sexta-feira, 31 de março de 2023

Resenha - Our Dating Sim

Contém Spoilers!

Ainda na mesma leva dos BLs de curta duração a Coreia continua investindo em histórias doces, daquelas que deixam o coração quentinho e que, pelo formato, são simples e podem ser maratonadas de uma só vez. 

Our Dating Sim conta a delicada história de Lee Wan (Lee Jong Hyuk), um artista que é chamado para trabalhar no desenvolvimento de um jogo, uma espécie de simulador de namoro e, na entrevista, descobre que seu superior é Shin Ki Tae (Lee Seung Gyu), apelidado de Eddy, a sua antiga paixão da escola, para quem ele se declarou no último dia de aula e depois desapareceu sem ouvir resposta. 

Lee Wan passou todos os anos desenhando e publicando seu trabalho online, com algumas pessoas reconhecendo que seu traço sempre repete o mesmo rapaz, o amor que ele nunca conseguiu esquecer. Além disso ele tem um grande fã que sempre acompanha tudo que ele faz e comenta frases encorajadoras sob um nome secreto.

É claro que o plot é bem óbvio, e não é novidade que Ki Tae também está apaixonado e que ele é o admirador secreto, sendo também o responsável pela indicação e contratação de Lee Wan que, no começo, fica apreensivo e tenta manter uma distância segura do outro, que insiste em se aproximar e o perturbar no trabalho. 

Lee Wan é tímido mas o seu trabalho impressiona a todos, enquanto Ki Tae é despreocupado no escritório mas ainda assim respeitado pelos colegas, deixando o outro desconfortável por seu jeito informal demais que ele não sabe se é porque eles foram amigos no colégio ou se é algo mais... Confuso, Lee Wan até tenta criar barreiras, mas logo todas são postas abaixo pelo outro que o conquista com seu carisma. 

Mas isso não impede que o desenvolvimento seja bem feito, como esperado de uma produção coreana. A série tem momentos leves de comédia, especialmente nas cenas de Ki Tae provocando Lee Wan, e momentos adoráveis deles juntos depois de esclarecerem a situação, afinal eles ficaram 7 anos separados. Ao mesmo tempo em que acompanhamos o reencontro e amadurecimento de ambos nós vemos como era sua amizade no colégio, como se deu o nascimento desse amor e como eles acabaram se separando por causa do medo do sentimento não ser correspondido. O desenvolvimento da ansiedade que Ki Tae desenvolveu depois de passar anos procurando pelo outro e como ele se sente inseguro em ser abandonado de novo é apresentado de forma breve mas tocante, de longe o ponto alto da série e contou com o ótimo desempenho de Seung Gyu. 

Se mostrando mais uma daquelas séries que divertem e cumprem bem o seu papel, Our Dating Sim deixa o gostinho de quero mais, não uma continuação, mas que gostaríamos de ver os personagens mais tempo em tela, aprofundando os medos e as ansiedades deles durante esses anos bem como mais do relacionamento deles. Mesmo com o tempo limitado a produção lida muito bem com o desenvolvimento simples dos meninos e entrega uma temporada redondinha, leve, divertida e romântica na medida certa. Lembrando que a medida certa é nada menos que diabetes.

Nota: 09/10

quinta-feira, 30 de março de 2023

Resenha - A Shoulder to Cry On

Partindo do clássico coreano, adaptado ao BL, dos protagonistas com personalidades distintas,  A Shoulder to Cry On apresenta um protagonista excluído no colégio, que se dedica apenas ao seu time de arco e flecha, e que acaba se aproximando do garoto popular e encrenqueiro com um passado complicado. 

Com essa proposta conhecemos Lee Da Yeol (Kim Jae Han), um garoto simples e caladão que acaba conhecendo Jo Tae Hyun (Shin Ye Chan) numa situação constrangedora que resulta numa confusão. A princípio ele detesta o garoto extrovertido que parece se divertir com sua personalidade quieta, e ele decide se afastar, ainda mais depois de ouvir uma mulher misteriosa dizer que Tae Hyun é um assassino. Mas o garoto não desiste e se aproxima dele a todo momento, provocando e, em outros momentos, parecendo ser na verdade um bom companheiro.

Os dois acabam então se aproximando e Da Yeol decide se abrir ao outro, que se torna seu amigo, e logo começa a sentir algo ainda mais forte, que ele precisa entender melhor mas que, de todo modo, os fazem se aproximar mais e mais, a ponto de começarem a ver lados que ninguém mais vê.

Da Yeol é o tipo que pratica arco e flecha pois disseram a ele fazer isso e ele se destacou nisso, mas lhe falta paixão, ele não consegue se dedicar de coração a nada. Com a aproximação do outro ele começa a levar as coisas de modo mais leve, passa a sorrir mais e começa a despertar então a paixão que pode movê-lo.

Com um início talvez um pouco parado demais a série é um ponto fora da curva das produções BL coreanas justamente por apresentar um desenvolvimento mais próximo do que estamos acostumados a ver nos doramas. Embora os episódios não sejam tão longos temos aqui um desenrolar dos acontecimentos e a apresentação de um psicológico mais profundo que o vimos até agora na maior parte das séries do gênero. Geralmente as produções coreanas, embora excelentes, focam em apenas um aspecto do relacionamento dos personagens por conta do pouco tempo de tela, aqui, no entanto, consegue mostrar um Tae Hyun traumatizado que esconde seu passado e luta com um transtorno bipolar e um Da Yeol que, embora confuso, se entrega aos sentimentos e permite que o outro se aproxime dele. A dinâmica não fica corrida e nem as soluções jogadas de modo simples demais, os personagens realmente são mais profundos e precisam de mais tempo para se entender.

A abordagem do trauma de Tae Hyun é muito bem feita. Ele tem tanto me da culpa pela perda de uma pessoa especial que não consegue amar de novo, ele se desespera com a possibilidade de perder de novo, de ser abandonado e culpado, e então se reveste de uma personalidade despretensiosa e até mesmo bruta. Ele chega ao extremo de se punir fisicamente para suprimir os sentimentos que nascem pelo novo amigo. Aos poucos Da Yeol vai rompendo essa barreira, o que leva alguns anos, e ele vai conseguindo se confrontar com seus sentimentos até perceber que é melhor enfrentar esse medo do que ficar longe de quem ama.

O drama é tão bom quanto esperado de uma produção coreana, a melancolia, o medo, a fúria desencadeada por sentimentos conflitantes, típico de jovens, é aqui apresentado de modo delicado e belo. Apesar do início fraco logo no segundo episódio temos uma virada que faz com que o espectador se apegue aos protagonistas e queira se aprofundar mais e mais. Aliando o carisma dos dois rapazes com situações que parecem reais e que envolvem a culpa, remorso e relações familiares difíceis, A Shoulder to Cry On entrega um drama emocionante, pra ver acompanhado de um lenço e uma taça de vinho e que, no final, conquista pela doçura merecida e pela inquestionável beleza dos dois atores.

Nota: 09/10


quarta-feira, 29 de março de 2023

Linguagem e personalidade

Você deve ter estranhado o fato de eu insistir com você para dizer aquelas palavras, e eu sei que deve ter te deixado meio desconfortável porque você não costuma usar expressões mais chulas mesmo, mas isso foi com um propósito. 

Primeiramente a forma como nós escolhemos as palavras reflete e constrói a nossa própria imagem. Ela é parte daquilo que mostramos ao outro bem com parte da forma como nós mesmos nos enxergamos. Isso é facilmente perceptível quando notamos que falamos com carinho das coisas que gostamos, ou com o desprezo que falamos das coisas que não gostamos. Ao falar de um livro ou música que nos agrada deixamos transparecer aquela admiração na candura com que expressamos as qualidades do músico ou autor. Em essência a linguagem é, dentre outras coisas, uma forma de traduzir as nossas impressões aos outros. 

Pessoas com mais limitação na linguagem encontram grande dificuldade de expressar o que se passa no nosso interior. Quantas pessoas não sofrem apenas com as situações de dificuldade em si mas também com o fato de não conseguirem dizer o que sentem, o que gera um fluxo de pensamentos que acabam transbordando em rompantes de raiva ou sendo internalizados em complexos aglutinados de problemas que, se ditos, ordenariam o pensamento de modo a tornar a pessoa mais consciente do que ela sente, do que se passa com ela e do que ela pode fazer, quais os limites de sua ação. 

Essa limitação na linguagem então se converte numa limitação do pensamento que acaba retroagindo sobre a própria linguagem, reduzindo o homem a um estado diminuído, muito aquém do que deveria ser. 

O domínio de diversas linguagem amplia o horizonte do homem justamente por permitir que ele expresse a mesma coisa de formas distintas de modo a aproximar cada vez mais a palavra do seu universo interior. Toda operação da linguagem é na verdade uma equação entre o mundo exterior e o universo interior e, ambos, formam a realidade, aquilo que se apresenta ao homem independente e fora de si mesmo e que, no entanto, influi sobre o que depende dele e que é transformado no seu interior.

É certo então que o homem deve buscar sempre a melhor forma de se expressar para, assim, afinar sua percepção com sua linguagem. Devemos buscar sempre novas formas de expressão, desde as mais baixas até as mais elevadas que estejam alinhadas com a realidade. Funciona mais ou menos assim: ao ler Shakeaspeare a gente se depara com expressões elevadíssimas de amor, ciúmes, traição, enfim, experiências humanas diversas e expressas com o máximo da linguagem poética. Com um Bukowski a gente já tem a ideia de como tratar experiências mais baixas, ainda que por vezes sejam as mesmas, como o tédio da vida, a falta de senso de futuro ou simplesmente um foda numa noite quente ou uma noite quente em que alguém queria uma foda. Um Dante já eleva ainda mais tanto a experiência quanto a linguagem por tratar de uma realidade muito mais elevada: na Divina Comédia o trajeto da alma humana desce ao inferno e sobe as últimas alturas dos céus tendo contato com o destino não apenas humano e imediato mas eterno, o que muda completamente a perspectiva sobre tudo.

Daí a importância de conseguir transitar por todas as linguagens. O homem limitado pelo chulo não consegue expressar nada de elevado e, logo, não consegue perceber quando tem contato com algo mais elevado e nem mesmo conceber que possa haver algo mais elevado. Do mesmo modo o homem que só se expressa de modo rebuscado ou sério demais acaba por se tornar pedante, demasiado forçado, o que também mina o caráter real da expressão. 

Por isso Olavo de Carvalho é um exemplo de nossos tempos de alguém que sabe transitar pelas linguagens e discursos. Numa mesma aula ele sabe tratar de acontecimentos sérios e de realidade eternas com o vocabulário de Alborghetti, traduzindo de modo a tornar mais compreensível mas, na frase seguinte, tratando da mesma realidade com a fineza de Santo Tomás lhe dando a devida seriedade da coisa. 

Eu, por outro lado, trago muito da poética mística de São João da Cruz ao mesmo tempo do pensamento niilista de Bukowski o que é, sem sombra de dúvidas, uma combinação inesperada, mas é a tensão que, no momento, move o meu espírito. E algo disso também tem a ver com nossa relação com o outro: seja a seriedade ou a postura mais brincalhona, muito disso também há na linguagem. É difícil encontrar pessoas que consigam transitar de um a outro extremo. Muitos ficam no extremo da baixeza moral e só sabem falar de suas experiência sexuais, mas o homem que só sabe raciocinar do alto edifício de seu universo semântico intelectual padece das mesmas limitações. 

É certo que o crescimento da linguagem é linearmente desenvolvimento com a conquista de novas línguas e incorporação delas no imaginário, mas a aceitação e uso dessas línguas é que revela um verdadeiro domínio da faculdade humana da comunicação e, principalmente, do conhecimento. Esse domínio se revela na força daqueles que o possuem: mais uma vez Olavo de Carvalho é um exemplo atual de poder incomparável. Basta lembrar das centenas de pessoas que, no meio das multidões que manifestavam, seguravam cartazes dizendo "Olavo tem razão!", além disso a história é repleta de homens assim.

Em Coração das Trevas, Conrad constrói Mr. Kurtz apenas com a força de sua palavra, ele se torna o princípio ordenador do caos da selva do Rio Congo e da própria Inglaterra para o narrador apenas com a potência das histórias que contam sobre ele e como ele construiu seu legado em terras africanas. Mesmo sem tê-lo visto uma vez sequer o narrador já trazia por Kurtz uma lealdade quase devota que realmente terminou num tipo de admiração devota, e a voz dele se marcou profundamente na alma daqueles que se lembram dele, ficando então para sempre. A impetuosidade com que ele conduziu os negócios da companhia são implacáveis e se gravaram nas areias tórridas daquela selva envolta em escuridão.

É preciso saber falar, e por isso eu terminei dizendo que a linguagem liberta, porque torna o seu espírito livre para dizer que sim, ele deseja viver em união com Deus do mais profundo de sua alma com toda a sua força, quer seja para demonstrar a existência necessária do primeiro motor imóvel, para explicar um argumento ontológico, ou quer a intensidade de um amor como o de Romeu ou que simplesmente, por cansaço e fadiga depois de um dia longo de trabalho e enchimento de saco, dizer que eu quero mais que tudo se exploda e meu pau cresça!

sábado, 25 de março de 2023

Desequilíbrio

Eu te peço perdão, por sempre ser tão instável, por sempre acabar por girando as coisas para mim, e eu queria não ser assim. Peço perdão porque tudo se desequilibrou dentro de mim, fui eu que confundi meus sentimentos e que agora vivo na loucura de tentar agir como seu amigo e irmão quando, na verdade meu coração deseja outra coisa. 

Meus sentidos sempre me enganam, eu sempre acabo por pensar demais e acabo por sonhar demais, desejar demais, e isso fere aqueles que eu mais amo, isso sempre faz de mim um louco, enamorado que se põe em sofrimento e que faz os outros sofrerem, eu sempre acabo sendo um maluco desequilibrado. 

Se, por um instante que seja, fecho os olhos e penso em você eu imediatamente sinto dor, uma dor poderosa, algo que me aperta, que pesa sob meu peito, que me faz perder o fôlego justamente por querer você aqui comigo, por querer segurar sua mão e me deitar em seu peito, e esse desejo tanto invade meu coração que eu queria ficar, noite e dia, abraçado contigo e sentindo o perfume da sua pele, vendo você se arrepiar, deixando pequenas marcas em seu pescoço e sorrindo com você, por dias e dias infindáveis, na cama, um altar erguido em honra de nosso amor. Mas essa visão é apenas isso, uma visão, delirante até e nada mais que isso. E então dói saber que ela nunca sairá do meu mundo particular, que nunca se tornará real, que eu vou para sempre sentir essa dor, mais e mais vezes.

E é por isso que eu me ajoelharia aos seus pés e pediria perdão com a face banhada de lágrimas, envergonhado por permitir que meus pensamentos se tornassem tão sujos. Triste por saber que eu me excedi de tal modo que criei um mundo inteiro ao seu lado apenas na minha mente. E sim, eu queria que compartilhasse dele comigo mas, quando você disse que gostaria de ser capaz de fazer algo por mim eu entendi que naquela frase continha mais, bem mais, do que apenas um lamento pela distância que nos separa: continha a verdade inconveniente de que você não pode corresponder aos meus sentimentos. 

Perceber isso foi, mais uma vez, um golpe fatal. Eu tristemente concluí que, mais uma vez eu tinha razão, maldita razão! Mesmo sabendo que você tem algum tipo de sentimento por mim eu sei que é um carinho muito grande, um amor de verdade, mas não é o mesmo amor que eu sinto. E, no entanto, eu valorizo isso, valorizo seu amor como o mais importante de todos. Valorizo seu amor demais porque, para mim, é uma grande honra que você ame alguém tão baixo e tão vil quanto eu, capaz de perverter até mesmo um amor tão puro e genuíno como o seu. E eu sei que já lhe disse isso mas o seu amor é, para mim, caríssimo.

E é exatamente por isso que eu sei que devo me corrigir, que eu devo colocar os meus pés nas areias da realidade e me fixar no gigantesco edifício do nosso amor, mas o nosso amor real e não aquele que eu construí no meu universo sentimental. É por isso que eu devo voltar a ver e encarar as coisas como ela de fato são, mesmo sabendo ser tão difícil, mesmo ainda te chamando de "amor", mesmo assim eu devo dar a tudo isso um novo significado, um significado real e justo com aquilo que de fato somos. 

Isso porque eu sabia que seria assim, e eu sempre soube que as coisas não mudariam apenas com a minha vontade. Na verdade eu me deixei levar pelos sonhos que as nossas palavras doces criaram. Mas essas palavras refletiam um carinho e um amor reais, só não eram como eu esperava que fossem, e esse desajuste me deixou assim. É isso o que acontece quando alguém se desprende da realidade: a realidade que continua a existir esmaga você, assim como a constatação da nossa real condição me esmagou. Fui esmagado ao perceber o quão distantes são nossas intenções. É preciso me reajustar, assentar os pés na areia. 

quinta-feira, 23 de março de 2023

Juarez Machado: Contador de Histórias

Autor do blog Devaneios Pessoais, o especialista em História da Arte Kaoru Gabriel faz parte do time de curadores da nova exposição de Juarez Machado em Santa Catarina. 

Uma oportunidade especial que surge num momento especial, assim eu vejo essa experiência de ter contato tão próximo com a obra de um artista dessa grandeza e de explorar aspectos que me são tão interessantes como admirador e estudioso da arte.

Contar histórias é uma atividade profundamente humana que forma o ser desde a tenra idade, ela molda a personalidade e, por meio da arte, é possível registrar essas marcas profundas e assim passá-las adiante, contar histórias é manter viva a memória do homem que as viveu mas também do mundo que o cercou, das pessoas que o conheceram e do chão que ele pisou, das águas que ele navegou. Juarez tem uma longa carreira, registrou momentos de beleza singular que agora estampam as paredes da exposição com uma força impressionante. 

Olhar para cada uma das obras em exposição é mais do que apenas ver algo que ele passou e gostou, é ativar memórias esquecidas e criar novas lembranças, momentos que valem a pena ser preservados e aspectos que precisam ganhar espaço numa memoria hoje tão atingida o tempo todo e por todos os lados por informações rápidas demais. Essa exposição é um convite não a simples reflexão, mas para uma roda de conversa com champanhe e amigos, a uma pausa para registrar as coisas que realmente merecem ser guardadas. Um brinde às melhores histórias!

Com o sugestivo título “Juarez Machado: Contador de Histórias”, o Instituto que leva o nome do artista, na cidade de Joinville, programou uma exposição de longa duração mostrando algumas passagens de sua profícua trajetória nas artes. Serão apresentadas ao público, do próximo dia 25 de março até o mês de março de 2024, uma breve viagem pela vida e obra do mestre, passeando por diversas fases de sua carreira e histórias marcantes eternizadas em mais de 60 telas e outras obras do acervo do Instituto.

Com curadoria coletiva da equipe do Instituto, a exposição busca resgatar aspectos da obra dele que ainda não haviam sido apresentadas dessa forma, como sua poesia e seu contato com diversas pessoas ao redor do mundo. Acompanhando a trajetória de Juarez desde as primeiras pinceladas até as coleções que figuram entre as mais icônicas galerias do mundo. “Contador de Histórias” promete trazer ainda mais brilho ao Instituto Internacional que ele projetou com tanto carinho.

O irmão do artista, guardião do acervo iconográfico e presidente do Instituto, Edson Machado destaca os dois principais objetivos desta mostra: “Queremos proporcionar ao público visitante as mais representativas criações deste artista joinvilense que conquistou o mundo com sua arte ; e conceder aos funcionários do setor educativo de nossa instituição e estudiosos da história brasileira o acesso ao acervo e a possibilidade de pesquisar sua carreira ligada às artes assim como suas relações sociais como cidadão comum”.

“Juarez Machado: Contador de Histórias” tem a curadoria coletiva da equipe do Instituto, Annalisa Bilk, Billy Jr. W. Piana, Kaoru Gabriel, Suzana Lisandra de Souza, Sofia Nunes de Almeida. A abertura oficial ao público será no sábado dia 25 de março a partir das 10 horas até as 18 horas, com entrada gratuita durante todo o dia, aberta à visitação de terça-feira aos sábados das 9 horas às 18 horas. O Instituto Internacional Juarez Machado está sediado à Rua Lages 994 em Joinville, SC.

quarta-feira, 22 de março de 2023

Golpe fatal

É impressionante, realmente impressionante, que toda vez que eu me sinto mais à vontade, a vida dá um jeito de me jogar pra baixo novamente. Eu não posso vislumbrar um pouco de luz, um pouco de esperança, que logo sou jogado na lama uma vez mais. Eu só consigo ver a luz do sol sumir a medida que afundo cada vez mais na escuridão oceânica e gélida que me enrijece os músculos e os ossos até o tutano e que me perfura a carne como milhares de agulhas ou facas afiadas a me rasgarem as fibras do coração. 

Estou sentando de frente à tela em branco esperando que as palavras me brotem do profundo de minh'alma, mas brotam apenas lágrimas frias que descem lentamente, conforme eu vou pouco a pouco mergulhando nas trevas. 

Tudo gira lentamente, me sinto tonto, como se estivesse bêbado ou chapado. Minhas mãos tremem, talvez por causa do café que tomei mais cedo. O golpe foi tão duro que me deixou desnorteado. 

Ainda ontem comentava com outra alma atormentada sobre essa dificuldade. Mais uma vez eu escuto o ressoar grandioso daquela marcha fúnebre, como se já sentisse o abrir brutal da minha carne pela lança do inimigo que, uma vez mais, zomba de mim. É sempre um golpe rápido e certeiro, como um poderoso martelo. 

Quantas vezes eu falei disso? Quantas vezes eu me machuquei assim? E quantas vezes eu repeti o mesmo erro de me abrir, de me permitir amar, de admirar até que a presença se transforme da bonança em tempestade? Quantas vezes até que eu consiga finalmente erguer uma muralha ao meu redor que me proteja de ser acessado pelos outros, que me impeça de ser visto e que me impeça de ter o peito aberto? 

Há beleza nas marchas fúnebres? Certamente. Mas também há o poderoso toque das trombetas que invoca os mortos todos de seus sepulcros e que nos faz estremecer diante do incerto destino. Ou melhor, do desconhecido destino. No meu caso o destino é certo e conhecido, mas ainda assim a tuba gloriosa me é motivo de horror por saber que me aguarda eternamente viver gemendo e chorando num vale de lágrimas. 

quinta-feira, 16 de março de 2023

Corte de Cabelo

Foi só um corte de cabelo, e eu sei bem disso, porque gosto de mudar às vezes e, como estava com preguiça de ir a um cabelereiro eu fiz isso sozinho. Por falta de habilidade só tinha duas opções: deixar como estava ou cortar tudo, e então cortei tudo. Mas admito que já há algum tempo estava descontente com ele, embora estivesse bonito, eu estava parecendo com um personagem da Grande Família, e o fato de estar gordinho só deixava isso mais verossímil. 

E não é que eu desgoste do meu cabelo curto. Bem, a verdade é que, enquanto cortava o cabelo no banheiro quente, com o suor fazendo os fios compridos ficarem grudados no meu pescoço e na minha testa brilhante, eu pensava justamente que, no meu caso, não adianta o cabelo longo ou curto, liso ou ondulado. Não adianta a pele brilhante ou ressecada. De nada adianta lábios cheios e vermelhos. Primeiro porque trata-se de uma realidade tão mutável que o próprio fato de eu conseguir mudar muito dela em pouco mais de trinta minutos sozinhos já mostra que nada que eu vejo no espelho é durável, tanto mais o que farão os anos comigo, incluindo os anos embaixo da terra, sendo devorado pelos vermes da terra. 

Outro pensamento que me veio foi o de que, também repetindo o que disse antes, não adianta o cabelo longo ou curto, não adianta a pele brilhante ou ressecada, de nada adianta lábios cheios e vermelhos, se nada disso é capaz de fazer alguém se aproximar de mim. E então eu retorno aquela ideia, não sem fundamento na minha própria experiência, de que há em mim uma imperfeição fundamental, algo que todos veem e que apenas eu não consigo dizer o que é. No trabalho, na igreja, em todos os lugares que já passei, as pessoas dizem o quanto é fácil se aproximar de mim, o quanto é agradável conversar comigo, que eu sou calmo e tenho a voz doce, que eu explico bem ao que elas me perguntam. Mas mesmo assim é aí que tudo termina, elas se sentem bem ao me ouvir mas ninguém quer se aproximar de mim realmente. No fim eu me torno amigo de todos mas continuo sozinho porque, quando preciso, não há o peito de um amor onde eu possa repousar a cabeça. 

Sou um observador da felicidade dos outros. E não raramente eu vejo o coeficiente de falsidade nessa alegria, mas mesmo assim eu ainda queria poder ser feliz. 

X

Eu sei que você não me julgou por aquela foto, mas ela me fez perceber a minha vaidade e a minha necessidade de aprovação e admiração do outro. Não é difícil de perceber que eu vivo da atenção das outras pessoas e estou tentando conseguir isso de diversos modos. Muitas vezes eu vivo da compaixão e outras eu quero que elas me notem, talvez como notam aqueles rapazes que eu admiro, como eu os noto e, no fundo, eu desejo ser como eles, alguém a quem os outros admiram e desejam. Isso porque, a bem da verdade, eu me odeio, e odeio todos os meus aspectos desde os mais objetivos até aqueles mais desconhecidos porque, para onde quer que eu olhe dentro de mim, só vejo essa vaidade esse grande vazio que deseja o outro, a ponto mesmo de decepcionar quem mais eu amo justamente na tentativa de ganhar alguma atenção. Os humanos são mesmo criaturas patéticas. 

X

E eu que estou com a intensidade de dez romeus prefiro ficar quieto. Eu já não quero mais dizer nada. Não quero me incomodar com a falta de organização da casa, afinal eu nem moro lá direito apenas volto para dormir, e também não quero falar de como me incomoda saber que você procura por uma moça para se apaixonar enquanto eu te dou meu amor por inteiro. Eu vou guardar isso para mim, vou dormir silenciosamente e na minha alcova apenas as fronhas conhecerão as minhas lágrimas. 

Toda essa intensidade me faz triste, e eu sei que deixo você triste, e eu fico triste por você ficar triste e isso nunca acaba. 

Em dias assim eu realmente queria não sentir nada, ser apenas frio e viver por trás de um muro. E é irônico que eu, que tanto amaldiçoei os muros e as barreiras que separam as pessoas, agora deseje uma barreira para me proteger. 

Eu só queria não ser tão intenso, não me consumir tanto, não desejar tanto a ponto de ser reduzido a cinzas pelas chamas dos meus sentimentos. 

terça-feira, 14 de março de 2023

Masculino e Feminino

Em uma breve investigação anterior eu mencionei o fato da beleza ser mais presente tanto mais a forma material reflete a forma ideal, de modo resumido, segundo a tradição iniciada por Platão, depois seguida por Santo Agostinho e endossada pelos escolásticos, em especial Santo Tomás. Nessa concepção, a qual sigo, a beleza masculina estaria tanto mais abrilhantada quanto mais se aproximasse dos ideais masculinos, a saber a seriedade, a virilidade, a firmeza, em contraponto com os sinais femininos de delicadeza, cuidado, mutabilidade... 

De antemão já coloco esses aspectos como complementares e que deles depende o equilíbrio da personalidade e também de determinados grupos. Desse modo é necessário que o lado masculino e feminino de uma pessoa estejam em equilíbrio para que ela consiga explorar as suas potências. Já citei, várias vezes, casos de homens que se destacam pela delicadeza e feminilidade e que me encantam por isso. 

Nesses casos em particular eu também citei que permanece a beleza pela exaltação do elemento abrilhantado, mas que ela tanto mais se revela quanto mais se adequa a forma ideal a que pertence. É por isso que o homem tanto é mais bonito no ser homem, enquanto a mulher encontra sua realização no ser mulher, e ambos, homem e mulher, só podem realizar-se no equilíbrio dos elementos que os compõe. 

Eu não estou me referindo a simples atitudes e nem me limitando as aparências, mas sim de uma conformidade mais profunda com o ser de modo que, cada um, sendo aquilo que é, seja plenamente ou, o mais aproximadamente do que se deve ser. 

Penso num exemplo, um homem deve ser viril, por definição da sua hombridade, e isso significa que ele não deve ser demasiado afetado de modo a perder-se e não mais conseguir manter-se ou nem mesmo proteger o que, ou quem, ele ama ou acredita. Mas, para amar e proteger ele precisa da virtude feminina da delicadeza de conseguir apreciar ou se afeiçoar para então conseguir proteger. É nesse equilíbrio que se encontra sua realização. 

É claro que o que estou dizendo não é nada de novo e Aristóteles já havia explicado isso de modo muito melhor do que eu na sua Ética a Nicômaco. 

A mãe, mulher, traz em sua definição a proteção daqueles que ela gerou e criou, o que é outra combinação dos elementos masculinos e femininos. Ela se afeiçoa aos filhos com a delicadeza do feminino e os protege com a virilidade do masculino. Uma ausência de qualquer um desses elementos, tanto no homem como na mulher, traz desequilíbrio. E daí temos então tantas pessoas que não mais são capazes de exercer a paternidade ou maternidade, por óbvia ausência das virtudes de cada um. 

Os elementos que se contrapõe são constitutivos da realidade, masculino e feminino, positivo e negativo, mutável e permanente... Essas coisas permeiam a existência, já os antigos sabiam disso, como os pré-socráticos ao buscarem os elementos constitutivos da existência ou os orientais ao trabalhar os opostos na cosmos, como forças que constantemente se opõem e se fortalecem ao mesmo modo. 

Não sei, no entanto, como posso equacionar o elemento do Belo nos rapazes afeminados que tanto me atraem e que muitas vezes eu me ponho e imitar, de modo que se, por um lado, eu reconheço tratar-se de uma gradação inferior do Belo pela ausência do elemento masculino e exaltação do feminino, do mesmo modo eu não consigo deixar de admirar as suas faces róseas e delicadas, senão que tendo a pensar que os elementos masculinos e femininos estão desequilibrados em mim mesmo e que isso têm afetado a minha própria percepção. 

Uma amiga me chamou atenção para o fato de que nas diferentes pessoas essa equação do equilíbrio entre o masculino e o feminino podem ser distintas. Conquanto a pessoa consegue achar esse equilíbrio, ainda que ele destoe da maioria, o fato de equilibrar em si faz com ele se realize pessoalmente e termine por conseguir explorar as potencialidades. Quando há uma crise existencial ao redor dos elementos que a compõe ela revela um desequilíbrio e fica impossibilitada de agir. 

Eu queria evitar justamente de cair no subjetivismo de dizer que cada um tem uma percepção diferente do seu equilíbrio, mas não vejo como negar isso nesse ponto. Uma forma de fugir do subjetivismo talvez seja dizer que, embora cada equilíbrio seja único, o fato de precisarmos de um equilíbrio seja universal. 

Quando Us Nititorn então consegue o equilíbrio entre a sobriedade na amizade e a sensualidade no palco, o que apontei na investigação imediatamente anterior a essa, realiza-se nele a sua potência artística, e isso é reflexo do seu todo em harmonia com os diversos elementos que o contém. Sendo então o todo maior do que a soma das partes, o todo do artista se torna maior do que apenas a combinação dos elementos antagônicos que ele juntou em si, sendo o seu ser a sua própria essência. 

quinta-feira, 9 de março de 2023

O Belo em Santo Agostinho e Santo Tomás


Ao tratar do tema da Beleza, Santo Agostinho parte da concepção platônica da imagem material como reflexo da imagem ideal. Para Platão o mundo material é uma cópia de um mundo de ideias perfeitas. Agostinho explica isso de um modo muito interessante: se um homem vai fazer um armário de madeira ele já tem na sua mente uma ideia desse armário, e esse é o armário ideal, e então a partir do momento que ele pega a madeira e constrói o móvel ele tem uma imagem desse armário (não se pode dizer que esse armário é real e o outro não porque algo existir de modo mental continua sendo real, aliás Platão conferia até uma existência ainda mais real as coisas ideais do que as materiais). 

S. Agostinho traz então essa concepção pro âmbito cristão com a afirmação de que a criação é um reflexo do mundo ideal de Deus. Deus possui, por definição, os atributos supremos de Beleza, Justiça e Verdade, sendo todos esses sintetizados na Bondade. Ao criar o mundo então Deus infundiu algo de si em todas as coisas. Por isso ele disse “Deus viu tudo o que tinha feito, e era muito bom” (Gn 1,31). As coisas são boas porque elas são reflexo de Deus.

O Ser então contém algo de Deus e por isso é Belo. Nesse sentido ontológico (no sentido do Ser) não existe a completa feiura porque não existe nas coisas criadas a ausência completa de Deus, o que pode existir são gradações da presença de Deus, como no pecado. Logo, o estado de Graça é mais Belo que o pecado, o que não é muito difícil de se entender. 

Admitimos então graduações da presença de Deus a medida que as coisas contém mais ou menos. E aí temos um primeiro conceito para tratar da beleza: a unidade. Uma coisa tanto mais é bela quanto se aproxima da unidade entre a sua forma matéria e a sua forma ideal. Se o armário de que falamos antes falta uma porta ele está defeituoso, mas se ele acaba de ser fabricado ele contém em si mais beleza porque todas as suas partes estão unidas. A força da unidade é tão grande que as coisas só são verdadeiramente belas se todas as suas partes estão unidas. Isso é observável na arte, na nossa forma humana... Uma árvore seca causa estranheza, uma música desafinada também, uma pessoa sem braço é justamente chamada deficiente por isso. 

Então se admitimos essas graduações temos coisas mais e menos belas. Quando o ator Us Nititorn aparece na sua forma masculina, ainda que simples, ele ali contém os atributos que se espera que ela contenha pela participação masculina no Ser. A voz grossa, a sobriedade no agir... Quando, no entanto, ele age de modo a exagerar o feminino causa certa estranheza, mas ao mesmo tempo consegue ter ainda beleza porque faz uso correto dos atributos femininos, se aproximando então desse ideal, muito embora a estranheza se deva ao fato de que esse atributo não casa com o fato de que ele é homem, logo essa afetação feminina causa uma ruptura na unidade. 

Ele então tem sim atributos de Beleza mesmo quando age de modo feminino, mas só é ainda mais Belo quando se encontra na sua forma, por assim dizer, normal. Toda beleza que é composta de partes é mais digna de louvor no seu conjunto do que numa de suas partes tomada isoladamente. O lado feminino dele é Belo, mas é ainda mais Belo quando se encontra em harmonia com todo o seu ser. A isso chamamos de Proporção, os diversos graus de unidade de algo.

Santo Tomás define o belo como “pulchrum est id quod visum placet” (o belo é aquilo que agrada à visão). Então já temos dois elementos aí: a visão e o deleite, o agradável. 

Para ser visível algo precisa ser achado, precisa estar acessível aos sentidos. Então para ser Belo algo carece de a Clareza de se mostrar, um certo brilho. Não é possível ver a beleza de um quadro velado, o que é óbvio, mas isso aplicado a outros contextos gera confusão. Por isso falei acerca do ator que, sendo homem, agia de modo feminino, o que em certo modo ofusca o seu brilho masculino a medida que abrilhanta o feminino. Quando vemos o ator sendo a plenitude do que é ele se torna ainda mais Belo. Daí a consagração das coisas belas de modo atemporal, o corpo belo dos gregos continua belo hoje. 

“A desigualdade e a disposição hierárquica das essências se funda sobre a desigualdade das participações possíveis ao Ser, do qual cada uma é representada por uma das ideias de Deus” (Étienne Gilson)

Dessa reflexão apreendemos então que todas as coisas são belas a medida que são (existem), mas temos graus de beleza que, mais tarde, podemos explorar em outra investigação e que tem maior ou menor impacto na formação e na mentalidade das pessoas. 

terça-feira, 7 de março de 2023

Ao enésimo suplício

Eu estava falado sério, e eu sei que você se irritou brevemente, quando eu disse que gostaria de ir para o mesmo lugar que você. Isso porque eu sei que alguém com sua pureza e bondade tem um lugar bem melhor do que alguém como eu, que é apenas governado por estímulos cada vez mais escassos e que não tem mais nenhuma perspectiva de vida. 

Isso porque, nos últimos tempos, tenho notado uma crescente sensação de vazio em mim. Talvez seja o costume com a rotina vazia que agora eu cumpro diariamente e que se compraz no cansaço infindável e sem propósito, e é justamente essa falta de propósito que me desanima. A verdade é que tenho estado triste, e apenas triste eu olho para as coisas ao redor, acordo cedo e tento cumprir minhas obrigações, mas nada disso ocupa um espaço importante dentro de mim, nada tem minha atenção máxima, como se minha vida dependesse disso. Eu apenas vou vivendo um dia de cada vez e tento me recuperar do cansaço apenas para me cansar novamente. 

Não há espaço para aspirações maiores, e não digo que isso é culpa da rotina, mas é culpa da minha falta de forças para buscar aspirações maiores. Eu apenas vislumbro feixes de verdade mas logo fecho os olhos adormecido. Eu já não sinto prazer e nem alegrias genuínas, eu apenas vou vivendo, um dia e outro dia. A única coisa elevada que há é que eu continuo tentando entender cada vez mais a baixeza intelectual do nosso tempo porque acredito que, de algum modo, isso é responsável pelo sentimento de profunda depressão que eu tenho. 

Uma coisa que me incomoda é minha capacidade de sorrir e de continuar fazendo piadas. Quando eu olho no espelho os meus olhos não refletem o que eu penso. Quem conversa comigo não imagina que eu flerto com o vazio todos os dias e que, quando fito o horizonte na verdade eu apenas estou contemplando meu próprio vazio. 

No momento, tudo o que sinto é o peso, uma vez mais, a centésima talvez, não ser correspondido e, mais uma vez, amar sozinho. Este é meu enésimo suplício. Sempre foi assim, tudo o que amei, amei sozinho, como disse o poeta. E sozinho eu vou para longe de ti, enquanto você subirá o monte, cada vez mais iluminado e aquecido, eu descerei ao abismo obscuro. 

E por isso eu não posso ir para o mesmo lugar que você, eu acho que minha alma se esvaiu e se perdeu, eu sou hoje apenas essa casca vazia que será devorada pelos vermes. Um demônio não pode seguir uma alma pura. Não há alegria eterna para mim e, talvez, o sofrimento eterno me lembre de que estou vivo. Talvez lá, longe de você, eu me sinta mais vivo do que me sinto aqui.

É por isso que em dias assim eu acordo e me arrasto até meu posto. Coloco uma playlist chamada Músicas tristes do Japão, ou algo assim, e me deixo embalar pelas vozes doces e acordes lamentosos, concordando com a legenda que diz que a vida é uma bela dor. Realmente essa consciência de mim mesmo é dolorosa, mas há beleza pelo menos nessas músicas. Com os olhos fechados eu tento fazer o tempo passar mais rápido. 

Em dias assim eu não quero tirar fotos com donuts e nem fazer maquiagens. Não quero ouvir a voz de ninguém além da sua. Não quero jogar conversa fora com os visitantes que passam, quero apenas falar desse profundo vazio. E é por isso também que, em dias como esse, eu adormeço silenciosamente e consciente da minha condição. Absorto em desesperança. 

domingo, 5 de março de 2023

Brevíssimo resumo da porcaria

Talvez eu devesse me privar de falar sobre esses assuntos mas, dado o número limitado de leitores do meu círculo pode ser que pelo menos me ajude a organizar um pouco o pensamento sobre todos os acontecimentos que têm chocado o país mas que não são mais do que a realização do que há muito havia sido preparado. 

Começando em breves linhas, quando o militares subiram ao poder em 64 com o discurso de proteger a população dos perigos do comunismo eles expulsaram um pessoal da política e, nos primeiros dias, mais alguns da universidade. Mas isso logo passou para um simples governo administrativo que focou em dar continuidade numa gestão positivista e em exaltar as glórias da vitória contra a guerrilha, a qual não tem nada de gloriosa porque os guerrilheiros, embora violentos, estavam em número bem menor. 

Uma vez de posse do poder eles nada fizeram contra os inimigos. A censura não visava diminuir a propagação do comunismo mas apenas impedir a intervenção popular em investigações de Estado. Enquanto isso os comunistas tomaram, pouco a pouco, toda a mídia, com o estratagema de apontar a existência de duas mídias competitivas que, no entanto, eram a mesma coisa e apenas trabalharam na base da estimulação contraditória a serviço da construção de um estado cultural favorável a revolução, cujo objetivo é a dissolução da cultura ocidental (leia-se, cristã) e a substituição por uma sociedade administrada por aristocratas do partido, que comandam uma cultura capaz de moldar as mentes de modo a pensar como o partido sem saber que trata-se de uma manipulação, as pessoas passam a pensar como eles sem saber de quem são essas ideias (daí a importância do exercício do Prof. Olavo de constantemente perguntar "de onde vem as minhas ideias?").

Pois bem, para isso tomaram conta das universidade, de onde saem os artistas, os jornalistas, os influenciadores e os amigos que fazem o contato com toda essa gente que se espalhou por todos os ramos da sociedade. Não se pode hoje abrir uma rede social sequer, assistir um jornal ou novela ou ler um livro escrito nos últimos 40 anos por essa gente que não esteja completamente intoxicado de pensamento revolucionário. Até mesmo o jovem que acha que só está defendendo os direitos de sua classe sem se unir a nenhum partido formalmente faz parte disso por que durante as últimas décadas a única forma de pensamento permitida foi essa, porque as outras nem sequer eram apresentadas e, quando o eram, era apenas pela força do exemplo exótico que confirmava a regra. 

O Olavo sozinho quebrou essa hegemonia cultural. A sabedoria não será vencida pela malícia. E então abriu-se espaço para o contato com ideias que, até então, eram completamente desconhecidas aqui e que mostraram a muitos que podem existir outros destinos além daquele da completa destruição. O que o professor orientou que fosse feito a seguir: anos e anos de dedicação exclusiva ao estudo e depois, só atingida a maturidade intelectual de uma elite intelectual, partir para a batalha política. Não que seus alunos deveriam se tornar políticos, mas serem intelectuais capazes de formar aqueles que formariam os políticos. Seu curso fez muitos alunos, mas deveriam haver outros tantos mais que fizessem o mesmo trabalho, ainda que em menor escala, e que difundissem ideias contrárias a revolução. 

Com o aparecimento de figuras chamativas o povo logo as colocou como símbolos. Bolsonaro, o maior deles, como salvador da pátria. Mas, embora tenha amplo apoio popular, o que um único homem pode fazer diante de um gigantesco estamento burocrático feito especialmente para engoli-lo? O resultado foi a derrota e as humilhações, visto que não havia, além do povo disforme, ninguém ao seu favor, aliado a postura pouco combativa do líder escolhido. Palavras ríspidas só surgem efeito quando usadas da forma correta. O cancelamento das ações do seu governo, as poucas que ele conseguiu aprovar, está avançando rapidamente.

Mas então começou o desmonte e o escárnio generalizado do povo Brasileiro. Uma vez revolto pela atitude cínica de transformar cada pequeno detalhe do governo numa parte da narrativa genocida que toda a mídia internacional tem comprado, só fez aumentar o furor das massas que, descontroladas e, certamente infiltradas também, terminaram no grande ato desesperado de invasão aos Congresso Nacional, depredando violentamente o Palácio do Planalto e a sede do STF no último dia 09 de Janeiro de 2023.

Mas o resultado foi exatamente o oposto do planejado. Com a publicação do Ato de Intervenção Federal agora o governo comunopetista tem plenos poderes para prender, apreender e perseguir qualquer um que se posicione contra o governo. Isto é, qualquer pessoa considerada suspeita pode ser presa e aguardar julgamento que será feito sabe-se lá por qual juíz. O comportamento violento também faz parte do plano da esquerdista, como bem demonstrou o Prof. Olavo: 

“A estratégia do STF e amiguinhos é estrangular o povo até que ele não aguente mais e parta para a violência. Então as gloriosas Forças Armadas entrarão em cena para esmagar de vez a rebelião e criar, sobre o cadáver da vontade popular, o mais lindo Estado democrático de direito que já se viu desde os tempos de Mao Dzedong.”

O discurso dos petistas agora é até simples: vão proibir, vigiar e punir todos aqueles que tentarem atentar contra a democracia (sic) porque eles, e apenas eles, sabem o que é melhor para o país e que para isso têm plenos poderes de ação.

Numa tarde a direita entregou a esquerda o que eles ainda levariam meses ou até anos para conquistar, direita dividida entra moderados e ativos, intervenção na segurança do DF que logo se estenderá a todos os outros estados. Qualquer pessoa que aparente uma ideia divergente deve ser considerada traidora e denunciar seu inimigo e não há nenhum critério para definir isso, ou seja, qualquer desafeto do governo será incriminatório e assim acaba a base da oposição. A ditadura perfeita sonhada por tantos Mao Dzedongs.

Nossa única saída é mobilizar a ação social, não de modo desordenado, mas que servem para para chamar a atenção. Devemos ocupar espaços, escolas, jornais, universidade, musica, filmes e artes em geral. Não ocupar na forma de manifestações, que só reforçam o discurso inimigo. Mas tudo deve gritar os horrores do comunismo, do nepotismo e dos amigos de partido. Devemos forcar na criação de uma intelectualidade verdadeira. Brasil Paralelo, Instituito Borborema, Centro Dom Bosco, ótimas iniciativas, mas que deveriam se multiplicar por dez. Filmes anticomunistas, músicas anticomunistas, valorização da religião como baluarte do povo, apenas alguns dos bastiões usados e, assim, povoar a imaginação do povo com os horrores do comunismo que eles tanto defendem, assim como por várias décadas as ideias comunistas foram colocadas na mente do povo sem que ele tivesse meios de se defender.

"Preparem-se. Nos próximos anos a desordem do mundo atingirá o patamar da alucinação permanente e por toda parte a mentira e a insanidade reinarão sem freios. Não digo isso em função de nenhuma profecia, mas porque estudei os planos dos três impérios globais e sei que nenhum deles tem o mais mínimo respeito pela estrutura da realidade. Cada um está possuído pelo que Eric Voegelin chamava "fé metastática", a crença louca numa súbita transformação salvadora que libertará a humanidade de tudo o que constitui a lógica mesma da condição terrestre. Na guerra ou na paz, disputando até à morte ou conciliando-se num acordo macabro, cada um prometerá o impossível e estreitará cada vez mais a margem do possível"

"No entanto, no fundo da confusão MUITAS ALMAS SERÃO MIRACULOSAMENTE DESPERTADAS para a visão da ordem profunda e abrangente que continua reinando, ignorada do mundo. Muitas consciências despertarão para o fato de que o cenário histórico não tem em si seu próprio princípio ordenador e só faz sentido quando visto na escala da infinitude, do céu e do inferno. Essas criaturas sentirão nascer dentro de si a força ignorada de uma fé sobre-humana e nada as atemorizará" (Olavo de Carvalho)

Por isso o conselho do professor "não parar, não precipitar e não retroceder". Tomar os meios da mídia, da arte e fazer, com qualidade, conteúdo que leve o conhecimento da verdade aos homens. Vai levar tempo, vai, mas é possível. 

Mesmo depois de morto Olavo continua tendo razão. 

sexta-feira, 3 de março de 2023

Resenha - Moonlight Chicken

Contém Spoilers!

Uma das séries mais aguardadas desde o anúncio no ano passado, Moonlight Chicken prometeu tudo e entregou ainda mais! Com uma proposta mais adulta e uma fotografia especial o último arco de Midnight Series deixou o fandom animadíssimo com mais um projeto de EarthMix, atores que se tornaram alguns dos mais queridinhos da GMM TV. 

Jim (Earth Pirapat, de A Tale of a 1000 Stars) é dono de um restaurante noturno, razoavelmente conhecido na região, que enfrenta algumas dificuldades financeiras. Numa noite, ao fim do expediente, ele acaba com um cliente bêbado. Depois de tentar levar o jovem para casa eles acabam fazendo sexo, e é ai que, no dia seguinte, Wen (Mix Sahaphap, também de A Tale of a 1000 Stars), um homem sexy e provocador, começa a querer se aproximar do outro.

Realmente com uma vibe mais adulta, afinal apresenta o complicado relacionamento de um homem maduro, desiludido com o amor e que não acredita mais ser possível dar certo com ninguém, e um jovem que acaba de sair de um logo relacionamento e que não terminou muito bem. Ambos trazem uma pesada carga emocional e as diferenças de experiências bem como expectativas são o grande tópico sensível apresentado. 

Também conhecemos Li Ming, o sobrinho rebelde de Jim, e Heart (Fourth Nattawat e Gemini Norawit, de My School President), um garoto surdo que acabou vivendo escondido de todos porque seus pais não o entendiam. Depois de um inicio tempestuoso os dois acabam se tornando mais próximos e vemos dois rapazes lutando pela liberdade, cada um a seu modo. 

A questão da liberdade é exatamente um tema delicado abordado pela série. Jim sente o peso das contas e da idade, Wen se sente sufocado por Alan (First Kanaphan, de The Eclipse) o seu ex que não aceita o término e que ainda mora com ele. Li Ming se vê também limitado pelo dinheiro, é criado pelo tio que não o entende e quer viajar o mundo e Heart que literalmente vive preso dentro de casa. Cada um vai, ao seu modo, descobrindo então o valor de conquistar a liberdade. 

A forma como esses dramas são apresentados é de uma crueza belíssima. A fotografia, a maquiagem, a trilha sonora, tudo está em harmonia para mostrar personagens mais obscuros, até as crianças, que precisam lidar com um mundo duro e impessoal, ao mesmo tempo que lidam com seus sentimentos e com o dos outros. Jim precisa tomar cuidado para não acabar se aproveitando de Kaipa (Khaotung Thanawat, de The Eclipse) que é apaixonado por ele e quer ajudar a manter o negócio aberto, e então ele precisa ser sincero, e então vemos o outro desmoronar ao ter seus sentimentos negados.

Com uma fotografia bem quente, corpos suados e um clima melancólico explorando os cenários noturnos e a iluminação características dos bairros chineses da Tailândia eles conseguem criar uma atmosfera ansiosa e angustiante, ao mesmo tempo que alguns momentos provocam um respiro, como certos vislumbres de solução, de um futuro promissor, mas sem perder o pé no chão. A trilha sonora conta até com "The Moon Represents My Heart" de Teresa Teng, uma das maiores cantoras chinesas de todos os tempos. 

Fazendo valer a espera a série soube equilibrar o plot com um visual impecável que nos transporta para uma experiência sensorial incrível, com uma boa carga dramática, atuações excelentes (destaque para First, Khaotung e Gemini) e um enredo que soube trabalhar cada instante de tela e cada recurso disponível. Uma das maiores obras de arte da GMM TV.

Nota: 10/10

quarta-feira, 1 de março de 2023

Resenha - Never Let Me Go

Contém Spoilers!

A GMM TV, contra a opinião dos seus haters, vem conseguindo se equilibrar bem entre a inovação dos plots de seus BLs sem perder aquela marca registrada que já nos é conhecida. A começar das carinhas repetidas que vemos revezar em cena já há alguns anos ela tem se esforçado em consolidar cada vez mais a marca que os fãs amam e conquistar novos públicos.

E é bem nesse espaço que se encaixa Never Let Me Go, com uma atmosfera diferente das séries que focam nos descobrimentos da juventude. Aqui os problemas abordados são bem mais sérios enquanto os personagens lidam com essas descobertas. 

Nuengdiao (Phuwin Tangsakyuen, de Fish Upon The Sky) é o solitário herdeiro de uma poderosa família, e que por isso mesmo é alvo de um atentado que resulta na morte de seu pai. Sua mãe então assume os negócios até que ele esteja preparado para cuidar de tudo por conta própria. Sabendo dos perigos que aguardam o menino ela pede ao filho do chefe de segurança, Palm (Pond Naravit, também de Fish Upon The Sky), um jovem que cresceu como pescador mas que é muito forte e responsável, para cuidar do jovem. 

A história se desenrola junto aos conflitos da família de Nueng, com seu tio tentando tomar o controle dos negócios, e consequentes atentados contra sua vida e de sua mãe que envolvem essas disputas. No meio disso tudo, o herdeiro que só queria levar uma vida tranquila como músico, se vê tendo que fugir para se salvar, enquanto descobre as pessoas em quem pode confiar e encontra em Palm um amigo sincero e, depois, um amor verdadeiro. 

Achei incrível como a série trabalha com sutileza a questão do futuro de Nueng. Ele desde o início é visto como alguém que não quer seguir o caminho do pais mas, depois de sua morte, acaba percebendo que não terá outra escolha a não ser sacrificar-se em nome do legado de sua família, especialmente por sua mãe. Ele não é apresentado como o garoto rico e mimado, mas como alguém sem esperança pro próprio futuro, que apenas vai vivendo como dá.

Ao mesmo tempo em que descobre o primeiro amor, e a primeira decepção, em Ben (Chimon Wachirawit, de The Gifted) e a constante desconfiança de seu primo Chopper (Perth Tanapon, de Love By Chance), de quem Ben se reaproxima a medida que a história avança e ambos passam a entender e aceitar melhor seus sentimentos. 

A atuação desses quatro é sensacional, muito embora Perth e Chimon sejam apresentados aqui apenas para chamarem atenção para sua próxima atuação juntos em Dangerous Romance (a ser lançada ainda em 2023). Phuwin e Pond conseguem entregar, assim como em Fish Upon The Sky, uma química sensacional! Mas, se na série anterior eles flutuavam entre a comédia e o romance, aqui tudo gira em torno do drama e do romance que sempre guarda um clima ansioso, uma tensão não resolvida que não permite aos personagens descansarem por nenhum episódio. Até mesmo quando eles fogem ainda sentem o medo de serem encontrados e isso causa um desconforto que foi muito bem mostrado pelos dois atores. 

As cenas de maior apelo dramático são muito bem executadas e os dois estão se mostrando dignos do alto escalão de uma das maiores empresas de entretenimento do país. Nueng e Palm estão descobrindo o mundo cada um à sua maneira. Palm primeiro chega a um mundo onde o dinheiro compra tudo, até a amizade e a consciência das pessoas, enquanto o outro descobre que, algumas coisas, nenhum dinheiro pode comprar e que, para outras, é necessário lutar muito para conseguir. E é essa dialética de uma vida maior, que não exclui mas vai muito além dos sentimentos românticos, que deixa tudo tão belo. 

A fotografia e a trilha sonora são um show à parte. Com uma pegada vintage, em cenas onde se explora muito os contrastes quentes e frios, a sobriedade dos personagens e tons amarelos e azuis, a série tem essa aura retrô que combinou muito com a melancolia e a ansiedade constante que acompanhamos durante toda a temporada. As músicas contribuem ainda mais para isso, seja na bela faixa da coleção Bird Chorus ou as faixas que os protagonistas cantam, com destaque para a de Pond que traz um apelo romântico incrível. 

Enfim, a série se equilibra bem entre a inovação de um plot mais sério e sem medo de ser dramático ou romântico demais ao mesmo tempo que confirma as carinhas conhecidas da empresa. É aquela série que deixa o coração apertado, apreensivo e que faz você querer abraçar os meninos o tempo todo. Incrível. 

Nota: 10/10