sábado, 30 de dezembro de 2017

Sobre fluxos e vidas

Os últimos dias foram dedicados a uma breve viagem, a casa de alguns parentes em Minas Gerais, e as próximas linhas são reflexões que fiz nas poucas horas que se cercaram entre a partida e a chegada, ao destino e a minha casa. 

O contato com a natureza é algo estranho pra mim. Sendo sincero me deslumbro com as paisagens idílicas, as formações rochosas exuberantes e a imensidão inspiradora que é o campo. Infelizmente a minha compleição delicada me impede de ter a disposição, e a força, necessária para aproveitar essas experiências ao máximo. O que não significa que não aproveite, ao meu jeito.

A natureza me encanta, e isso pra dizer o mínimo. 

Na verdade a natureza me hipnotiza. 

A água cristalina, 

corrente, 

permanente, 

me recorda o fluxo da existência, das coisas que passam, se vão, mas não deixam de ser o que são. Heráclito disse que não entramos no mesmo rio duas vezes, e de fato quando entramos num rio suas águas já não são as mesmas de alguns instantes atrás, mas o rio ainda é rio e isso me ensina que a mudança não desfigura nossa existência mas, antes disso, garante essa mesma existência. 

Pensei no quanto minha vida mudou, 

nos últimos dias, 

no último ano, 

nos últimos 10 anos. 

Visitar uma paisagem que tanto marcou minha segunda infância, e que tentei esquecer na adolescência e agora retorno no início de minha vida adulta é uma grande aventura. 

As folhas e o barulho do vento, e das vozes, me emocionam, e mais de uma vez eu não consegui conter as lágrimas. Olhar os campos onde tantas vezes corri, as águas onde me banhei, as montanhas que tantas vezes observei com o olhar alegre, triste, ou apenas curioso, me recordaram as muitas risadas e as muitas lágrimas que uma vida pode ter.

Assim como as folhas secas no chão contam a história de uma árvore as lembranças contam a história de uma pessoa. E assim como as folhas se acumulam, e as vezes precisam ser retiradas, as lembranças também precisam voar com o vento, para então se tornarem parte do todo que é a natureza mais uma vez, sendo para isso suporte de uma nova vida. As vozes que ouvi, as cores que vi, não eram as mesmas de tempos atrás. Mas o som delas me fez perceber que nossas vozes são nossas folhas. 

É bonito perceber também que nãos estamos apartados dessa realidade, desse todo. Também nós serviremos de alimento para uma nova vida, e também nós nos tornaremos sedimentos, e por fim, apenas lembranças.

O todo é permanente, mas as formas das partes que o compõe não são. 

E nós somos essas partes. 

Nossa vida não é, e nem deveria ser, extática. 

Nossa vida é fluxo, é devir, é fonte que corre. 

Vem o novo, vai o velho, e o todo continua lá. 

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Um tímido agradecimento

Eu sei que não gosta de momentos piegas. 

E que diz o que precisa no silêncio de sua companhia, ou na espontaneidade de um sorriso.

Palavras são desnecessárias pra você não é? 

E isso se contrasta tanto comigo, que só sei dizer o que sinto escrevendo...

Mas obrigado pela tarde de hoje.

Pelo seu sorriso.

Pela sua companhia.

Pela sua existência.

Obrigado por ser quem é.

Por ser como é.

Obrigado por ser você.

 Por existir como você.

 Por me permitir existir com você. 

Palco escuro

Ato único.

A névoa que recobre a escuridão aos poucos mostra a silhueta de um homem. Sua figura se destaca em meio a sangrenta estrutura de uma realidade distinta, onde não há mais do que uma imensidão vazia, de fumaça fria, e tristeza. Aproximando-se daquela figura pobre, magra e curvada vê-se que ela chora. 

O homem chora. 

O homem ri.

No rosto do homem há apenas uma figura estranha, uma garatuja, mescla de horror com um sorriso: um quadro macabro erguendo-se sobre duas pernas secas em meio a noite escura e cinza. 

Ele seca suas lágrimas. 

Abre um doce sorriso.

Aos poucos as lágrimas brotam novamente, lentamente, em seus olhos fundos, marcados pelas escuras olheiras. E logo o sorriso desfigura-se novamente na mescla anterior. 

Seus músculos, rijos, como que molhados por uma chuva impiedosa já não mais atendem seus comandos. Seus ossos tremem até o tutano com a risada de um diabo que, soprando em seu ouvido, o retoma a tudo aquilo que lhe deixou daquela maneira. Ele tenta falar, mas sua voz falha, e apenas grunhidos se ouvem no eco daquele misterioso lugar. 

O diabo surge diante dele, e num rompante de desespero o homem consegue correr. Só quer saber de fugir dali, e usando todas as forças que lhe restam ele deposita em seus músculos e ossos, que gritam em protesto pelo esforço repentino, a esperança de sua salvação.

Mas não há como fugir dali. Primeiro por não se tratar de um lugar, o homem está preso em sua própria mente, e o demônio que o persegue, bem, esse é apenas uma manifestação de sua consciência distorcida. 

Ele tenta gritar, e novamente nada além de grunhidos saltam de seus pulmões em chamas. Leva as mãos a cabeça, na esperança de ao menos tapar a visão da horrível criatura que a poucos passos anuncia sua morte, com uma imensa lâmina embebida em sangue e veneno, prestes a lhe ceifar a vida. 

No entanto a morte não se aproxima dele, não lhe tira a vida, mas ergue-lhe a mão como um amigo faz ao seu próximo caído. Tomado então pela mão fria da morte, que não é mais do que ossos finos cobertos por uma quase imperceptível camada de pele cinza suja de sangue, ele dá alguns passos tímidos, enquanto em sua face, antes tomada pelo medo e escorrendo suor, estampa novamente a mescla de choro e sorriso. Ele sabe aonde a morte lhe vai leva-lo. 

Um espelho ergue-se a sua frente. Emoldurado de ouro envelhecido e já gasto pelas intempéries de um tempo incalculável.  Fitando a figura que vê refletida no espelho o homem é tomado pela confusão. 

O que é aquela coisa? 

É feia.

Velha.

Triste.

Treme como uma folha ao vento.

Chora.

Fede a medo.

E não parece ser capaz de sobreviver mais um minuto sequer.

Seus olhos amarelos e fundos estão manchados de sangue.

Sua pele coberta de suor.

Suas roupas sujas de lama. 

O homem então entra no espelho, tocando com sua face aquela face que lentamente se aproxima. 

Vê-se num mundo distinto. Um salão renascentista. Grande, iluminado, ornado de belas peças de mármore e madeira, encimado por uma abóbada gigantesca e minunciosamente trabalhada e, no centro, uma belíssima candeia de mil cristais. Ouve-se violinos, e uma valsa.

As pessoas dançam. Os homens cortejam as damas num ritual que deve terminar num frenesi luxuriante. A bebida forte faz efeito. 

Em meio a multidão que dança e entrega-se aos prazeres da carne duas figuras se destacam nos extremos do grande salão. 

Uma, bela e altiva, caminha de forma solene, deslizando, e atraindo sobre si as atenções de todos, que o olham com olhar de desejo, da mais imunda e pérfida cobiça. O outro, magro e nervoso, mas por algum motivo também atrai sobre si certa atenção. Talvez por caminhar em direção ao belo espécime que, parando a sua frente no centro do salão, lhe toma pelo braço e conduz-lhe a uma dança. 

Aquela dança termina numa corrida frenética, que culmina num êxtase animalesco, bestial, onde ambos entregam-se aos braços de uma força que não podem compreender, e nem tampouco conter. Como uma chama consome a lenha a luxúria consome-lhes a energia. 

O ar inebria-se de gemidos e impregna-se dos odores suaves daquela tórrida paixão. Já não há mais salão, e nem o mundo delimitado pelas formas definidas da realidade. Apenas um céu vermelho, enevoado, que reflete a paixão que no chão consome-se.

O teatro dos prazeres acontece por toda uma noite, e culmina, não uma, mas várias vezes, em apoteoses de gritos e sorrisos, embebidas em suor e ópio. 

Eles se entregam ao desejo.

Possuem um ao outro.

Dominam um ao outro.

Amam um ao outro.

E num rompante largam-se ao chão. 

Exaustos.

A manhã é prenunciada não pelo sol, que não existe mais naquele mundo, mas pela escuridão que retorna ao sair do espelho. 

O homem percebe então que recordou dos últimos momentos que passou ao lado de seu amado, em meio as loucuras de sua mente despedaçada. Seu amado, que foi-se na manhã seguinte nunca mais lhe deu notícias, e sequer ele soube seu nome, ou se existiu de fato. 

De volta a atmosfera de névoa e escuridão ele se entrega ao chão. 

Em seu semblante a já conhecida mescla de dor e alegria.

Agonia.

Chorando com as imagens que pulam em sua mente ele se entrega de vez aos tentáculos gelados da morte.

Mas não num mundo sem fim de fumaça fria.

Mas no seu quarto, apodrecido pelo horror da traição e do abandono.

Fim do ato.

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Piada cruel

Nosso destino é uma existência cruel. Nossa existência é uma piada cruel. A dicotomia do cosmos, sua organização mais básica, desde a mais elementar das estruturas da realidade é uma grandessíssima piada. Viver é como uma grande pantomima num teatro onde aplaudimos e atuamos, recebemos aplausos e vaias, em meios aos risos de nossas patéticas tentativas de acerto.

Contar uma história, sua história, não é diferente do que escrever uma comédia pastelão. A vida se encarrega de nos fornecer o mais detalhado e imprevisível dos enredos, e no fim, não apenas o personagem principal, mas também o autor é alvo da risadaria estapafúrdia. Isso porque o nosso próprio suspiro inaudível no limiar da história é para o destino um momento de deleite. Nossa morte não seu idílio, é seu tédio, o seu idílio consiste na tortura, completa e complexa do gênero humano, em sua forma mais cruel, onde não há luta nem possibilidade de defesa: seu coração!  

A existência humana se configura, se perfaz e se mostra no conjunto da realidade do mundo material então como uma grande roda da fortuna, um grande teatro macabro, uma experiência helicoidal que, sem princípio ou fim, sempre retorna do seu ponto de partida ao seu objetivo, nunca chegando ou partindo verdadeiramente a lugar algum. A vida é uma piada cruel e seu ponto mais alto é a loucura absoluta!

Nos vemos então presos num eterno ciclo de dor, horror, alegria, júbilo e mais dor. Contrapondo-se entre o bom e o mal, entre o terrível e o fabuloso, o destino revela-se um atormentador não só eficiente, mas O Atormentador, que nos fura, corta, rasga e envenena de todas as formas possíveis e imagináveis, sempre usando do princípio de que, uma centelha de esperança provoca na dor e no desespero um sabor mais agradável ao seu pervertido paladar. 

A nós não nos é permitida nenhuma possibilidade de fuga, nem sequer a morte é uma possibilidade, afinal, seu teatro macabro perfaz sua existência no limiar da eternidade, no vácuo extratemporal do ínfimo instante ao qual chamamos de vida!

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Um Natal às sombras

O Natal já não é mais a festa da luz, há muito deixou de sê-lo. O Natal tornou a festa da falsidade, dos discursos mentirosos, da solidariedade de fim de ano, da generosidade sazonal. O Natal tornou-se a comemoração dos inimigos, que triunfantes gargalham às nossas costas. O Natal não é mais a festa da alegria cristã.

O Natal não é mais a festa da esperança na humanidade, pelo menino Deus que se fez homem para nos salvar, mas tornou-se a celebração do homem que, celebrando a si mesmo, esquece do outro e nos mostra que não há esperança, para a humanidade. 

Cristo, assim como em Belém, foi abandonado ao relento por todos os homens que se ocupam de seus prazeres torpes. A festa que deveria ser por sua encarnação, do Deus grande que se fez homem e pequenino, tornou-se a festa do próprio homem, que se fez Deus, e engrandece a própria miséria.

Como Cristo, a quem deram as costas, na manjedoura e na Cruz, também aqueles que nos cercam nos dão as costas diariamente, e experimentamos um pouco daquilo que a Sagrada Família de Nazaré experimentou. 

Nesse Natal contemplo os amigos que se foram, os inimigos que se multiplicam, e até em meu coração o pobre menino Jesus se vê anuviado por entre as terríveis batalhas que minha mente e meu coração travam. 

Não sinto vontade de passar esses dias ao lado de ninguém que se diz amigo. Apenas gostaria de ficar sozinho, no escuro, ouvindo a chuva bater na janela, sem me preocupar com as dificuldades que é crer que o outro possa fazer qualquer coisa que não seja decepcionar em absolutamente todos os campos da minha vida. 

Não sinto vontade de passar esses dias ao lado da família tampouco, não daqueles que, usando o sangue para justificar suas falsidades, buscam apenas o seu próprio engrandecimento.

Infelizmente a mais singela das alegrias do homem perdeu-se em meio ao seu próprio ego. Perdeu-se e não mais vê-se, em meio a escuridão, a centelha do clarão que foi o nascimento do menino Deus. Oh, como quisera que nós pudéssemos nos guiar pela luz da estrela e assim encontrar o real sentido daquilo que há muito perdemos. Mas, pelo que pude observar, nossos discursos vazios e atitudes cheias de significados cada vez mais nos afastarão de Deus. 

sábado, 23 de dezembro de 2017

Levando a vida

A necessidade de minha existência apenas se mostra na necessidade do outro. O outro apenas percebe o meu eu, não eu mas aparente eu, apenas na crise, na dor, do luto. É na necessidade do outro que minha existência ganha sentido.

Haverá em mim algum outro sentido? Haverá em mim alguma outra razão de ser, senão de ser pelo outro e para o outro? Será que a realização de uma pessoa está na realização do outro e não na realização de si?

Sou como uma ferramenta, uma arma, desembainhada apenas em momentos de necessidade. E o que é uma espada embainhada senão uma espada morta, incapaz de cumprir seu propósito? 

Também sou uma espada, porém embainhada, incapaz de servir a qualquer propósito. Apenas sou recordado quando de mim precisam de algo, e mesmo quando me afasto, vejo que sou facilmente substituível. 

Ou seja: não há sentido em minha existência. Não há razão para apenas vagar por aí, sem rumo, sem propósito, sendo que meu único propósito é não ser inútil ao próximo, mesmo sendo o mais inútil de todos. 

Por isso sou apenas o amigo que ajuda. Não sou lembrado nos momentos de alegria, ou nas confraternizações, mas apenas na aflição, quando se torna minha obrigação ajudar e, mesmo que pra isso tenha de me sacrificar, até mesmo morrer. 

Sim, de fato é uma forma patética de levar a vida!

Direito e realidade

Não é a hora correta de questionar-me quanto as grandes questões de minha existência pueril. Grandes não em complexidade real, mas enormes diante de meu intelecto inferior.

Você nunca se deu conta não é, de que meu olhar era diferente ao te fitar. Nunca notou o quanto evitava te olhar, pois evitava estremecer diante seus olhos doces e perdidos.

Não é a hora de pensar em você. 

Na verdade nunca deveria pensar em você. 

Não tenho esse direito, não deveria me atrever. 

Mas tudo bem, se pra você minha existência continua sendo tão importante quanto a de um inseto. Se meu olhar pra você equivale ao nada. Se meu esquecido equivale a totalidade da inexistência... Mas ainda não devia pensar em você. 

Isso porque uma cobra que rasteja pelo chão não deveria sonhar com o falcão que voa no imenso céu azul. Quando ela o faz, torna-se uma abominação, pois uma cobra nunca poderá voar no imenso céu azul. Apenas o ato de sonhar torna-se herético, por desejar mudar a natureza da realidade.

E a minha realidade é essa. 

Nossa realidade é essa. 

Eu observo sua existência enquanto você sequer dá-se conta, de minha quase inexistência.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Além, aquém

É errado que eu veja além? 

Além do outro, 
além do mundo, 
além das aparências, 
além dos ditames, 
além dos esconderijos, 
além das escolhas, 
além das crenças infundadas,
 além das infidelidades, 
além das obrigações, 
além do que deve ser, 
além do que dizem ser.

É errado viver além?
Viver além daquilo que querem que viva
Aquém daquilo que querem que viva
Além da forma torpe, banal, trivial, superficial que querem que viva?
É errado apontar ao outro que vive uma mentira?
Ou meu desejo faz com que conceba eu, que o outro vive uma mentira?

Sempre assim

Você estava a poucos centímetros de mim. E ao mesmo tempo nunca estive tão distante de outra pessoa no mundo. Você não estava a poucos centímetros de mim, estava num mundo completamente distinto do meu. 

Estando então em outro mundo, o meu não encontrou razão para continuar existindo, e ruiu silenciosamente há poucos passos de ti. 

Enquanto fitava suas costas largas, sua pele mármorea e apolinia, branca e rosada, o horizonte do meu eu se encobria de um cinza opaco, que eram as cinzas as quais foram reduzidas a minha vontade.

Tão perto de mim. Tão distante de ti. É sempre assim: quanto mais nos aproximamos de algo, mais difícil fica de ver... É sempre assim com você!?

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Da insuficiência da linguagem

Einstein certa vez disse que "duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana, mas quanto ao universo ainda não tenho certeza." Pois bem, eu o parafraseio, dizendo que também a indiferença humana não tem fim. 

Obviamente não poderia me excluir dessa máxima, afinal também compreendo-me inserido dentro do gênero humano. Também me sinto tão indiferente com relação as dores e aspirações do mundo que chego a questionar a veracidade de minha afirmação na frase anterior. 

Mas isso não significa que apenas me sinto excluído, isso seria um eufemismo, não me sinto excluído. Me sinto completa e absolutamente fora do contexto humano. O que é importante para mim é completamente trivial ao outro, e aquilo que todos consideram como prioridade, a mim não é mais do que absolutamente dispensável.

Talvez a minha única semelhança com o outro sejam minha alma e forma humanas, diferenciando-me em todo o resto. 

Será que sou tão diferente assim? Tão errado assim? Será mesmo que sou tão incapaz assim de compreender o outro? Pois tudo o que dizem não me soa mais compreensível do que o balbuciar de macacos. E por mais que fale, tampouco consigo me fazer entender. 

Enquanto choram, perguntam o motivo do choro, e perguntam até mesmo se choram de verdade. Quando riem, perguntam o motivo do sorriso, e até questionam a veracidade do mesmo sorriso. É tão difícil assim se fazer entender? Quanto mais compreender...

A busca pela compreensão, ou ao menos pelo entendimento, tem-se mostrado uma guerra inútil, cuja batalha apenas me cansa, e é incapaz de me satisfazer. 

Deveria eu desistir, e apenas passar a viver sem reclamar do outro a minha compreensão, ou sem buscar entender do outro a palavra? O que fazer quando nem mesmo eu consigo compreender o que digo?

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Um sorriso se apagou. Uma voz se calou.

Eu acordei e abri meus olhos sonolentos
Em pouco tempo será amanhã de novo
Em um piscar de olhos, uma dia passou, tão triste
Meu coração tenta esconder*

Acordei nessa ensolarada, porém igualmente cinza, manhã de segunda com uma triste notícia, capaz de me levar a refletir, mais uma vez, acerca dos meus próprios valores e da forma como enxergo a minha e a vida dos outros ao meu redor.

Kim Jonghyun, vocal do grupo coreano SHINee, cometeu suicídio em seu apartamento no último domingo. Pouco tempo antes ele mandou algumas mensagens a sua irmã, que chamou a Polícia, e que confirmou sua morte ainda a caminho do hospital. É sabido que ele lutava com a depressão já há alguns anos, e as últimas fotos do seu Instagram deram indícios de suas intenções.

Pois bem, antes que comece a me debruçar sobre esse fato preciso dizer que não compartilho das mesmas intenções que a maioria tem ao tratar sobre o suicídio, seja de pessoas famosas ou não. Aqueles que escrevem sobre sempre falam como a depressão é silenciosa aqueles que convivem com ela, ou de como precisamos ser mais atentos ao outro. Também falam acerca da solidariedade comum, em que, mesmo não conhecendo tal artista ainda devem mostrar algum tipo de comoção, como se a demonstração, ou não, de alguma comoção fosse uma espécie de termômetro social em que se mede o nível de humanidade das pessoas. Essas coisas me incomodam.

Primeiramente é óbvio que ele, sendo um idol literalmente do outro lado do mundo, não exercia sobre mim mais do que as influências de suas músicas ou o afeto pela sua imagem já tão familiar a mim. Mas mesmo estando tão distante a notícia me abalou mais do que a morte de pessoas que me foram muito próximas. 

É estranho o fato de que alguém tão distante, a quem nunca tive a menor pretensão de conhecer pessoalmente, exerça tal influência sobre mim. Isso só me mostra, e reforça, a convicção que tenho acerca da linguagem universal da música. Ora, Jonghyun era conhecido pela voz poderosa e pelo destaque essa mesma voz tinha nas baladas românticas. De fato a sua mensagem pôde ser dita a mim através de um idioma completamente distinto do meu, e ainda assim compreendida em sua totalidade. 

O tempo passa sem controle
Nossos sentimentos sensacionais
Tão confortável que você se sente
Como se fosse normal
Esses pensamentos me deixam triste*

Isso me mostra o quão errado estão os que defendem a não audição de musicas internacionais pura e simplesmente porque não se entende o que dizem. Discordo absolutamente, pois a mesma se diz numa forma de comunicação distinta da linguagem idiomática, e sendo uma forma superior, apenas pode se fazer uso desta, sem que dela se torne dependente. 

Mas passemos adiante. Já não mais adianta lamentar a falta de atenção da família e amigos, não há mais nada a se fazer quando algo se consuma dessa maneira. Nem tampouco creio que seja produtivo tentar buscar indícios, motivos, o que quer que tenha sido. 

Também não compreendo completamente a busca pela comoção do outro. Se a dor é nossa, daqueles que a sentem nesse momento, não há razão para buscá-la no outro, mas apenas vivencia-la em sua intensidade e dela tentar abstrair algo de produtivo. As pessoas não compreenderão a dor por alguém tão distante que se foi, apenas quem sentiu algo semelhante pode se solidarizar com isso. 

O fato é que perdemos uma grande estrela. Dono de uma voz sensacional, que muitas vezes tentei imitar, e de um carisma contagiante. Não consigo me recordar as inumeráveis vezes que tentei imitar seus passos de dança na frente do computador, ou do quanto me encantava seu sorriso, que até pouco tempo ocupava a tela do meu celular, para que pudesse ver com mais frequência. Muitas vezes repetia a mesma live por horas, apenas observando o seu sorriso aberto, tão sedutor, e sua presença magnífica. Um dos meus primeiros idols na música coreana. E agora se foi... 

Um sorriso se apagou. Uma voz se calou. Grande a perda pro mundo. Junto com tantas outras inumeráveis perdas da mesma forma trágica, ainda tão incompreendida a todos nós. 

Nossas histórias, empilhadas como memórias
Vão continuar hoje

Em Honesty, minha faixa favorita do grupo, Jonghyun canta que a partir daquele momento as nossas histórias (do grupo e dos fãs) se cruzariam pra sempre. E de fato penso que seja assim, afinal sua voz pra sempre ficará marcada nos nossos corações. Em outra frase, versos depois, ele agradece aos shawols pelo ódio que eles recebem em seu lugar. Mudando o ponto de vista agora eu percebo que nós é que deveríamos cantar isso a ele, por ter suportando tanto e sozinho, mesmo estando sempre rodeado por tanta gente. 

Sempre ali, me protegendo
Sempre recebendo o ódio que eu deveria ter recebido
A imagem de você me abraçando
Sem nenhuma palavra e agora
Eu que vou abraçar você

E a nós, fãs, o que resta? O sentimento de insuficiência, de falha para com aquele que dizíamos amar. A tristeza pela voz que agora ecoa em nossos corações e a saudade, que será muita cada vez que esse grande nome for por nós evocado. Também nos resta o apoio aos meninos que restaram, e que também passam por dificuldades. 

Sua pequena mão
Se torna minha maior fonte de força...

(*Tradução de trechos de Honesty - SHINee)


Descanse em paz, grande estrela, brilhe agora para nós lá do céu!

Antes de dormir

Apesar do cansaço físico e mental do dia de hoje que, embora leve, ainda tenha me deixado de cama dada a exaustão, ainda quero falar do amor. 

Obviamente inspirado por uma visão externa, que modificou meu interior, me vi refletindo nos últimos dias acerca do relacionamento que venho desejando, com afinco e certo desespero, nos últimos tempos. 

Acho que a palavra que, talvez, possa resumir o que busco seja "companhia". 

Não é difícil perceber em minha breve história o quanto o companheirismo tem sido pra mim causa de choro e ranger de dentes. Isso porque sigo a tendência de confiar demais e, quase sem escrúpulos, me abrir com facilidade. O que obviamente resulta em sofrimento, dado o fato de que poucas pessoas estão realmente interessadas em ajudar, ou capacitadas pra tal. 

Infelizmente dizer isso implica aceitar ser minha busca pautada num interesse. Trágica verdade que apenas me conduzirá a morte certa! Os demais atributos de um possível relacionamento ideal estão, de certo modo, contidos no dito companheirismo. Claro que busco alguém que me ame, e que me compreenda, e que mesmo discordando possa estar ao meu lado. Essa é a companhia que busco. 

Quantas vezes me vi sonhando com o amor das séries, idealizados, onde dois companheiros andam de mãos dadas numa rua ou praia, sem se importarem com nada além de um ao outro. Oh, que ditosa ventura seria viver algo assim. Digno dos sonhos idealizados pelos maiores diretores de BL da Ásia. Oh que ditosa ventura seria ter um amor, uma companhia. 

Mas hoje as pessoas não buscam mais companhia. Ao menos não no sentido complexo da palavra, mas apenas companhias temporárias, efêmeras e superficiais. Eu abomino tal companhia superficial. Nosso relacionamento com o celular deve ser superficial, mas não o relacionamento com o outro. 

Com o outro deve-se prezar o máximo de continuidade possível!

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Sem grilhões

Não me ponha amarras
Não me prenda a grilhões
Não acorrente-me a suas colunas na escuridão

Não me deixe longe da luz do sol e da harmonia das minhas cores
Não teça para mim uma camisa de força
Me me meça segundo os seus medos e apreensões

Que me impeça de dançar
De levantar os meus braços aos ceús
Que me impeça de simplesmente existir como sou

Não suporto ser comedido
Amarrado
Anuviado

Não aguento ser o que não sou
Não sei ser o que não sou
Minha existência se define pelo que sou

Não me ponha amarras
Não me prenda a grilhões
Não acorrente-me a suas colunas na escuridão

Uma noite difícil

Não consegui terminar o Epistolário Teresiano, demasiado enfadonho pra entender. Mas queria tê-lo em minha lista de feitos. Ao que parece não fui feito pra compreender a mística como gostaria. Não sou místico. 

São João se envergonha de mim. 

Não consegui começar a estudar o Denzinger, o tamanho da doutrina sem embasamento não me permite prosseguir. Preciso de uma faculdade de teologia. Mas preciso antes terminar a filosofia. Também quero retomar os estudos históricos, mas é muita coisa pra conseguir assimilar. Não dou conta de tudo....

Não consegui entender a teoria contratualista de Rousseau. 

Cansado demais pra prosseguir.

Não deveria ser assim.

Era pra ser mais fácil. 

Eu devia ser um intelectual. 

Um intelectual é a única coisa que quero ser, e nem isso sou capaz de fazer. 

Não sou intelectual, apenas pedante e decorativo. 

Não sou intelectual, nem tampouco consigo uma vida social decente. Meus amigos me esqueceram ou eu os esqueci. Meus amantes me largaram porque perceberam que podem encontrar coisa melhor que eu.

No fundo não passo de um fracassado, em todos os sentidos. Intelectual, social, emocional

Essa constatação me corta, me desespera, me faz querer gritar.

Eu vou chorar.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Portais

Fechei os olhos por alguns instantes, enquanto me concentrava nas palavras metálicas do sacerdote que, do ambão, proferia seu sermão no dia de Santa Luzia. Por alguns instantes vislumbrei alguns dos cristãos que foram brutalmente martirizados em nome de sua fé pelo império romano, e que incluíam a jovem Luzia, morta a época do Imperador Diocleciano. 

Talvez como que numa relação de magnetismo o meu centro de equilíbrio foi balançado, e senti que próximo a mim uma força se aproximara. Silenciosa, quase imperceptível, possivelmente invisível aos olhos de todos os outros, materializou-se um ser de luz. 

Okay, admito que nada se materializou de verdade, isso foi só a minha veia poética dizendo que alguém se aproximou de mim. Mas mesmo sentando há alguns poucos metros de distância eu podia sentir a sua presença, tão forte e esmagadora como se me pressionasse contra o chão com o peso de dezenas de toneladas.

Ao término da Divina Liturgia, fui interpolado pelo seu olhar divino, hipnotizado por aqueles portais para um paraíso azul, onde o frio e o calor de uma personalidade dúbia se mesclam numa dicotomia única nesse mundo. 

O demiurgo riu-se de mim naquele momento, em que sua criação mais perfeita foi posta ante sua mais deformada, e o disparate que cruzou meu pensamento num lampejo de esperança infundada lho deu um prazer doce como mel. 

Em mim, por outro lado, o sabor deixado foi o azedo, causado pela distância que no instante seguinte se instaurou entre nós. 

Divertiu-se com minha expressão lânguida e escura? Meu horror em constatar o óbvio lhe causou prazer, oh temível senhor da fortuna? Espero que minha carne em chamas tenha lhe dado a alegria que buscavas em plasmar tão grandioso teatro, apenas na intenção de me matar...

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

O não querer

Não quero escrever sobre você. Isso porquê não quero pensar em você. 

Não quero fechar os olhos e ver sua imagem estampada em minha mente, como um fantasma de minha consciência. 

Não quero me deitar e ouvir sua voz a sorrir, ou a dizer-me coisas ruins, não quero te ouvir. 

Não quero adormecer e sonhar com você, seja andando a meu lado como antes ou me dizendo as coisas horríveis que me disse. 

Não quero imaginar o seu toque em minha pela, despertando em mim os sentimentos que sempre despertou. 

Não quero sonhar com você, pensar em você, recordar-me de você. 

Não quero chorar.

Por você. 

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Fragmentos

Muitas vezes já tratei da forma como, a medida em que passa o tempo, modificamos nossa forma de ver o mundo e encarar a vida e seus problemas. Surpreendo-me ao olhar no espelho e muitas vezes não reconhecer a figura que nele vejo refletida.

Como podemos mudar tanto em tão pouco tempo? Como algo que nos proporcionava tão doces e deleitosos sorrisos pode ser agora razão de asco e repulsa? O poeta tinha razão em afirmar que a mão que um dia nos afagou é a mesma que um dia há de nos apedrejar. 

O amigo que um dia jurou fidelidade e gratidão no momento de sua aflição foi o primeiro a dar as costas quando não mais precisava do outro. As vezes algo se quebra, e por mais que se tente consertar, dificilmente será como era antes. A amizade é como um cristal fino, não pode ser restaurada. Sinto como se tivesse sido partido em mil pedaços, mas não por um amante, mas por um amado em quem depositei a minha confiança, e que, quando não mais precisava de mim, apenas deu-me as costas e partiu para terras distantes. 

Como o poeta também lançarei pedras as mãos que me afagam, e não aguardarei pelo momento do escarro da boca que me beija. 

A solidão do homem não é senão um trágico destino, mas se encontra impressa desde a epigênese em seu âmago: o homem nasceu para viver só, e morrerá só, apenas desejando para si uma companhia real. E o último vislumbre dessa vida, em seu leito de morte, quando o manto negro se estender por sobre sua vista, será o do rosto do destino, contorcido de prazer, ao ver o resultado de toda uma vida de tortura. 

domingo, 10 de dezembro de 2017

O que se esconde no olhar

A multidão é uma ilusão. Ilusão que nos leva a crer estarmos rodeados de pessoas, quando na verdade estamos todos, e cada um de nós, completa e absolutamente isolados numa realidade mental tão particular e tão pessoal que é praticamente impossível estar em companhia de outra pessoa, não importa quem seja.

O outro não é capaz de ver o que se passa em nosso coração, ainda que o digamos, e nós também não o somos. Vemos uma pessoa na rua, as vezes ganhamos dela um sorriso, um cumprimento, ou até mesmo um abraço atrapalhado. 

Podemos considerar essas ações das mais diversas formas possíveis. Como um simples gesto de educação, o que geralmente é, ou um ato de carinho e consideração, o que geralmente penso que é. Mas no momento daquele sorriso, daquele abraço, não podemos saber o que se passa nele naquele momento, nem podemos esperar que ele compreenda as explosões que no nosso íntimo se dão.

Assim foi um abraço que ganhei hoje. Que numa fração de segundo despertou em mim poderosas explosões, mas que no plano exterior não passou de um mero cumprimento formal. O mundo seguiu girando normalmente depois disso, embora o eixo de minha órbita tenha sido completamente deslocado. 

Gostaria de naquele momento ter compreendido o sentimento dele por mim, se é que havia algum. O que será que ele pensou, no breve momento em que meus braços o envolveram? Ou quando meus olhos fitaram seu doce olhar cor de esmeralda? O que se passava em sua mente? Um conhecido fugaz? Quem sabe uma paixão escondida por detrás daquele olhar?

Fio

O dia se encontrou imerso na mais absoluta escuridão. O Sol me machuca, e a negritude solitária se mostrou mais reconfortante e segura que a claridade mundana. 

A escuridão provocou em mim a impressão de que o tempo parara, e que ali poderia ficar eternamente. Mas não poderia. Logo a realidade irrompeu por entre os umbrais de minha introspecção, e com golpes poderosos derrubou as minhas barreiras, expondo ao mundo as minhas fraquezas. 

A exposição dessas fraquezas nos refletir quais os nossos limites. Até onde devemos, e podemos, ir? Como melhorar o nosso relacionamento com o outro, com Deus, se parece que já atingimos nosso limite, se parece que não podemos mais melhorar?

O silêncio é o fio condutor do grito de desespero que a falta de resposta provoca em nós. 

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Monstros e rodas: Retrospectiva 2017

Com o fim do ano se aproximando o pensamento retrospectivo é quase inevitável. Seja motivado pelas listas com propostas de mudanças e transformações ou pelas retrospectivas propriamente ditas, é inegável que dezembro traga consigo uma aura nostálgica, que tende a nos fazer refletir, e inteligir o que se passou, o que fizemos e deixamos de fazer.

Não pretendo olhar o post do ano passado que escrevi sobre isso para não me deprimir ao ver que não cumpri as metas que estabeleci, se é que o fiz, mas mais uma vez buscarei pensar no que seu durante esse ano, e no que está dentro da possibilidade de mudança.

Recordo que 2016 foi um ano de terríveis decepções, onde mergulhei na mais profunda angústia, e ainda em boa parte de 2017 foi assim. Mas esse ano aprendi a viver com a dor, e sorrir apesar da dor, o que considero ser um sinal de amadurecimento, ou desespero.

Esse ano eu compreendi, ou ao menos comecei a fazê-lo, que não é necessário nada que venha do outro para me fazer feliz, e que a expectativa é mãe da decepção, e sua única causa e razão. Aprendi que ajuda pode vir de onde menos esperamos, e que a traição pode vir da mesma mão que um dia nos ergueu do chão, do lamaçal, de nosso abismo interior.

Quanto a isso, me vi completamente entregue a uma nova amizade, não necessariamente nova mas cuja real aproximação só se deu esse ano, e que contribuiu para que eu encontrasse uma centelha de esperança na vida. Amizade essa que meses mais tarde se provou completamente desequilibrada e perigosa.

Talvez a minha maior, ou a única, conquista tenha sido a percepção. Percebi que nem todos querem, ou são capazes, de ajudar. Percebi que algumas coisas são passageiras, e que essa característica delas não diminui a sua importância, mas apenas não foram feitas para durarem eternamente. Aceitar isso é um passo rumo a felicidade, ou ao menos rumo a paz interior.

Ah... Paz interior! O quanto lutei para alcançá-la e, ainda que de modo imperfeito, penso já conseguir vislumbrar ao menos sua silhueta no horizonte do amadurecimento.

Percebi que o mais doce olhar de carinho e ternura pode se transformar em ódio e desprezo, e percebi que pessoas geralmente boas podem revelar-se tão cruéis quanto os assassinos das grandes histórias macabras que assustam o imaginário do povo. O monstro pode, e quase sempre o faz, se disfarçar de homem, e sendo homem doce nos leva a uma morte amarga. O mesmo monstro que nos mata pode habitar também em nós. E percebi que também sou capaz do mal.

Talvez o monstro seja a figura que melhor defina esse ano, ao lado da roda da fortuna, muito embora sobre essa última eu pouco tenha falado, mas ao mesmo tempo ela esteve presente e se fez em cada um dos dias que vivi.

O monstro simboliza o homem bom, que esconde dentro de si uma vontade maligna e um descontrole total. Descontrole que, admito, me possuiu por grande parte do tempo, resultado das muitas tentativas de me encontrar em meio ao caos. Mas o caos não pode ser organizado, e nós somos o caos.

Mais uma vez os benzodiazepínicos se mostraram a melhor companhia, e talvez a única a não decepcionar. Infelizmente não posso dar a eles o destaque que merecem, afinal, pra isso deveria andar com uma camiseta a todo tempo dizendo que só sobrevivi graças ao Rivotril e o Lexotan (sem esquecer o Diazepan).

Pois bem, o ano que se passou foi difícil, marcado pela superação. Foi um ano de monstros, altos e baixos, lágrimas e sorrisos. Foi um ano vivido, no sentido total da palavra!

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

A altivez em meio as chamas

A inspiração surge como uma doce melodia, que nas teclas de um piano é capaz de contar as intempéries sofridas por uma alma atormentada pelos fantasmas do próprio passado, que ao seu ouvido murmuram palavras macabras de desdém, e que como vermes a comerem a carne putrefata de um cadáver, devoram as entranhas de um coração que há muito busca na vida uma razão para continuar a existir, ou para finalmente dar cabo de sua existência miserável.

Na mente contrasta com o coração a bela imagem de um ser alado, quase seráfico, a orbitar por sobre as cabeças de um pobre miserável. A visão daquele anjo superior lhe perturba a alma tal qual um exército inimigo perturba uma nação dada sua supremacia beligerante. Um anjo alto lhe circunda a alcova, com uma luz divinal a lhe cobrir o corpo. Sua imagem alva contrasta com o azul nebuloso da noite adornada por uma miríade incontável de corpos celestes que, no entanto, não conseguem brilhar tanto como aquela figura que na noite escura se plasma.

O homem na noite escura busca aquele por quem sua alma clama, e ama sonhar com sua figura idílica. Na noite escura ele busca por quem sua alma ama, e o amando por ele a clama. 

Aquela figura se destaca não só pelo seu brilho, mas pela perfeição de sua forma. Nem mesmo as rosas possuem tão delicada beleza, e nem milhares de seus espinhos poderiam se comparar a altivez que sua presença transmitia. Tal como um trigal iluminado pelo sol radiante seu olhar aquecia o mundo, e parecia mergulhar a totalidade da existência num abismo de gelo caso se retirasse dali.

Em sua mão segurava uma espada que, embora coberta pela bainha, deixava desprender de si poderosas chamas, que abrasavam a terra e transformavam aquilo em que tocavam em cinzas. Poderia reduzir o universo às cinzas se quisesse, e como naquele dia de ira o mundo seria envolto em cinza fria. 

Mas aquela visão não era apenas uma mera visão, e aquelas chamas provavam isso, ao passo que não passava de uma visão, e da mesma forma como apareceu, desapareceu, deixando o coração do homem mergulhado no mais absoluto terror, e horror, pela perda de tão grande ser que um dia o visitou. 

Dor e prazer

Sabe, estou começando a me habituar com as idas e vindas da minha existência. Percebendo, aos poucos, que os dias que passam se assemelham mais com uma roda gigante, uma roda da fortuna, que as vezes se encontra no topo, e outras vezes desce violenta e abruptamente. 

A fortuna, como já disse várias vezes, é mutável, e essa é a sua essência. Ela é como a lua, usando o exemplo dos Carmina Burana, sempre mutável, as vezes crescente, as vezes diminuta. Não há como controlar a sorte, ela é uma força da natureza, e contra uma força da natureza não se luta, apenas se sobrevive!

Nos surpreendemos com a maldade que as mãos do destino podem plasmar em nossas vidas, nos desesperamos com a dor e o horror que ante nossos olhos se mostram. Mas também nos deleitamos com as doçuras que a vida nos dá, com as alegrias e prazeres que enebriam nossos sentidos. A dor e a luxúria se mostram então nos opostos da roda da fortuna. 

É a dicotomia entre dor e prazer que move o mundo. O homem busca fugir da dor e se deleitar no prazer, enquanto causa dor ao outro e lhe rouba seu prazer. Essa é a causa e a razão de todas as guerras e conflitos no mundo, desde a mais ínfima discussão entre parceiros até os mais devastadores conflitos bélicos. A dor e o prazer regem o mundo, são eles os deuses ao redor dos quais gravitam nossas vidas inúteis e ínfimas. A dor e o prazer dominam nossas vidas, e pensamos lutar por eles, e a eles conquistar, quando na verdade apenas damos voltas nas palmas das mãos do destino. 

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Dor e alegria

Hoje, especialmente, compreendo as palavras de Santa Teresinha que um dia afirmou que alegria e dor viviam juntas em sua alma. 

Acredito que ela tenha se referido a essa mescla de sentidos que, sendo dolorosos, não tiram do outro sua força e beleza. A alegria não é ofuscada pela dor, e nem tampouco a dor diminui pela alegria. Ambas coexistem, coabitam, dividindo a alma em duas, mas ambas inseridas igualmente na totalidade do ser. 

Aquele que conseguisse expandir-se e abarcar a totalidade da existência com seu ser, abarcaria o mundo inteiro com sua dor e sua alegria. Ambas habitariam no mundo como na alma habitam. Mas ora, já é assim que as coisas são? Uma percepção básica da realidade já não é capaz de bem demonstrar a dicotomia entre dor e alegria, bem e mal, que existem no mundo? 

Isso não é, no entanto, uma afirmação maniqueísta da coisa. Não, isso não significa dizer que tudo se resume entre a dor e a alegria, o preto e o branco, mas dizer que ambas as cores se misturam em diversas formas, dando ao mundo um espectro cinza. O mundo não é dor ou alegria, mas dor e alegria, em diversas proporções. 

Como diz a música, após a dor vem a alegria, e depois mais dor, e mais alegria, e assim segue a sinfonia da vida, cantando vitórias e derrotas numa profusão melódica única, incomparável e poderosa demais para se escapar dela, e assim romper o ciclo. 

domingo, 3 de dezembro de 2017

Queda

Como descrever as horas que transcorreram no último dia? Como cantar ou poetizar o declínio  voraz que minha alegria experimentou, caindo do mais alto posto ao mais imundo dos lamaçais? Como dizer o quão grandiosa foi a derrota após uma pequena vitória, capaz de dar uma singela alegria a minha alma maldita?

Ó, como caíram os grandiosos, e como tornam a cair os que nem sequer são tão grandes assim. Como quisera poder descrever a doçura daquele olhar, e a paz que trouxe a minha alma naquele momento. Como quisera tornar aquele breve instante num infinito. Como quisera viver ali eternamente, sem precisar encarar os olhares de todos os outros. Habitando para sempre no âmago do seu ser, não  apenas nascido ser, mas tornado nós. 

A alegria daquele momento ínfimo foi tão fugaz quanto o próprio momento. Antes mesmo que pudesse me deleitar naquela idílica lembrança uma notícia me cobriu como ácido, e derreteu os meus circuitos responsáveis pela minha parca sanidade, tão dolorosamente construída nos últimos meses, mas de forma tão frágil que permitiu-se ser abalada. 

Talvez seja esta mais uma brincadeira do destino, que diverte-se vendo-me dançar em sua mão como um macaco. Talvez seja um sinal de que, de uma vez por todas, deva parar de crer que a felicidade é possível para todos. Talvez deva crer que algumas pessoas foram apenas criadas para sofrer, enquanto observam a felicidade dos outros, sob às custas de suas próprias lágrimas.

Percebo que são minhas lágrimas a regar a felicidade dos outros, e é as custas de meu sangue que seus sonhos são realizados.

A desesperança aos poucos toma conta do meu ser, em contrapartida as palavras do sacerdote cuja homilia ouvi enquanto contemplava a doce face de um anjo, o meu anjo, que nunca chegou a ser meu. 

Clamor

Ontem, enquanto cantava, subitamente me veio uma sensação de vazio em meus braços. Como era de se esperar era o vazio que seu corpo deixou em mim. Era ali, onde meus braços se acostumaram a serem pressionados, que ficava seu corpo, repousando delicado em meu colo. 

Meus braços doeram, pois o peso havia se esvaído. Se foi como fumaça por entre meus dedos, como uma música sumindo, diminuindo, até não estar mais ali. 

Minha voz se calou, e meu coração chorou. Algumas lágrimas teriam caído, mas não consegui sequer chorar de verdade, tamanha tristeza que aquela constatação me provocou. Naquela hora me tornei vulnerável, e meu mundo caiu, mais uma vez. 

Não há mais nada a se dizer. Não há uma conclusão, um aprendizado ou lição. Apenas a fria constatação de que, desde que você se foi, em mim restou apenas um grande vazio, e nesse vazio me angustio e clamo por você... 

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Permissão

Me deixe cuidar de você
Segurar sua mão
Deixe guiar sua visão

Me deixe ser o seu homem
Seu amigo
Seu porto seguro

Me deixe ficar ao seu lado
Chore em meu ombro
Durma em meu colo

Me deixe afagar seu cabelo
Enquanto a meia brisa amena
Afaga nossos corações

Me deixe caminhar como você
Sem estar sempre um passo atrás
Sem me achar indigno de sua amizade ou seu amor

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Fração

Tu também não me vês como me vejo. Para você não sou mais do que um livro a ser consultado, seja quando precisa de uma referência ou quando deseja partilhar suas reflexões. Enxergas meu intelecto mas não a pessoa que por detrás dele se esconde. 

Você fala de máscaras, felicidade, liberdade, mas para me relacionar com você não enxergas mais do que uma pesada máscara que nunca ergui para ti. Não me enxergas como sou, mas como um ser distante e frio, que na verdade é uma projeção de si mesmo em mim. Pensas em mim como alguém sempre disposto a ensinar e a aprender mas nunca como alguém capaz de amar. De fato tua visão de mim destoa de tal forma de quem sou realmente que facilmente poderia dizer-se que trata-se de duas pessoas distintas...

Quem sou eu para você? Algum dia conseguirás me ver como o homem que quero ser para você? Algum dia me verás como quem sou e não apenas uma fração de mim?

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

(In)Percepção da (Tua) Realidade

Você não vê a si mesmo como eu vejo, não é? Não vê a si mesmo como eu vejo por não querer ou por ser incapaz de o fazê-lo? Acho que não é capaz de ver-se como o vejo ainda que quisesse, e não o quer. Não deseja ver-se como todos o veem. E isso é triste, uma triste verdade.

O que você vê quando se olha no espelho? Certamente não vês o mesmo que eu ao olhar a tua imagem, seja numa fotografia ou quando se apresenta pessoalmente a minha frente... É certo que tu não te enxergas como eu o enxergo por encontrar-se demasiado cego, por uma nuvem inumerável de fatores que deturpam o idílico quadro que és tu numa horrenda vista do inferno. 

É como se o mais infeliz dos homens, tendo diante de si o paraíso, só conseguisse enxergar o vermelho e o sangue do inferno, sendo incapaz de contemplar a maravilha da criação que diante de ti se desfralda como uma Avalon de deleites. 

Tu não te enxergas como o deus que és mas, ao contrário, como o demônio que não és, e mesmo que dentro de ti haja algo de demônio, não és demônio por completo, senão que não consegue separar a visão que deveria ter de ti, tua figura real, da figura pessimista que teu destino lhe fez crer ser a real. 

É de fato uma pena, e uma grande infelicidade, que tu, detentor de tão grande beleza, se veja de forma tão medíocre e que diminuas a sua infinita grandeza, numa medíocre e ínfima oposição da realeza... 

domingo, 26 de novembro de 2017

Paixão de verão

O que nos leva a dizer "Eu te amo" para outra pessoa? Como podemos saber se estamos amando? Como saber não ser algo passageiro como uma "paixão de estação"?

Amar é algo demasiado complexo para se definir em poucas palavras sem cair num pedantismo ou numa simples apreensão incorreta. Isso porque amar é mais do que pode ser definido numa meia dúzia de palavras, ou em livros inteiros, que mesmo descrevendo de forma bela ainda não é capaz de abarcar o que de fato significa amar. 

De qualquer forma, mesmo sem saber o que de fato é amar, continuamos dizendo "Eu te amo". Alguns com mais frequência que outros, claro, mas é quase certo que todos já pensaram amar e logo descobriram que se tratava de uma ilusão, uma deficiência de percepção. 

Infelizmente as definições esvaziaram o verdadeiro significado do amor, que precisa ser vivido para depois ser definido e compreendido. Isso já nos mostra um indício para responder a nossa primeira pergunta: O que nos leva a dizer "Eu te amo"?

Dizemos porque não conseguimos nos expressar de forma correta, e imprecisão de nossos sentimentos se une a imprecisão de nossa linguagem, resultando em "amores" vazios. Dizemos amar sem saber que na verdade admiramos, e é bom admirar, mas admirar não é amar. Então quando nos relacionamos com alguém que desperta em nós essa admiração, seja por suas qualidades ou virtudes, dizemos que a amamos, quando na verdade queremos, e deveríamos, dizer que admiramos. Amar implica admiração, mas não se resume a isso.

Dizemos amar sem saber que na verdade desejamos, e é bom desejar, mas desejar não é amar. Nossa carência nos faz desejar, o vazio no âmago de nossa existência nos faz desejar algo que constantemente preencha o vácuo que constantemente nos magoa, e então o desespero em preencher o vazio se torna para nós uma cegueira. É comum ver, geralmente após uma decepção, que esse pode ser um erro fatal. 

O desejo que vem do amor não busca apenas a saciedade dos próprios apetites, mas transcende o Eu e desemboca numa busca pelo outro, não por necessidade, mas por algo ainda maior. Amar implica desejar, mas não se resume a isso, nem tampouco significa desejar da forma como fazemos.

Dizemos amar sem saber que na verdade gostamos. Gostamos da companhia, dos risos, dos carinhos, da atenção, mas nem sempre amamos, ainda que a pessoa nos proporcione tudo isso. Obviamente amar implica gostar, mas também transcende este.

Isso porque amar é transcendental. Amar significa admirar, desejar, gostar e ao mesmo tempo é mais do que tudo isso! 

A cegueira de que falei anteriormente nos faz macular até mesmo as mais belas admirações. Nos faz desperdiçar os momentos de prazer de nossos desejos. E quando vemos amor onde não há, e nos decepcionamos, acabamos por acusá-lo de não existir.

A admiração pode cessar, o desejo ser saciado, podemos deixar de gostar, e assim se caracterizam os nossos amores de verão. Vem, nos encantam por uma estação, como o sol encanta com seu brilho, mas quando dá lugar ao verão, percebemos que não era aquilo que pensávamos ser. 

Mesmo depois do que foi dito ainda continua difícil definir o que é o amor. Bom, para aqueles que querem apenas uma definição, que se satisfaçam com a do dicionário.

Ainda continuamos a dizer "Eu te amo", mas infelizmente esvaziando o seu significado ao confundir com outras coisas. Isso porque o amor, ao invés de definido, precisa ser vivido. E sim, isso pode ser uma desculpa de alguém que não amou para não defini-lo, mas ainda creio que, quando vivido, e demonstrado, o amor se faz entender, e é dito de vários modos, como o ser.

Não dizemos a todo momento "Eu sou assim" ou "Eu sou daquele jeito" mas apenas somos, e o amor não se diz, muito embora possa e deva ser dito por quem ama, mas também não se resume e nem cabe apenas em palavras. Continuamos dizendo "Eu te amo" porque não sabemos expressar de outra forma o que é o amor. 

sábado, 25 de novembro de 2017

Conquistas

Dia de conquistas, embora cansativas... Mas sim, como há muito já não sentia eu me vi contente comigo mesmo e com meu desempenho. Sensação estranha, na verdade, que se opõe ao sentimento de fracasso extremo e absoluto que normalmente ocupa minha mente.

Pela manhã apresentei o TCC de minha última pós-graduação, em Filosofia e Ensino de Filosofia, com o tema "A Insuficiência da Linguagem na Transmissão do Conhecimento sob a ótica do De Magistro de Santo Agostinho" e meu desempenho foi nada menos do impecável, aprovado mais uma vez com nota máxima. 

Me senti satisfeito por conseguir terminar bem algo que gostei tanto de fazer, de fato a Filosofia me mostrou um mundo novo, e vem me ensinando uma nova forma de pensar, e a cada dia é como se me afastasse um pouco mais da escuridão da caverna de minha ignorância. 

O resto do dia foi dedicado a organização dos últimos preparativos para a Primeira Comunhão amanhã, na paróquia onde agora atuo, na Solenidade de Cristo Rei. Foram horas dedicadas a arranjos de flores, livretos para Missa e listas infindáveis de catequizandos. 

O resultado foi primoroso, a beleza da Igreja deve refletir a alegria das crianças que amanhã, pela primeira vez, receberão Jesus sacramentado. Sinto contente por ter contribuído com isso, ainda que tenha sido só um pouquinho.

No mais, agora aqui deitado, fazendo uma recapitulação deste dia, as minhas pernas doem, e sinto-me feliz por isso, sinal de que meu esforço foi empregado em algo que amo. Vale a pena, doar-se assim, dedicar-se assim, ao menos em razão daquilo que se acredita e ama...