quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Tentando te responder

Sempre rezo por você, em vários momentos e de vários modos. Peço que você continue firme e crescendo no caminho de santidade, e já vai muito a frente de mim. Penso em você e, como disse Santa Teresa, pensar em alguém é rezar por ela, com afeto, carinho, desejando o bem, o bem eterno.

Mas também tenho medo, medo que perceba a verdade. Que, para seguir na santidade deve afastar-se do que lhe desvia do caminho, e não consigo pensar em muitas coisas que poderiam desviar você mais do que eu, mais do que meus desejos, do que minha mente imunda. 

Ainda que possa dizer, como Santo André Wouters "fornicador eu fui, herege nunca" eu sei que esse meu jeito é justamente o exemplo que você jamais deveria tomar. 

E pensar nisso faz com que essas palavras sejam um exame de consciência, real e profundo, onde rasgo minha verdade em nome daquilo que mais tenho de valioso: meu amor por você.

Bom, se isso me faz desejar ardentemente caminhar ao seu lado rumo a Pátria Celeste, por outro lado me sinto profundamente envergonhado em perceber que, diante da cristalina pureza que é exigida nessas moradas, a minha imundície é rechaçada. Claro que poderia usar isso para melhorar, mas admito ser antes o poste que ilumina o caminho do que o caminheiro que caminha por ele. E isso porque se, de um lado, eu desejo caminhar contigo, por outro não posso deixar de ter os desejos que, parecem-me, nos desviariam da Jerusalém do alto. 

Me entristece pensar que esse amor, o amor tão forte que sinto ao pensar em você, que me faz suspirar, que me faz gemer prostrado, possa me levar ao inferno. Não seria esse meu amor feito da mesma pristina pureza dos cristais daquelas moradas elevadas?

Por isso penso em você, e rezo por você, e espero pelo dia, lacrimoso, em que você perceba que a santidade depende de ficar longe de mim. 

E talvez por isso eu tenha mudado, mesmo sem perceber, talvez por isso eu tenha me tornado objetivo demais, porque percebi que faria mal a você, que, a medida que nós aproximávamos ainda mais eu sentia que, mesmo inconscientemente, deseja ter você.

Tudo isso começou naquele dia, em que descontrolou meus sentimentos, que você disse que a imagens daqueles homens mexia com você. Isso me despertou, fez com que eu pensasse que, em algum lugar da sua mente ou do seu coração, estava um gatilho que eu poderia disparar, que eu poderia acionar de algum modo, e fazer você sentir o mesmo comigo. 

Mas, quando vc me disse que não queria ver aqueles homens nus para que não lhe despertassem nada, você se referia as lembranças que suprimia do seu passado. E eu sabia disso, sempre soube. Sabia e fingia não saber, e continuei alimentando essa ideia de que, em algum lugar em você, poderia despertar sentimentos e até desejo por mim. 

Mas isso era errado, e talvez tudo que eu possa fazer é, novamente, guardar esses sentimentos e, se me for dada ao menos essa honra, iluminar o caminho que deve seguir até a Morada.

Eu acho que, no fundo e mesmo sem perceber, eu só queria proteger você de mim e, quem sabe, me proteger da dor que vou sentir quando você se for por perceber o quão sujo eu sou.

Você escolheu a Direção Espiritual, foi sua primeira escolha, e isso mostra sua preocupação com sua alma, com melhorar, se tornar puro ao ponto de ser aceito nas Moradas interiores. Eu escolhi outro caminho, na esperança de que, de algum modo, pudesse ao menos fazer com que alguns queiram isso também, sendo que eu mesmo não posso entrar lá.

E talvez você se arrependa de ter dito que somos algo que palavras não podem descrever. Isso é verdade? Pois se não posso ser seu namorado é tanto melhor que seja algo além de apenas um amigo. Não posso dizer a alegria que tive quando disse que sou seu "amigo, padrinho e amor". Ainda somos assim? Ou só disse isso pra me acalmar? Ainda que no limbo do não sei quê, prefiro isso a ser apenas amigo.

Mesmo quando você disse as lembranças ruins que aquela cena trazia, quantas vezes eu sonhei que fôssemos nós dois ali?

"(...) Estou esperando por você a partir de agora e estarei esperando por você também enquanto a vida e o amor tiverem significado para você e para mim." (Albert Camus)

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Buscando respostas

Moonlight Night. Meditation, 1876. Arkhip Kuindzhi

Jesus lhe respondeu: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça.” (Mt 8, 20)

Me deprimindo ainda com músicas especialmente escolhidas com essa finalidade. É uma manhã preguiçosa de sábado e, já desde ontem, eu não queria trabalhar, senão que queria apenas poder deitar e ficar ali indefinidamente. Ao dizer isso percebo ser isso um sinal de um episódio depressivo talvez não tão forte mas que já começa a indicar que vai piorar. Não gosto de colocar tudo o que sinto nas caixinhas maniqueistas do Transtorno Bipolar mas acho que se tornou um lugar comum intelectual confortável, mais fácil do que buscar enfrentar cada fase particularmente. 

Algumas perguntas feitas por uma amiga, no entanto, podem me ajudar e mergulhar um pouco mais fundo nessas questões.

Por qual razão eu quero chamar atenção? Qual sentimento que primeiro percebo quando penso nisso? Qual insatisfação eu percebo para sentir a necessidade de fazer isso? Qual objetivo eu quero alcançar? 

Ela se referia a alguns questionamentos que fiz outro dia a respeito de umas fotos que eu pretendia tirar e que causaram certo alvoroço ao meu redor, ocasionando uma reação um tanto quanto exagerada da minha parte em pensar que eu sou algo importante a ponto de que alguém se importaria comigo. Bom, vamos tentar responder...

Em princípio, quando penso nessa vontade que eu tenho, da sensualidade exacerbada, ao mesmo tempo da necessidade de chamar atenção, a primeira coisa que me vem a mente é a solidão, esse sentimento profundo, triste e amargo que sinto nesse exato momento. É um sentimento e uma voz que repete incessantemente que estou sozinho. E nem é apenas um sentimento, mas também uma constatação: em alguns dias penso em ir ao cinema, fazer compras ou simplesmente tomar um café, e me vejo sem opção, quem poderia convidar? A perspectiva de fazer isso sozinho, que é o que acabo fazendo sempre, me deixam deprimido. 

Sei bem que deveria aprender a gostar da minha própria companhia, mas isso não deveria ser algo feito de bom grado e não obrigado? Eu aproveito minha companhia quando escuto minhas músicas favoritas que ninguém suporta, assistindo as minhas séries, tomando vinho na varanda ou deitado com um livro qualquer, eu aproveito a minha companhia porque não tenho outra opção. E todos esses momentos me são preciosos mas, parece que sempre que quero falar com alguém, preciso recorrer a frialdade dessas páginas ou alguém que está longe. Sinto falta do abraço, do olhar caloroso, do toque nas mãos. 

E então essa solidão, sempre crescente e presente, me faz querer ter pessoas ao meu redor. E aquelas pessoas bonitas sabe, elas parecem ter sempre pessoas ao seu lado. Sei bem que elas podem ser solitárias também e que estar no meio de uma multidão não é, de maneira alguma, sinônimo de estar acompanhado mas, ao mesmo tempo, é mais fácil encontrar alguém ali do que na completa solidão. É mais fácil ali do que aqui, quando olho ao meu redor e tudo que vejo é a chuva que cai sem parar, a indiferença dos que me cercam, sem ter ninguém a quem me abrir verdadeiramente. 

Nem me refiro a solidão afetiva de não ter um companheiro, mas me vejo numa situação que custo a enxergar amigos, todos os dias faço viagens solitárias de casa ao trabalho e de volta para casa, quando vou a igreja apenas converso brevemente uma ou outra amenidade que nada significa também, não consigo criar laços de maneira alguma. 

E é nisso que penso quando me vêm essas imagens a mente, em conseguir me tornar popular, em ser aceito e, ainda que rodeado de estranhos, ao menos encontrar ali uma alma querida. Nisso a sensualidade, a beleza dos corpos que admiro, se tornam então um sonho doce, e distante, que penso que poderia me ajudar nesse intento. É um sonho mesmo, ver aqueles perfis de homens sarados sem camisa com dezenas de curtidas e muitos amigos, ainda que alguém ali se sinta solitário eu estou solitário de verdade. 

Me sinto não só insatisfeito com a situação como um todo, mas também com seus pontos particulares: com meu corpo, sem tempo, dinheiro e disposição para entrar na academia e melhorar esse aspecto, a constante cobrança em pensar que minha personalidade, bipolar e profundamente pessimista, afasta a todos quanto se aproximam de mim. Então, nesse cenário desértico o que desejo do profundo do meu coração é apenas não me sentir tão só e, por essa razão, atrair alguma atenção...

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Solene retorno

One Late Summer Evening, 2019. Anne Magill

Não me incomodaria em descansar mais um dia, mesmo tendo dormido metade de ontem e hoje durante toda a tarde. Me encontro incomodado com o simples fato de precisar sair de casa para me cansar brutalmente pelos próximos dias sem ganhar nada em troca.

Sei que existe toda uma filosofia moral pro trás do trabalho, e até uma teologia, que o vê como um meio de santificação, um serviço prestado ao outro e, portanto, um ato de amor ao próximo. Mas todo que sinto é que por nada, a cada dia, minhas forças vão embora, sendo que parece que eu sou completamente inútil não importando o que faça, o que reforça a ideia de que, embora possa ser um meio de santificação, é também de perdição... Mas a verdade é que eu simplesmente estou expressando minha habitual raiva contida pelo fato de me cansar e não ter disposição para nada mais.

Foram mais dois dias dormindo direto sem ânimo para colocar sequer o pé para fora. De uns amigos estou distante, quem eu gosto continua me ignorando, sou obrigado a voltar cansado e chateado para casa e ainda ouvir o incômodo choro de uma criança que não é minha porque todos os aspectos da minha minha visa estão desalinhados e eu não tenho como mudar isso sozinho. 

Me refugio então no estudo e no sono, principalmente neste último, sem me importar muito com o dano que isso causa no meu corpo, aliás, se isso significar que vou morrer mais cedo, tanto melhor pois, hoje, tudo o que sinto é incômodo, aquele pêndulo, como disse o filósofo, entre o tédio e a dor. 

Sinto dor quando meu amor não é correspondido, ao passo que tudo mais é tédio. O tédio de conversas superficiais, de não ser respondido, de uma liturgia banalizada, de uma moralidade vazia e tosca, de ansiedades inúteis em preocupações. E então sou tomado dessa completa desesperança. Melancólica, entediada, que espera apenas pelo findar, dos dias, da vida, dos séculos... Oh que graça seria ver o universo desfazer, o retornar solene ao nada!

"Pois, para um homem, a tomada de consciência de seu presente significa já não esperar mais nada." (Albert Camus)

terça-feira, 21 de novembro de 2023

E a todos nós...

Você disse que tenho estado diferente nos últimos tempos, e deve ser bem verdade ainda que eu não tenha percebido. Mas você mudou também, e eu não mudei em resposta a isso. O que acho que aconteceu é que chegamos naquela fase da vida, de amadurecimento mesmo, em que precisamos fazer escolhas importantes. 

Temos aulas, projetos, trabalho, amigos, igreja, família... E tudo isso demanda de nós um esforço que, não raramente, vai muito além das nossas forças habituais, senão que passamos a sobreviver a cada dia, com o mínimo para acordar no dia seguinte.

Com efeito, também não raramente fazemos escolhas, necessárias, do que vamos fazer. Por vezes precisamos do silêncio para a atividade intelectual, assim como do outro que nos ajuda ao descanso necessário ao corpo, já que, sempre cansados, até mesmo nosso rendimento nessas empreitadas é prejudicado. 

E nos vemos então em dias que passamos horas e horas de pé em ônibus pequenos e apertados. Depois de horas de aulas exaustivas e, com isso, não é se estranhar que conversemos menos e, se observar, a qualidade do que falamos permanece, mesmo em meio ao cansaço É algo natural do amadurecimento. Triste, porém as coisas são assim e, garanto, esse breve afastamento que experimentamos nas últimas semanas não são senão uma pausa, ao passo que os sentimentos entre nós, especialmente o que me toca, o meu amor, continua intacto. 

Tenhamos paciência com esse tempo. Vamos aprendendo, pouco a pouco, a administrar melhor o que precisamos fazer. Sem culpa, isso é amadurecer. 

A sensação de estranhamento entre nós é isso, estamos tomando novas responsabilidades, amadurecendo mesmo, cada um há sua maneira. Então quando me pergunta sobre a minha mudança eu penso que, meu cansaço está tão grande que já não consigo me manter tão atento quanto antes, e você, porque ocupado com toda sorte de coisas que o sobrecarregam. 

A única mudança real que partiu de mim, ainda muito sutil na prática, é que venho tentando melhorar a forma como me porto de você. Muito conteúdo que partilho, muito do que digo, te provoca e te faz trazer lembranças de tempos que você preferiu abandonar, e eu, numa caminhada diferente, tenho dificuldade de entende que, embora busquemos destinos iguais, estamos de fato em caminhos distintos, que podem cruzar-se hora ou outra, mas ainda são distintos. 

Um exemplo real: sabendo dos limites do nosso relacionamento, que você deixou aberto ao dizer que "dizer que somos melhores amigos não é o bastante" mas que somos muita coisa, eu vejo que é importante que eu não dê, de minha parte, um título para nós. Então deveria parar de tratar você como namorado, porque é isso que eu faço mas não é isso que nós somos. Então isso é uma mudança que preciso operar no meu peito e depois transbordar para ti, e esclarecer as coisas, sendo que sei que você não disse claramente que somos apenas amigos para não me machucar.

Temos então, cansaço de ambas as partes, o amadurecimento provocado pela agitação do mundo e as mudanças internas que a aceitação da realidade nos conduz. Estamos crescendo, cada um de um modo, cada um por um caminho que, espero, conduza ao nosso Fim Eterno e, quem sabe, me seja autorizado caminhar ao seu lado. 

Não há culpado. Somos homens que estão crescendo, mas a verdadeira amizade permanece. O amor não perece, e meu amor é verdadeiro. Por hora roguemos a Deus a graça de que nossa amizade permaneça, e que Nossa Senhora nos ajude, me ajude, a manter a pureza de corpo e de alma para que, juntos, cheguemos a Pátria Celeste.  

"E a todos nós, pecadores, que confiamos na vossa imensa misericórdia, concedei, não por nossos méritos, mas por vossa bondade, o convívio dos apóstolos e mártires: João Batista e Estevão, Matias e Barnabé, Inácio, Alexandre, Marcelino e Pedro, Felicidade e Perpétua, Águeda e Luzia, Inês, Cecília, Anastácia e todos os vossos santos. Por Cristo, Senhor nosso." (Canon Romano)

sábado, 18 de novembro de 2023

Sua tranquilidade

Calm as the Sea, Darren Thompson

Vim pensando em você no ônibus hoje, nada demais, nas coisas que falamos recentemente, o cansaço, as prioridades, ao mesmo tempo que a gente tá lutando por algo que quer (no seu caso) ou apenas lutando mesmo sem um objetivo muito claro em mente. Meu corpo meio pesado da semana cansativa e eu me recordo que, ontem a noite mesmo, pensava que largaria eu facilmente toda essa correria, toda a loucura, toda perspectiva futura, por um breve abraço seu, por poder sentir você novamente perto de mim...

Não queria multiplicar, mais do que já o faço normalmente, as minhas declarações... Quero ser mais sério, sem confundir as coisas com você mas, ontem quando estava extremamente cansado, ao te responder os meus dedos escreveram automaticamente te chamando de "meu amor." Acho que isso já diz tudo. 

Há então uma leve diferença entre o que, racionalmente, eu quero dizer e o que eu quero realmente, o que desejo de coração, e o que o meu coração deseja, que é estar completo de ti, que é estar contigo, entre amplexos amado.

Talvez porque a lembrança que tenho de você é daquela tranquilidade, seja quando caminhávamos no parque tranquilos tirando fotos ou no shopping agitado mas, em ambos, nada importava além das coisas que falávamos e, ali, se exprimia muito daquilo que entendemos no conceito escolástico da amizade: embora conversando o tempo todo nós não caímos nas conversas banais do cotidiano, falamos das coisas importantes com profundidade mas também com a candura da amizade. É assim que me lembro de você, e é nessa lembrança que me conforto, que coloco delicadamente o meu desejo de, ao fim de um dia, uma semana, um mês ou uma vida, como esse, eu possa recostar minha cabeça delicadamente no seu ombro, e descansar, e ser também um lugar descanso para você...

Tenho te observado sabia? Digo, silenciosamente eu vejo e admiro todo seu esforço, a sua luta incansável para conquistar algo, e eu, que não tenho nenhum desejo realmente meu, apenas observo de longe, quieto, torcendo que você tenha forças e não caia, e então eu percebo que pouco a pouco você fez nascer em mim um desejo. Logo eu, um homem que já perdeu toda e qualquer esperança ou vontade de viver, de repente me vi desejando ser alguém que pudesse te ajudar, que pudesse te abraçar no fim de dias tão cheios e pesados, que pudesse oferecer um ombro ou colo para que você pudesse, nos braços meus, descansar. 

Mas eu estou longe, e as minhas palavras, que são tudo que tenho além de meu amor, não podem te alcançar. Aliás elas são por muitas vezes tão confusas que o fazem entender errado... Além disso, ainda que estivesse do seu lado, sei que os meus braços não são o lugar para onde você quer voltar no fim dos dia, então, no fim das contas, tudo o que posso fazer mesmo é te observar e desejar que você tenha força suficiente para chegar ao fim da jornada e, observando a beleza do grande campo que atravessou, perceba quão bela foi a sua jornada. 

Uma vez mais você disse que me ama, supremo idílio ouvir isso, fazendo agitar dentro de mim tudo isso, e penso também, se não o escrever cada vez que sentir isso, ao invés de dizer a você, que esse sentimento se perca no tempo, que se marque apenas numa história tão profunda que ninguém mais a saiba jamais, ao mesmo tempo que penso também que qualquer diminuto defeito possa fazer elas sumirem daqui. Ficarão apenas essas palavras, retrato infiel e diminuto dos meus sentimentos, sendo verdadeiras, gravadas no coração eterno de Deus quando eu, voltar ao nada?

Uma vez mais você disse que me ama e, quase ao mesmo tempo, eu percebia que tinha feito você recordar um passado obscuro que, em contrapartida, de algum modo se parece externamente com o que eu desejo para nós, vendo então o meu próprio amor como algo que você rejeitaria por se parecer com seu passado. 

Não há salvação para o meu amor.

"Desejei desesperadamente ser tudo
Viver tudo
E acabei sendo nada
Uma casa assombrada."

(Aline Matsumoto)

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

A luta pela vida

"Se pudesse desejar algo para mim, não desejaria riqueza nem poder, mas a paixão da possibilidade; desejaria apenas um olho que, eternamente jovem, ardesse de desejo de ver a possibilidade." (Kierkegaard)

A dor que eu sinto no meu corpo é culpa da ansiedade que me rodeia, como se eu mesmo tivesse lutado demais, até meu limite.

Todos agitados demais, o tempo todo, desesperados demais. A vida é assim tão importante pra todos? Será que vale tanto esforço assim continuar existindo? Todo esse esforço, essa ansiedade, vale realmente? O que todos viram na existência para por ela lutarem tanto assim? 

Essas palavras me brotam depois ver, mais uma vez, as pessoas pessoas lançarem em mim a sua ansiedade, ao mesmo tempo que ainda reverberava as cenas dos episódios finais de Attack on Titan onde a vida lutava para conseguir se manter e multiplicar, lutava para dominar, para não se deixar desaparecer de modo algum. A vida pura e simples, em seu estado mais primitivo e que apenas buscava se multiplicar e se proteger. 

Olhando ao redor eu vejo exatamente isso, essa luta incessante pela vida, todos estão tentando sobreviver, fugindo com medo de tudo aquilo que parece ameaçar a sua existência 

Mas eu não consigo entender, e acho que teria a mesma escolha do protagonista criado por Hajime Isayama, eu também desejaria o fim de tudo ou, ao menos, uma destruição tão grandiosa que deixasse a todos quietos por um tempo: porque esse é o problema do homem, sempre inquieto atrás de algo, procurando para si tantos problemas que jamais será capaz de resolver. O homem deveria ficar quieto, deveria simplesmente morrer. Todo esse esforço vão... cansa!

E fico então olhando para todo o esforço, que inclusive cobram de mim, e penso que nada vale a pena. Que a vida seja tão incômoda e que o suicídio seja um pecado me parece uma injustiça tremenda. Morrer agora seria um alívio, se alguém desse cabo da minha vida agora me faria um grande favor. A liberdade que eu quero é a de que joguem terra sobre mim sem que me incomodem com mais nada. Tudo o mais não vale nada! 

Deveriam pensar mais na morte, no dia da ira, aquele dia, em que tudo, toda essa coisa, se tornará apenas cinza fria.

"Nenhum homem pode viver com a Morte e saber que tudo é nada. A maioria das pessoas não pensa nem na morte nem no nada." (do filme "Det Sjunde Inseglet", 1957. Dir. Ingman Bergman.)

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Brisa de Amor

Livremente inspirado na série A Breeze of Love

Aquele garoto, que já não sabia o que era conseguir dormir, anotando noite após noite os poucos instantes que adormecera realmente. Vinte minutos. Uma hora. Quarenta minutos. Isso era tudo que ela conseguia, o restante da noite era se revirando na cama ou, depois de muitas horas de suplício, revisando matéria ou algo do tipo. 

Ele vivia sempre cansado, e sua saúde pagava caro com isso, já que ele ficava doente com frequência, tinha o corpo fraco e precisava, constantemente, de suplementos, exercícios, sempre em busca de algo que o ajudasse a dormir, mas nada ajudava realmente. Até os remédios, o faziam dormir um pouco mas ele se sentia ainda pior no dia seguinte, e esse ciclo infernal parecia que não teria fim até que...

No meio de uma manhã, depois de fugir de uma aula chata de química ou matemática, ele encontrou dormindo no lugar onde ele costumava se esconder nesses momentos, o depósito dos equipamentos esportivos, um garoto do mesmo ano que ele e que já havia visto antes, mas com quem nunca tinha falado.

E, havendo pouco espaço ali, deitou-se do lado daquele garoto, e dormiram, não por alguns minutos até o fim daquela aula, mas durante toda a manhã. O outro acordou um pouco confuso ao ver o colega ali, que explicou que ele também fugia das aulas para dormir naqueles colchonetes, e então, algumas vezes por semana, eles se encontravam ali, para um tempo juntos, em silêncio, mas se sentindo tão à vontade um com outro que podiam dormir, sem se preocupar com mais nada.

Um dia então, quando perceberam que, de algum modo, se aproximaram mais do que apenas para matar aulas juntos, enquanto se aproximavam durante uma conversa sobre qualquer coisa e o sol entrava pelas janelas do depósito iluminando os olhos de ambos, de um castanho brilhante, eles se beijaram enquanto se davam as mãos... O início de uma história de amor, simples, como uma brisa que vem anunciando a chuva com aquele cheiro de terra molhada mas, ao mesmo tempo, pesada como aquela chuva que os impediam de se ouvir. 

No entanto, a mesma simplicidade que os fizeram se aproximar, no silêncio, os fizeram se reaproximar anos depois, mas agora com a força da palavra de sinceridade que, felizmente, sopra com tanta gentileza quanto a brisa quando diz aquilo que realmente há nos seus corações.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

O enésimo suplício e a brisa

Satie Logis, 1891 -  Santiago Rusiñol

Eu sinto, sinto demais, eu amo demais, e isso é exaustivo. Meu corpo todo dói, mais do sentimento que não cede nem por um instante do que pelos dias intensos de trabalho... Amar é um suplício. 

Foi uma noite tortuosa demais, e posso ilustrá-la mais ou menos ao sentido do que disse Pirandello: "Aconteceu-me diversas vezes, acordando no coração da noite (a noite neste caso não demostra verdadeiramente ter coração)." Eu me revirava de um lado a outro, o corpo inteiro me doía como se tivesse participado de uma luta extremamente violenta mas, apesar de todo o trabalho, eu sei que a dor maior vinha do fato de que meu coração não se aquietou nem por um instante sequer, que durante os últimos dias, todo o tempo, eu palpitava e tremia de amores, inflamado como na noite escura, no entanto por um amor que me ardia, que me feria, que me cortava, como aço frio, como espada quebrada a me rasgar.

Escondia a minha verdadeira face à medida que a revelava. Se sou realmente filho de Deus, na minha cama se escondia toda e qualquer divindade, ao passo que nos meus desejos se escondia até minha humanidade. Ao mesmo tempo eu me escondia de você e me revelava tão baixo ao outro, e ainda assim me mostrava tão verdadeiro.  Verdadeiro porque eu desejava que você me visse daquele jeito, como o sou de verdade, e que sentisse nojo de mim, que cuspisse minha cara e fosse embora, como mereço, e ainda desejava que partilhasse desse momento de tão intensa dor e que, então, a luxuria se transmutaria em compaixão, sendo que toda essa horrorosa avulsão da forma nívea não era mais do que desejo de sua presença e de sua figura. 

E eu o desejo tanto, tanto, que o dói em mim, que meu peito se rasga, que meus pés sangram ao percorrer esse caminho tortuoso. Completamente preso a esse desejo...

"A mosca que pousa no mel não pode voar; a alma que fica presa ao sabor do prazer sente-se impedida em sua liberdade e contemplação." (São João da Cruz)

Me vejo então como que no desejo de uma transmutação alquímica: entre a voluptuosidade do mercúrio de meus desejos, de minha carência, de meu amor que vive e pulsa e, no outro extremo, a cristalização de nosso amor numa perpetuidade feliz, sendo que o elemento fixador, o enxofre, é o seu coração que, naquele momento adormeceu vendo o pior de mim, que eu tentei esconder ao mesmo tempo em que gritava para que me visse. 

E no meio disso tudo aquela pequena figura representando a fuga mais fácil e rápida, uma pequena fuga da solidão, a mesma solidão da qual me queixei. Mas eu não queria aquela lascívia dialogal, queria apenas afago, apenas um coração que, na ânsia ardente pudesse me permitir aconchegar enquanto, numa cidade fria como metal, tentava dormir e me revirava, incomodado pela sua ausência. Eu queria apenas um abraço.

No meio disso tudo, da noite escura, dos clamores da alma, das preces aflitas e dos gemidos contritos, uma leve brisa, como um holograma disperso sobre o azul da água:

As melhores pessoas
não são as mais amadas
por pessoas.

Outros estados intercedem-nas
a serem sozinhas,
para que interajam
por diferentes caminhos o coração.

E o multipliquem.

As cores podem amá-las mais
do que as pessoas. Os traços. Os riscos.
E as palavras também conseguem percorrê-las 
de amor, feito trigais de estrelas.

(Patrícia Claudine Hoffmann)

sábado, 11 de novembro de 2023

A noite da despedida


I Feel You Linger In The Air, episódio 12

- Eu estou com medo Jom.
- Não fique, eu não fui embora ainda...
- Eu te amo muito Jom. Quero dizer isso porque posso não ter mais chances.
- Eu também... Eu também te amo Khun Yai!

Foi um diálogo simples, ambos estavam exaustos daquelas dias tensos, desde que o reflexo começou a sumir nos espelhos e que as fotografias ficaram superexpostas. Aqueles eram seus últimos momentos juntos, os últimos dias, as últimas horas? Nada ao certo, mas sabiam que logo iriam se separar, não havendo nada que pudessem fazer para impedir. Logo estariam separados, não por brigas de interesses familiares e nem tampouco pelo preconceito daquela sociedade, não. Estariam separados pelo tempo, por um século inteiro que se colocaria entre eles e que nada pode vencer ou convencer.

O abraço que dali se seguiu após o beijo, triste e apaixonado, foi justamente a manifestação daquele cansaço provocado pelo medo constante, pela insegurança que passava por eles o tempo todo, sem saber a que momento iriam se separar em definitivo. As mãos nas costas seguravam um ao outro, tudo o que eles tinham, tudo o que importava, naquele lugar, tentavam ser mais fortes que aquele destino cruel e incompreensível. 

E foi por isso que eles se entregaram aquela última noite.

De pé junto a cama que foi a testemunha silenciosa de um amor que ninguém mais o soube, que só ganhava forma e figura nas noites quando, à portas fechadas, o servo desconhecido e o jovem senhor em seu exílio auto infligido, foram se aproximando... Com ternura eles se beijaram, depois de um leve sorriso daquele garoto perdido. As mãos de Yai, vacilantes naquele abraço inseguro, agora estavam firmes, sem pressa, apenas queriam prolongar aquele momento pela eternidade, deslizando lentamente os botões da camisa de Jom que, não sabendo ainda como fora parar ali, naquele tempo, e nem como sairia, se entregava aquele que agora ganhara seu coração de todo, não querendo nunca perder aquele toque, gentil, delicado, cuidadoso e amoroso do seu senhor. 

As camisas caíram, pela última vez, antes que Jom se deitasse de olhos fechados sentindo o perfume da cama que prepararam para sua despedida, e Yai se aproximando lentamente, encaixou o rosto na curva do corpo do seu amado, cada beijo uma declaração, uma súplica angustiada pelo que havia entre eles. Cada beijo implorava que aquele momento se estendesse indefinidamente, que eles nunca se afastassem, que os corpos de ambos estivessem sempre juntos daquele jeito. 

Yai lentamente virou Jom para que eles ficassem de frente um para o outro. Ele novamente tornou a beijar o corpo do seu amor, descendo lentamente os lábios e depois, ainda com as mãos firmes, descia também as calças de Jom que, a essa altura, suspirava e se ocupava em registrar na memória cada pequenino detalhe daquela cena: o corpo de Yai ali a sua frente, os dois envoltos por um fino véu que recobria aquela cama enquanto o outro despia a si, e se aproximando, os olhos escuros, certos de duas coisas que fatalmente se anulavam. O amor deles era o que os fazia respirar e seu tempo juntos findava a cada minuto.

E foi aí que aquela cena, quando Yai se torna um com Jom, que não poderia ser descrita senão por um poeta que conseguisse descrever num livro inteiro a delicadeza das flores de Frangipani. E, enquanto seus corpos estavam inseparavelmente dentro um do outro, somente aquela noite conheceu toda a história que eles viveram: o primeiro encontro em que sentiram o coração palpitar sem explicação, a aproximação gentil de Yai, os medos de Jom perdido naquele tempo, os dois pouco a pouco ensinando ao outro a ter força e coragem para enfrentar os medos, as vozes pesadas que os impediam de viver as próprias vidas. 

Aquela história ficaria para sempre registrada no coração daqueles dois, perdida nas águas do tempo. Cada leve toque no rosto, cada olhar apaixonado, cada sorriso, cada declaração. Eles se entregaram aquela dança íntima, que era como aquela valsa que eles dançaram na festa onde seus amigos mais próximos abençoaram sua união, felizes porque eles tinham se encontrado, como se tivessem sido, desde a eternidade, destinados a ficarem juntos. E então aquela dança, aquele amor, os gemidos inefáveis de ambos, costurava cada uma daquelas lembranças, as tornava eternas até que, banhados em suor, as lágrimas irromperam entre sorrisos e um último beijo, não apaixonado lancinante, mas doce, derradeiro, tão fugaz quanto fora o tempo que ficaram juntos mas tão forte que nem mesmo o tempo apagaria completamente, nem mesmo se ofuscaria pela luz do sol que nascia naquela última manhã.

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Um pouco mais de melancolia


Hoje, aqui dentro, não teve tempestade 
mas choveu o dia todo
garoa fina, leve e despercebida

(Bruno Fontes)

Não vamos falar disso, melhor que mudemos de assunto, falemos de fórmulas e outras casualidades, melhor que as coisas profundas, do meu coração especialmente, fiquem apenas no meu coração mesmo. Jardim secreto, fonte selada, onde repousa o meu amor. 

Até o fim do dia eu devo chorar, de novo. Me lembro que dois dias atrás eu chorei enquanto falava com você, depois de ter me confessado sabe-se lá quantas vezes, mas fui andando e algumas lágrimas rolaram, e enquanto estava no ônibus também, e quando cheguei em casa eu chorei mais um pouco. 

Então não deve demorar muito para que eu chore de novo, já que sinto aqui dentro transbordar uma vez mais... Estou num daqueles dias, represa prestes à estourar...

X

Acabei suportando, tentei me distrair de um modo bem superficial, comendo algo que me agradava, chegando em casa e tomando um banho relaxante e assistindo um pouco antes de dormir. Mas nada foi muito efetivo... 

Sim, eu comi, fui para casa e tomei um banho mas, ainda agitado, não consegui assistir direito. Coloquei o máximo de óleos essenciais que podia, a música mais agradável, mas ainda foi uma tortura para pegar no sono, para finalmente conseguir apagar e não pensar muito, especialmente na incrível dose depressiva que vinha se jogando sobre mim. E some-se a brutal depressão uma boa dose de ansiedade, expectativas, um cansaço excessivo que nunca diminui, sentimentos confusos, solidão, paixão... Tem sido tudo muito sufocante, e tenho tido dificuldade de descansar, senão que parece que meu corpo a qualquer momento vai simplesmente parar. Me vejo várias vezes perdido em meio a afasia, talvez dissociando em alguns momentos, imerso em intensa melancolia.

Mas diferente de outros tempos, quando estava em busca de algo que eu não sei o que era, dessa vez eu olho ao meu redor como que com um filtro cinza cobrindo meus olhos. Sem esperança de nada.

E os dias têm sido vazios sem você presente. Mas eu sigo, silencioso, quieto, mesmo que tenha que falar o dia todo, mesmo que esteja rodeado de dezenas de pessoas. 

De luto estão as estradas
Que rumam para Sião,
A sua festas, quem vem?...
Suas portas, que solidão!

(...)

Oh! Como pesa em meu dorso
Das minhas culpas o fardo,
Que o Senhor amarrou,
Nos ombros meus pendurado;

(Lamentos de Jeremias)

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Do espetáculo e da luta

Ulysses, 1827 - Jean-Auguste-Dominique Ingres

Sei muito bem que 'não' é a resposta para todas essas perguntas mas, mesmo em meio a correria de reuniões e pessoas falando o tempo todo ao meu redor, eu ainda me silencio, eu ainda me pergunto: será que ele pergunta por mim? Será que ele pensa em mim em cada foto, cada vez que passamos um pelo outro? Será que, nas noites escuras, também o corpo e a alma dele clamam por mim? Se, mesmo num momento tão distante de qualquer aspiração romântica, eu ainda me inflamo de amor assim, será que isso também acontece com ele? Será que é isso que há por trás daquele sorriso tímido? 

Ou aquele sorriso tímido é apenas um sorriso dado a um conhecido na rua sem nenhum significado maior?

É verdade, eu estava inflamado de amor, aliás estou quase o tempo todo. Sempre pensando em você e sempre suspirando pela imagem e a sensação de sentir novamente o seu cheiro, o seu abraço. E sempre que me inflamo de amor eu preciso dizer. Mesmo sabendo que é só um incômodo pra você.

E mesmo sabendo que você nem considera me levar a sério ou pensar no que eu sinto, é tão distante esse sentimento da realidade que não passa de uma brincadeira. Mas quando eu digo que te amo é porque é verdade, e é com toda a minha força que o digo. E é com todo meu ser que sinto também que nunca terei uma resposta, e que continuo sozinho, e que a chuva continua caindo, e eu continuo bebendo e você continua fantasiando com as moças que passam por você e eu continuo chorando.

Tomei meia garrafa de um coquetel barato que achei num mercado decadente aqui perto de casa, e misturei com um ou dois remédios para dormir, um atitude irresponsável que faria, e inclusive fez, várias pessoas me perguntarem se tenho amor a minha vida. E a resposta é que não, não tenho. 

O que eu tenho é um tédio tremendo da existência, uma preguiça das pessoas que eu conheço e que me faz sentir que seria um prazer imenso ou, ao menos, um alívio, se eu morresse e eu não precisasse mais olhar para a cara fechada delas, como se eu tivesse culpa de elas se sentirem assim ou assado e não me falarem nada. E mais: ainda me sinto assim pela completa falta do sentido do amor, sendo que me parece que sempre, sempre, eu amo sozinho e os outros sentem pena ou repulsa de mim, o que me faz crer, ainda com mais força, veemência e profundidade, que seria realmente um alivio se morresse. 

E na missa de hoje cantaram, ou deveriam ter cantado, que "a vida dos justos está nas mãos de Deus, e nenhum tormento os atingirá", e então eu só posso concluir que eu não sou um dos justos, um dos santos, porque toda sorte de tormentos vêm até mim, com uma inquietude, uma incômoda angústia existencial, uma fria constatação da minha solidão, dos meus sentimentos lançados ao vento e se dispersando e desaparecendo como se fossem nada, como fumaça no ar.

Não é que pense que você me veja como monstro, eu me vejo com monstro. A verdade é que você simplesmente não me vê, não vê o que sinto por você. O que me gera ainda outras reflexões: o amor verdadeiro não deveria ser negado porque ele recobre o ser amado de tanto carinho genuíno que não haveria espaço para fugir dele. Como você continua fugindo isso talvez signifique que meu amor não é verdadeiro, ou seja, o que tenho de mais profundo e sincero não é capaz de alcançar o objeto amado, então eu, além de injusto, sou também um mentiroso, incapaz de amar verdadeiramente.

Mas eu te amei, te amo, com tudo que tenho. Mas não foi suficiente. Então não há razão para não encher a cara e, se não for possível morrer assim, ao menos seja possível amenizar a dor de saber que o meu amor não é amado. 

Será que você pelo menos imagina a dor que isso causa em meu peito? Será que sabe quantas vezes eu já quis ser incapaz de amar para não sentir isso?

Então, se é assim que sou, que sentido há em continuar a vida? Por isso a minha completa displicência com minha saúde. Não há razão para desejar prolongar essa existência sem amor, tampouco almejar maior qualidade de vida, a experiência já demonstrou que que isso é aleatoriamente distribuído há alguns poucos eleitos, e não há nada que se possa fazer. Portanto, se o amor não pode convencer, se nem parecesse ser verdadeiro mesmo sendo tudo o que tenho, e se a vida não melhorar não importa o que faça, de que adianta tentar melhorar?

Que fique bêbado e cante como quiser, que faça o possível com respeito aos outros, sem dar importância a moral kantiana travestida de cristianismo que me cerca e sem me importar também com a ingrata resposta daquelas pessoas que, ao meu redor, recompensam meu carinho com brutalidade. No fim somos todos fodidos sem muita possibilidade de mudança, então me deixem encher a cara em paz. 

Só o que digo, quase como a título de epígrafe, é que eu tentei, e infelizmente não consegui. 

Sem invadir ou desrespeitar o terreno daqueles que querem prolongar a sua vida nessa existência miserável eu deixo essas palavras:

"Para que queres tu mais alguns instantes de vida? Para devorar e seres devorado depois? Não estás farto do espetáculo e da luta? Conheces de sobejo tudo o que eu te deparei menos torpe ou menos aflitivo: o alvor do dia, a melancolia da tarde, a quietação da noite, os aspectos da terra, o sono, o maior benefício das minhas mãos. Que mais queres tu, sublime idiota?" 
(Machado de Assis)

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Da vida cansada e doente

"Às vezes, sentava-me, morto de cansaço, num banco, na borda de uma fonte, à beira da calçada; ouvia bater meu coração, limpava o suor da face, continuava meu trajeto, cheio de angústias mortais, cheio de vacilantes ânsias de viver." (Hermann Hesse)

Nem eu sei o que eu quero. Talvez dormir por mais dois dias, talvez se minha dor de cabeça parasse um pouco ou a alergia deixasse de incomodar, eu se ele finalmente me respondesse como eu quero, sem rir das brincadeiras em que falo sempre sério. Se ele finalmente correspondesse... Mas é isso que eu quero? É isso que me vai fazer feliz? Ou será que nem mesmo existe tal coisa? 

Passei por ele rapidamente hoje, e fiquei feliz pelo seu cumprimento rápido e de novo aquele sorriso discreto. Fico feliz com essas coisas mínimas. Mas aí retorno para cá e não consigo pensar em outra coisa que pudesse me fazer feliz. É patético, eu bem sei disso, e me distanciaria de qualquer um que tivesse a mesma atitude que eu. 

No entanto, incomodado com meu destino que parece querer que eu esteja sempre apenas doente ou cansado, como hoje que, depois de finalmente ter conseguido descansar ontem, me vejo atacado da alergia e incomodado pelo som alto e de péssimo gosto da minha irmã, além de uma dor de cabeça brutal que está quase me levando à loucura, eu ainda só consigo pensar neles. 

O primeiro está bem distante daqui, naquela terra vermelha e quente, mas fala comigo todos os dias e, sem dúvidas, é a pessoa que mais amo, mesmo que não corresponda da mesma forma. O outro, o dono desse sorriso tímido e simples, que me encara sem parar há mais de um ano e que eu ainda não sei se posso me aproximar de verdade. 

Talvez não devesse ser a minha maior preocupação durante uma crise alérgica tão aguda, mas ainda assim não posso deixar de me pensar neles como se fossem a minha ideia de naufrago. É apenas o amor que desejo nessa vida vazia e sem sentido de quem apenas vive cansado e doente. 

Meu corpo agora dói, minha cabeça está mais lenta e as pessoas continuam pedindo pela mesma rapidez de antes, claro, depressão ou uma grave crise respiratória não são motivos para diminuir o ritmo. E as imagens deles ainda assim aparecem na minha mente... 

Por fim, e em contrapartida, me recordo as palavras duras do meu professor que ecoam na minha alma e que me fazem sentir vergonha por ser tão fraco:

"Se você aceita o sofrimento com resignação e doçura, não como um castigo ou como uma injustiça cósmica mas simplesmente como um capítulo normal daquela parte do nosso destino que só Deus entende, acaba descobrindo que esse sofrimento, ainda que em si permaneça incompreensível, aumenta o seu realismo e a fortalece a sua maturidade. É a pretensão de entender tudo que nos leva a não entender nada." (Olavo de Carvalho, 2016)

Eu preciso disso, maturidade, pra enfrentar cada uma dessas crises como apenas parte dessa existência. Uma existência patética e incômoda, é verdade, mas como todas as outras, sem achar que isso é algum tipo de injustiça comigo particularmente, porque até ai me colocaria em mais importância que os outros, quando na verdade todos vivemos nessa terra como pó, e do pó viemos e ao pó voltaremos, sem nessa vida conseguirmos muito mais além disso. 

O que fazer então? Bom, tomar uma boa dose de álcool, um remédio pra alergia e outro para dor de cabeça e deitar, ouvindo uma boa música, e isso é tudo por hoje. Talvez seja tudo para toda a vida. Esse é o realismo que alcancei até aqui: a vida, pelo menos a vida terrena, não é mais do que isso. 

Queria dormir, mas os remédios demoravam a fazer efeito, o cheiro dos óleos não funcionava tampouco, a internet morreu em casa e no celular e a falta de paciência me fizeram me obrigar a deitar e esperar que passe, seja a alergia, o mau humor ou a vida. É professor, parece que ainda tenho muito o que aprender, perdoe-me a infantilidade mas a vida é um saco!

sábado, 4 de novembro de 2023

Escondido na noite

"Tudo o que muda a vida vem quieto no escuro, sem preparos de avisar." (João Guimarães Rosa)

Permita que eu me esconda um pouco, apenas por mais uma noite. É porque, sabendo eu que estou prestes a revelar novamente aquela fera outrora adormecida pelas lentes da melancolia profunda, tenho medo de acabar ferindo você com as minhas garras ou as minhas presas. 

Acontece que em dias assim, ou melhor: em noites assim, eu tenho de conseguir lidar com uma febre surpreendente e exagerada, como uma eletricidade que percorre meu corpo e uma crescente inconsequência, quase juvenil e completamente imbecil que me torna capaz das maiores idiotices. E, sendo próximo como você é, eu não quero, nem despejar em você toda sorte de pensamentos e palavras luxuriosas que provavelmente desrespeitariam a sua honra, como tampouco te ocupar com meus dramáticos discursos sobre nosso amor. Por isso permita-me esconder apenas por uma noite. 

E por falar em noite, nas últimas noites, particularmente difíceis, em que eu adormecia clamando, em prece sincera, que não acordasse na manhã seguinte, eu ouvia a sua voz distante, ainda dizendo que me ama, e me lembrava do cheiro da sua pele naquele último beijo de despedida. E então, a cada vez, como hoje, em que você diz que me ama ou que deseja que eu fique bem, eu nem levo em consideração que tipo de amor é, se é ou não o mesmo que o meu, eu apenas me concentro que eu tenho alguém que me ama, e que eu não devia partir assim, algo como disse Marcel Proust "mas seu amor se estendia muito além das regiões do desejo físico."

Fecho então meus olhos, me concentrando em conter essa torrente que brota de algum lugar desequilibrado do meu cérebro. Tento focar um pouco no perfume da loção em minha pele ou nos óleos essenciais no ar, até na música que toca baixinha, qualquer coisa que me faça parar de pensar nesse tsunami de sentimentos e pensamentos, que me faça parar de pensar em machucar você, ainda que com palavras, como já o fiz tantas vezes. 

Percebo que voltei a ficar ansioso, que deixei isso, que tanto me machucou, tomar conta de mim de novo, e até meus sentimentos ficam confusos, e eu entro em um vórtice de confusão onde tudo se confunde: amor, desejo, raiva, ânsias de vandalismo e suicídio, heresias e piedade... Tudo se torna confuso no meu ser em noites como essa mas eu fecho os olhos e penso no seu amor.

"Aconteceu-me diversas vezes, acordando no coração da noite (a noite neste caso não demostra verdadeiramente ter coração)." (Pirandello)

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Nós combinamos essa viagem há muito tempo não foi? Alguns anos desde que eu fui embora e que a gente tenha conseguido se ver. Desde então conversamos todos os dias e a saudade aumentava sempre mais, e finalmente então nos vimos de novo!

Depois do primeiro reencontro caloroso, de passarmos em algum lugar para comer naquela cidade que combinamos de ir juntos por ser linda nessa época do ano, nós finalmente nos acalmamos e fomos nos preparar para dormir. E então, num abraço mais apertado antes de deitar uma energia passou por entre nós, você sabe bem que naquele abraço estava todo o meu, o nosso, amor, que ficou guardado todo esse tempo e só agora encontrava vazão. 

Nos afastamos lentamente apenas para olhar bem fundo nos seus olhos e ter certeza de que era isso que ambos queriam, desejavam profundamente há tanto que já nem saberiam dizer quando começou. E o era. Então nos entregamos a um beijo apaixonado, um beijo que guardava entre cada toque quente de lábios que se tornavam rubros pela força, tudo aquilo que não pôde ser dito nem compreendido nesses tempos. Aquele olhar durou um instante breve o suficiente para entender que o que havia na nossa alma era uma chama violenta que lutava para sair. Quando os lábios se tocaram novamente eram como brasas que competiam para transformar tudo em fogo. 

Não preciso descrever a cena que veio depois, principalmente quando percebemos que, um pouco abaixo, também nos tocávamos de outro modo, e assim a noite seguiu. Me recordo vagamente de me sentar em seu colo, com uma das mãos em volta de seu pescoço e a outra pousada em seu peito, forte, sentindo seu coração bater acelerado. A melhor de todas as noites. A noite com a qual sonhei tantas outras incontáveis noites. 

Acordei, no entanto, numa manhã ensolarada, bem longe daquela cidade, com o alarme me dizendo que era hora de trabalhar e, ao meu lado, a cama vazia. 

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Olhar, manto de ouro e sangue

"Quão curiosa é a forma como a Providência mistura para nós, mortais, a alegria e o sofrimento num único cálice." (Thomas Mann"

Admito que estava com sono demais para conseguir interpretar o seu olhar nessa manhã chuvosa, tudo o que posso dizer com certeza é que o sorriso sutil ao me ver me encantou e, claro, precisei cuidar para não rir demais em resposta, não levantar e abraçá-lo ali mesmo no meio das pessoas, já pressentindo até a desaprovação dos pais e dos pares... Mas isso é uma preocupação adiantada, antes disso preciso saber se realmente aquele olhar e sorriso, e os demais olhares que recebi significam. Olhares que desviávamos toda vez que se cruzavam, como era quando ainda nem nos falávamos e ainda pairava aquele ar de intimidação misturado com curiosidade. 

Ele não apenas responde aos meus olhares como, mesmo quando eu me forço a não olhar, percebo que ele continua olhando. Talvez, e só talvez, considerando todas as variáveis familiares e religiosas, eu possa me aproximar pacientemente, afinal a nossa diferença de idade e de perspectivas faria uma aproximação rápida ser estranha e mau interpretada em vários níveis, o que provavelmente o afastaria. E, no momento, eu só quero trazer para mais próximo de mim aquele sorriso e aquele olhar... Olhar que, ao cruzar com o meu num leve sorriso, quase imperceptível a todos os demais, como que teceu no meu peito uma veste gloriosa, alva como a que ele trazia sobre o peito, cíngulo de ouro e um manto dourado, resplendor do amor que, antes velado, poderá brilhar intensamente. 

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Desculpe por estar me afastando quando essas coisas acontecem. É que ao retomar o tratamento tenho tido mais dificuldade em identificar os sinais das ciclagens, e então eu posso acabar falando e fazendo coisas das quais normalmente me arrependo depois. São coisas em que penso sempre mas que o bom senso acaba por filtrar e que nesses dias, de euforia e depressão mescladas em um episódio misto, não sei qual será o resultado. Sempre acabo falando algo desrespeitoso que você, misericordiosamente releva na maior parte das vezes com bom humor mas eu sei que você não deveria passar por isso e eu, sendo mais velho e em tratamento, tenho a obrigação de poupá-lo dessas coisas desagradáveis. Você não precisa tolerar os desejos bestiais dos distúrbios químicos no meu cérebro, eu é que preciso aprender a lidar com isso com os menores efeitos colaterais possíveis: que apenas meu corpo e essas páginas conheçam o monstro luxurioso e o diabo ansioso por devorar a sua carne virginal nesses dias em que a consciência se avulta. Você não merece esse suplício, é um fardo que eu devo carregar sozinho e, caso queira correr o risco de recorrer a agentes externos novamente, que também corra sozinho o risco do abate violento. Eu só quero preservar você, que não merece se contaminar com o meu sangue imundo. O sangue que mancha a veste branca e que faz queimar o manto dourado.

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Percebi, não que já não o soubesse mas apenas me deu certo medo, que essa preferência por histórias de amor podem ser tão danosas à mente. Me lembro que Santa Tereza D'Ávila foi orientada por seu diretor espiritual a abandonar a leitura dos romances de cavalaria que, na santa, tinham efeito profundo em seu temperamento. Com efeito, quem chega a ter contato com ambos os tipos de obras percebe a diferença  que resultou naquela que, mais tarde, seria a poesia carmelita, com nomes grandes como os da própria doutora mas como também seu amigo próximo São João da Cruz, Terezinha do Menino Jesus e tantos outros. 

Na poesia carmelita vemos aquela inspiração do Cântico dos Cânticos ressoar ao ouvido desatento de forma romântica, mas o que as flores do Carmelo estão fazendo é perceber a ação do Divino o ordinário e no próprio corpo do amado e, a partir daí, purificar sentidos e espírito afim de alcançar, compreendendo em profundidade o amor, o verdadeiro Amor. É uma subida completa que parte dos sentidos, passa pela purificação, encontra formas elevadas de amar e servir ainda no plano humano mas não se fixa nele, senão que alça em voar até o alto céu, e a letra desses mestres da poesia universal são exatamente isso, registro dessa experiência profunda de amor, um amor tão belo que, mesmo sendo expresso em palavras humanas, nada tem de humano, senão que é todo divino. 

E então percebo que eu só consigo ir até o meio do caminho. Com a beleza que me é sugerida eu até consigo elevar a compreensão do amor, especialmente a doação, o perdão, a compreensão, mas ainda são considerações que se encontram no campo do meramente humano, do esforço do homem para o homem, e não o esforço que faz o homem sair de si para o verdadeiro amor. 

Como consequência eu continuo me debatendo em sentimentos humanos, em busca de uma reciprocidade que não existe, de amores que me foram negados, e continuo me humilhando, mas não de forma a melhorar a virtude da humildade, mas apenas em fomentar um desequilibrado relacionamento com o outro. Preciso fazer o caminho da subida do monte Carmelo de, na noite escura tomar a escada que leva ao jardim fechado onde se encontra o Amado, e essa escada, esses passos que dou, me purificam de meus sentimentos perversos e desajeitados...

Tudo isso porque, todas as vezes que vejo um casal ser feliz, a minha mente dispara em mil imaginações diferentes, e sempre encontra cenários em que pode se destruir, e se destrói efetivamente, destruindo amizades e mergulhando cada vez mais fundo na miséria, vazia e niilista, do amor humano fechado em si mesmo.

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Cenas da minha vida

"Faz a única coisa que pode garantir a tua felicidade: extirpa e esmaga essas coisas de esplendor extrínseco, que te são prometidas por outra pessoa ou que dependem de outra." (Sêneca)

Bom, apesar de ser apenas a transcrição BL de um clichê explorado até a exaustão na pseudo literatura da internet, o primeiro episódio de My Dear Gangster Oppa deixou algumas impressões em mim, nada de novo, já adianto logo, mas que graças a acontecimentos recentes tiveram um impacto forte. 

O protagonista, Guy, interpretado pelo fofo e caótico Ping Krittanun, se apresenta como um garoto solitário, e realmente as cenas em que ele aparece conseguiram passar esse incômodo que ele tem em sentir que não se encaixa em nada. As pessoas passam por ele como borrões, e ele não fala com elas e nem elas notam a presença dele, e ele nem sequer consegue fazer algo pra mudar isso. E, como todo bom introspectivo que é adotado por um extrovertido, um amigo de repente se aproxima dele, ao que ele responde com uma paixão platônica que vai do colégio até a faculdade.

Além da óbvia paixonite infantil que veio da admiração pela única pessoa que o enxergou em meio a sua invisibilidade social, o personagem alimenta esse sentimento sem, com isso, se aproximar de outras pessoas. Quando o já esperado namoro do amigo (amigo hétero, by the way) acontece, ele se vê sozinho novamente e encontrando refúgio em jogos online, mais um retrato de uma geração inteira feita de relações que não são mais do que mentiras travestidas de personagens jogáveis que, tendo uma função numa equipe nos passam a ideia de que somos igualmente úteis e necessários no mundo que nos cerca. 

Ele é um perdedor, e a história explora o clichê do garoto sem atrativo (que na verdade é absurdamente fofo) e que acaba conquistando, meio que sem querer, o homem mais bonito por quem qualquer um se apaixonaria. Meen Nicha até consegue convencer na pose de homem sério e solitário, realmente o olhar dele é de uma sensualidade desconcertante, o que ficou engraçado em combinação com a aparência completamente virginal, e até quase infantil, do Ping. 

Claro que me identifiquei com a constatação da existência solitária do protagonista, no entanto, eu sei também que quase todo mundo se sente assim, como se não se encaixasse ou não fosse compreendido no meio em que vive e que precisa, de algum modo, encontrar um lugar em que se encaixe, sendo que , na realidade, a pessoa não se compreende. Guy realmente é um excluído, alguém que ninguém vê e que, por um capricho do destino, esbarra no homem mais bonito possível que o atrai imediatamente., duas vezes né? A primeira com o amigo e a outra com o futuro namorado. E bom, não deve ser difícil imaginar que efeito isso teve em mim também. 

Como alguém que vê as pessoas passando por mim como borrões o tempo todo, encarando uma entediante rotina, me irritando com pessoas que eu gostaria de não conhecer, me pergunto se também eu vou esbarrar no homem dos sonhos um dia. E a resposta é, rufem os tambores: não! Não porque essas histórias todas são justamente o reflexo do desejo comum, exatamente a expressão de como as pessoas se sentem sozinhas e como sonham com o amor perfeito que as faz encaixar no mundo. Mas as coisas não são assim, e justamente por não quebrar a esfera daquilo que é meramente possível, por se tratar de uma obra poética, é que ela se multiplica a medida que se multiplica o sentimento de isolamento dos nossos tempos, onde as amizades cada vez mais se reduzem à mensagens enviadas friamente sem o comprometimento do olho no olho ou do coração que bate...

A expressão poética, ou literária se preferir (já que a obra é baseada numa novel que, por si só, já é uma forma diminuta de literatura justamente por ser feita para consumo rápido) é um condensado da experiência humana banal e superficial, daquelas coisas que resultam das diversas combinações das emoções com as ocasiões diversas da vida. Do esforço de dizer, explicar, entender essas experiências nascem as obras literárias e essa, refletindo bem um certo espírito do nosso tempo, torna-se assim um reflexo meu mesmo. Bobo, simples e pateticamente solitário. 

Percebo isso quando me vejo, sentado de olhos fechados, e o coração inflamado de amor ao pensar num certo alguém, quase da mesma forma como o protagonista da série pensa no seu amigo. Torna-se esse começo de história uma desconcertante identificação com meu próprio coração. 

Daí percebo o quão perigoso pode justamente ser essa idealização romântica que eu deixo me afetar, porque basta meia cena dessa para que eu comece a imaginar a mesma coisa acontecendo comigo, com meu melhor amigo, com o menino da igreja, com o estranho que vi do outro lado da plataforma de ônibus... É perigoso amar pois, como disse Nelson Rodrigues "o amor não deixa sobreviventes."