terça-feira, 14 de março de 2023

Masculino e Feminino

Em uma breve investigação anterior eu mencionei o fato da beleza ser mais presente tanto mais a forma material reflete a forma ideal, de modo resumido, segundo a tradição iniciada por Platão, depois seguida por Santo Agostinho e endossada pelos escolásticos, em especial Santo Tomás. Nessa concepção, a qual sigo, a beleza masculina estaria tanto mais abrilhantada quanto mais se aproximasse dos ideais masculinos, a saber a seriedade, a virilidade, a firmeza, em contraponto com os sinais femininos de delicadeza, cuidado, mutabilidade... 

De antemão já coloco esses aspectos como complementares e que deles depende o equilíbrio da personalidade e também de determinados grupos. Desse modo é necessário que o lado masculino e feminino de uma pessoa estejam em equilíbrio para que ela consiga explorar as suas potências. Já citei, várias vezes, casos de homens que se destacam pela delicadeza e feminilidade e que me encantam por isso. 

Nesses casos em particular eu também citei que permanece a beleza pela exaltação do elemento abrilhantado, mas que ela tanto mais se revela quanto mais se adequa a forma ideal a que pertence. É por isso que o homem tanto é mais bonito no ser homem, enquanto a mulher encontra sua realização no ser mulher, e ambos, homem e mulher, só podem realizar-se no equilíbrio dos elementos que os compõe. 

Eu não estou me referindo a simples atitudes e nem me limitando as aparências, mas sim de uma conformidade mais profunda com o ser de modo que, cada um, sendo aquilo que é, seja plenamente ou, o mais aproximadamente do que se deve ser. 

Penso num exemplo, um homem deve ser viril, por definição da sua hombridade, e isso significa que ele não deve ser demasiado afetado de modo a perder-se e não mais conseguir manter-se ou nem mesmo proteger o que, ou quem, ele ama ou acredita. Mas, para amar e proteger ele precisa da virtude feminina da delicadeza de conseguir apreciar ou se afeiçoar para então conseguir proteger. É nesse equilíbrio que se encontra sua realização. 

É claro que o que estou dizendo não é nada de novo e Aristóteles já havia explicado isso de modo muito melhor do que eu na sua Ética a Nicômaco. 

A mãe, mulher, traz em sua definição a proteção daqueles que ela gerou e criou, o que é outra combinação dos elementos masculinos e femininos. Ela se afeiçoa aos filhos com a delicadeza do feminino e os protege com a virilidade do masculino. Uma ausência de qualquer um desses elementos, tanto no homem como na mulher, traz desequilíbrio. E daí temos então tantas pessoas que não mais são capazes de exercer a paternidade ou maternidade, por óbvia ausência das virtudes de cada um. 

Os elementos que se contrapõe são constitutivos da realidade, masculino e feminino, positivo e negativo, mutável e permanente... Essas coisas permeiam a existência, já os antigos sabiam disso, como os pré-socráticos ao buscarem os elementos constitutivos da existência ou os orientais ao trabalhar os opostos na cosmos, como forças que constantemente se opõem e se fortalecem ao mesmo modo. 

Não sei, no entanto, como posso equacionar o elemento do Belo nos rapazes afeminados que tanto me atraem e que muitas vezes eu me ponho e imitar, de modo que se, por um lado, eu reconheço tratar-se de uma gradação inferior do Belo pela ausência do elemento masculino e exaltação do feminino, do mesmo modo eu não consigo deixar de admirar as suas faces róseas e delicadas, senão que tendo a pensar que os elementos masculinos e femininos estão desequilibrados em mim mesmo e que isso têm afetado a minha própria percepção. 

Uma amiga me chamou atenção para o fato de que nas diferentes pessoas essa equação do equilíbrio entre o masculino e o feminino podem ser distintas. Conquanto a pessoa consegue achar esse equilíbrio, ainda que ele destoe da maioria, o fato de equilibrar em si faz com ele se realize pessoalmente e termine por conseguir explorar as potencialidades. Quando há uma crise existencial ao redor dos elementos que a compõe ela revela um desequilíbrio e fica impossibilitada de agir. 

Eu queria evitar justamente de cair no subjetivismo de dizer que cada um tem uma percepção diferente do seu equilíbrio, mas não vejo como negar isso nesse ponto. Uma forma de fugir do subjetivismo talvez seja dizer que, embora cada equilíbrio seja único, o fato de precisarmos de um equilíbrio seja universal. 

Quando Us Nititorn então consegue o equilíbrio entre a sobriedade na amizade e a sensualidade no palco, o que apontei na investigação imediatamente anterior a essa, realiza-se nele a sua potência artística, e isso é reflexo do seu todo em harmonia com os diversos elementos que o contém. Sendo então o todo maior do que a soma das partes, o todo do artista se torna maior do que apenas a combinação dos elementos antagônicos que ele juntou em si, sendo o seu ser a sua própria essência. 

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