yoon parecia não se encaixar no personagem estilo mafioso e os dois não tinham muita química juntos. Acontece que esse desconforto era na verdade pela linguagem utilizada na série, que se aproxima mais do estilo dos tradicionais lakorns do que das séries que estamos acostumados. Pra quem não sabe os lakorns são as novelas tailandesas que trazem uma linguagem própria, como diálogos rápidos, temáticas de disputas em negócios perigosos, um homem protetor com a mocinha (no caso mocinho), algumas partes absurdas (como eles serem atacados por bandidos no meio da noite, matarem todos e irem dormir no mesmo lugar como se nada tivesse acontecido) e outros elementos que você precisa ver para entender, mas o fato é que há uma grande diferença entre um lakorn e uma série teen como os BLs e Unforgotten Night trouxe uma aproximação entre os gêneros. 

Depois desse desconforto inicial a série acabou sendo até bem aceita. A química de Yoon e Ton melhorou e muito, inclusive surgiram rumores na mídia tailandesa que eles estavam num relacionamento também fora das telas (nada confirmado, mas também não negaram), e Ton mostrou um ótimo trabalho nas cenas dramáticas. 

A história evolui conforme Kim vai aceitando esse novo gosto descoberto, bem como o sentimento intenso de Kamol que o leva pra sua casa e faz todos os empregados o tratarem como se já fossem casados (coisa que acontece com frequência nos lakorns). A medida que eles se aproximam Kim vai retirando suas barreiras e aos poucos conhecendo também o lado carinhoso e preocupado de Kamol. Enquanto isso eles precisam lidar com uma ciumenta amiga do mafioso, com os problemas de seus concorrentes e um ex que aparece para causar problemas. 

Temos ainda um pouco de outros dois casais, Day que é ex-funcionário de Kamol e o preocupado Itt (Ice Saranwich) que não quer que ele volte ao meio da máfia e entregaram cenas visualmente lindas. Também temos Khom (Gun Thapanawat) o funcionário mais importante de Kamol e o pequeno e fofíssimo Baiboon (Peat Suchanon), que vai morar na mansão como um favor do chefe a uma de suas funcionárias e que acabam se aproximando. Khom por ser mais velho e se envolver em perigo constantemente evita os sentimentos do mais novo, mas ele eventualmente acaba conquistando o coração do segurança fortão. Day e Itt são um espetáculo visual e a delicadeza de Khom e Baiboon é uma graça.

O roteiro não é lá muito elaborado mas não chega a ser ruim, a experiência é uma série dinâmica, com uma linguagem visual interessante e  personagens que cativam e fazem a gente querer ver mais desenvolvimento deles. Afinal Ton e Yoon formaram um belo casal e conseguiram se firmar nos personagens. Os outros personagens ajudaram a segurar o interesse pela trama. A qualidade das cenas BDSM são questionáveis mas no final das contas isso serviu mais pra chamar atenção do que pra ter um papel realmente importante na história. O que tivemos mesmo foi uma história interessante e envolvente que surpreendeu ao longo da temporada prendendo nossa atenção como um bom lakorn, terminando com aquele gostinho de quero-mais.

Nota: 7,5/10

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

De coisas que os outros ignoram

Mais cedo enquanto passeava pela cidade aproveitando o primeiro dia de sol em duas semanas eu pensava em escrever para ele, porque ele tinha sido especialmente doce e carinhoso comigo e isso havia me tocado, mas então eu deixei passar, um pouco triste porque o sentimento de tê-lo ao meu lado me lembrou de quando eu tinha outros comigo, e como um deles me deixou, trocando-me por outra. E então eu fiquei quieto.

Agora vendo algumas atualizações no Twitter eu vi o trecho de uma live com o Khaotung Thanawat e o First Kanaphan, dois atores que acompanho e gosto muito, e em determinado momento da conversa o Khao disse que se sentia muito agradecido pela sorte de tê-lo conhecido, por ouvi-lo, mesmo cansado e mal-humorado ainda ficava ao seu lado. First, mais emocionado, disse que estava começando a chorar o outro continuo, dizendo que ia continuar fazendo o seu melhor que eles vão ficar juntos não importa o que aconteça porque ele é a pessoa que ele mais ama. 

Bom, isso me desmontou. E eu sei que essa live nem vai ser encontrada em algumas semanas, porque a enxurrada de conteúdo é enorme, mas ainda assim ela mexeu comigo, assim como o show dos OhmNanon que eu comentei algumas semanas atrás. 

Mas ao mesmo tempo em que isso encheu meu coração de calor, como ele fez comigo mais cedo, eu também fiquei triste e temeroso. Porque me machuquei tanto ao ver que a importância na vida de uma das pessoas mais importantes pra mim até hoje que eu tenho medo de permitir que qualquer sentimento forte como aquele surja outra vez. E eu sei que errei por colocar esperança demais e confiança demais, o erro foi mais meu do que dele, que apenas respondeu ao seus instintos, mas ainda assim dói. 

E continua doendo mesmo aqui, do outro lado do país, porque a distância não conseguia amenizar, senão que apenas mascarou, agora se revelando mais uma vez a cicatriz que eu fingi estar fechada. 

Mas ainda assim eu quero que ele saiba o quanto é importante pra mim, que eu o tenho em alta conta e que ele é a pessoa que escolhi mostrar tantos lados meus, e que se não mostrei é porque sabia que de certo modo poderia corrompê-lo, e que por isso ele viu coisas sobre mim que ninguém mais viu, nem mesmo as pessoas que vivem sob o mesmo teto que eu e que ignoram por completo essas coisas. Ele, no entanto, as viu e fala dela constantemente, enquanto tantos outros não conseguem sequer imaginar que elas existem. 

A verdade é que me sinto extremamente grato por ter alguém com quem possa partilhar uma amizade, alguém que queira caminhar comigo e que me veja com bons olhos, como eu também o vejo. Ainda ondem a noite eu dizia que achava tudo sobre ele simplesmente lindo, e é assim que me sinto. Mas eu espero que, como espero que as palavras do Khaotung sejam, isso seja verdade, não que isso dependa só dele ou de mim, mas que se há interferência de forças maiores que elas também possam permitir isso, que seja verdade, que seja sincero, que não seja como antes... Tenho medo, muito medo que a história se repita, e isso piora quando lembro que, de fato, eu e ele não temos muito poder sobre isso, nenhum se pensarmos bem. 

Banhadas estão suas faces, 
corre o pranto a  noite toda.
Daqueles que a amavam,
já ninguém mais a consola.
Dos seus amigos traída, 
são inimigos agora.
(Lamentos de Jeremias)

domingo, 4 de setembro de 2022

Valor

Qual o valor da pessoa humana? O que vale para conseguir atingir um sonho? Acho que são perguntas que, em tempos onde o aborto é considerado um direito enquanto a legítima defesa é um dever do Estado, vêm sido deixadas de lado e que esquecemos completamente que, em tudo que fazemos, lidamos com nossa própria dignidade e a dignidade do outro. 

Estava assistindo a um episódio de War of Y onde o personagem principal fez de tudo pra ser reconhecido no meio do entretenimento: promoveu como um shipp, fez dezenas de participações em eventos, atuou em séries com apelação de mercado e chegou a se prostituir em jantares com empresários importantes na promessa de conseguir um bom papel numa emissora famosa, no final sendo substituído por seu próprio parceiro e por um colega de agência que ele desprezava. Aliás, antes de chegar no ponto mais importante eu queria destacar esse detalhe: a forma como ele tratava com desprezo todo mundo que não poderia ser um degrau pra ele subir na carreira, como os colegas que faziam o casal secundário na série em que ele protagonizava. Ele só dava atenção pra quem pudesse ajudá-lo de alguma forma, sendo grosso com todos os outros. 

Mas o ponto principal é que ele esqueceu o próprio valor no meio do percurso. Sua agente marcava os jantares com homens importantes que, mesmo sendo casados em sua maioria,  se aproveitavam dele e de seu desejo de subir na vida e conseguir destaque. Vale tudo, dormir com colegas, arranjar parceiros sexuais para os agentes, aceitar dinheiro vindo dessas relações... E no meio ele perdeu a própria alma ao perceber que ficou sozinho e que já não sabia mais em quem confiar, já que todos pareciam querer algo dele. 

Uma cena marcante foi do fim desse primeiro arco onde, depois de conseguir um favor, ele pergunta ao cara que o ajudou se ele quer alguma coisa em troca (se referindo a algum favor sexual) e o outro o responde com "você conhece a palavra amizade?" o que foi um choque. Ele sempre esperou que precisaria fazer coisas pra conseguir o que quer que fosse, não imaginava que alguém poderia ajudá-lo porque gostava dele de verdade ou porque era a coisa certa a se fazer. Ele mesmo tentou seduzir esse rapaz para que ele o ajudasse e, ainda que ele tivesse sentimentos pelo veterano, ele o ajudou não por interesse mas porque era o certo a se fazer. 

Ele chegou ao desespero de tentar se matar, sendo salvo por seu parceiro de shipp e amante, mas até então o relacionamento deles era puramente profissional e sexual. No entanto para o outro o sentimento dele era real e ele o salvou porque o amava mesmo. Ele demorou a entender isso porque, depois de tantas tentativas, só conseguia ver a si mesmo como uma moeda de troca. Até sua personalidade se perdeu no personagem que ele fazia, e se surpreendeu quando os fãs disseram que ele ficava ainda mais bonito quando não tentava parecer fofo. Ele vendia sua imagem e ele mesmo já não se enxergava digno de um sentimento verdadeiro. Os amigos e o amante verdadeiros no final o mostraram o contrário disso, que é possível ter uma carreira sem se vender e que é possível encontrar sentimentos verdadeiros até nesse meio, ainda que ele não seja tão famoso quanto deseje ainda consegue ter sua dignidade. 

sábado, 3 de setembro de 2022

Expressão de Impressões

É uma inveja, mesquinha e pequena aviltante do espírito, que se manifestou em mim. Meu semblante se fechou e os outros me perguntaram se aconteceu alguma coisa. Não adiantaria explicar, eles não entenderiam porque é algo que não faz barulho, algo que não é feio, e eles só se importam com coisas assim. Essa minha pequenez é algo que fica quieta e silenciosa na estante, apenas colorindo o ambiente e, eventualmente, a minha imaginação, nada com o que eles se importem. E mesmo assim eu reconheço que é uma baixeza de espírito me importar com coisas assim, tão banais que, embora pudesse minimamente contribuir para alguma coisa, ainda assim não é em si mesma essencial. Mas, o que posso fazer? Pelo menos reconheço que as coisas são assim, e talvez consiga mudá-las, usá-las para me impulsionar ao invés de apenas me deixar em estado de um adágio lamentoso como se fosse minha própria morte, é apenas a morte de mais um sonho, só mais um, e pra alguém que já nem mesmo se importa com a própria vida um sonho que morre não é lá muito importante. 

Daí tirar algumas coisas que me possam servir, como me conformar com os acontecimentos que fogem completamente a minha possibilidade de ação e me abandonar a Providência. Visto por esse ângulo o que posso fazer é apenas me lamentar em certa medida quando algo morre, como aconteceu, mas seguir em frente e me deixar levar por essas águas incertas porém infinitamente mais poderosas que eu. De nada adianta não me conformar a elas. 

X

Esse é o primeiro ciclo desde que cheguei aqui. Amanheci bem desanimado e agora a tarde vi todas as minhas forças minguarem, o resultado já é conhecido: voltei para a cama de onde não quero sair. Apenas quero ficar quietinho, em silêncio e, se fosse possível, abraçado a alguém, sentindo o seu cheiro com a cabeça apoiada em suas costas. Apenas isso. 

Junto ao desânimo vem aquele ímpeto luxurioso do qual se ocupam os corpos menos versados nas grandezas da potencialidade da alma. Uma vez mais me vejo baixo, minha alma sem paz, sem lar, sem moradas, isto é, no deserto do pecado e da morte, cego pela escuridão da minha vontade. Aqueles espíritos que a minh'alma perseguem agarram-na sufocada. E então eu me revirando-me como prisioneiro chafurdando numa cela imunda, a cela do pensamento, e de um lado a outro não encontro senão a frieza do chão e o cheiro podre da lama e de toda sujeira. 

Palavras bonitas pra dizer que o meu desânimo depressivo vem acompanhado de um tesão inexplicável. Como se eu tivesse forças pra sair da cama e fazer alguma coisa, se o tivesse eu certamente poderia protagonizar uma daquelas cenas pornográficas com uma dezena de homens, mas não se preocupe, embora minha mente se avilte com essas imagens o meu corpo sequer consegue erguer-se, então tudo o que eu posso fazer é esperar que passem ambos, o desânimo e esse impulso desenfreado. 

Corre o pranto a noite toda, e o corpo age como se quisesse banhar-se no leite de inúmeros amantes. Estou me contorcendo de desejo, as extremidade quentes e a carne quase se desfazendo em calor infernal. Ironicamente o mesmo corpo que deseja pela posse desses amantes com violência não se levanta para dar um passo sequer. Eu poderia me deitar com uma dúzia de homens e ser usado como uma prostituta barata e ainda sentiria desejo de mais e mais, queria poder me acabar de êxtase sexual até cair sem mais forças, suado e ofegante. Perdoe se minhas palavras soam baixas mas eu não vejo motivos para poetizar impulsos tão baixos assim, apenas quero descrever o que sopram os demônios em meus ouvidos quando a eles fico assim tão submetido nessa noite escura. Ou será que essa é minha natureza falando e nada tem a ver os demônios que também têm nojo eles mesmos desse pecado sodomita? 

Seja sob a risada afetadas dos seres caídos ou do seu zumbido de nojo eu estou me contorcendo de desejo, gemendo e prostrado, apenas um animal vítima de sua vontade.

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Por isso digo que isso é apenas um impulso da parte mais baixa da alma, potências que ainda não se desenvolveram além de instintos animalescos. Eu não sou assim, ou melhor, eu não sou apenas isso, senão que isso é justamente a parte mais baixa e menos influente de mim. Passo por ela sem desviar o olhar como quem passa ignorando uma pedra pelo caminho, desviando-se dela sem precisar para isso despedaçá-la, basta que a deixe para trás. 

E foi o que eu fiz, uma volta na baía, olhar um pouco o mar que hoje estava calmo e quase não ventava, me ajudou. Fiquei olhando o céu nublado, acho que a noite deve chover pesadamente, e espero que a água que caia dos céus possa lavar esse desânimo que se infiltrou pelas fibras do meu corpo, e que apague também as chamas luxuriantes do meu sangue.

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É assustador, no entanto, notar a imensa diferença que há em mim quando comparado com a formosura que o céu ostenta, em uma música meditando o mistério da Encarnação de Cristo eu me senti esmagado pela imensa beleza que Ele trouxe ao mundo, seja como Verbo fulgor paterno por quem fez tudo Deus Pais Eterno, seja Homem. Ó que lindeza que eu jamais poderei copiar, apenas se pudesse contemplar sem anuviá-la com minha turva visão já seria muito mais do que mereço. 

E toda a música divina, que a musa e a lira vão decantando com exímia maestria, seus fulgores vão se revelando e como fogo vão pouco a pouco me purificando. Até a formosura que há nas bochechas rosadas desse Menino, flor de um só dia que é Deu Eterno (quem o diria?), me constrange e me coloca em posição de apenas me deslumbrar dessa beleza e de me envergonhar com toda a vergonha que há em meu ser, gemendo sob o peso dos meus pecados sem ousar levantar os olhos. 

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Arte, entretenimento e formação do imaginário

Não é incomum que a gente se sinta engolido pela enorme onda de conteúdos inúteis que a internet nos oferece, que parecem, e muitas vezes são, feitos para que a gente não consiga entender mais nada. E é aqui que a diferença entre arte e entretenimento se faz ainda mais forte. É preciso que o homem de estudos, a pessoa seriamente comprometida com sua educação, se afaste do mero entretenimento e se comprometa com a arte que é capaz de moldar o seu imaginário. 

É através da transformação do imaginário que conseguiremos encontrar aquelas referências espalhadas pelo mundo que possam nos ajudar a interpretar a própria realidade. Tendo uma vida apenas podemos viver pela arte centenas de experiências que jamais viveríamos e assim ir adquirindo a experiência que teríamos se as tivéssemos na nossa própria vida. Uma história de grandes valores, uma música ou uma bela peça acrescenta ao nosso imaginário o que nos falta nas situações cotidianas, e vamos absorvendo isso e nos tornando maiores e melhores. É conhecendo os grandes exemplos de bondade, de arrependimento, de misericórdia e sacrifício que nos aproximamos do bem e que aprendemos a reconhecê-lo quando ele se apresenta a nós no vizinho ou naquela senhorinha que conhecemos na fila do mercado. Da mesma forma ao conhecer a mentira, a maldade, aprendemos a reconhecer e fugir desses elementos quando, em nós mesmos, a falsidade se apresenta como mais satisfatória que a verdade. No fim, voltamos as imagens da Divina Comédia que cristalizam o destino final dessas perspectivas tão díspares e, fazendo o caminho contrário, usando os parâmetros de Dante, vamos avaliando melhor o que vale a pena. 

Por vezes também nos sentimos paralisados quando vemos alguém que sabe mais do que a gente, ou que pelos menos sabe como mostrar saber mais, e isso nos choca e não nos impele a ir adiante. A verdade, quando se apresenta na forma humilde do sábio que reconhece os limites da sua consciência mas que sabe que é justamente reconhecer esses limites que o faz sábio, nos faz querer imitá-lo, é a virtude que se apresenta a nós e nos conquista por, sendo ela um reflexo do que é bom, é desejável em si mesma. Isso quer dizer que quando nos deparamos com alguém que sabe mais do que nós devemos nos encantar com isso e ter a humildade de começar o esforço necessário para também aprender, não para demonstrar saber, mas porque o contato com a Verdade é o que transforma e dá sentido a vida. Isso é crescer. 

Insisto sempre na tecla da boa arte, da alta cultura, de ouvir boas músicas, bons filmes, bons livros, não que os produtos do entretenimento devam ser excluídos de todo de nossa vida, pelo contrário, sem eles não teríamos como comparar o tamanho das grandes obras, mas dessas forma, vendo a ambos temos um panorama completo da coisa, melhoramos nosso esquema de percepção da realidade, nosso senso das proporções. Uma série BL pode me tocar, fazer chorar e até refletir sobre alguns aspectos da minha vida. Pode até me dar uma reflexão maior sobre coisas objetivamente boas, como a bondade de Tofu em The Miracle of Teddy Bear, e isso é arte, mas não o é no mesmo sentido e potência que a toda a concepção cosmológica cristã transposta nas páginas de Tolkien, ao mesmo tempo que não se pode dizer o mesmo da riqueza imagética de Harry Potter mas com uma mensagem pobre e confusa de quem não sabia o que estava dizendo. Uma música do Jeff Satur pode me emocionar e eu canto com frequência, mas não é o mesmo que uma sinfonia de Tchaikovsky que me faz escrever páginas e páginas sobre como aquilo tem impacto na minha experiência humana e como enriquece os meus símbolos. Uma música litúrgica moderna que canto na missa pode me ajudar a rezar mas não tanto quanto um canto gregoriano ou um hino que através de séculos conduziu reflexões e mais reflexões. Mas tudo é válido desde que se dê a devida proporção. Posso cantar um salmo no arranjo da CNBB enquanto limpo a casa e posso cantar gregoriano na missa ou ouvir enquanto rezo. 

O entretenimento pode servir em alguns momentos, mas apenas como isso, entretenimento. A verdadeira arte pode ser entretenimento, e isso eu vejo naqueles que enchem a boca pra dizer que ouvem Beethoven e Vivaldi pra estudar, não confundam as coisas. O beletrista pode usar a arte como mero entretenimento sem aproveitar nada do que ela oferece, apenas como um pano de fundo para as suas reais preocupações. A arte quando apreciada de verdade nos oferece novas possibilidade de linguagem e nos permitem e ler e dizer o mundo de diversas formas. Aquela experiência da Sinfonia Trágica de Mahler jamais poderia ser colocada em palavras, e eu escrevi páginas e páginas sobre ela pra perceber isso, mas ela me oferece a possibilidade de dizer, em palavras (por ser o recurso artístico que uso) outras coisas que se aproximam dela, a minha própria experiência real.

Claro, até mesmo ao diletante a arte de verdade traz benefícios mesmo pra quem a consome apenas como entretenimento. A paciência por exemplo é um aspecto que eu percebo ser melhorado com a música clássica. As pessoas hoje não têm mais paciência pra ouvir uma música de três minutos, mesmo que não esteja atento a todas as nuances da peça alguém habituado a ouvir Wagner ou Bach consegue superar essa dificuldade inicial, ainda que ignore todo o oceano simbólico que há por trás daquilo. 

Mas o que eu quero dizer é: comece, e comece logo! Por uma página, uma música, um filme... E a arte sendo reflexo da verdade vai fazer o resto do trabalho de te conduzir pela mão até a luz. Assim como Deus pede apenas nossa adesão de coração a Verdade (que é o próprio Deus) pede apenas nossa abertura também dos sentidos para que Ele possa entrar e operar a purificação que mais tarde se dará na purificação do espírito. Depois disso, e não muito tempo depois, teremos uma visão diferente do mundo ao nosso redor. O mar se torna um símbolo do infinito, daquela pequena porção de luz boiando no oceano desconhecido, o àpeiron

Se é difícil entender essas coisas de primeira, é complicado começar ouvindo a Paixão segundo S. Mateus do Bach, em quase três horas de execução em alemão, mas podemos começar com um filme mais famoso, onde um professor fez dele uma boa análise dos seus problemas e pontos altos, do simbolismo envolto nas suas cenas. O Prof. Guilherme Freire tem boas análises de filmes como Star Wars, Interestellar, o Princesa Mononoke do Studhio Ghibli, filmes acessíveis onde ele mostra como podemos extrair deles coisas boas que geram reflexões válidas. A plataforma da Brasil Paralelo igualmente no trabalho de trazer bons conteúdos. Mas o importante é começar, não se deixar engolir pela massa que vem sendo lançada diante de nós e enxergar isso apenas como um sintoma da falta de contato com o belo verdadeiro. Um modelo é belo, e eu me encanto com isso, mas não é belo no mesmo sentido que a Capela Sistina ou a Catedral da Sagrada Família. O primeiro me faz pensar no homem belo, no homem que é bom, mas o segundo me faz pensar no homem que é capaz de tocar o transcendente. Não há como questionar a diferença de proporções. 

Por isso faz-se urgente o resgate da alta cultura, mas ao mesmo tempo com o conselho de Goethe "é urgente ter paciência" porque essa formação do imaginário leva tempo, mas precisa começar em algum ponto e, após ter lido muitos livros e entendido um único livro, estamos prontos pra começar a encher nosso imaginário com o melhor que já se produziu. 

Todo esse trabalho de formação do imaginário culmina numa coisa: na condensação das ideias mais importantes, as ideias dos náufragos de Ortega y Gasset, e com elas é que vamos nos apresentar diante de Deus e o que apresentaremos a ele? Que nos comprometemos com a sua Verdade nas mais diversas formas ou que nos perdemos com a mentira e a falsidade disseminada diante de nós?

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Aluno: É normal nos nossos estudos sentirmos ansiedade e até certo pânico quando começamos a perceber a farsa que é o mundo?

Olavo: Perceber isso é parte fundamental da sua educação, porque como dizia Platão: "Filosofar é aprender a morrer". Tudo que estamos fazendo na vida é aprender o que devemos fazer na hora da morte, e ter uma idéia do que se passa conosco na hora da morte. E a primeira coisa é o confronto com a falsidade do mundo. Você está pulando da falsidade para a realidade, porque neste mundo tudo é absolutamente parcial e transitório.

Você conhece tudo só por partes, e essas partes estão continuamente passando e sendo trocadas por outras. Todo nosso conhecimento é deficiente porque o mundo que conhecemos é deficiente. Um conhecimento perfeito só é possível num mundo perfeito, estável, onde as coisas não o enganam, onde elas são o que são de modo permanente. Isso seria o paraíso, e o inferno também. É para isso que estamos nos preparando. Se não é para isso, para o que é então? Para arrumar um empreguinho?

(Olavo de Carvalho, COF, Aula 517)

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Há também o perigo de cairmos no moralismo como consequência de uma falta de conhecimento da verdadeira religiosidade. Acontece que a moral é apenas uma parte que dita melhores formas de viver nesse mundo de modo a evitar consequências que podem nos atrapalhar de algum modo caso as ignoremos a passemos a agir de qualquer jeito. A religião nos liga com um outro mundo maior e mais elevado do que este, portanto mais real do que este porque o contém e o abarca na esfera da eternidade o que vivemos aqui numa temporalidade e numa transitoriedade ínfima se comparada com a eternidade. 

Kant acabou por colocar a moral na base da religião, invertendo completamente a ordem das coisas, e isso foi comprado pelos protestantes e se espalhou por todo mundo ocidental, entrando também na Igreja Católica e reduzindo-a a mera conferente da moral alheia (ou pelo menos é assim que as pessoas a vêm, sendo que isso em nada maculou o verdadeiro papel da Igreja de corpo místico de Cristo). Mas isso fez com que as pessoas, esquecendo ou nem mesmo conhecendo as bases da religião se fiassem somente no aspecto moral da coisa, daí a atenção enorme que se dá aos pecados sexuais como se esses fossem o mais alto grau de imperfeição que um homem pode alcançar. Graças a Kant e outros nomes as pessoas passaram a pensar nesse mundo terrestre antes do outro e, pior ainda, a pensar que só este mundo existe. 

A verdade é que os pecados sexuais, sendo imediatamente perceptíveis mascaram defeitos mais profundos que só a perspectiva com a realidade pode revelar. Se comparado com o código moral os pecados sexuais saltam aos olhos, mas escondem uma multidão de pecados infinitamente maiores que possuem efeitos devastadores na alma. Também isso é algo que se corrige com a formação de um imaginário capaz de reconhecer a proporção das nossas ações. 

Um garoto que entra no banheiro pra bater uma punheta comete o mesmo pecado que alguém que vive como se sua alma não fosse eterna e como se Deus não existisse? Alguém que não enxerga nada de transcendente ao seu redor e que por isso se condena por não conter um impulso qualquer quando, na verdade, em toda sua vida, seus impulsos estão desregrados porque ele não imagina que sua alma possui potencias mais elevadas? 

Veja bem, eu não estou relativizando o pecado e dizendo que não tem problema nenhum nele, mas estou dizendo é que esse tipo de pecado não é, em si mesmo, a causa da miséria humana, mas é um sintoma dessa miséria. Não adianta querer fugir deles especificamente e continuar num universo onde apenas a miséria impera, mas, conseguindo recorrer a reinos superiores, compreender a miséria e fugir dela colocando esses pecados em seu devido lugar a superando-os facilmente, ao ordenar a mente e a alma, que os rejeitará de pronto ao ver que eles em nada acrescentam a busca pela Verdade.

Daí a necessidade de refugiar a mente num imaginário que nos ajude a colocar as coisas em suas devidas proporções e, a partir daí, ler a realidade de um ponto de vista mais abrangente e não de uma perspectiva fechada em si mesma que coloca um pecado sexual qualquer, que pode ser apenas um desvio da vontade sendo antes um sintoma do que uma causa desse desvio, como sendo pior do que o de ignorar a existência do próprio Deus e a nossa alma imortal. O imaginário forma a lente e o foco com que enxergamos a realidade, quanto menor menos enxergamos e mais cegos ficamos aos verdadeiros perigos que se se disfarçam e são, como nos alerta São Paulo, forças espirituais do mal espalhadas pelos ares. 

Formemos o imaginário deixando-nos levar pela Verdade contida na Arte verdadeira, que ela nos puxe pela mão e nos mostre a Beleza ali contida. Sem pressa ou desespero, mas na paz que ela é capaz de proporcionar ao nos revelar a imensidão que há na eternidade e que nos espera.