sábado, 30 de maio de 2020

Resenha - My Engineer

O amor e a fofura, estão no ar! Depois de muitos perrengues na produção My Engineer finalmente saiu e, para alegria dos fãs, chegou tímida mas conseguiu ser super aclamada. Em tempos de coronavírus que um dos únicos divertimentos do blzeiro médio é surtar por macho se pegando na internet, essa série chegou para nos trazer sorrisos e suspiros em todos os episódios. 

Já tem pelo menos uns 2 anos que anunciaram a produção de, mais, um bl com temática universitária que se passaria na faculdade de engenharia, baseado numa novel famosa, e como todo bom clichê é bom justamente por ser um clichê a gente já ficou animado. Os meses se passaram e anunciaram o elenco, parecia que a coisa ia sair logo do papel. Pouco tempo depois tivemos a notícia que estavam atras de um novo elenco. Os fãs ficaram preocupados, o trauma de quem até hoje espera Soulmates The Series (que já virou lenda). Vários meses mais tarde anunciaram os novos nomes, com fotos e perfis e a história morreu de novo, quando finalmente anunciaram o que viria a ser o elenco oficial, e a notícia de que a produção tinha começado, mais uma vez, e que dessa vez a coisa saía. 

Corações já maltratados a série começou sem muita visibilidade, e foram feitas muitas campanhas de divulgação nas redes sociais. A produção anunciou desde o início que, sendo uma novel bem grande, teriam bastante trabalho para adaptar em várias temporadas, então todo mundo já quis garantir o pão para vários anos. Com um elenco quase todo desconhecido eles foram ganhando nosso coração com muita sutileza e uma história pra lá de adorável. 
Bohn é um veterano bonitão de engenharia que acaba encontrando um calouro fofo de medicina, Duen, dormindo no parque. Com medo de que o garoto fosse atacado por um lagarto (aparentemente comuns em parques na Tailândia) ele se aproxima do rapaz para acordá-lo, mas ele se assusta e acaba batendo no veterano que estava participando de uma sessão de fotos e agora não podia mais voltar com a cara amassada. Para fazer o calouro pagar ele o obriga a levar flores para Bohn todas as manhãs durante um mês, sem perceber que, na verdade, só estava garantindo uma forma de ver o novato de novo, e poder continuar implicando com ele. Nessa brincadeira de gato e rato, porque os dois vivem brigando, nós conhecemos também os amigos de ambos, da faculdade de engenharia e medicina, e outros casais vão surgindo. 
O protagonista, Bohn, veterano da engenharia, é brigão, mandão, resmungão e implicante. Adora perturbar Duen porque acha que ele fica fofo chateado. Ele é o típico adolescente emocionado, que já quer logo mudar o status de relacionamento do Facebook e morar junto com o namorado depois de duas semanas, sem nem terem começado a namorar ainda. Bohn é interpretado pelo Cooper Patpasit, que conhecemos por ter feito o Golf de My Bromance - The Series, e dividiu a opinião dos fãs em seu personagem, muita gente achando ele um cara muito ciumento que precisa de umas boas sessões de terapia, já que passou mais da metade da série correndo atrás do Duen para perturbar o menino e fazer ele se apaixonar. 
Duen, por outro lado, é a coisa mais fofa do mundo, com todo mundo menos com o Bohn, que ele odeia. Ele é o tipo de personagem que faz a gente se apaixonar pelo sorriso e pela timidez. Estudante de medicina, ele agora tem que levar flores para o veterano da engenharia, do outro lado do campus, todo dia, só pra se desculpar por ter interrompido a sessão de fotos do gatão. Duen perde a paciência com Bohn rapidinho, mas não consegue fugir dele por muito tempo. É interpretado pelo fofíssimo Poy Kritsanapong. 

Entre os amigos de Bohn nós temos King (Lay Talay, que está no ar também ao mesmo tempo como protagonista de YYY, e deveria ganhar o Prêmio de cabelo mais bem cuidado da Tailândia, segundo pesquisas feitas pela revista Eu) que é apaixonado por plantas e morre de medo de cachorros. O apartamento dele parece uma verdadeira floresta e o passatempo dele é conversar com todas as suas plantinhas, além de montar terrários e outras coisas relativas as plantas. Ele acaba se aproximando de Ram, amigo de Duen,  e eventualmente vendo um sentimento nascer entre eles, depois de o encontrar um dia andando pelo campus, em que se viu com medo de um dos cães que o calouro de medicina cuida. Os dois se tornam bons amigos, se apoiando em momentos difíceis e cuidando um do outro sempre.
Ram é um amigo próximo de Duen, um cara sério e calado, mas que se preocupa muito com os outros. Ele é tão caladão que passa vários episódios se comunicando com King só por mensagens, mesmo estando cara a cara com ele, ou acenando com a cabeça. Tanto que o veterano apelida ele de Cara Frio, ou Garoto Distante (ou outra coisa porque eu vi que cada fansub colocou um trem diferente). Mesmo sendo sério e um pouco frio mesmo, ele acaba se aproximando também de King, que o entende mesmo sem precisar dizer nenhuma palava. Ele é interpretado pelo Perth Nakhun, que é metade tailandês e metade australiano, e que adora falar em inglês com os fãs internacionais, além de estudar japonês nas horas vagas. 

Outros dois amigos de Bohn são Boss e Mek (Inntouch Naphat e Ryan Peng). Os dois se conheceram quando ainda eram calouros e um veterano acabou colocando neles os apelidos de Esposa Boba e Marido Mudo num daqueles eventos de calouros da faculdade, porque Boss era todo exagerado e extrovertido, enquanto Mek era mais calado e tímido. Como resultado eles passaram a se tratar como se fossem um casal desde então, mesmo sendo só amigos. Acontece que Mek na verdade é apaixonado pelo amigo, que está mais interessado em Fon, uma aspirante a idol, e em todas as outras garotas do mundo. 
Esse casal teve um probleminha na pós-produção. Ninguém entendeu direito o motivo de os dois parecerem um casal na série se na divulgação Boss fazia par com Fon. Mas o lance foi que rolou uma treta entre Ryan, que é chinês, e a produção. Ryan não domina bem o idioma e por isso seu personagem acabou sendo dublado na série, e ele não participou dos eventos de divulgação com o elenco pois a empresa o acusou de ter atrapalhado as gravações e que por isso romperam o contrato com ele, que agora processa a produtora. Ninguém entendeu, no entanto, por qual razão selecionaram um ator que não falava direito o idioma só pra terem o trabalho de dublar ele mais tarde. Já na treta com a produção ninguém sabe direito quem ta certo, mas os fãs foram atrás de ouvir a versão do ator, que agora faz algumas lives, contando um pouquinho da convivência com os meninos, especialmente com Inntouch, seu par. 
O último casal é Frong e Thara. Frong (Shane Nutchapol) é um arrogante veterano de administração, e rival de Bohn no concurso de Luas do campus. Ele acaba gostando de Duen, num primeiro momento, e até chama o calouro pra sair, o que deixa Bohn irado quando ele descobre. Ele conhece o Dr. Thara (MD Nutthapong) quando precisa ir ao hospital depois de bater a cabeça. No começo ele implica com o estudante de medicina que, segundo ele, ainda não é médico de verdade, mas passa a respeitá-lo quando descobre que ele ajuda na equipe de tratamento de sua mãe, nascendo ai uma amizade baseada no carinho de Thara por seus pacientes e da vida conturbada de Frong. 

O maior ponto positivo dessa série é que ela foi a única, que eu me lembre, que desenvolveu bem todos os seus casais. Todos. Claro, nem todos terminaram juntos porque é clara a intenção da produção de fazer uma segunda temporada. E alguns casais precisavam de mais tempo para se entenderem, visto que suas histórias são mais complexas, mas os fãs sentiram bem esse carinho em mostrar todos sem correr com a história de ninguém, mostrando que cada um tem o seu tempo e que as pessoas têm formas diferentes de encontrar o amor. Isso foi muito legal. 

Por não ser uma produção muito cara, e que já tinha gastado muito com as outras iniciativas que não deram certo, algumas coisas não saíram tão bem. Alguns erros de continuidade aqui e ali, furos de roteiro e tal, mas nada que incomode. A fotografia também não é a mais perfeita, embora seja muito bonita em alguns momentos. 

Eles souberam compensar isso com o roteiro que sempre tende pro alívio cômico quando as coisas ficam sérias demais. Temos um elenco cheio de personagens caricatos e piadas bobas o tempo todo, o que deixa uma aura leve e muito gostosa de acompanhar, principalmente na época em que estamos, tão tensos com tudo que tem rolado fora das telas no mundo todo. 

A trilha sonora é uma fofura, e tanto a abertura quanto a faixa de climax dos casais fica na cabeça e super valem a pena de serem ouvidas. 

Temos então uma verdadeira obra de arte: My Engineer é obrigatória pra quem precisa relaxar um pouco nessa pandemia e é a pedida certa pra quem gosta de casais fofos, boas risadas e um clichê romântico daqueles que nós amamos. 

10/10

E, como não poderia ser diferente, a melhor notícia de todas:

Cenário

Sabe, eu queria poder escrever coisas bonitas e que emocionam... Mas acho que fiquei tempo demais reclamando da vida e me detendo nas coisas ruins que aconteciam, que me esqueci como é que se fala de algo bom. 

Eu tento imaginar então o que seria um bom cenário, onde pudesse me colocar e, assim, conseguir dar um start nas palavras sobre as coisas boas da vida. 

Penso então nas belas paisagens daquele filme, do céu claro e brilhante, das folhas verdinhas salpicadas de orvalho, do piano melódico e a voz doce cantando sobre as faíscas do céu estrelado... Acho que estou apaixonado por essa vista. Um lago límpido refletindo a luz do sol, as pedras grandes ao seu redor formando uma moldura natural e rústica de uma beleza ímpar. A tarde se vai, a noite cai, e o céu é pintado de um laranja, depois um rosa que aos poucos vira um roxo e, finalmente, um belo azul com miríades de estrelinhas a apinharem aquele belo quadro. Algumas nuvens, mas as luzes são o que mais chamam a atenção. 

Acho que essa imagem é bela o suficiente para me inspirar mas, tem algo ainda mais belo. 

Eu penso então no que me levou a dizer o que estou dizendo. A inspiração que é ter alguém como você. Mesmo que não perceba, ou talvez perceba porque eu não me canso de dizer, você me inspira sempre a ser melhor. 

Divirto-me muito vendo o quanto você parece ter confiança no que eu sei e o quanto acredita que não há limites para o que eu possa fazer. 

Eu nunca disse isso mas, quando tudo está escuro e, de repente uma luz se acende dentro de mim, é o seu sorriso que faz ela brilhar. Mesmo que em seus olhos eu veja a dor e a tristeza que muitas vezes você não consegue partilhar, ainda assim eles brilham. É como um brilhante cometa a cortar o céu escuro com sua cauda de luz a resplandecer. 

E as coisas são assim, quando eu começo a caminhar rumo a escuridão, você me puxa de volta, e eu nem sempre expresso, ou consigo, o quanto sou grato por isso. Você chegou, do nada, e foi ficando e ficando, e de pouquinho em pouquinho conquistando espaço, e você conquistou. Agora está aqui, dentro, no seu lugarzinho especial em meu coração. 

Aqui as coisas não são mais tão escuras assim. Mesmo que eu passe pelas sombras frias as vezes, de alguma grande árvore ou monte, eu ainda consigo ver a luz, de onde estou, e já não me sinto mais perdido como antes. As coisas agora são assim, e eu só posso dizer obrigadinho!

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Sem motivos

Perdido. Ainda que as dores da doença tenham diminuído já há varias horas eu ainda sinto o corpo reclamar. Me sinto desconfortável, não importa o que quer que eu faça. Não tenho apetite, disposição absolutamente nenhuma. 

Tenho sonho. Aliás, tenho dormido nas aulas, e quase o dia todo. Não tenho conseguido me concentrar, e tenho estado irritado. Com todos. A fadiga tem se feito presente, e tem subido um hálito parecido com o de um cardíaco. Tenho sentido repugnância, só de imaginar sair desse quarto e conversar com outras pessoas. 

A mentalidade do outro me causa asco, minha própria casa me causa asco. Tenho estado descontente com tudo. Prefiro ficar deitado aqui sozinho a sair e ser obrigado a conter o enjoo que me sobe a garganta em ter de conviver com outro. Todo barulho me incomoda, toda risada, todo choro, toda conversa sem propósito. A raiva ferve no meu peito. 

É como se estivesse cheio de uma erva daninha, que tomou meu coração, e que se espalhou por todo meu ser, cravando suas raízes bem fundo em mim, transformando meu sangue na sua seiva venenosa. Ela se alimentou de mim, e devorou tudo. Levou até mesmo a minha libido, deixando apenas uma casca vazia e incômoda. 

Não sei dizer dos motivos que me levam a estar assim, mas nada está legal... Só o que sinto é um grande incômodo que, partindo de dentro, torna tudo ao meu redor cinza e frio. É como se eu continuasse caindo, lentamente sendo levado para as profundidade de um abismo de gelo, e aqui todo meu corpo se paralisa, e eu sequer consigo respirar ou gritar. 

sábado, 23 de maio de 2020

Resenha - 2gether: The Series

Tine é um estudante e líder de torcida muito bonito e popular, enquanto Sarawat é um discreto membro do clube de música que fica famoso depois de substituir o guitarrista de uma banda numa apresentação no campus da faculdade. Quando as aulas começaram Green resolveu se declarar para Tine e começou a segui-lo em todos os lugares. Com isso Tine resolve pedir para Sarawat fingir ser seu namorado para afastar Green. É aí que as coisas começam a fluir, e eles começam a se perguntar: pode uma armação evoluir para algo mais? Existe amor a primeira vista? 

2gether foi a aposta BL da GMM TV pra esse primeiro semestre de 2020 e a série disparou na frente de várias produções, despertando críticas positivas e negativas e, claro, muitos comentários. O elenco principal contava com várias carinhas conhecidas mas os dois protagonistas surpreenderam por serem desconhecidos. 

Win Metawin interpreta Tine, o mulherengo que entrou pro clube dos líderes de torcida para ficar mais popular entre as meninas. Com uma baita autoestima ele tem que fugir o tempo todo das investidas do Green (Gun Korawit, de SOTUS S e TOMGAY), até que decide fingir um namoro, e o namoro de mentirinha vai ficando cada vez mais verdadeiro. Ja Bright Vachirawit acha uma encheção aquele calouro vir atrás dele pedindo pra fingir um namoro, mas acaba aceitando e, com o tempo, vamos entendendo que ele tem uma razão para agir como namorado do Tine, agindo como se tudo fosse verdade. 

Outros personagens são o P'Mil (Drake Laedeke, de My Tee) que começa a gostar do Tine também. Phukong (Frank Thanatsaran, também de My Tee) que é irmão de Sarawat e que se interessa pelo Mil. Type (Toptap Jirakit, de Waterboyy The Series e 3 Will Be Free), irmão de Tine e Man (Mike Chinnarat, de Theory of Love) que se apaixona pelo Type e passa metade da série correndo atrás dele. Os amigos deles também são todos carinhas conhecidas, tem o Pluem Pongpisal (de Kiss Me Again e Dark Blue Kiss), Gun Chanagun (de SOTUS e SOTUS S) e JJ Chayakorn (The Gifted e He's Coming to Me) e Khaotung Thanawat (My Tee e Blacklist). 
Depois que Tine e Sarawat começam a namorar, Green desconfia de que seja mentira e começa a ficar de olho nos meninos, o que os obriga a ficarem cada vez mais próximos, e a descobrirem que talvez nada seja por acaso ali, e que algo mais forte pode estar crescendo. 

Tine é, com todo o respeito, um dos personagens mais lentos dos BLs, ele leva séculos para entender que está gostando de Sarawat e que na verdade o músico faz de tudo para cuidar dele. Sarawat, por outro lado, é um exemplo de homem que ama e cuida. Ele não se envergonha de tomar conta de Tine e de demonstrar o quanto ele é importante, mesmo que ele sempre reclame de ter que cuidar do Tine. 

A química entre Bright e Win é incrível, dentro e fora das telinhas, tanto que o fanservice deles tem sido muito bem feito desde que a série começou. As cenas fofinhas dos dois arrancam suspiros e a gente fica querendo proteger eles de qualquer coisa! Os dois são, se dúvidas, um dos casais mais vistos do ano. 
A série tem uma construção de personagens excelente até os últimos 3 episódios, quando a coisa desanda um pouco, e que causou as muitas críticas. A série tomou um rumo um pouco diferente da novel, que tem mais cenas de sexo e beijo e isso desagradou muita gente. Eu, por outro lado, só acrescentaria um pouco mais de intimidade pro casal principal. O último episódio só faltou uma cena pra ser perfeito! A polêmica foi a seguinte: qual o problema de demonstrar afeto em publico? Casais gays também se beijam (acreditem se quiser!), também andam de mãos dadas. Mas parece que o diretor, ou roteiristas, não foi corajoso o suficiente pra mostrar isso. 

A trilha sonora é simplesmente incrível. Como muito da ação gira em torno do clube de música que Tine se junta e do qual Sarawat é veterano, temos muitas músicas lindas o tempo todo, especialmente da banda Scrubb, a favorita do protagonista. 

A fotografia pode não chamar muito a atenção, mas segue bem o padrão da GMM TV e ainda consegue ser muito bem feita. 

2gether é uma boa pedida pra quem curte um romance açucarado, e pra quem gosta de ver amor em pequenas demonstrações de afeto. Particularmente uma série muito boa, que poderia ser excelente, se trabalhasse um relacionamento gay com um pouquinho mais de veracidade e coragem. Acho que, atualmente, já é hora de aceitarem que casais gays se tocam e trocam carinho em público, e que tudo bem beijar, beijar é normal, afinal são namorados e não amigos (se bem que alguns amigos também se beijam mas isso é outro assunto). 

Enfim, colocando tudo na balança, super recomendo a série pela construção mas infelizmente não pela finalização. 

07/10

Síntese

Vivo em meio a uma dicotomia, entre uma batalha interminável entre duas feras, dois temíveis dragões que cruzam os céus do meu disputando por quem haverá de ter o controle sobre mim. Eu não assisto atônito e impassível a essa disputa, mas sirvo como palco, recebendo cada um de seus ataques que eram dirigidos ao seu maior inimigo. 

Por um lado há um dragão negro com olhos de fogo e chifres de ouro, violento, que ordena que seus asseclas murmurem coisas terríveis em meus ouvidos, plantando lentamente em mim as sementes da autodestruição. É dele que surgem as vozes na minha cabeça que me deixam em completa paranoia. Como ele rodeia os céus com o seu corpo longo e forte, também eu rodopio entre uma ideia maldosa e outra, acreditando em cada uma de suas palavras que me dizem que eu nunca serei capaz, que eu sou horrível para todos ao meu redor. Ele semeia em mim a ansiedade que cria uma onda de energia que percorre todo meu corpo, acelerando meu coração, secando a minha boca e me levando ao desespero de noites e noites em claro, atormentando pelos seus fantasmas. Eles gritam, me lançam de um lado para o outro, me xingam e me cospem com violência. Eu também me irrito, consigo golpear também, com violência, alguns dos demônios, mas toda dor volta para mim. Num grito de fúria eu tento, em vão me libertar.

Qual a razão de existir em meio à completa loucura?

Seu rival busca me destruir de outra forma. A fim de derrotar o dragão negro, o dragão branco de olhar congelante me suga todo o calor, retira de mim toda a minha energia, me deixando apático, sem ânimo algum, apenas deitado, olhando com terror aquela luta que nos céus parece não ter fim. É a destruição lenta e silenciosa que começa nas pequenas coisas, até que atinja graus maiores. Começa com uma barba que cresce mais do que o comum, a falta de vontade de me cuidar, um dia sem banho, afinal, qual a razão de me cuidar? Uma alimentação desregulada, privação de sono, desânimo para sair, conversar, falta de vontade de sorrir com os amigos, até que termina no completo questionamento da existência. 

Qual a razão de existir nesse grande vazio? 

A autoestima é destruída, em ambos os casos. Se me cuido os resultados não são satisfatórios. Se não me cuido isso afeta a já combalida autoestima, que por não me cuidar acaba mergulhando ainda mais fundo no poço do ódio próprio. Que aparência patética, ninguém jamais teria coragem de se apaixonar por você!

E assim eu vou, caminhando? Existindo. Em alguns dias dou passos, em outros eu estou correndo sem rumo, e noutros ainda estou deitado, chorando ou, pior ainda, sem conseguir sequer chorar, pois o vazio é tão grande que já não sobraram lágrimas para derramar. 

E eu disse que não queria falar sobre a tristeza, mas se eu não falar sobre o que vivo, falarei sobre o que? Se a alegria não é para mim outra coisa senão um quadro que eu vi há muito tempo, do qual me lembro muito pouco, apenas de alguns traços e cores a me chamar a atenção. 

Quando fui diagnosticado com Transtorno Bipolar eu me recusei a aceitar. Achava que era apenas algo passageiro, um desequilíbrio momentâneo, mas agora eu vejo que isso tem razões muito mais profundas do que eu imaginava naquela. 

Minha ansiedade, e por consequência a paranoia, veio da pressão de ter de ser sempre o melhor. Quando se cresce numa família ao lado de dezenas de primos, maiores e com mais experiência que você, é preciso colocar na cabeça que a atenção só vem quando somos os melhores. E era assim comigo. Todos tinham a atenção e o carinho da família principal, eu sempre fiquei à margem, e precisei lutar muito para encontrar algo em que sou bom. Seja exposto ao perigo do ridículo e do escárnio por muito tempo e é isso que você vira: um pária buscando seu lugar no mundo.

Encontrei nos livros, na História e na Filosofia, o meu nicho. Compreender a realidade, não em sua totalidade, o que é impossível, mas partindo da minha experiência particular conhecer aquilo que do mundo se apresenta a mim. 

A depressão veio das constantes frustrações em não conseguir atingir o objetivo anterior. Veio das muitas rejeições, que marcaram em o profundo signo da insuficiência. Se, portanto, eu nunca serei capaz de nada, não há razão para fazer outra coisa senão contemplar, catatônico, a miséria da existência. 

E assim eu sigo, sendo devorado pelos dois dragões que, no fim das contas, não são mais do que minhas vontades batalhando entre si corrompidas, evidentemente, pois a esperança se moldou em depressão e a força para vencer se transmutou em desespero. Eis a síntese da minha existência atual. 

terça-feira, 19 de maio de 2020

Par


Tenho me sentido cansado, e incapaz de me aproximar de alguém de verdade. Me sinto tão exaurido por ter abraçado pessoas sem amor que já não tenho coragem de abraçar senão com uma desconfiança que se interpõe a nós, senão sem que me entregue. 

A verdade é que venho lutando para acreditar, mas parece que a capacidade de confiar no outro se extinguiu. Aquele homem que fechava os olhos e caia livremente nos braços de todos que diziam me amar não existe mais. O que digo, digo de caso pensado, o que não digo também o faço. A humanidade perdeu toda esperança que um dia eu tive. 

Parece que de tanto abraçar cactos eu me tornei cheio de espinhos. As pessoas já nãos e aproximam senão quando querem pedir alguma coisa. Eu, por outro lado, tento não pedir nada a ninguém, coisa que minha fraqueza ainda torna difícil. 

E eu não quero acreditar, porque eu sei que, se acreditar, estarei me dispondo a sofrer mais uma vez, a confundir espinhos com rosas, desprezo com afeto, a ver amor onde não há mais do que desprezo. Isso porque nem todas as pessoas tem dentro de sim a vontade, a capacidade ou a disponibilidade, de amor o outro, de entregar-se, de doar-se. Muitos apenas conseguem amar a si próprios, sendo incapazes de amar o outro. Tenho me tornado um desses, com a diferença que também sou incapaz de me amar, senão que me odeio a todo instante. 

Mas eu não queria escrever sobre algo triste, por isso fiquei dias sem escrever, mas se não falar sobre a tristeza eu falarei sobre o quê? É sobre o nada que eu tenho profundidades, e não alegria senão como uma suspensão fugaz da dor e do desespero. Minha alegria não é positiva, senão que defini-se apenas pela ausência de dor, não é algo que eu já tenha sentido efetivamente, ou que me lembre de ter sentido. Como falar sobre algo que não se conhece? 

Já me disseram que meu discurso é de alguém que nunca foi amado, que não conhece o amor, e eu não discordo de maneira alguma. Sinto como se falasse de algo tão abstrato e tão elevado que sequer posso compreender a não ser por analogias tão esparsas que apenas me dão uma brevíssima antevisão do que se trata. Eu não conheço o amor, apenas conheço aquilo que sai de mim de bom grado, aquela entrega e aquela doação que, no entanto, nunca encontrou par por onde andou.

Um par como aqueles das lakorns e doramas que eu assisto,  como Ae e Pete, de Love By Chance, que se entendem e se completam em seu oposto. Ou como Dean e Pharm de Until We Meet Again que se apoiam e se amam com tanta força que foram capazes de superar até mesmo a morte para ficarem juntos. Ou Tharn e Type que depois de tantas brigas compreenderam que o amor entre eles poderia sarar as feridas que estavam abertas em ambos. É disso que eu estou falando, desses encontros que acontecem algumas poucas vezes no universo, que mudam completamente o eixo de nossas existência, um encontro que chega inesperadamente e muda tudo ao nosso redor. É disso que eu estou falando. Algo que me parece tão distante e impossível que só podia existir mesmo nas cenas feitas para nos levar a acreditar num amor tão distante como esse, enquanto a única experiência real que temos é a da completa solidão, ao contemplar a lua num dia frio, sozinho do lado de fora de casa. 

sábado, 16 de maio de 2020

Eu mesmo e o mundo

Resolvi fazer algo que não tenho o costume de fazer. Resolvi andar um pouco, sozinho mesmo, após o anoitecer. Fui até o fim da rua, onde tem um pequeno campo, e que achei que seria bom para ver o céu. 

Sentia falta de ter uma consciência maior da minha própria existência. O contato em demasia com o mundo virtual nos faz ter uma noção distorcida do eu, do meu lugar no mundo. A paralaxe cognitiva se torna quase impossível de evitar. 

Fiquei de pé mesmo, descalço, sentindo a terra fria e a grama úmida do sereno sob meus pés. O vento fresco em minha pele, não peguei casaco, e logo comecei a tremer de frio. Esse vento, esse mesmo que agora beija meus braços e meu rosto, viaja desde muito longe. O que será que ele tem a me contar? Quantas vidas ele tem tocou, quantas histórias ele viu, quantos solitários ele rodeou? 

Essa é também uma percepção da imensidão do mundo, da gigantesca e esmagadora percepção do pequeno lugar que ocupo na existência. O homem em sua solidão está no centro do mundo, mesmo à margem desse mesmo mundo. 

Nesse mesmo momento muitos outros vivem, de modos diferentes. Alguns estão juntos, sorrindo e se beijando, cantando ou cozinhando, e outros estão acompanhados pelo mundo virtual. Mensagens, vídeos e áudios fazem as vezes de percepção física que antes se davam nos abraços nos olhares que se encontravam cara a cara. Em alguma lugar o sorriso do imperador faz alguém sorrir e se declarar. O mundo físico parece que não vai durar muito tempo, mas ainda assim é grande demais pra ser compreendido e abarcado pela minha consciência. 

Mas isso é o que eu tenho agora. A grama fazendo cócegas em meus pés, o barulho abafado dos vizinhos. Luzes acesas, ruídos dos gatinhos que andam aqui perto, pulando silenciosamente entre muros e portões. O que eu tenho sou eu, e o mundo que me cerca, e nada mais. Mas o que seria esse mais? O outro. 

Não tenho nada senão eu mesmo e o mundo. 

sábado, 9 de maio de 2020

Carta para minha mãe


Acho que já está na hora de dizer algumas coisas, que há muito eu não encontrava um jeito de dizer... 

Há 25 anos a senhora cuida de mim, e como cuida! Se preocupa se eu comi, se eu estou bem agasalhado, se eu comi, se bebi muito com os meninos, se eu comi, se vou para a igreja nesse ou naquele horário, se eu comi... Se preocupa o tempo todo. E eu vejo essa preocupação, e queria sempre poder dizer: não precisa se preocupar! Mas eu sei que não adianta, mãe é mãe. 

Eu vejo também como a senhora fica feliz quando eu estou feliz, quando saio do quarto, quando canto pela casa. Toda noite a senhora tenta ficar mais tempo comigo, mesmo com sono ou cansada da rotina diária. E eu vejo o quanto essa rotina é pesada. Cuidar da casa inteira, cozinhar, limpar, lavar e ainda costurar as mil toalhas que eu invento... Não pense que eu não vejo o quanto a senhora se esforça, o quanto a senhora luta, o quanto a senhora dá tudo de si o tempo todo nessa casa. Mesmo que eu não diga, mesmo que a Gabriela não reconheça, mesmo que meu pai reclame. 

Eu sempre vejo, e digo com certeza: a senhora é a pessoa mais batalhadora que eu conheço! Mesmo chateada, cansada ou doente a senhora ainda se preocupa com o outro, comigo, e até com os estranhos. Isso é amor, e é a coisa mais importante que alguém pode ter nessa vida. 

O amor de mãe é o que mais se aproxima do amor de Deus. É o amor que se dá, que se doa, que se sacrifica. Como o Cristo que sofria na cruz a senhora sofre a cada dia por nós. E eu queria dizer que reconheço isso e a admiro tanto que nem se escrevesse mil textos conseguiria expressar minha gratidão. 

E é isso que eu vim dizer aqui, escrevendo porque me expresso melhor por palavras escritas do que ditas: MUITO OBRIGADO! 

Obrigado pelas preocupações, obrigado pelos sermões, obrigado por não desistir de mim mesmo quando eu mesmo queria desistir, obrigado por ainda lutar, obrigado por cada vez que a senhora preparou algo pra eu comer, que se preocupou em não me deixar com fome, com frio ou triste demais. Obrigado, mil vezes obrigado. 

E eu só peço a Deus que a senhora tenha uma vida longa, uma vida com bastante saúde, para que eu possa algum dia conseguir devolver pelo menos um pouco do que a senhora me deu. Mas a senhora me deu a vida, e isso eu nunca poderei pagar, o melhor que posso fazer é tentar ser um bom filho e, por isso mesmo, eu peço desculpas por tudo que eu fiz a machucou. 

Desculpa pelas palavras duras, pelo tempo que fico fechado e distante, pelo pouco caso que faço das suas preocupações. Desculpa por não ser o bom filho que a senhora merece.

Por fim, parabéns por esse dia das mães, parabéns por ser A MELHOR MÃE, uma mãe que é sinal daquela diletíssima mãe que foi a Virgem Maria. Parabéns e, mesmo que eu não demonstre sempre, nunca se esqueça: EU TE AMO. Mil vezes Eu te amo!

Coisa preciosa


"A beleza é a única coisa preciosa na vida. É difícil encontrá-la, mas quem consegue descobre tudo."(Charles Chaplin)

Conheço bem o discurso de que a beleza interior é mais importante do que a exterior, de que um interior belo consegue conquistar mais do que um exterior harmonioso, mas das coisas que ouvi com frequência essa é uma na qual eu não acreditei por mais do que alguns breves instantes. 

É claro que conheço pessoas cuja personalidade sobrepujam a sua beleza, no sentido positivo ou negativo, leia-se como quiser. No entanto, ainda vejo que isso não é uma verdade. A beleza, a verdadeira diga-se, essa não é inferior a beleza interior, senão que é um reflexo desta. Não existem, portanto, duas belezas, a saber, a uma exterior, passageira e inferior, e uma interior, perene e superior. Ambas são uma só, senão que não podem existir em separado no ser. 

A beleza externa não é outra coisa senão aquele ideal que nos faz querer continuar a viver, e esse ideal se e encontra em toda beleza contemplada pelos olhos ou pelos ouvidos, que pelos sentidos nos conduz à verdade assimilada internamente na alma. A beleza entra pelos olhos do corpo, passa pela porta do coração e adentra, finalmente, aos jardins profundos da alma, onde encontra abrigo e repousa em sua habitação mais perfeita. A beleza não é beleza se não conduz à verdade, senão que esta é apenas um abortivo de beleza. A beleza aquece o coração, torna os homens suscetíveis a abrir-se para a bondade e a justiça.

Então podem me perguntar? Pode uma pessoa bela, apenas isso, conduzir alguém à verdade? Pode, dada que sua beleza seja verdadeira e não um abortivo, que apenas leva o homem ao engano, ao pecado. 

Mas, deixando ainda de lado o discurso sobre o ente metafísico beleza, eu ainda digo que, no âmbito do homem mesmo, a beleza ainda é a que mais abre portas, a que mais pode fazer você ser amado, querido e desejado. A beleza tem também esse poder sobre o homem. A beleza atrai, assim como seu abortivo também. 

Há aqueles que querem fugir da beleza. Dizem por ela não serem influenciados. No fim buscam enganar a si mesmos. Seu ideal de beleza pode ter sido corrompido, como muitas vezes acontece com o bem ou a justiça, mas ainda são por ele movidos. Buscam onde não se pode achar, dizer vê-la onde não há e até mesmo ignoram na em sua verdade para serem enganados por aqueles abortivos, que apenas aparentam conter beleza, mas que logo se desfazem e se mostram como verdadeiramente o são.

Por fim, não há o que fazer senão deixar ser por ela atraído, ser por ela elevado, ser por ela transformado. Pois, embora queiram nos convencer do contrário ou ainda de que ela sequer existe, ainda é a beleza que move o mundo, de um jeito ou de outro.

Quem diz que não há beleza na verdade mente, para si e para os outros. É a beleza que nos faz rir quando o choro é a única realidade, é a beleza que traz o sol claro para iluminar as trevas frias do nosso coração. É a beleza que traz vida nova onde antes era apenas terra seca. É a beleza que nos faz olhar no espelho e não odiar aquilo que vemos, é a beleza que desperta aquele sentimento bom que não conseguimos nomear mas que todos queremos sentir para sempre, que nos faz feliz, que nos faz querer continuar a viver, mesmo quando tudo parece ter perdido a graça. 

Dizes que a beleza não é nada? Imagina um hipopótamo com alma de anjo... Sim, ele poderá convencer os outros de sua angelitude - mas que trabalheira! 
(Mario Quintana)

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Sussurros

Um demônio me rodeia já há alguns dias. Eu quase consigo tocá-lo com minhas próprias mãos, e escuto seus passos onde estou. Posso imaginar seu corpo esguio, seus dentes enfileirados com as presas pontiagudas, os dedos longos a devanear por sobre a minha cabeça, enchendo minha mente das idéias mais terríveis, como se tentáculos gelados me congelassem a alma, como se uma espada de aço lhe fosse transpassada o coração. Sinto seu hálito fresco, sussurrando em meu ouvido:

"Não, as coisas não darão certo. Nada foi feito para dar certo. Olhe o mundo ao seu redor: assassinatos, pandemia, fome, dor... Nada foi feito para ser bom, o bom foi algo concebido pela mente humana para fugir da realidade. E a realidade é esta que te rodeia, uma realidade cuja única perspectiva de futuro é a morte mais lenta e dolorosa possível. Os seus queridos morrerão, ou te abandonarão, quem você mais ama vai te apunhalar ou morrer gemendo de dor na sua frente. As coisa serão assim para você!

Você vai ver seu mundo desmoronar bem aos seus pés. Será recoberto pelos escombros e pelos corpos, sujo de sangue, poeira e fuligem. Essa sujeira que te cobre inteiro é a sua própria sujeira, você não é mais do que isso. 

As coisas continuarão dando errado. Você não vai se livrar desse cansaço, eu não vou permitir. Colocarei uma carga cada vez mais pesada sobre os seus ombros até que caia, sem poder respirar e sem força para levantar, e seja esmagado, pelo peso dos seus próprios pecados e dos pensamentos que eu coloco em sua mente. 

Aos poucos eu vou envenenando o seu coração, voltando-o contra tudo e contra todos. Aos poucos eu vou tornando-o fechado, frio, como o meu próprio coração. 

E você continuará triste, irritado, com tudo e todos. Com o barulho das suas companhias ou o silêncio ensurdecedor da solidão. Vai querer se afogar, se cortar, achando que aquelas poucas gotas de sangue que caem do seu braço vai eliminar o veneno que pouco a pouco faço você beber. Mas esse veneno não está só no seu sangue, está em cada fibra do seu corpo, está no seu próprio ser, e não pode ser eliminado. 

E, no fim, você desejará a morte. Clamará pelo fim. Mas não há fim! No fim você virá para os meus braços, como já vive, bem longe Daquele que te ama verdadeiramente. Esse é o futuro que eu tenho para você!

E morrerá sozinho, com frio, abandonado por todos, sentindo o gosto do seu próprio sangue, vendo os corpos daqueles que mais ama espalhados pelo chão, com suas almas rastejando pela miséria do inferno a implorar por misericórdia. O mesmo inferno que rastejam aqui, nesse mundo cheio de horrores que vêm do seus próprios corações, depois de um simples sopro meu. 

E lá, na completa escuridão, onde há choro e ranger de dentes, quem haverá de compreender seu coração, quem haverá de te ouvir, quem haverá de te amar? 

Eu trabalho para que aqui você já viva um pouco do que tenho guardado para você lá. Eu trabalho para que sua mente nunca descanse, eu trabalho para que Ele não te alcance. E tenho feito um ótimo trabalho!" 

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Do que se apagou da memória

Eu já havia me esquecido, do quão debilitante é uma crise de ansiedade. Acho que apaguei da memória aquele período obscuro da minha vida que tinha uma crise a cada dois dias e nunca conseguia me recuperar de uma antes de entrar em outra. 

Dessa vez a crise foi desencadeada pela pressão. Pressão de ter de ser bom o suficiente, de fazer a coisa certa, de ser o melhor. Não colocaram essa pressão sobre, ao menos não vejo assim, mas eu mesmo me cobro por ser o melhor, eu não aceito menos do que a perfeição quando se trata de algo que faço, e por isso mesmo me frustro. 

Ontem cheguei a ficar catatônico, paralisado pela perspectiva de falhar. Hoje estou destruído. Meus braços cheios de cortes, manchas de sangue nas roupas e cama. Quase não consegui me levantar e é como se tivesse sido atropelado, com dores por todo o corpo. Estar acordado me irrita, a cada vez que eu abro os olhos eu sinto raiva. Parece que cada parte de mim, cada fibra do meu corpo deseja desaparecer. 

Mas a verdade é que eu preciso descansar. Preciso que, por alguns dias, parem de exigir tanto de mim, no sentido de me cobrarem tantos compromissos. Pois qualquer compromisso que eu aceitar será outro peso, já que não consigo fazer de qualquer jeito. 

Preciso dar ao meu corpo o descanso e a minha mente a tranquilidade que perdi. Mas como fazer isso? Como largar tudo de uma vez? Parece algo impossível de se fazer agora, e tudo o que consigo imaginar é apenas eu definhando cada vez mais, me cansando, me destruindo até que sucumba, de uma vez por todas. Parece que assim será meu fim. 

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Ameaça

Meu coração começa a bater um pouco mais rápido, a boca fica seca e eu começo a suar. Fui ao meu quarto e me olhei no espelho, pele oleosa, um sinal claro de que minha ansiedade está querendo atacar. 

Eu me recordo então, enquanto espero meus amigos chegarem para o ensaio da próxima Missa, de quando minha ansiedade atingia picos horríveis. Me lembro de ficar dias sem comer, de tremer e chorar sem motivo aparente, de entrar em pânico ao ver uma pessoa ou uma comunidade inteira reunida. 

Das coisas que já senti a ansiedade sem sombra de dúvidas é uma das piores, ao lado da depressão que vem acompanhando-a nesse transtorno bipolar. Não sei dizer o que é pior, se é o desespero diante de qualquer coisa, o pânico esmagador que me faz perder a respiração, turvar a visão e tremer os joelhos como uma criança. Ou a depressão, o vazio absoluto que me deixa dias e dias sem nenhuma reação, vegetando em cima de uma cama, sem nenhuma perspectiva de vida. 

Já fazia um certo tempo que eu não sentia isso, e me sinto horrível de novo. Ansioso por voltar a cantar, ansioso por ter certa responsabilidade, ansioso simplesmente por existir. Sinto uma ameaça, uma fera dentro de mim à espreita, esperando o momento de me devorar, mesmo que não tenha me recuperado totalmente de seus últimos ataques, ainda tenho as cicatrizes de suas garras, no meu corpo e na minha alma. 

Antes de me levantar hoje eu tive de fazer um grande esforço, sentei na cama com os pés pendendo quase tocando o chão, e fitei os calçados que coloco ali ao meu lado. Calçados que preciso usar cada vez que saio de casa, cada vez que sou obrigado a andar, quando sou arrancado com violência da minha letargia para enfrentar o mundo. Tem sido cada dia mais difícil. Mesmo que já tenha se tornado um hábito sair quase todos os dias para os compromissos com a igreja, tem sido cada dia mais difícil. Não pela igreja em si, uma das poucas coisas que ainda me dá razão na vida, quando estou no altar, mas pelo sair, pelo esforço de ver os outros, pela dor que é conviver. 

Eu gostaria que não fosse assim, gostaria de conseguir fugir, mas como eu posso fugir de uma coisa que está dentro de mim? Não há como fugir de mim mesmo e, em tempos como esses, eu tenho medo de mim mesmo. Medo do escuro, medo do que posso fazer, medo de voltar aquele abismo do qual eu saí com muito custo. Tenho medo porque eu sinto que aos poucos as coisas vão desmoronando... E tudo retorna ao nada!

terça-feira, 5 de maio de 2020

Em perspectiva

Um homem chamou do portão, eu acabara de acordar e estava na sala, meus pais estavam na área e foram falar com ele. Aparentemente se conhecem, se chamam pelo nome, o chamaram para entrar. A conversa era alta, não pude deixar de ouvir. 

Estamos em estado de (relativo) isolamento social por conta do coronavírus, então a maior parte dos serviços não essenciais foram suspensos. Algumas pessoas que trabalham de modo informal ficaram sem ter muito o que fazer, já que diaristas, pedreiros e aqueles tipos de faz-tudo não estão mais trabalhando normalmente. 

Ele veio falar da dificuldade das últimas semanas. Disse que há dias sua família come apenas arroz e feijão, e que por isso veio pedir ajuda. Algo que pudesse ser usado no preparo de uma alimentação melhor, mais completa ou, ao menos, com um pouco mais de sabor. Imagine só, comer apenas arroz e feijão por dias, sem nada mais! 

Quantas outras pessoas não estão na mesma situação que ele ou ainda piores? Ele ainda tem o que comer, ainda que pouco. Mas e aqueles que já nada tem e que não possuem outra opção senão pedir, de porta em porta?

Meus pais são duas das pessoas mais generosas que eu conheço. Nunca vi eles dizendo não para alguém que precisasse, e mesmo quando eles mesmos estavam em dificuldade ai dividiam o pouco que tinham. Ambos tiveram uma criação cheia de limitações, e acho que saber como é a fome faz das pessoas um pouco mais humanas com o próximo. 

Eu, por outro lado, me vejo como extremamente egoísta, mesmo tendo sido criado por eles. Uma coisa me marcou: aquele homem estava há semana sem fazer uma refeição completa, comendo apenas o básico para sobreviver, e eu ainda estava com as mãos sujas de um produto facial que custou o suficiente para alimenta-lo e a toda sua família por uma semana. 

Não tirando o mérito de que comprei com o pagamento pelo meu trabalho mas o que me deixou chocado foi outra coisa. Aquele homem não parece ser fraco como eu, que se tranca no quarto para chorar porque não consegue se relacionar direito com as pessoas ou porque foi atacado por falsos e críticos. Aquilo que me desestabiliza nem de perto desestabilizaria alguém como ele, forte que, na dificuldade tem coragem de bater na casa de outras pessoas a pedido de ajuda. E eu com vergonha de ir na loja trocar a mercadoria que comprei errado. 

Uma pessoa arrogante poderia olhar para ele e sentir desprezo. A minha despensa está cheia, posso me dar ao luxo de comer ou não carne e de escolher entre diversas opções em cada uma das refeições, eu tenho um creme para cada parte do corpo e, literalmente, centenas de reais gastos em cosméticos e maquiagens, além de, é claro, mais livros do que eu consigo ler. Mas, ao olhar para aquele homem, eu não me considero metade da pessoa que ele é!

Eu sou apenas um garoto mimado, acostumado a ter tudo, chorando por bobagens, fugindo dos meus problemas, cansado de não fazer nada, com uma mente distorcida e delicada demais. Eu sou apenas um menino patético que nunca conseguiria sobreviver a uma situação como a dele, morreria a míngua, com vergonha de minha condição. Nele há a vontade, e a força, para viver mesmo na dificuldade, em mim há a desesperança mesmo em meio à fartura. 

Por isso continuo enxergando somente uma pessoa patética quando me olho no espelho. Sequer sou digno de pena. Ele é digno de pena, precisa de ajuda. Eu preciso desaparecer, não mereço abrir a boca para reclamar de nada, mesmo estando infeliz com tudo, justamente por ser apenas um idiota que não conhece a dor e a dificuldade senão nas histórias que li ou nas pessoas que encontrei. Não sou digno de pena, apenas de desprezo e asco. Aquele homem deveria ser um rei!

domingo, 3 de maio de 2020

Sobre desaparecer


Hoje é um daqueles dias que eu quero desaparecer, simplesmente sumir, para algum lugar bem distante daqui ou simplesmente para o meu quarto, sem ver ou falar com ninguém. Estou saturado, às vezes acontece, e preciso de um tempo só pra mim...

Mas parece que é impossível... Parece que todos precisam de alguma coisa quando tudo o que eu mais preciso é fechar os olhos e tentar esquecer de tudo, inclusive das vozes que gritam se cessar na minha cabeça. Quando o que mais preciso é apagar por um ou dois dias, sem ser obrigado a viver nesse mundo miserável, cheio de maldade, cheio de depravação, onde cada um busca apenas a própria satisfação e onde não existe nada de verdadeiramente bom, ou ao menos se existe não aparenta existir. Mas o barulho não diminui, nem dentro e nem fora, toda hora alguém grita o meu nome, toda hora alguém me sacode, toda hora alguém interrompe com violência a minha contemplação. E como se não bastasse o barulho aqui fora, minha família, as amigas da minha irmã, as pessoas da igreja que não conseguem escolher uma musica sozinhas, ainda têm as vozes da minha cabeça, que gritam sem parar, que querem a todo custo me levar à loucura. 

Por isso eu quero dormir, apagar, desaparecer. Eu quero voltar ao nada, desejo voltar a inexistência. Eu só não quero acordar e ter de conviver, estou cansado.Cansado das pessoas que deixam seus arremedos de poder e status fazê-las pensar que podem tratar o outros com descaso, cansado daqueles que não se importam em ajudar, cansado daqueles que só sabem espalhar maldade, que não sabem falar com gentileza. 

Estou cansado, acima de tudo, da falta de amor. Eu olho o mundo ao meu redor e só vejo a busca pela conveniência, nada de amor. Aquele que me trocou voltou ao ser trocado. Conveniência, novamente sou a segunda opção, buscado quando não encontram algo melhor. 

Mas parece que é impossível, fugir para aquele jardim fechado. Parece que sou obrigado a viver aqui, de maneira penosa, tão plena de dores e dessabores que tudo o que me resta é esperar pela morte. 

Sei o quanto isso soa exagerado, mas não é exagero, é apenas o retrato fiel de alguém que perdeu a graça na existência, que já não sente mais vontade de buscar a felicidade, que sequer acredita na existência do amor, e que só espera pela próxima traição, pelo próximo punhal a ser cravado nas minhas costas, depois de tantos outros. 

Tudo isso vem acompanhado de uma miscelânea de sentimentos conflitantes: ansiedade, medo, explosões de fúria e melancolia, autopiedade. É o que restou, uma confusão de cores feias que se misturam num quadro bizarro, numa garatuja disforme e de olheiras profundas, incapaz de ficar bonito mesmo sob a luz do sol. 

Será que estou enlouquecendo? Tem dias que eu penso isso, que se continuar sendo obrigado a conviver em sociedade, num lugar tão feio e apertado, sem a menor perspectiva de progresso, enlouquecerei por ter sido oprimido, violentamente oprimido, pela horrenda falta daquela elevação espiritual que o belo nos traz. É impossível ser plenamente beneficiado pelo belo morando numa lugar tão apertado, tão feio que o simples ato de abrir a porta já me enche de náuseas e de uma ânsia de vandalismo difícil de ser controlada. 

Só queria desaparecer, para algum lugar bem distante, onde possa ver o céu estrelado, sem o incômodo dos mosquitos, onda possa sentir o perfume das flores ou ouvir uma bela música de verdade, experimentar uma boa comida. Só queria não ouvir pedidos o tempo todo, só queria que não largassem sob minhas costas as obrigações que deveriam ser de todos. Só queria que as pessoas tivessem o mínimo de senso do ridículo, das proporções e de estética. Mas são tempos de loucos, todos estão cegos, perdidos em suas concepções depravadas e poluídas, e eu estou sendo contaminado por elas.

Eu me esforço, tento dar o meu melhor o tempo todo. Tento ser uma companhia agradável, responsável, tenho iniciativa para resolver os problemas, mesmo não sendo muito bom em quase nada, mas mesmo assim, tudo o que as pessoas fazem é me criticar, reclamar e exigir cada vez mais de mim. Mas exigir mais o quê? Não há mais nada. Eu sou isso, só isso, e eu lamento muito não ser suficiente para agradar a todos. Não importa o quanto eu dê o meu melhor, o meu melhor nunca é bom para o outro.

Me abandonam por dias, me fazem acumular funções que não precisava, e ainda assim têm a coragem de olhar na minha cara e apontar os meus erros. Eu não aguento mais isso. Não aguento mais não ser suficiente. 

Não consigo mais estudar como gostaria, há meses sem conseguir ler um livro sequer, minha concentração cada vez pior... Eu estou esgotado, e não consigo ficar um dia sequer sem contato sem que façam um alvoroço no mundo para me acordar e me fazer resolver mais algum problema. Mas se minhas habilidades não são suficientes então por qual razão continuam atrás de mim? Resolvam sozinhos!

E eu não quero nada disso, eu não quero mais esse mundo, essa vida, as pessoas que me cercam de maldade e falsidade, como o inimigo que busca matar, roubar e destruir. Já é bastante difícil conviver com meus próprios demônios, com as vozes que não param  de me dizer o que fazer. Eu não quero mais chorar, eu não quero mais me cortar esperando que a dor física alivie a angústia, eu não quero mais nada disso. Eu não quero voltar lá, não quero ouvir as palavras ácidas, não quero ver apenas pessoas querendo poder e mais poder, eu só quero fazer a minha parte. Eu quero correr e gritar, quebrar coisas, desfazer os músculos do meu corpo repletos de ódio, quero desaparecer, voltar ao completo nada, aquela época antes de os homens se separarem em seres de puro rancor e malícia, eu quero voltar ao nada, eu quero voltar a inexistência.

Sou um homem cuja essência é a desesperança. Não há como ser diferente vivendo como vivo, com as pessoas com quem vivo. Só queria ouvir o quebrar das ondas do mar nas pedras, só queria ir pra qualquer lugar onde a beleza esteja mais presente do que a horrenda mentalidade distorcida da modernidade. E, caso isso não seja possível, só queria voltar ao nada, voltar a inexistência.

Pois tudo retorna ao nada!

sábado, 2 de maio de 2020

Uma cena

Em um apartamento numa área afastada do grande centro, uma sala bem iluminada pelo sol que entra pelas janelas abertas, bem como uma brisa fresca e agradável. Um jovem rapaz coloca uma música para tocar, é a voz de uma cantora, uma música de amor. Ele se aproxima do outro rapaz, menor do que ele, e o pega gentilmente pela mão. Os dois se abraçam com carinho, podem sentir o pulsar do coração um do outro. 

Depois de um tempo abraçado, o suficiente para a próxima música começar, eles se deitam na cama. O menor encostando sua cabeça sob o peito do amado. De olhos fechados eles ficam ali, ouvindo música e o bater de seus corações, enquanto sentem o soprar da brisa e o calor agradável do sol em suas peles.

Aquele abraço, aquele toque, é a mais alta expressão de união que há entre eles. Poderiam ficar ali para sempre, como um só. Os braços fortes do mais velho envolvendo o outro com segurança, que dorme sem preocupações, está no amplexo daquele que mais ama, daquele que sempre vai estar ao seu lado, não importa o o que aconteça. 

Logo anoitece, e mesmo com a escuridão dissipam-se dele toda e qualquer dor ou angústia, apenas a presença na vida do outro é suficiente para dispersar qualquer sinal de névoa que possa lhes atingir. Aquele abraço, naquele instante, é a coisa mais poderosa do mundo. 

É uma cena breve, eu sei, mas tem um significado tão importante para mim. Penso em toda a singeleza de um amor puro, em toda a delicadeza que há entre duas almas enamoradas que se tocam. Pensar nisso me deixa com o coração quentinho, e eu sorrio quando me lembro desses dois, mas também me deixa apreensivo, me faz pensar se isso não passa de uma mentira, ou de um sonho inalcançável para alguns. 

De qualquer forma é uma imagem que gosto de guardar comigo, com carinho, no cantinho mais iluminado do meu coração. 

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Descobrir o belo

Seria tão mais fácil, se você simplesmente me odiasse, ou nunca mais falasse comigo, se esquecesse que eu existo. Mas você não faz isso, mesmo quando o fio que nos une parece que finalmente se romperá graças a distância entre nós algo parece puxá-lo novamente, e nos aproximar de novo. Seria tão mais fácil simplesmente viver como se nada nunca tivesse acontecido, como seu nossa amizade nunca tivesse existido, como se eu nunca tivesse me apaixonado. 

E tudo seria bem melhor, se eu não fosse simplesmente esmagado pela beleza, oprimido por tudo que é belo, justo e verdadeiro, porque a verdade é fria e dura como aço. Não, isto está errado, não é a beleza que me oprime, mas o fato de estar tão distante da beleza que me oprime, não é sua presença, mas sua ausência. O fato de olhar para minha melhor foto e constatar que não é boa quanto a pior foto de algum dos atores tailandeses que eu sigo nas redes sociais. É incrível ver o quão imenso é o abismo que há entre o meu belo é o que é verdadeiramente belo. 

Eu estou buscando fazer com que as coisas fiquem mais fáceis. Sabe, não me preocupar tanto assim e aceitar que, independente de meu esforço e vontade têm coisas que estão acima de minhas capacidade e independem de mim. Então a preocupação é inútil. Além de inútil ela é cansativa, e eu já estou muito cansado. 

Eu quero descobrir o belo, o que é verdadeiramente belo. Sentir aquele calor no coração, aquele elevamento do espírito que se tem ao contemplar uma obra de arte verdadeira, algo que realmente seja obra e não apenas uma concepção fraca e vazia de uma angústia imediata ou de uma experiência superficial demais para marcar-se por mais do que alguns breves minutos. Eu desejo ser preenchido daquela força criadora que foram inundados os grandes mestres, e não pensar em como seria simplesmente mais fácil se você me odiasse, ou se nunca mais falasse comigo, se esquecesse que eu existo e que um dia fomos amigos.