quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Aforismos e Pequenas Poesias I

A chuva foi brevíssima, 
apenas aumentou nossas expectativas, 
refrescou o clima, perfumou o ar 
e nos deu de presente a ameia brisa amena. 

A chuva foi brevíssima, 
mas as suas lembranças ficaram,
e ficarão até a próxima chuva que, 
esperamos, não seja tão breve assim, 
mas que seja tão mágica quanto. 

X

O ultimo anjo não existe mais e, no entanto, eu continuo cheio de angústia. Eu não sei como reagir. Sinto apena o vácuo esmagador do fim. Eles merecem ser felizes, e merecem sobreviver. Deve sobreviver aquele que tem vontade de fazer com que isso aconteça. Mas eu não tenho. Ser abandonado pela enésima vez me faz perceber que não há razão para continuar vivendo. Eles merecem viver porque tem um ao outro, eu estou me sentindo solitário e isolado, eu vivo de compaixão e vivo de compaixão, e consigo isso sendo útil aos outros, é uma fuga do vazio que há em mim, a aprovação dos outros me traz a sensação de que alguém precisa de mim. Eu busco meu próprio valor na aprovação dos outros. 

Quem sou eu? Eu sou Gabriel. Kaoru Gabriel. O eu, verdadeiro e total, e o acréscimo, que pode não ter forma humana, mas que está dentro do meu eu. Ele tem forma de anjo, mas ainda é solitário. 

Mas quem é você? Eu sou uma concha vazia, que tinha o anseio de ser preenchido pelos laços que existem entre mim e os outros. Mas quando esses laços se desfazem eu não retorno a inexistência, eu volto aquele estado primitivo de um vazio, do abandono, de todos que me deixaram para serem felizes. E eu, continuo sozinho. 

Que sensação é essa? Eu deveria estar agitado, desesperado, mas sinto apenas o vazio, e a confirmação fria como aço de que o meu destino é o vazio, o vazio que assusta o homem desde o primeiro pensamento. Como preencher esse vazio? Meu vazio é o vazio que cobre a totalidade da existência, é o vazio que há em todos aqueles que não sabem quem são, que não tem ninguém. 

Eu não sei o que sentir. Apenas sinto vazio, um resquício de dor por saber que fui traído, que meus desejos foram ignorados e de saber que, as pessoas que coloquei dentro da minha casa foram as pessoas que, debaixo dos meus olhos, tramaram contra mim sabendo dos meus sentimentos, acrescentando dois nomes a lista daqueles que me deixaram, que me abandonaram. 

Eu sou um monstro, assusto os outros, os afasto de mim e, por mais que eu seja generoso e abra até as portas da minha casa e do meu coração, eles pisam em mim como se não fosse nada. Porque eu não sou nada. Mas já fui e, como era de se esperar, aquele todo, um dia quase feliz, retornou ao nada. 

Estou sozinho, e isso não é novidade. Não há com quem possa partilhar o meu íntimo sem que eu tenha medo de ser traído, abandonado. Mesmo depois de ter sido rodeado por tantas e tantas pessoas que pareciam felizes ao meu lado. Mass verdadeiramente nenhum deles se importa comigo. E tudo retorna ao nada,

Não me deixe. Não me ignore. Não me mate. 

X

De vez em quando, num relance do destino
eu vejo alguém, algum menino, 
com quem desejaria partilhar todo o resto de minha vida

Sorrisos descontraídos ao anoitecer, 
toques ao entardecer, 
um doce bom dia ao amanhecer

E sua pele morena, cuecas e lençóis brancos
as mãos firmes ao meu redor
palavras de sacanagem e um outro tipo de sorriso

De vez em quando, num relance do destino
numa faixa de pele revelada sem querer
eu me perco em divagações e nelas me obstino

De vez em quando, num relance do destino
quando a cor da pele se vai, 
me resta apenas a lembrança do sorriso

X

Eu nunca consigo chorar quando as coisas ficam sérias de verdade. Não é como nas séries onde uma declaração de amor ou a revelação de uma doença terminal me levam as lágrimas. Não vem nada, é como se estivessem secado, só há o vazio, a dor que corrói. 

Dor em saber que mais uma vez fui traído, da maneira mais covarde, mais vil, por aqueles que eu coloquei dentro da minha própria casa, que se aproximaram de mim dizendo me amar e me querer bem, foram eles que me apunhalaram pelas costas, que giraram o punhal destruindo meu coração com sua lâmina fria. E isso por ter acreditado, por ter tentado ajudar, por ter querido ser bom, meu pagamento foi o abandono, a alta traição. 

E agora eu preciso conviver com isso, tendo nojo de mim mesmo por ter gostado daquele abraço, por tê-lo considerado aquele o melhor lugar do mundo. Queria poder arrancar minha própria pele e, com ela, arrancar todas as lembranças. 

Foi a traição outra vez, o abandono, a confirmação de que meu destino é ser sozinho, que não há companhia para mim, todos vão, mais cedo ou mais tarde, me abandonar por uma pessoa qualquer. 

E amanhã tem de novo, mais um amanhecer maldito, mais um dia terrível, mais uma obrigação de viver essa vida miserável, esse inferno de traidores e demônios. E tudo isso sem conseguir chorar, no máximo fugindo por algumas horas num sono dopado, mas sem conseguir escapar de verdade, sendo obrigado a ver todo o horror desse mundo maldito. 

Eu nunca consigo chorar, mas parece que os céus choram por mim...

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