quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Aforismos e Pequenas Poesias I

A chuva foi brevíssima, 
apenas aumentou nossas expectativas, 
refrescou o clima, perfumou o ar 
e nos deu de presente a ameia brisa amena. 

A chuva foi brevíssima, 
mas as suas lembranças ficaram,
e ficarão até a próxima chuva que, 
esperamos, não seja tão breve assim, 
mas que seja tão mágica quanto. 

X

O ultimo anjo não existe mais e, no entanto, eu continuo cheio de angústia. Eu não sei como reagir. Sinto apena o vácuo esmagador do fim. Eles merecem ser felizes, e merecem sobreviver. Deve sobreviver aquele que tem vontade de fazer com que isso aconteça. Mas eu não tenho. Ser abandonado pela enésima vez me faz perceber que não há razão para continuar vivendo. Eles merecem viver porque tem um ao outro, eu estou me sentindo solitário e isolado, eu vivo de compaixão e vivo de compaixão, e consigo isso sendo útil aos outros, é uma fuga do vazio que há em mim, a aprovação dos outros me traz a sensação de que alguém precisa de mim. Eu busco meu próprio valor na aprovação dos outros. 

Quem sou eu? Eu sou Gabriel. Kaoru Gabriel. O eu, verdadeiro e total, e o acréscimo, que pode não ter forma humana, mas que está dentro do meu eu. Ele tem forma de anjo, mas ainda é solitário. 

Mas quem é você? Eu sou uma concha vazia, que tinha o anseio de ser preenchido pelos laços que existem entre mim e os outros. Mas quando esses laços se desfazem eu não retorno a inexistência, eu volto aquele estado primitivo de um vazio, do abandono, de todos que me deixaram para serem felizes. E eu, continuo sozinho. 

Que sensação é essa? Eu deveria estar agitado, desesperado, mas sinto apenas o vazio, e a confirmação fria como aço de que o meu destino é o vazio, o vazio que assusta o homem desde o primeiro pensamento. Como preencher esse vazio? Meu vazio é o vazio que cobre a totalidade da existência, é o vazio que há em todos aqueles que não sabem quem são, que não tem ninguém. 

Eu não sei o que sentir. Apenas sinto vazio, um resquício de dor por saber que fui traído, que meus desejos foram ignorados e de saber que, as pessoas que coloquei dentro da minha casa foram as pessoas que, debaixo dos meus olhos, tramaram contra mim sabendo dos meus sentimentos, acrescentando dois nomes a lista daqueles que me deixaram, que me abandonaram. 

Eu sou um monstro, assusto os outros, os afasto de mim e, por mais que eu seja generoso e abra até as portas da minha casa e do meu coração, eles pisam em mim como se não fosse nada. Porque eu não sou nada. Mas já fui e, como era de se esperar, aquele todo, um dia quase feliz, retornou ao nada. 

Estou sozinho, e isso não é novidade. Não há com quem possa partilhar o meu íntimo sem que eu tenha medo de ser traído, abandonado. Mesmo depois de ter sido rodeado por tantas e tantas pessoas que pareciam felizes ao meu lado. Mass verdadeiramente nenhum deles se importa comigo. E tudo retorna ao nada,

Não me deixe. Não me ignore. Não me mate. 

X

De vez em quando, num relance do destino
eu vejo alguém, algum menino, 
com quem desejaria partilhar todo o resto de minha vida

Sorrisos descontraídos ao anoitecer, 
toques ao entardecer, 
um doce bom dia ao amanhecer

E sua pele morena, cuecas e lençóis brancos
as mãos firmes ao meu redor
palavras de sacanagem e um outro tipo de sorriso

De vez em quando, num relance do destino
numa faixa de pele revelada sem querer
eu me perco em divagações e nelas me obstino

De vez em quando, num relance do destino
quando a cor da pele se vai, 
me resta apenas a lembrança do sorriso

X

Eu nunca consigo chorar quando as coisas ficam sérias de verdade. Não é como nas séries onde uma declaração de amor ou a revelação de uma doença terminal me levam as lágrimas. Não vem nada, é como se estivessem secado, só há o vazio, a dor que corrói. 

Dor em saber que mais uma vez fui traído, da maneira mais covarde, mais vil, por aqueles que eu coloquei dentro da minha própria casa, que se aproximaram de mim dizendo me amar e me querer bem, foram eles que me apunhalaram pelas costas, que giraram o punhal destruindo meu coração com sua lâmina fria. E isso por ter acreditado, por ter tentado ajudar, por ter querido ser bom, meu pagamento foi o abandono, a alta traição. 

E agora eu preciso conviver com isso, tendo nojo de mim mesmo por ter gostado daquele abraço, por tê-lo considerado aquele o melhor lugar do mundo. Queria poder arrancar minha própria pele e, com ela, arrancar todas as lembranças. 

Foi a traição outra vez, o abandono, a confirmação de que meu destino é ser sozinho, que não há companhia para mim, todos vão, mais cedo ou mais tarde, me abandonar por uma pessoa qualquer. 

E amanhã tem de novo, mais um amanhecer maldito, mais um dia terrível, mais uma obrigação de viver essa vida miserável, esse inferno de traidores e demônios. E tudo isso sem conseguir chorar, no máximo fugindo por algumas horas num sono dopado, mas sem conseguir escapar de verdade, sendo obrigado a ver todo o horror desse mundo maldito. 

Eu nunca consigo chorar, mas parece que os céus choram por mim...

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Sobre Amar


Hoje uma pessoa me disse que eu devia amar mais, enquanto ainda é tempo. Pensei um instante sobre isso e, logo depois, senti um gosto ruim à boca. 

Eu não consigo mais amar, onde antes eu era todo amor agora só há vazio, mais do mesmo vazio que me tornei. E eu não consigo mais amar porque o amor para mim tornou-se sinônimo de abandono. Quantas vezes eu amei, de todo coração, seja amigo ou amante, e fui trocado pela primeira mulher? Essa sensação, de solidão, de insuficiência, é só o que ficou agora.

Outra parte do amor tem para mim um significado diferente: sacrifício. E, muito embora, seja belo falar sobre sacrifício, não é nada bonito assistir assim. Quando falo de sacrifício eu penso na minha mãe, onde esse amor se personifica, mas vê-la se definhar por eu é algo que me enche de culpa e não de orgulho. Me sinto novamente vazio e incapaz de devolver tamanho amor. 

Por um lado então o amor que me abandonou, por outro o amor que eu nunca vou conseguir pagar. Nenhuma das duas definições me agrada, então o amor se tornou algo que eu temo, cujo pronunciar me traz a boca uma ânsia análoga a ânsia de um cardíaco. 

E se esse garoto de hoje, bonito e sorridente, me desse uma chance? O que eu teria a oferecer? Um homem que, aos 26 anos, ainda vive na casa dos pais, desequilibrado lutando contra a depressão e as crises de pânico de todas as noites. Que homem haveria de me querer? E por isso, se meu passado de amor foi solitário, meu futuro é igualmente vazio e sozinho.

Será que eu serei capaz de me entregar novamente, como fazia antes? Será que eu vou conseguir abrir meu coração de tal modo que sinta meu eu se expandir para cobrir uma outra existência além da minha própria? Será que conseguirei voltar a sentir o amor, mas não esse amor triste, que machuca, que causa ansiedade, mas o amor verdadeiro, aquele que preenche o vazio, que traz sentido as vidas que flutuam sem rumo?

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Rainha

Não digo isso como desculpa, muito embora acabe sendo exatamente isso, mas se eu tivesse um pouco mais de disposição, se eu conseguisse um pouco mais de energia, eu tentaria novas missões: eu estudaria para ir para fora, talvez Tailândia, e estudaria lá, tentaria recomeçar e viver assim. Acontece que, pra alguém que há dias não consegue sair da cama, pensar em sair do país e ir para o outro lado do mundo, literalmente, é um sonho grande demais pra alguém tão medíocre. 

O mesmo que observo na minha realidade imediata. Eu já deveria trabalhar, cuidar da minha mãe ao invés de vê-la cuidando de mim. Os papéis já deveriam ter se invertido. Mas eu não consigo, não consigo sair da cama, quem dirá trabalhar. Mas não digo isso como desculpa, não, mas como a pura verdade. Quando o esforço é grande demais até pra uma atividade mais simples, como posso pensar em tomar as rédeas da minha vida e dar a ela um novo rumo? 

Só o que eu sei é que minha mãe merece, luxos dignos de uma rainha, para alguém que sempre se sacrificou para dar o melhor para mim e que, agora, dorme sentada de cansaço pela labuta diária, dentre ela, de cuidar do filho desequilibrado que não consegue manter seu humor tempo suficiente pra ser alguém e crescer. E ela continua tentando me fazer reagir, levantar, mas eu não consigo responder, não consigo reagir. Nem mesmo os livros, ao alcance das mãos, eu consigo tocar e abrir, como se pesassem o mesmo que uma barra de ferro. 

Também não mantenho pessoas, e penso naqueles muitos que andavam comigo anos atrás, e que agora sequer me cumprimentam direito. Amigos que disseram com todos as letras que seria melhor se nunca mais nos falássemos. Parece que estar incapaz de agir frente as situações que se apresentam a mim é algo corriqueiro na minha vida. Estar sozinho, ou melhor, ser deixado sozinho é, ao mesmo tempo, meu maior medo e minha sina, meu ciclo infernal, meu eterno retorno. 

E tudo isso me dá medo, mas não aquele medo que faz as pessoas seguirem em frente de qualquer jeito, num rompante de coragem insana, não, o meu medo é apenas paralisante, e ele vem infalivelmente toda as noites e, às vezes, durante o dia, e eu fico na cama, aparentemente sem reação mas, na realidade, vivendo uma tempestade pavorosa que me impede de seguir em frente tamanho o pavor que se coloca sobre mim. 

E eu, pobre, que farei, que patrono invocarei, quando tudo retorna ao nada? 

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Resenha - Peach of Time

Contém SPOILERS, prossiga por sua conta e risco!

As produções coreanas ganharam impulso nos últimos tempos e têm conquistado o coração de muita gente, então a proposta dessa série foi unir rostos conhecidos da indústria BL tailandesa com a habilidade coreana de emocionar em seus dramas, e assim nasceu Peach of Time.

Peach (Jimmy Karn, de WHY RU)é um jovem tailandês que decide viajar pra Coréia a convite de seu amigo, Yoon Oh (Choi Jae Hyun). A primeira vez que eles se encontraram foi quando Yoon Oh visitou o restaurante de sua família em Phuket. E finalmente seu sonho se realizara e ele poderia ficar com seu amigo. No entanto, quando chega lá, ele percebe um relacionamento difícil entre Yoon Oh e sua mãe, Moon Sung Sook (Jung Ae Yun) que parece ignorar a sua presença ou tratá-lo com extrema hostilidade. 

Ele logo percebe que algo está errado e, ao receber a visita de algumas pessoas do hospital, Peach descobre que seu amigo na verdade está morto, e que faleceu antes de sua chegada. Mas então, como ele tem estado todo esse tempo com ele em sua casa? 

Depois do susto Peach aceita que, na verdade, o que ele está vendo é o fantasma de seu amigo, preso nesse mundo por causa de uma tristeza profunda que ele ainda não resolveu, e ele descobre essas coisas com a ajuda de Mario (Tommy Sittichok, de WHY RU) um outro fantasma, antigo funcionário do resort onde Yoon Oh vive e que morreu num trágico acidente e também ficou preso nesse mundo. Daí em diante Peach resolve ajudar seu amigo a resolver a sua tristeza profunda e finalmente se libertar. 

A produção realmente foi muito feliz na escolha inusitada dos atores, os diálogos flutuantes entre tailandês e coreano, o clima dramático das produções coreanas sem perder o toque dos BLs tailandeses ficou simplesmente sensacional. Com um clima melancólico e, ao mesmo tempo, um tanto quanto otimista eles conseguiram unir dois mundos numa combinação interessante. \

Yoon Oh foi responsável pela carga dramática da série, coisa que Choi Jae Hyun conseguiu fazer muito bem, enquanto Jimmy deixou tudo mais fofo e romântico, sendo extremamente gentil. típico dos tailandeses. 

A história de amor deles é impossível, mas eles estão juntos naquele momento, então não há razão para vivê-la, e assim constroem o romance enquanto tentam descobrir a causa real da morte de Yoon Oh e libertar a sua alma de sua tristeza. Seu relacionamento com sua mãe é delicado, ela foi abandonada pelo pai do garoto e o criou sozinha, mas parece priorizar a sua carreira como cirurgiã, bem como pressionar o filho a seguir seus passos, ao que ele faz com muito esforço, se sentindo culpado por não conseguir entrar na faculdade de medicina. As palavras duras dela para ele no dia de sua morte parecem estar ligadas ao seu fim. Peach então decide ser a ponte entre os dois mundos, ligar Yoon Oh a sua mãe e a ele mesmo, sabendo que, ao fim, ele ficará sozinho.

O personagem principal é de um altruísmo incrível e admirável, impossível não se emocionar com tudo que Peach faz pra libertar seu amigo, por quem seus sentimentos parecem ser ainda mais fortes, deixando-os transbordar em muitos momentos. Mario também foi um excelente acréscimo, ajudando os dois e diversos momentos e, como Tommy foi parceiro de Jimmy já em outras produções, garantiu que o ator não fosse o único thai a parecer deslocado no meio dos coreanos.


A fotografia e a trilha sonora, como toda produção coreana, é impecável e merece todas as estrelinhas possíveis. O roteiro tem muitos furos, principalmente quanto a presença dos fantasmas e até onde vai a influência deles no meio real em que estão, mas isso logo dá espaço pra história em si então podemos relevar. Se os fantasmas comem e trocam de roupa à vontade, o que os impede de usar o meio pra se comunicar e por qual razão só Peach os vê claramente? Só uma pena ser tão curtinha, embora ainda assim seja maior que a maioria dos BLs coreanos, o que muitas vezes quebra o clima na transição de um episódio pro outro. 

Peach of Time fala sobre a importância que temos na vida de outras pessoas, podendo aprisioná-las ou libertá-las, ser causa de tristezas que transcendem a vida ou de alegrias e amor que vencem até mesmo a morte. Uma série curtinha, fofa e romântica, dessas que deixam o coração quentinho depois de assistir. 

Nota: 09/10

sábado, 25 de setembro de 2021

Do Interior

Estou agora do lado da janela do meu quarto, sentindo no meu pescoço a brisa mais fresca dos últimos dois meses e, com o pouquinho de chuva dessa tarde, já sinto uma melhora no respirar devida a elevação da umidade. É uma melhora significativa, é verdade, e eu queria conseguir aproveitar melhor, queria respirar fundo e sentir a brisa fresca me revigorar, mas não é bem isso que acontece. Acabei de voltar para uma crise depressiva, o que significa que se foi toda minha disposição até para as coisas mais banais. Até escrever essas poucas linhas me exige um esforço fora do normal. Uma vez mais parece que eu recebi uma dose de anestesia na veia, me entorpecendo, me fazendo ver o mundo sem cor, triste, e sem vontade de fazer nada, ficando apenas uma mente mais ou menos ativa, repleta de culpas e pesadelos, pensamentos ruins de todo tipo a me assombrar. E eu penso no emprego que deveria ter, e penso nas dificuldades, e penso na força que precisaria dispensar pra entregar um currículo ou levantar de manhã cedo, e penso nas pessoas que fazem isso todos os dias mas isso não me faz ter forças, eu fico aqui, parado, no escuro, sem conseguir me levantar nem mesmo pra comer ou tomar banho, apenas esperando que algum força me surja de novo, milagrosamente, de algum lugar. 

Tirei uma foto, despretensioso, mas ela não revela o que se passa comigo no interior. A foto mente, eu poderia sorrir até se quisesse, mas seria mentira, uma farsa, e eu não sei mais o que posso fazer pra tirar de dentro de mim essa angústia que não passa nunca. Minha pele ainda brilha como resultado dos cuidados dos últimos dias, quando me sentia bem, mas meu olhar tem aquela opacidade da janela da alma, revelando que, no meu íntimo, estou na verdade morto. Como trazer à tona, senão por palavras, o que se passa num interior tão profundo? 

Queria ser capaz de voltar, a amar, a sentir, a ser. Ultimamente a sensação de estar vivo é apenas temporária, e eu sei que logo passará, com a chegada da próxima depressão. Mas estar vivo realmente, sem sentir uma sombra obscura por trás da minha cabeça, sem sentir algo espreitando meu coração, isso eu não sei mais o que é. Não sei mais o que é o coração bater mais rápido por gostar de alguém, agora só sinto o bater descompassado das decepções ou, pior ainda, nem isso, pois já espero pelo pior, e é isso que sempre recebo, não de alguém em especial mas da própria existência, seja a tristeza de acordar mais um dia ou de precisar me cansar pra dormir sem medo mais uma noite. E eu só queria sentir de novo alguma alegria genuína, sorrir de verdade, sem medo de ser abandonado no instante seguinte, sorrir, sabe, como há muito eu esqueci como se faz, e como eu nem sei se conseguirei um dia novamente. Não, apenas um pequeno acréscimo: o que mais se aproxima de um sorriso de verdade é o sorriso que eu dou nas histórias de amor, nas histórias que eu sonho viver, mesmo sabendo que nenhuma delas é real...

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Esperar Pela Brisa

Eu sempre ofereço o meu melhor, mesmo que não seja suficiente, mesmo que o outro prefira me deixar e me trocar, e tá tudo bem, eu sei que o meu melhor não é bom o bastante. Sei que os outros podem oferecer bem mais do que eu, que eles não mudam de humor tão rapidamente, não perdem as forças no dia dos compromissos, não tem pensamentos suicidas no meio de reuniões de amigos, eu sei que os outros são melhor companhia do que eu. E é por isso que eu faço o meu melhor, que eu tento oferecer o pouco que tenho, tento deixar os outros à vontade, fazê-los sorrir de algum modo, ou pelo menos proporcionar o ambiente em que eles possam se sentir bem. Mas eu sei bem, que isso não é suficiente. Eu não consigo beber exageradamente, não consigo me divertir tanto com barulho, não consigo ser a companhia que esperam, mas isso é o que eu tenho, o que eu sou, o que eu posso oferecer.

Consegue perceber a melancolia dessas palavras? Sou um homem que fica no quarto, fugindo da luz do sol, observando as pessoas passarem rapidamente sem olharem pra mim, tanta gente passa e eu estou só. Consciente de que um bipolar é instável demais pra fazer as pessoas ficarem. Os outros, eles cativam, eles fazem os outros querer sua companhia, fazem você se sentir bem, eu apenas afasto as pessoas, até as mais próximas que, pouco a pouco, descobrem que não precisam lidar com toda minha tristeza, com a minha angústia quase palpável, com minha indisposição constante, minha pessimista forma de ver a vida, o niilismo que transborda de meus olhos e lábios em murmúrios inaudíveis ao responder a pergunta "você está bem?", a única pergunta a qual me recuso a responder de verdade. 

X

Tento recorrer ao meu lado religioso, tão latente, e isso me ajuda a controlar o pânico crescente que, no meu peito, tende a me sufocar desde a tarde. Minha mente lentamente repousa nos conselhos do meu confessor, enquanto mergulha numa letargia meio demente, como que anestesiando a dor, ou o horror, o monstro que meu coração tenta suprimir, mas que deseja a todo custo gritar loucamente. 

Mas eu já não aguento mais, todos os dias precisar de uma fuga para o pânico, que me ameaça nunca deixar dormir. Não aguento mais procurar séries pra assistir até me cansar e dormir de cansaço, não aguento mais esperar que outros me salvem dos monstros que habitam os cantos mais remotos da minha mente distorcida. 

Só queria um pouco de tranquilidade, não ter medo o tempo todo, não sentir que, a qualquer momento alguém ao meu lado, ou eu mesmo irei morrer, que a qualquer momento ficarei sozinho, deixado a própria sorte.  É um medo bobo, mas me assola, me mantém paralisado, me destrói. 

Queria andar um pouco, sentir a brisa fresca em meu rosto, deixar que os pensamentos ruins sigam para longe como as folham seguem, sem rumo, sem o poder de me assustar dessa maneira. Só isso, brisa, leve e fresca. Sem medo, sem os horrores da crise de pânico, só a brisa amena que meus cabelos afaga, como beijos doces do amante, como os amplexos do amado.

 X

Foi uma tortura infindável, passar o dia acordado sem tomar remédios pra dormir. Foi horrível, me revirar de um lado pra outro sem o que fazer, sem perspectiva, sem ânimo pra nada mais. E tudo isso pra quê? Pra amanhã precisar viver tudo isso de novo? Todo dia é a mesma coisa, o mesmo suplício, e eu não tenho força pra quebrar o ciclo, não consigo me libertar dos grilhões pesados que me travam e me prendem. Eu não consigo, e só queria me ver livre, só queria sentir novamente a felicidade, que já há tanto abandonou meu ser que já não encontro-a senão que brevemente, nas histórias de amor que acompanho vez ou outra, momentos únicos em que sinto não mais do que o absoluto vazio. Foi um dia horrível, sóbrio, consciente, prestando atenção em cada fibra do meu corpo que se recusa a me obedecer, que se recusa a se mover, que se recusa a mostrar-se vivo. Talvez seja porque eu já não estou... E continuo a esperar pela brisa fresca. 

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Domingo e Mahler

Domingo, um dia preguiçoso em sua essência, em partes movimentado pela eclesiologia romana e em partes melancólico pelo calor e pelo tédio institucionalizado que ruge por entre as vinhetas dos infindáveis programas de variedades que tentam inspirar ou divertir as pessoas com entretenimento da mais baixa qualidade. 

É um saco fritar na cama, incomodado pelo suor inconveniente, pelo sono insistente e pela sensação complexa de que poderíamos estar fazendo algo mais interessante ou útil, mesmo nossa mente não sabendo dizer exatamente o quê. É o auge da decadência ouvir as pedras de dominó baterem de modo interminável sobre a mesa ou o cheiro de churrasco do vizinho acompanhado de música ruim numa caixa de som estourada. É o último grito do homem em tentar esquecer de seus problemas afirmando a sua existência numa convenção social tosca e sem sentido, tão sem sentido quanto rolar de um lado para outro na cama sonhando com uma realidade paralela inexistente onde a minha vontade corresponde a um imperativo categórico, um mandamento divino. 

Só consigo então lamentar ao me imaginar preso na lei do Eterno Retorno, simbolizada no ourobouros do meu peito, um ciclo infernal de tédio em que passo a eternidade buscando por um sentido na minha existência vazia de significado, enquanto sou obrigado a aturar a problemática do ser. Não me parece uma perspectiva agradável, antes disso, me parece o pior fim imaginável. 

X

O Allegro Maestoso da Sinfonia N°2 do Mahler é um início enérgico, poderoso, uma forma lindamente poética de narrar a queda do herói que há de ressuscitar ao fim da obra. A forma como as cordas graves dão um tom solene de uma marcha de guerra ao passo que o resto da orquestra se contrapõe com os pormenores da batalha e os sentimentos do herói mesclam a delicadeza e a força de modo emblemático. 

É significativo ouvir uma obra como essa, uma miscelânea de sentimentos transbordam por entre as linhas dos compassos, desviando um pouco a minha atenção dos problemas da realidade para me fazer observar a trajetória de morte e ressurreição que Mahler narrou baseado na liturgia cristã. A tensão que perpassa os movimentos seguintes e a resolução magnífica, uma vez mais de um lirismo poderoso, típico de um compositor que absorveu algo de Beethoven e Wagner para criar uma atmosfera tão grandiosa e, ao mesmo tempo, tão delicada em seus mínimos detalhes. 

Também é belo notar como a música pode exorcizar fantasmas, como se as notas da soprano em dueto com o violino fossem uma grande prece dos lábios de um santo que não se deixa perturbar pelos insultos que o demônio dispara contra sua estirpe. Não sei, no entanto, se os fantasmas fogem da gente ao toque da música divina ou se nós é que conseguimos ignorar o seu murmurar maledicente ao contemplar de tal realidade, como o oceano orquestral que insurge por sobre os montes e campos com uma força magnânima, jamais vista, porém sentida por poetas e músicas nas salas de concerto de todo o mundo. 

X

Sinto, não sem um certo incômodo, uma responsabilidade crescente conforme os anos avançam. Eu olho para minha mãe, e cada dia mais as suas rugas aparentes, linhas de idade mais profundas e as forças diminuindo e me cobro, pois já chegou o tempo em que eu deveria cuidar dela, e não ela cuidar de mim, como o filho fraco mentalmente e inútil praticamente em todos os aspectos da minha vida. 

Já deveria conseguir me consolidar profissionalmente, de algum modo, mas eu não vejo nenhuma forma de fazer isso agora, não vejo como poderia tomar para mim a responsabilidade de cuidar dela. E isso é um peso crescente com o qual eu não tenho como lidar, a não ser suportar, pacientemente, dia após dia, e tentar não pirar ainda mais, sobrevivendo (porque é apenas isso que eu posso fazer) as crises de pânico que todas as noites me destroem. Isso demanda de mim mais força do que eu tenho, e é exaustivo me olhar no espelho e ver que não é força suficiente.

sábado, 18 de setembro de 2021

Aforismos

Fiz de tudo para dormir hoje, numa necessidade que tinha de sumir, de perder a consciência, de ir pra um mundo diferente. Nada adiantou. Os remédios nem fizeram cócegas, e eu tomei bem mais do que eu estou acostumado. Tudo o que me aconteceu foi ficar um pouco grogue, nada demais. Em partes eu fui mantido acordado por um torrente de pensamentos, pensando em nada em particular mas ao mesmo tempo sem conseguir me desligar, e em partes pelo calor, incômodo, que não cessa, não diminui. E tudo que eu queria era poder ficar em off, me desligar completamente, quem sabe sonhar com um mundo sem preocupações, algo cor de rosa. Fiquei fritando na cama, incomodado, impaciente, desejando um silêncio profundo, a pele suada grudando na roupa, a mente sem foco, o coração angustiado.

X

As vezes nos entristecemos com as pessoas queridas que se afastam de nós. É compreensível, elas fazem parte da nossa história, de certo modo fazem parte de quem somos, participaram da construção do nosso ser. Mas é preciso aceitar que algumas pessoas, senão todas, são pontes, elas vem, nos levam adiante tomando-nos pela mão e, a certo ponto, nos deixam seguindo o próprio caminho. Significa que ela cumpriu a missão que tinha em nossa vida e que nós cumprimos também nosso papel. É doloroso, principalmente porque queremos que, aqueles que amamos continuem conosco, mas as vezes é preciso abrir espaço pra outras pessoas. A vida é assim, é um pouco cruel, na verdade, mas é a pedagogia do mundo, pedagogia de ferro mas que, ao fim, nos ensina valiosas lições. 

X

Uma parte difícil de lidar com as mudanças de humor são as variações na libido. Durante a depressão eu praticamente me torno uma alface, sem desejo algum, mas nas fases de mania é como se fosse tomado por um demônio luxurioso. Sonhos eróticos todas as noites, desejos quase irrefreáveis me consomem, e eu detesto isso, especialmente a carência que acompanha esses episódios, a necessidade de alguém ao meu lado que me deixa tão vulnerável, isso é péssimo, só queria me sentir autossuficiente, ao menos sem esse desejo luxurioso do outro em minha vida. Mas, pelo jeito, é algo que precisarei continuar suportando. Minha cruz, meus próprios desejos, minha própria carne...

X

É impressionante como as coisas rapidamente se tornam melancólicas, como as cores vão se tornando opacas, se misturando, perdendo os contornos e adquirindo a fragilidade de uma folha seca. A melancolia se torna então uma lente com a qual se vê todas as coisas, os livros, as músicas, os amigos, tudo se torna sépia, na boca um gosto amargo, parece o fim, mas ainda não é o fim, é o apenas o início do fim. Saber que uma pessoa querida pra mim tentou exterminar a própria vida me deu um choque, me fez pensar, é claro, nas inúmeras vezes que pensei em fazer o mesmo e, com um amargor horrível, pensar em como as pessoas passam por lutas que sequer imaginamos. Quanta dor, quanto desespero ele não passou? E eu nada vi, nada percebi, nem eu e nem ninguém, Somos cegos, estamos cegos, cegos pela melancolia que nos cerca, por essa névoa que no entorpece os sentidos e nos priva da razão. Estamos cegos e caminhamos rumo ao abismo que ansiosamente arreganha seus dentes para nos devorar. 

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Decisão e Agitação

Decisões fazem parte da vida, infelizmente muitas delas são difíceis demais e as consequências chegam a machucar bem mais do que gostaríamos, mas não há como fugir ao fato de que precisamos, de tempos em tempos, tomar decisões que impactam toda a nossa vida. 

Depois de alguns meses afastado, em que foquei no meu tratamento e que fui acometido das piores crises de depressão que já tive, eu decidi retornar pra pastoral. Isso porque eu percebi que, embora tenha ajudado um pouco ter menos preocupações pra lidar num momento em que minha mente estava colapsando, a mente vazia é ainda pior para as crises depressivas. Pelo menos em alguns momentos ter um objetivo imediato, algo pra fazer num dado momento, pode me ajudar a manter a mente focada, ao invés de deixá-la vagando por mares desconhecidos e obscuros que me fazem tremer de pânico todas as noites. E é isso que pretendo ao voltar, ocupar um pouco o que antes se encontrava no ócio. 

Outro fator importante é também a minha vontade de servir. Como alguém apaixonado pela Igreja muito me doía estar distante, não poder tomar parte nas decisões, não poder ajudar, e tudo piorava quando eu ficava sabendo que as coisas estavam um caos sem eu por lá. 

Como da outra vez, eu espero que essa seja uma decisão que venha pra somar, me ajudar a melhorar e a cumprir a missão que me foi dada. Espero continuar descansando, mas agora tendo um pouco de coisa pra fazer, ocupando um pouco a mente e evitando o espaço vazio e silencioso que me faz chorar todas as noites em desespero pelo amanhã. Não é bem esperança, é mais como uma decisão racional, algo que eu acho que preciso fazer. 

O próximo passo é, infelizmente, procurar um emprego e assim ocupar ainda mais mente e corpo, e assim tentar encontrar um equilíbrio, finalmente. 

X

A parte ruim de estar em fase de mania é que eu sou consumido por um fogo intenso, como se tivesse forças pra construir uma casa, ou desmatar a Floresta Amazônica na base do soco, mas ao mesmo tempo o meu corpo cansado se recusa a fazer qualquer coisa, resultando então num tédio intenso que, por fim, se manifesta no desejo quase desesperado de dormir e, assim, me aquietar. Como eu gostaria de tomar um remédio e dormir por três dias inteiros, acordar sem saber que horas são... Mas não posso fazer isso, e nem sequer conseguiria, os remédios já não fazem mais efeito. 

Seria bom se realmente conseguisse fazer algo de útil, usar essa agitação em prol de algo bom, proveitoso, mas tudo o que eu faço é a mesma coisa que quando estou em depressão, fico deitado desejando a morte. Pelo menos consigo ler um pouco mais, estudar com mais afinco e mais disposição. Mas eu queria era realmente ter o que fazer de útil, colocar a casa em ordem, escrever um livro, sei lá, coisas assim, e não apenas me revirar na cama, descontente com o calor e sonhando com cenários impossíveis em que minha vida tem algum sentido. 

domingo, 12 de setembro de 2021

Um agradecimento

Me sinto otimista, coisa rara, e poderia facilmente ser confundido com um raio de sol que, irrompendo por entre a névoa densa, lança luz e calor até onde estiver frio e sem vida. É a troca de fases, da depressão para a hipomania, onde meu corpo acorda inexplicavelmente disposto, contente, vigoroso, bem diferente da face apática e profundamente pessimista dos dias depressivos. 

Sinto a brisa em minha nuca, escrevo de costas para a janela enquanto o ar entra lentamente diminuindo e incômoda sensação térmica do calor. De forma comedida o calor pode trazer ânimo e alegria. A remissão da minha fase depressiva me dá um ar mais acalorado, falador, que gosta de estar em companhia do outro mas que também gosta de aproveitar momentos sozinhos que tenham alguma importância pessoal no meu desenvolvido. Enfim, durante a hipomania eu me sinto mais eu mesmo, não só disposto como quase feliz. 

Durante o dia as crises de pânico quase não me incomodam mais, apenas a noite quando elas vêm com tudo e me derrotam sem que eu tenha a mínima chance de lutar. Mas essa brisa amena, ela me faz visualizar belos jardins, daqueles em que amantes se recostam sob o peito um do outro, dos cedros o leque os refrescava e ali, o rosto reclinado sobre o amado, largaram-se por entre as açucenas olvidado. É uma boa sensação, em dúvidas. E então eu uso esse espaço para agradecer, agora que minha mente se clarificou, àqueles que me ajudaram nos últimos dias, no cerimonial do casamento de alguns amigos. 

Me sinto na obrigação de agradecer e, de certo modo, começar a me despedir. É algo que flui do carinho que sinto e da sensação de gratidão que me dominou e que só pôde vir a tona com a remissão da fase depressiva, tão marcada pela laconidade e catatonia. 

"Obrigado, pelo sim e pelo apoio. Obrigado por terem sido impecáveis, sérios, responsáveis e que, graças a esses esforço tudo saiu belo, como deveria ser. Todo sacramento, para seu máximo aproveitamento daqueles que os recebem deve ser celebrado de modo digno e belo, de forma a elevar os presentes pelos sinais visíveis aqueles sinais invisíveis e eternos com os quais eles se comprometem naquele momento. A correria, o sufoco, e até as risadas fazem parte da construção de algo maior, tão grande e poderoso que sequer podemos imaginar, mas tenham certeza que fizemos algo grande, muito maior do que podemos ver com nossos olhos limitados. Então obrigado mais uma vez, pelo sim, pela paciência e pelo excelente desenrolar da cerimônia. Foi uma grande graça poder fazer isso ao lado de vocês. Que Deus os abençoe!" 

~ Kaoru Gabriel

"Viver de amor é dar sem medida, sem na terra salário reclamar, ó sem contar eu dou pois, convencida, de que quem ama, não sabe calcular." (Sta. Terezinha do Menino Jesus)

sábado, 11 de setembro de 2021

Sondagem e Valor

Não é nenhuma novidade que eu sempre venho aqui exorcizar os meus demônios por meio da palavra, expulsá-los de mim de algum e, mesmo relutante hoje pois, parece-me, que eles só estão esperando algo para saltar em cima de mim, me rodeando querendo me devorar, eu não consegui me manter distante, senão que quanto mais tento mais eles me paralisam o corpo, como num derrame, como uma verdadeira horda assassina me impedindo de fugir. 

Ainda assim uma investigação é proposta: a da origem dessa angústia que rende tantas palavras. Sei que não consigo chegar as origens primeiras da minha dor, uma vez que meu talento para essa investigação é limitadíssimo, mas posso sondar e recuar um pouco, encontrando algo das causas imediatas das minhas crises. 

Eu me sinto em pânico quando penso no futuro. Quando penso nas possibilidades de tudo que pode vir a dar errado. É aí que ansiedade se extrapola e se torna pânico. Isso porque eu sinto, ainda que incompletamente, na minha pele, a dor que os outros sentem na luta diária. Eu vejo as pessoas com fome, as pessoas com a incerteza de que chegarão ao amanhã, as pessoas incertas se voltarão a ver ou andar, e isso me enche de pesar, me faz tomar um pouco de sua dor, e é aí que eu entro em pânico, ao me colocar no lugar delas.

Esses pensamentos vêm geralmente à noite, quando a reflexão vem sem que ninguém peça, e quando o fluxo segue sua própria vontade, sem que eu tenha nenhum controle sobre eles. O que acontece então é uma torrente de absurdos que me assolam, me paralisam, me fazem pensar em toda sorte de futuros desgraçados possíveis. Me vejo sozinho, com fome, sem perspectiva de futuro, me vejo completamente destruído, sem nem mesmos as variações de humor que as vezes me oferecem algum tempo de alento. Eu imagino meus pais mortos, eu paralisado em cima de uma cama, a família reduzida aos frangalhos, eu imagino assassinatos a sangue frio, torturas, mais fome e mais abandono. E são esses pensamentos que povoam os meus pesadelos, ainda que esteja acordado, ainda que eles me impeçam de dormir, ainda que eles reduzam o meu corpo a uma massa disforme de carne, sangue e dor quando os músculos endurecem, a respiração falha e eu já não consigo mais pensar em outra coisa, somente nas cenas horrendas que algum demônio pinta em minha mente. 

X

A reflexão anterior foi interrompida por um forte ataque de pânico que eu tive e que demorou muito a passar e, ao seu fim, eu estava cansado demais para conseguir prosseguir ou fazer o que quer que fosse além de deitar e esperar as fortes dores passarem até finalmente dormir. Membros endurecidos, lábios retorcidos, dificuldade em respirar e, depois, a sensação de ter sido atropelado, simplesmente horrível. 

Hoje, minha reflexão é outra, é a de que busco alguém que nem sei se existe, alguém que queira a minha amizade e que deseje dividir comigo seus interesses, naquela concepção tomista da amizade como sendo o querer as mesmas coisas e recusar as mesmas coisas, idem velle idem nollem, alguém que partilhe dos mesmos valores e que, principalmente, não me troque por uma garota na primeira oportunidade, pois é isso que sempre acontece.

Os homens são incapazes de se controlar diante do sexo feminino, são escravos das mulheres, e isso é algo que não pode ser mudado. São escravos de seus desejos mais baixos.

Eu queria encontrar alguém que realmente caminhasse ao meu lado por querer, não que me cativasse mas depois revelasse estar apenas comigo por conveniência enquanto não encontra algo melhor. Assim eu sinto que minha amizade não vale nada, eu sinto que não valho nada, por isso tão dispensável e, justo por isso, sempre me sinto sozinho, observando meus amigos deslumbrados por mulheres que somente vão destruí-los enquanto eu ofereço minha sinceridade em troca de abandono. Lamentável. 

Eu tenho algum valor? Se sim, por qual razão eu continuo sozinho? Por qual motivo eu ainda sou trocado na primeira oportunidade por qualquer uma que desperte neles seus instintos mais primitivos. Talvez eu seja alguém que só serve de ponte para os outros, alguém que esteja realmente condenado a cem anos de solidão, sem uma segunda chance sobre a terra. 

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Terminar Sozinho


terminar sozinho
no túmulo de um quarto
sem cigarros
nem bebida—
careca como uma lâmpada,
barrigudo,
grisalho,
e feliz por ter um quarto.
…de manhã

eles estão lá fora
ganhando dinheiro:
juízes, carpinteiros,
encanadores , médicos,
jornaleiros, guardas,
barbeiros, lavadores de carro,
dentistas, floristas,
garçonetes, cozinheiros,
motoristas de táxi…
e você se vira
para o lado pra pegar o sol
nas costas e não
direto nos olhos.

Charles Bukowski, "poema nos meus 43 anos".

Gosto muito como o velho Bukowski consegue descrever como me sinto com uma força e uma crueza impressionante. Me pergunto se as minhas palavras também carregam consigo essa mesma potência sugestiva, essa mesma dose de dor, de angústia de alguém que foi massacrado pela vida, alguém tão judiado que já não enxerga mais o amanhã senão de outro modo que o olhar pessimista de que será mais um dia para morrer e contemplar o mundo de dentro do próprio túmulo, mas sem ser enterrado e, sem deixar de sentir o peso horrendo de ser quando já não se quer ser nada, quando não suporta mais nada. 

Eu só queria conseguir descrever o gosto amargo e levemente adocicado que estas palavras despertam em mim. Se a morte tem um gosto eu tenho certeza que é parecido com isso, o gosto do fim mas que, no meu caso, apenas se prenuncia como uma esperança de que tudo isso um dia finalmente acabe, toda essa dor, esse medo de todas as noites, a angústia de não conseguir ser o que se espera que seja, de não conseguir cumprir a mais elementar missão: viver.

E é nessa dicotomia que enfrento cada nascer do sol que toca minhas costas pela manhã: esperar pela morte com medo e ânsia por ela. Com medo de que seja dolorida mas, ao mesmo tempo, na esperança que seja meu único alento na existência. 

Me sinto também culpado, por sentir raiva e apego a minha vida, por amaldiçoá-la ao mesmo tempo que me seguro a ela, que me prendo, que tenho medo de ir, que sou tomado pelo pavor da incerteza do que vem depois...

E então vem o desânimo provocado por esses dias de calor, em que a melancolia se misturam com a fraqueza da carne para criar um ambiente absolutamente insuportável, onde vegetamos sob a forte luz de um carrasco que a tudo castiga com seus raios. 

É uma preguiça existencial que toma conta do ser, um não querer ser e ser por obrigação, nada mais que isso. O pensamento no mundo lá fora desperta apenas ânsia e um egoísta sentimento de querer continuar aqui dentro, longe de tudo e todos, mas ainda perto demais pra sentir o cheiro podre da alma corrupta, ou esta é minha própria alma, já nem sei dizer, há tanto tempo aqui sozinho, onde provavelmente se dará o meu fim. 

domingo, 5 de setembro de 2021

Do que toca meu ser

Tem um elemento que todos os dias se apresenta a minha consciência: o desejo de inconsciência. Sempre que acordo a minha vontade mais latente é a de voltar a dormir e assim permanecer, até que algo aconteça, até que encontre algo que me dê razões suficientes pra permanecer acordado e atento ao mundo. E eu não quero, é tudo que não quero. 

Eu sempre digo, a mim, que não vou mais usar os remédios pra dormir, que já é suficiente, que é hora de me levantar e tomar alguma providência, mas eu sempre volto a eles, sempre volto a querer sentir a perda lenta da consciência, mergulhando lentamente num mar de sono profundo, longe da perspectiva de encarar um mundo sem futuro. 

Ficar acordado é sempre um saco, dormir é minha única fonte de refúgio e algum conforto nessa existência, ainda que a preço do meu fígado e sabe lá o que mais ta sendo prejudicado com o tanto de remédio que eu tomo...

Eu tentei, realmente tentei, buscar razões pra me manter de pé, pra me fazer agir, algo que me devolvesse o ânimo, um estímulo real, mas tudo foi em vão, é como se nada fosse capaz de tocar meu ser verdadeiramente. Não, um momento, quase nada. A melancolia, a desesperança, o desamor, essas coisas conseguem tocar meu ser, essas coisas conseguem me fazer reagir, seja por lágrimas ou pela contemplação catatônica do nada que há em meu ser, essas coisas são as únicas a tocar meu coração.

As experiências que provocam reações catárticas não surtem efeito em mim, tudo o que eu faço é ser um observador para os homens que expurgam nos divertimentos a sua própria dor e eu, no entanto, só consigo meu expurgo na palavra que, de algum modo, me cura da enfermidade que é existir e desesperar-se por existir buscando, nesse ínterim, um ser que eu não sei o que é ou como será? Vivo então a tatear no escuro, em desespero, por encontrar-me em algum lugar, de algum modo. 

Mas tudo o que eu encontro é a boçalidade, a infinita profundidade em que cai o homem na busca pelo seu ser, mas ao invés de ascender ao ser ele mergulha no lodaçal em forma de abismo que é o ser na cultura de hoje. O ser se apresenta em pequenez e dor, e nenhuma dessas alternativas me soa agradável, daí que só aumentam meu desespero que, para mim, tem o sentido da busca do ser por si mesmo, em detrimento de todas as outras coisas e outros seres. Ser é, nesse sentido, algo terrível, pois só é algo baixo ou dolorido, nunca o sendo feliz, plenamente feliz, sendo o bem maior absolutamente inalcançável para alguns homens, a exceção de alguns poucos bem aventurados, dentre os quais eu não me encontro, encontrando eu apenas o horror da existência em sua potencialidade crua.

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Resenha - The Yearbook

Contém SPOILERS, prossiga por sua conta e risco!

Com uma presença tímida no fandom brasileiro mas que certamente merecia bastante reconhecimento, The Yearbook se mostrou uma grata surpresa num ano que, mesmo com os problemas da pandemia, ainda teve um grande número de lançamentos, se destacando pela proposta original e pela linguagem diferente dos outros BLs. 

A série conta a história de Nut (Title Tenshin, a coisa mais fofa do mundo) e Phob (Man Supakrit), amigos há alguns anos que fazem tudo juntos, e que precisam lidar com questões sobre o futuro, como qual faculdade cursar e o primeiro amor. Phob, no entanto, acaba por decidir de última hora não prestar os exames para entrar na universidade, como prometido ao amigo, e logo depois se muda sem dar notícias por vários anos, retornando depois para uma realidade completamente diferente, onde as batalhas são muito mais difíceis do que aquelas enfrentadas no ensino médio.


A primeira vista pode parecer simples, mas a abordagem da série é completamente única. Ela apresenta uma história de amor profunda, com sentimentos fortes, de um modo delicado e com muito simbolismo. Tudo é importante: os olhares, os toques, os sorrisos, tudo feito com muita atenção e delicadeza.  Com uma linguagem lenta ela dita um ritmo melancólico e pouco a pouco nos coloca no lugar dos personagens e nos faz entender seus sentimentos e as razões por detrás das suas ações e, de um modo intimista, nos mostra como o amor pode superar a distância e os inimigos mais terríveis. 

Nut e Phob são companheiros, que se apoiam nos momentos mais difíceis, e seu amor nasce dessa parceria, da necessidade que cada um tem. Nut, que era o garoto novo na cidade do interior que precisou de um amigo e Phob que, embora brilhante, precisa de um empurrãozinho nos estudos. Mais tarde eles são Nut, o estudante de medicina que continuou no interior e Phob, que enfrenta uma doença terrível mas não consegue mais enfrentá-la sem a ajuda do amigo, e do homem que ele ama.

A série tem um visual retrô e é cheia de referências da cultura pop da época, como os livros do Harry Potter, os antigos celulares e computadores e a série dos Bananas de Pijamas que, aliás, dá o apelido aos dois protagonistas, B1 e B2. Esses detalhes tão um tom pessoal a obra pois esses elementos fazem parte do crescimento dos personagens, os brinquedos de antes são as lembranças de agora e dão esperança no enfrentamento do futuro, e é assim que Nut e Phob precisam enfrentar juntos os seus desafios.

Muitos acharam o ritmo lento demais, mas a verdade é que a série usa o tempo muito bem pra uma construção lenta dos personagens, assim como a construção dos sentimentos se deu de forma gradativa, bem como dos problemas. Com muitos diálogos profundos e cenas tocantes eles entregaram uma temporada que cativa pela fotografia bonita, retrô, e pelo drama em todos os episódios, pouco a pouco migrando para o romance, a medida que os personagens amadurecem. A trilha sonora também dá um show, e emociona em vários momentos, ajudando e muito na construção da atmosfera melancólica. 

A direção ficou por conta de Mean Phiravich (Love By Chance e A Chance to Love), que também fez uma participação como o médico que cuida de Phob, e mostrou um excelente trabalho como diretor, entregando uma série intimista, com um roteiro simples mas cativante e emocionante que, no próprio ritmo, vai nos colocando no centro de um romance que precisa enfrentar grandes dificuldades e medos para acontecer. Realmente merecia mais atenção. 

Nota 10/10


Merecimento

Aproveitar, 
não sem o lisérgico auxílio 
dos meus velhos amigos, 
os comprimidos coloridos 
que trazem de volta um pouco de cor 
a esta minha vida um tanto quanto cinza, 
quero aproveitar um pouco de liberdade, ordem  e silêncio 
numa casa povoada pela confusão e demência. 
Acho que mereço, ao menos isso. 

Mereço, 
depois de toda dor 
e todo inconveniente que me causaram, 
todo o horror que foi ouvir as suas vozes 
sem caráter me culparem 
pelas lágrimas de minha mãe, 
ou quando propositadamente destruíram 
parte da cozinha numa festa frequentada 
por pessoas que seriam melhor recebidas 
ante sala na prisão. 

Acho que mereço, 
ao menos isso. 
Sim, eu mereço. 
Um pouco de paz, 
de silêncio, 
de distância.