quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Cenas da minha vida

"Faz a única coisa que pode garantir a tua felicidade: extirpa e esmaga essas coisas de esplendor extrínseco, que te são prometidas por outra pessoa ou que dependem de outra." (Sêneca)

Bom, apesar de ser apenas a transcrição BL de um clichê explorado até a exaustão na pseudo literatura da internet, o primeiro episódio de My Dear Gangster Oppa deixou algumas impressões em mim, nada de novo, já adianto logo, mas que graças a acontecimentos recentes tiveram um impacto forte. 

O protagonista, Guy, interpretado pelo fofo e caótico Ping Krittanun, se apresenta como um garoto solitário, e realmente as cenas em que ele aparece conseguiram passar esse incômodo que ele tem em sentir que não se encaixa em nada. As pessoas passam por ele como borrões, e ele não fala com elas e nem elas notam a presença dele, e ele nem sequer consegue fazer algo pra mudar isso. E, como todo bom introspectivo que é adotado por um extrovertido, um amigo de repente se aproxima dele, ao que ele responde com uma paixão platônica que vai do colégio até a faculdade.

Além da óbvia paixonite infantil que veio da admiração pela única pessoa que o enxergou em meio a sua invisibilidade social, o personagem alimenta esse sentimento sem, com isso, se aproximar de outras pessoas. Quando o já esperado namoro do amigo (amigo hétero, by the way) acontece, ele se vê sozinho novamente e encontrando refúgio em jogos online, mais um retrato de uma geração inteira feita de relações que não são mais do que mentiras travestidas de personagens jogáveis que, tendo uma função numa equipe nos passam a ideia de que somos igualmente úteis e necessários no mundo que nos cerca. 

Ele é um perdedor, e a história explora o clichê do garoto sem atrativo (que na verdade é absurdamente fofo) e que acaba conquistando, meio que sem querer, o homem mais bonito por quem qualquer um se apaixonaria. Meen Nicha até consegue convencer na pose de homem sério e solitário, realmente o olhar dele é de uma sensualidade desconcertante, o que ficou engraçado em combinação com a aparência completamente virginal, e até quase infantil, do Ping. 

Claro que me identifiquei com a constatação da existência solitária do protagonista, no entanto, eu sei também que quase todo mundo se sente assim, como se não se encaixasse ou não fosse compreendido no meio em que vive e que precisa, de algum modo, encontrar um lugar em que se encaixe, sendo que , na realidade, a pessoa não se compreende. Guy realmente é um excluído, alguém que ninguém vê e que, por um capricho do destino, esbarra no homem mais bonito possível que o atrai imediatamente., duas vezes né? A primeira com o amigo e a outra com o futuro namorado. E bom, não deve ser difícil imaginar que efeito isso teve em mim também. 

Como alguém que vê as pessoas passando por mim como borrões o tempo todo, encarando uma entediante rotina, me irritando com pessoas que eu gostaria de não conhecer, me pergunto se também eu vou esbarrar no homem dos sonhos um dia. E a resposta é, rufem os tambores: não! Não porque essas histórias todas são justamente o reflexo do desejo comum, exatamente a expressão de como as pessoas se sentem sozinhas e como sonham com o amor perfeito que as faz encaixar no mundo. Mas as coisas não são assim, e justamente por não quebrar a esfera daquilo que é meramente possível, por se tratar de uma obra poética, é que ela se multiplica a medida que se multiplica o sentimento de isolamento dos nossos tempos, onde as amizades cada vez mais se reduzem à mensagens enviadas friamente sem o comprometimento do olho no olho ou do coração que bate...

A expressão poética, ou literária se preferir (já que a obra é baseada numa novel que, por si só, já é uma forma diminuta de literatura justamente por ser feita para consumo rápido) é um condensado da experiência humana banal e superficial, daquelas coisas que resultam das diversas combinações das emoções com as ocasiões diversas da vida. Do esforço de dizer, explicar, entender essas experiências nascem as obras literárias e essa, refletindo bem um certo espírito do nosso tempo, torna-se assim um reflexo meu mesmo. Bobo, simples e pateticamente solitário. 

Percebo isso quando me vejo, sentado de olhos fechados, e o coração inflamado de amor ao pensar num certo alguém, quase da mesma forma como o protagonista da série pensa no seu amigo. Torna-se esse começo de história uma desconcertante identificação com meu próprio coração. 

Daí percebo o quão perigoso pode justamente ser essa idealização romântica que eu deixo me afetar, porque basta meia cena dessa para que eu comece a imaginar a mesma coisa acontecendo comigo, com meu melhor amigo, com o menino da igreja, com o estranho que vi do outro lado da plataforma de ônibus... É perigoso amar pois, como disse Nelson Rodrigues "o amor não deixa sobreviventes."

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