quinta-feira, 30 de abril de 2020

Do (não) saber

Desligado.

Andando pela casa sem um um objetivo, apenas por andar. Fazendo coisas aleatórias como baixar uma playlist de músicas que eu sei que nunca vou escutar ou planejar reformas que nunca darei cabo. Pensando sem na verdade me concentrar em nada, passando os olhos rapidamente pelas letras de qualquer texto, sem me deter nas palavras das aulas, sem prestar atenção sequer as coisas que me dizem minha família ou os meus amigos. 

Sensível.

Várias vezes hoje eu tive vontade de chorar: enquanto via uma cena triste de uma de minhas séries favoritas, ouvindo uma música, pensando naquela pessoa, sonhando com coisas que nunca vivi, participando da Santa Missa. Me sinto sensível, e as lágrimas têm brotando de mim com facilidade. 

Sozinho.

Também sinto vontade de ficar sozinho, quietinho. Infelizmente as obrigações me impedem de ter esse tempo de ócio, mesmo distraído eu ainda tenho que fazer muita coisa. Só queria ficar deitado, sem ver ou falar com ninguém, esperar essa névoa que me envolve passar. Esperar eu finalmente conseguir me alegrar com o sol que entra pelas frestas das cortinas. Queria que esse sol me contagiasse com sua energia vibrante, queria sentir também aqui dentro o calor que dele emana com tanta naturalidade. 

Sentido.

As coisas parecem, em sua maioria, ter perdido o significado. Qual a razão para estudar, para sair, para conversar, qual a razão em flertar, em aprender a tocar um instrumento, qual a razão para continuar vivendo cada dia, como se a cada dia houvesse algo a ser realizado, um objetivo a ser atingido? Não vejo sentido, para onde quer que olhe eu só vejo o caos. 

Caos.

Talvez esse caos esteja dentro de mim e, ao contrário do rio parado que parece ter tomado conta de mim eu na verdade esteja perdido em meio as torrentes impetuosas de Poseidon. Não sei dizer. Eu não sei mais nada, nada de você e nada de mim também. Não sei dizer porque estou triste, nem sei dizer qual a razão das linhas de preocupação na minha testa, não sei explicar minha expressão vazia e meus olhos fundos, eu não sei mais nada. 

Cansaço.

Eu nem queria mais reclamar, sei que já estão cansados de me ver fazendo isso... Mas sobre o que mais eu falarei? E eu, pobre, que farei ou que patrono invocarei? 

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Objeto de desejo

Esses desejos violentos se apresentam por meio de belezas inefáveis, por meio de olhares tímidos, cabelos negros e peles brilhantes como indicam a tenra idade. Esses desejos violentos têm no homem fins violentos com a consumação daqueles apetites mais primitivos, despertados num sorriso, num apelo dramático e muitas vezes involuntário da natureza libidinosa, daquela chama luxuriante que se mostra lúgubre nos calabouços mais obscuros da consciência humana. 

E a alegria, doce e fugaz, resplandece no encanto, no encanto do primeiro beijo, do toque quente que se verte em pólvora ou do primeiro pranto. Essa é a essência do homem, deixar-se inebriar pela beleza, sonhar com as cenas mais torpes que sua imaginação erótica pode lhe proporcionar. Excitar-se no perfume exalado pelo objeto de seu desejo. 

No fim destroem-se em sua própria carne, consumida em fogo e prazer, restando apenas as cinzas, de um amor imoral que um dia transcendeu o próprio ápice do ser, movido apenas pela beleza da qual não se pode fugir.

O homem se consome, entre as labaredas ardentes de seus pecados, se consome em santo amor entre os amplexos do amado, se consome em gemidos de ferida como o cervo abatido. Se consome em horror, em negação pelo não que não pode ser dito, pelo que foi dito, pelo que foi feito, pelo maldito. Se consome de amor, se consome num apetite insaciável, se consome de sua própria existência humana.

terça-feira, 28 de abril de 2020

Da fera abatida


Eu queria só entender o que é a vida, sei que viver é amar e que amar é sofrer, que alegria e dor vivem juntas em mim, mas e então? A vida é apenas essas sucessão disforme de alegrias e decepções? A roda do destino gira sem parar nos levando de um lado a outro do samsara, fazendo de nós homens, animais e deuses num único dia? 

Fui tomado por um súbito pensamento de horror, uma raiva incontrolável que advém daquela observação da realidade que culmina numa revolta. As coisas são como são, e isso é uma droga!

Fui tomado por essa raiva depois de perceber, com uma força brutal, a conveniência baixa que permeia as relações pueris do homem. As mentiras são disfarçadas de belas declarações como num engodo. 

O desespero. 

Dessa percepção nasce então um desejo, fruto de todas as impressões deixadas como uma cicatriz num músculo cauterizado. O desejo de que tudo, ou que ao menos eu, retorne ao nada. Esse é o único desejo, o desaparecer e não ser mais exposto a essa vileza, a essa pantomima existencialista que nos faz crer que vivemos verdadeiramente, que encontramos amigos e amores, quando na verdade tudo o que encontramos é a materialização de seus desejos mais sujos e desprezíveis. 

O que é o homem senão um animal que aprendeu a esconder seus pecados por detrás de belas palavras? No fim das contas essa visão me causa repugnância, semelhante aquela que escapa da boca de um cardíaco. 

Não existe amor, não existem amizades. Existem interesses, desejos, essas são as coisas pelas quais os homens vivem, tudo o mais é criação para esconder suas reais intenções, tudo o mais é o que usamos para esconder o desespero que é nossa verdadeira face. Esse desespero não só é nossa verdadeira essência como também é a causa de dores e decepções, visto que o desesperado passa por cima de todos para atingir seus objetivos mais sujos, mais baixos, ainda que travestidos do carinho mais sincero. 

A verdade é que o homem veio do pó e ao pó voltará por sua própria miséria, isso porque em sua existência não foi nem nunca será mais do que pó. É apena uma besta, movida por seus apetites, jamais homem, disfarçado de príncipe. E morrerá como besta, com um punhal cravado no profundo de sua jugular, jorrando seu sangue quente e imundo pelo chão, fecundando a terra com sua essência fétida.

Mas eu não sei se isso é verdade. Não sei se isso é só uma imagem do demônio criada para me deixar em pânico. Não sei se essas coisas existem de verdade ou se é apenas resultado do trabalho de minha pequena mente distorcida, eu não sei mais diferenciar o que é verdade ou não. Eu não sei mais nada.

Pareço magoar quem eu amo, e eu não queria que fosse assim, e quem eu amo me machuca mesmo que sem querer. Eu perdi o senso da realidade, estou louco, louco! Eu não queria magoar ninguém, mas também não queria me sentir só. E toda noite parece que tenho o mesmo pesadelo, as pessoas vão indo embora, uma a uma, e eu sozinho, chorando como uma criança, os joelhos ralados, fico aqui, no escuro, sem ninguém.

Eu me lembro de cada pessoa que já partiu, de cada um que já foi embora sem se despedir, sem sequer olhar para trás... E essas imagens continuam aparecendo, me deixando paranoico, cada vez mais maluco, imaginando mil teorias da conspiração. Eu não sei mais o que é verdade, eu não sei mais nada. Por isso me sinto como a fera abatida. Não vi de onde veio o tiro que me atingiu, apenas senti a dor e a confusão de estar aqui, deitado, sentindo meu próprio sangue escorrer, esperando pelo lento fim. 

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Para continuar


Existe uma coisa no mundo, diferente de todas as outras em sua essência e na impressão que deixa em nosso coração. Calma, prometo explicar os motivos por trás de uma afirmação tão evidente. 

Existe algo no mundo capaz de fazer o coração se aquecer, não é bem uma coisa que se possa ver, ou um lugar onde se possa estar, mas algo que rodeia algumas ações, alguns sorrisos, alguns momentos. Essa coisa, que eu não sei precisar o que é, como que circunda nosso ser, parece pintar de algum modo com uma cor quente o que antes era frio e sem vida, como uma pequena chama, se acende por um brevíssimo instante, iluminando tudo ao redor. 

Uma pequena chama,
um ponto de luz.

É apenas um brevíssimo instante, um átimo de segundo mas, de algum modo, me faz conseguir continuar, me faz conseguir abrir os olhos novamente ou pelo menos me erguer sem sentir tanta dor. 

É bem difícil explicar, é algo tão íntimo e tão fugaz que não tenho tempo de colocar em palavras o que sinto de forma tão profunda que a linguagem não consegue alcançar. Mas é algo bom, sim é uma coisa boa, algo que eu queria simplesmente poder ter por mais tempo e, não sendo possível, ao menos guardo comigo essa impressão.

Essa coisa, no entanto, existe ao mesmo tempo em que sou dominado pela mais profunda escuridão. Estou habituado, portanto, a luz que aquece e a escuridão que arrefece. Uma escuridão não maligna, mas que suga toda minha energia deixando-me apenas uma casca vazia, inerte, sem vontade para mais nada. Me comparo a uma boneca de trapos, caída, com os olhos fixos em nada, embora esteja olhando alguma coisa.

Essas duas coisas convivem dentro de mim, essa constante dicotomia entre luz e trevas. Há dias em que sorrio e dias que sequer consigo abrir os olhos. Dias em que converso e dias que não quero me lembrar de que conheço ninguém. Há dias e dias. E eu vivo assim, num dia após o outros, tentando conciliar. A solidão que sinto quando quero companhia mas ninguém aparece, e a dificuldade que é conviver quando só quero o silêncio e a solitude.

Não posso dizer que já estou habituado. As vezes eu simplesmente odeio ser assim. Simplesmente odeio sempre querer o que não posso ter, e estar sempre insatisfeito com tudo. Odeio reclamar de tudo, e ainda assim reclamo. Odeio a sinceridade do álcool, que me faz dizer coisas que o meu filtro de sobriedade não me permitiria. Odeio que minha horas de sono sejam interrompidas sem pestanejar por qualquer um. Odeio estar sempre cansado, como se algo estivesse constantemente se alimentando de minhas forças. Aliás, odeio estar sempre esgotado, mas parece que ainda sempre há forças para sofrer, para continuar a me decepcionar, para me entristecer e escrever mais algumas palavras de pura desesperança destilada.

Odeio acordar contente, esperando ter um grande dia e me decepcionar com a longa fila do banco. Me alegrar com o salário recebido e amaldiçoar as contas que o fazem ir embora. Desejar um sono longo mas ser interrompido pelos estampido do alarme dos carros na rua ou pelo despertar natural, quando tudo o que mais desejava era na verdade um último sono, do qual eu não acordasse para mais uma vez olhar esse mundo miserável, de barulhos e pessoas incompreensivas, de vírus e de falsas concepções estéticas.

Eu não sei o que eu quero e, no entanto, sei bem que não quero essa vida. Sei que não quero viver em meio ao caos, já existindo caos o bastante em mim. Sei que não quero a correria, mas não posso imaginar como conseguirei conquistar a tranquilidade. Eu estou cansado, na verdade, e o meu niilismo é isto: estou cansado do homem.

Do ser.

Cansado demais para continuar a viver.

E do que adiantaria continuar? Se no fim todos encontraremos o mesmo fim patético? Se após a morte de um qualquer outro pode ser posto no lugar?

Somo substituíveis, e ninguém é lá tão especial que não possa ser trocado. Outros, no entanto, são trocados a todo momento, e sequer são importantes o suficiente para permanecerem um minuto ou dois. Todos são bons enquanto convenientes, enquanto não encontram coisa melhor, depois disso, somos deixados ao esquecimento. A vida é assim. Movida pela conveniência, pelo que os outros querem de nós. E, quando já não temos mais nada a oferecer, ou quando outro oferece mais, somos descartados.

Como o lixo que somos.

E eu estou cansado, cansado de ser trocado, de não significar nada, de ver que ninguém enxerga sentido na minha existência. Estou cansado de só servir enquanto não encontram algo melhor, cansado de ser a segunda opção, cansado de partilhar meus segredos com quem não dá a mínima, cansado de viver sem importância, de ser só mais um, esperando o momento de ser esquecido por todos e ter a boca coberta de terra.

Cansado.

Cansado demais para continuar.  

Uma fera que se aquietou

Sinto-me desanimado 
não triste, 
mas apenas num torpor. 

Sinto-me sem forças, 
como se meus braços e pernas tivessem sido tirados de mim.

Procuro em cada canto do meu ser,
algo que me faça ter forças para abrir os olhos,
levantar e andar,
mas não encontro nada.

Não quero ouvir as vozes das pessoas,
não quero ter de ir a  lugar nenhum.
só quero ficar só, 
observando o teto frio, 
que parece ser a única coisa que sou capaz de continuar fazendo.

Até que o tempo passe, 
as energias voltem, 
o ânimo possa novamente inflar meu peito
e fazer tornar a bater meu coração.

Até lá não sou mais do que uma boneca de trapos,
um poço escuro de água parada,
uma fera que combalida se aquietou. 

sábado, 25 de abril de 2020

Resenha - WHY R U The Series

O mundo, meus amigos, ele não gira, ele capota. E isso aprendemos com WHY R U, e talvez com o cenário político nacional, da maneira mais surpreendente possível. 

Todo mundo ficou curioso quando descobriu que o Saint de Love By Chance seria protagonista de mais um bl, e claro que esse hype atraiu muita gente pra ir atrás da história que seria contada. Ânimos lá em cima era de se esperar que a série decepcionasse em algum ponto, mas aconteceu justamente o contrário, fomos surpreendidos um episódio após o outro como uma mega produção que conquistou todo o fandom bl por vários motivos. 

Tutor é um calouro de engenharia que trabalha bastante e é muito racional, enquanto Fighter faz tudo com base nas suas emoções. Os dois não se dão muito bem quando se conhecem e acabam se detestando, mas aos poucos vão superando a inimizade e se aproximando cada vez mais, principalmente quanto Tutor precisa começar a ajudar Fighter a estudar a pedido de sua amiga. Saifah é um músico brincalhão e Zon um escritor atrapalhado, eles se tornaram inimigos depois de uma disputa amorosa mas vão precisar superar isso para fazerem uma apresentação juntos para um importante projeto da faculdade, o que vai aproximar os dois e quebrar algumas barreiras também. 

Como o próprio nome e sinopse já deixam claro a série parte do ponto de que o amor pode vir de onde menos esperamos, e até mesmo de onde não vemos nada além de raiva e implicância. O amor simplesmente pode vir e mudar tudo isso, transformando completamente a vida dos envolvidos. 

Saint Suppapong (de Love By Chance e Bai Mai Tee Plid Plew) é Tutor, um jovem que trabalha numa cafeteria e ainda da aulas particulares para ajudar a pagar as dívidas do pai. Muito responsável ele se esforça para ser o melhor, sendo também muito gentil. Ele logo conhece Fighter (Zee Pruk) e os dois trocam farpas desde o primeiro encontro, já que o veterano parece gostar de implicar com o novato. Fighter não entende bem dos motivos que o levam a perseguir Tutor, e decide se aproximar do rapaz para descobrir, até perceber os seus sentimentos pelo garoto crescerem. 
Esses dois surpreenderam e muito pelas cenas quentes, que já estão rolando na internet inteira então eu não considero um spoiler, mas eu gostaria de destacar um outro aspecto que achei de grande importância: o nível da atuação de ambos. Ninguém imaginava que o mesmo Saint que fez o tímido Pete em LBC pudesse ser tão agressivo nas cenas hot e tão incrível nas cenas dramáticas como foi. Saint realmente deu um show de atuação e se mostrou com força um dos melhores atores da sua geração. O que me deixou muito feliz, conhecendo o histórico de dificuldades que ele passou desde Love By Chance. Zee não ficou atrás e se mostrou um excelente ator também, protagonizando a cena que, na minha nada humilde opinião, é a mais forte e impactante de toda a série. 

Saifah (Jimmy Karn) é muito alto e brincalhão. Ele é um músico popular e por isso é conhecido por ser um mulherengo. O problema é que ele acaba se envolvendo com a garota de Zon (Tommy Sittichok), um garoto baixinho que quer mostrar que pode ser um escritor melhor que sua irmã, que é muito popular com as novels BL que todos na universidade parecem gostar. Zol, a irmã de Zon, começa a escrever uma novel em que seu irmão se apaixona por Saifah, e todos acham que pode ser verdade, mesmo os dois se odiando na vida real. Acontece que Zon acaba sendo escolhido para se apresentar ao lado de Saifah num importante evento e não consegue negar, o que faz os dois se aproximarem cada vez mais e verem nascer uma paixão. No início tudo parece coisa de novel, mas aos poucos eles vão entendendo seus sentimentos e começam a escrever a próprio história. 
As cenas desses dois são sempre hilárias e muito fofas. A combinação de Tommy e Jimmy é uma explosão de fofura. Um grandão provocante e o outro baixinho e tímido, protagonizam as cenas que mais deixam aquela sensação de coração quentinho na gente. 

A série tem ainda muitos outros personagens, e deixou vários casais no ar, como Japan e Tanthai  e Dew e Blue, que infelizmente quase não tiveram nenhum desenvolvimento. Nós temos um grupo grande de amigos e conhecidos que deixam tudo com um ar ainda mais colegial, e fazendo muitas vezes o alívio cômico da série. Outra coisa foi a recente pandemia de coronavírus que também atingiu a Tailândia, o que impediu a gravação de mais cenas que haviam sido planejadas, deixando alguns episódios com um foco muito grande em alguns casais e parecendo ter esquecido de outros. A produção já afirmou que, quando as coisas se normalizarem, talvez um ou dois episódios extras ainda sejam gravados. Imagino eu que alguns episódios possam ser reeditados também, para que essas cenas sejam incluídas ali, mas é só um palpite. 

A trilha sonora é uma graça, o tema da primeira abertura é um pop chiclete que te faz cantar um tempão depois de cada episódio, e a música do Tom Isara com participação do próprio Saint também é excelente e bate forte nas cenas românticas. A fotografia é lindíssima em todos os episódios e faz a série ser simplesmente um deslumbre total. 

Só uma nota de agradecimento pelas participações especiais de Mew e Gulf, como TharnType, e Boom e Peak como Tee e Fuse (de Make it Right). Eu adorei essa coisa de EasterEgg com outros casais famosos de BL. 

Finalmente, Why R U foi um dos grandes BLs do ano, sem dúvida, e foi na onde de TharnType que deram um novo conceito de como se faz uma cena de pegação com tudo o que temos direito, surpreendo a todos como uma produção lindíssima, atores super carismáticos e com uma química incrível e uma história divertida e gostosinha de se acompanhar. Simplesmente perfeita!

10/10


quarta-feira, 22 de abril de 2020

Fórmula da minha composição ideológica

Olavo de Carvalho
23 de dezembro de 1998

"Alguns leitores cobram-me uma autodefinição ideológica. Outros, mais solícitos, apressam-se em fazê-la por mim, catalogando-me seja como neoliberal, seja como anarquista, seja como conservador, seja até como fascista e o diabo a quatro. Surdo às demandas dos primeiros, que me parecem artificiais e de puro capricho, não posso, no entanto, permanecer insensível ante os esforços dos segundos, que traduzem, a olhos vistos, um anseio genuíno e profundo de suas almas, e, mais que um anseio, uma necessidade vital absoluta, a qual, se não atendida, acaba por se atender a si mesma como um estômago de pobre que, desprovido de alimento, se auto digere mediante uma úlcera. Essas pessoas, com efeito, não sabendo o que fazer de suas vidas sem um catálogo ideológico de tudo, e não dispondo de informações cabais sobre a minha personalidade política, acabam por construí-la com pedaços de si mesmas, colhidos nos bas fonds dos seus respectivos subconscientes e constituídos substancialmente de temores, suspeitas, fantasias macabras e uma vasta coleção de demônios.

Não suportando mais ver tanto sofrimento inútil, nem me conformando com tamanho desperdício de criatividade que mais utilmente se empregaria no hobby literário, ao qual algumas dessas criaturas aliás se dedicam nas horas vagas de seu penoso mister catalogante, decido-me, pois, a fornecer enfim meu perfil ideológico, e não apenas meu perfil de ambos os lados mas também meu auto-retrato de frente e de costas. Direi, em suma, o que vocês querem saber, que não é necessariamente o que vocês querem ouvir.

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Somos um suspiro


As pessoas são rápidas em esquecer. Rápidas em trocar. Trocamos rápido de interesses, de música favorita, de roupa, de amigos e parceiros. Acho que a permanência não foi feita para o homem, afinal, experimentamos a transitoriedades desde o dia em que nascemos. No instante mesmo de nossa concepção já começamos a mudar, no instante mesmo de nossa concepção já caminhamos para nossa morte, e as mudanças não findam com ela, antes disso, da morte nos transformamos ainda mais, voltando ao útero primitivo da terra, servindo de combustível para outras vidas que virão depois de nós, dos vermes que se alimentarão de nosso cadáver. 

Somos criaturas da mudança, e a constância de nossa existência está em saber que nunca cessaremos de mudar nessa vida. Mudamos porque queremos, porque encontramos coisas melhores, mudamos porque o destino assim escreveu. Mudamos. E não cabe a nós reclamar, apenas aceitar, pois as mudanças continuarão quer a gente queira ou não. 

Feridas se abrem
sangram
se fecham

e podem tornar a sangrar um dia

Olhamos para o lado e vemos algo de novo, nos interessamos, largamos o que temos e o pegamos, e nele nos satisfazemos até que encontremos algo novo de novo. 

É assim, 
somos assim

com coisas e pessoas, 
amigos e amantes. 

Essa transitoriedade faz do corpo, da vida terrestre, algo superficial, apenas arranhamos o ser com ela. A vida de verdade está na imutabilidade das ideias eternas, na vida perene, onde não há a falsidade ou a transitoriedade vulgar desse mundo passageiro, dessa vida fugidia. 

Mas, mesmo sabendo disso desde a primeira vez que vemos alguém de idade avançada, ou que nos deparamos com a morte, ainda é difícil aceitar a passagem da vida. É difícil aceitar que nossa existência terrestre não é mais do que uma grande estação de trem, sempre a mudar. É difícil aceitar pois entre uma mudança e outra, entre um girar e outro da roda do destino, nós nos apegamos ao estado em que estamos, e dói a separação, dói ver a mudança acontecer diante de nossos olhos. 

Como a água do mar 
que num dia é calma e tranquila e
no outro traz morte e destruição. 

Não sei, no entanto, se trata-se de algo universal, comum a todos os homens, parece-me que sim. Mas, antes de enunciar uma verdade universal eu acrescento que trata-se da minha verdade. É na minha vida que observo uma mutabilidade permanente, uma troca sem fim, um rio que nunca para de correr, ainda que vez ou outra me faça rodopiar em suas águas violentas, e me faça chorar diante as partidas da vida, ante as trocas, ante as mudanças de interesses.

Nesse caso  o prazer pela existência desvanece,
o vazio toma conta do ser,
o esperar pela morte é a única coisa a se fazer

E é isso, continuamos mudando, nos interessando por coisas novas a cada novo dia, saindo com novas pessoas a cada piscar de olhos, caindo do posto de importância do primeiro para o último lugar, como se não fôssemos nada, o que de fato não somos. 

Não somos nada. 
Somos menos do que poeira. 

Somos fumaça, se perdendo no ar da imensidão. 

Somos um suspiro. 

A morte de Inês

Que direi? que farei? Que clamarei?
Ó fortuna! Ó crueza! Ó mal tamanho!
Ó minha Dona Inês, ó alma minha,
Morta m’es tu? Morte houve tam ousada
Que contra ti podesse? Ouço-o, e vivo?
Eu vivo, e tu ês morta? Ó morte crua!
Morte cega, mataste minha vida,
E não me vejo morto? Abra-se a terra.
Sorva-me num momento: rompa-s’alma,
Aparte-se de um corpo tam pesado,
Que ma detém por força.
Ah minha Dona Inês, ah, ah minh’alma!
Amor meu, meu desejo, meu cuidado,
Minha esperança só, minh’alegria.
Mataram-te? mataram-te? tua alma
Inocente, fermosa, humilde, e santa
Deixou já seu lugar? ah de teu sangue
S’encheram as espadas? de teu sangue?
Que espadas tam crueis, que crueis mãos?
Ah como se moveram contra ti?
Como tiveram forças, como fios
Aqueles duros ferros contra ti?
Como tal consentiste, Rei cruel?
Imigo meu, não pai, imigo meu!
Porque assi me mataste? ó Liões bravos!
Ó Tigres! ó serpentes! que tal sêde
Tinheis deste meu sangue! porque causa
Vos não vinheis em mim fartas vossa ira?
Matáreis-me, e vivera. Homens crueis,
Porque não  me matastes? meu imigos,
Se mal vos merecia, em mim vingáreis
Esse mal todo. Aquela ovelha mansa
Inocente, fermosa, simples, casta
Que mal vos merecia? mas quisestes
Como imigos crueis buscar-me a morte
Não da vida, mas d’alma. Ó céus, que vistes
Tamanha crueldade, como logo
Não cahistes? Ó montes de Coimbra
Como não sovertestes tais Ministros?
Como não trema a terra, e s’abre tôda?
Como sustenta em si tam grã crueza?

(Antonio Ferreira)

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Ex nihilo


Eu tentei, realmente tentei, olhar o céu claro do dia e me sentir bem com isso, afagado que fosse pelo calor do sol a beijar a minha face. Mas não foi possível, não tive outra reação a não ser a de voltar a escuridão do fundo do meu quarto, escondendo-me não somente aqui mas também no fundo da minha própria mente, com medo daquela claridade, daquele calor. 

"A visão do homem agora cansa - o que é hoje o niilismo, se não isto?... 
Estamos cansados do homem..."
(Nietzsche)

Cansado de mim, dos barulhos do vizinho, do que vejo na rua e do que vejo quando fecho a porta e os olhos. Não há mais coisa que me dê aquela sensação de esperança, de que as coisas podem melhorar. Tudo o que vejo é uma decadência que parece nunca ter fim, a lixeira da miséria humana que parece cercar a todos nós. 

Minha única reação então é esta, a de me isolar e fugir, como o grande covarde que sou, e de esperar pelo dia que consiga sair ao sol, olhar nos olhos das pessoas, sem sentir que todos caminhamos apenas para o fim silencioso do nada, extinguindo nossa existência no último suspiro de nossas vidas patéticas, sem as respostas que tanto procuramos, sem entender ou receber o amor que um dia sonhamos e que não existe fora das telas e das páginas dos livros, senão que é uma mentira contada com o objetivo de nos fazer crer que existe esperança, quando na verdade, só existe o fim.

E tudo retorna ao nada, e tudo vai se desmoronando. Vislumbro não mais uma paisagem, como as que costumeiramente gosto de descrever, mas apenas um grande vazio. É como se caísse cada vez mais fundo, numa escuridão total que me envolve e me abarca de tal modo que não vejo como poderia sair dela. É frio e silencioso, um verdadeiro nada. Já não sinto dor, medo ou alegria, não sinto nada, é apenas isso, o nada. 

quarta-feira, 15 de abril de 2020

De visitas inesperadas


Um caráter levemente melancólico toma conta do ser.

Acontece de repente, sem nenhuma explicação. Talvez seja alguma variação hormonal, uma flutuação puramente randômica, ou eu simplesmente não saiba do que se trata... Ela simplesmente vem, aproximando-se lenta como a névoa matutina. Ela impede que a luz do sol passe, eu fico no frio e no escuro, no silêncio do meu próprio coração. 

Como explicar a eles a tristeza em nossos olhos? 
A falta de motivação em viver? 
O gosto pela solidão?

Nem mesmo eu entendo, não sei do que se trata, sequer sei de onde vem. Parece-me que as cores da existência se empalideceram bem diante meus olhos, escorrendo entre meus dedos, tornando-se opacas e cinzas. 

Sinto como se olhasse para um quadro, um belo quadro de uma linda paisagem, que fora coberta pela fuligem da guerra e perdeu a cor. Já não mostra mais as cores das flores, apenas a cinza fria e sem graça.

E então a melancolia uma vez mais toma conta de mim, sem que eu permita, sem que a veja chegar, sem dizer quando vai embora. Levou consigo minhas cores, meus amores e até os meus perfumes. Deixou-me a languidez mórbida do silêncio, como aquelas gotas após a chuva que preguiçosamente caem no chão escorrendo pelas dobras da casa, mas que ainda não foram iluminadas pela claridade do sol. Espalham-se pela frialdade inorgânica da terra. 

E eu também sei que não é apenas como se eu olhasse para esse quadro, eu mesmo torno-me esse quadro, triste e melancólico, ao qual os outros sentem o incômodo de ao menos tacar fogo para ser iluminado pelas chamas e pintando por alguns instantes do laranja avermelhado das labaredas. 

Já me acostumei, a essas visitas inesperadas. Essa melancolia não me é mais estranha. Já não olho mais para a névoa buscando uma saída desesperadamente, correndo sem conseguir respirar. Não, agora eu simplesmente me sento e aguardo que ela se vá. Pode demorar, um dia ou um mês, mas ela sempre se vai, para voltar novamente. É como um eterno ciclo, uma roda do destino que nunca para de girar. Uma morte lenta que termina não na completa escuridão, mas no despontar de uma nova vida, que nasce para novamente vir a morrer-se de amor. E eu morro porque não morro, como disse a pequena grande, vivo sem viver em mim. 

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Do transcender


"Amizade é querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas, não queira amizade com quem ama aquilo que você odeia." 

(St. Tomás de Aquino)

Essa é, sem sombra de dúvidas, a frase de S. Tomás que mais tem ecoado na minha cabeça nos últimos meses. Faz me refletir sobre o que, ou quem, realmente é importante em minha vida. Antes de definir o quem primeiramente é preciso definir o o quê. 

Sei que ainda estou numa fase profunda confusão, tentando entender quem sou, mas já consigo delimitar, vagamente, as coisas que me são importantes. Na minha vida hoje a liturgia ocupa o primeiro lugar do meu amor. As dores que sinto em várias partes do meu corpo, saldo dos esforços da semana santa, são prova da marca profunda que esse amor deixa em mim, juntamente com a satisfação de saber que, mesmo na privacidade de missas sem povo o Tríduo Pascal foi celebrado de forma digna. Com isso une-se o meu amor a Santa Igreja, meu desejo profundo de dela fazer parte de forma cada vez mais íntima e, sendo a Igreja a Esposa de Cristo, me tornar cada vez mais íntimo do próprio Cristo. 

Após isso vem aquilo que definirei em poucas palavras como a Vida Intelectual, inserindo aqui os meus estudos históricos e filosóficos, bem como a minha lista de aspirações e questões. Todos os meus interesses intelectuais, bem como o aprofundamento na alta cultura, a transformação íntima provocada pela arte capaz de elevar o espírito e dar sentido ao que ensina a ciência. A vida intelectual ocupa uma importante parcela da minha vida. É o desejo pelo conhecimento da realidade, não das mentiras e não dos abortivos de intelectualidade que nos são vendidos habitualmente. O amor pela verdade que, não obstante, se une intrinsecamente com o primeiro item dessa lista. 

Isso me faz perceber, já num vislumbre bastante superficial, o quão reduzido é então o meu círculo daquilo que se pode chamar de amigos. Poucos são aqueles que amam o que eu amo. Na verdade, a maior parte das pessoas que conheço têm verdadeiro ódio por aquilo que mais amo. 

Religião é algo para tolos, algo de limitante, um adorno para pessoas de intelectualidade inferior, dizem os críticos da religião que, no entanto, acreditam em toda sorte de coisas sem nenhum significado mais profundo, ou em qualquer coisa que lhes apresente a eles como a mesma devoção religiosa, que não seja religião. Há ainda aqueles que se contentam com a aparência de intelectualidade. Cultivam títulos e diplomas mas ignoram o conhecimento verdadeiro, aquele que dá sentido à existência do homem. Contentam-se com artigos científicos e transmissões para plateias lotadas ignorando os números que indicam a quantidade absurda de fraudes do meio científico ou a mera superficialidade e puerilidade das teses defendidas com ares de superioridade como sendo produtos de ciência.

O terceiro item de minha lista dista, aparentemente, dos outros dois, mas também guarda uma relação íntima pouco observável para os outros. Trata-se da constância. Amizades, ou melhor, as relações de amizade e amor que temos são constantemente inconstantes. Claro, parte disso deve-se a natureza mutável do próprio homem mas, por outro lado, deve-se principalmente ao atual estado de coisas onde a fidelidade deu lugar a conveniência. 

As nossas relações hoje são, em parte, pautadas apenas na conveniência. Gostamos daqueles que nos fazem sentir bem, e até aí tudo bem se não trocássemos essa pessoa por outra no instante mesmo em que descobrimos outra pessoa que nos faça sentir melhor. Só estamos ao lado de alguém pelo tempo em que esta pessoa nos é conveniente, a trocamos assim que nos parecer mais conveniente. É assim não é Bauman? 

E eu vejo isso a todo instante, com uma crueza brutal da minha parte. Declarações de amor que se desfazem no vento no instante mesmo que no horizonte surge uma oportunidade melhor. A amizade que se desfaz ante o chamado primitivo do sexo, os amigos que se esquecem uns dos outros com o aparecimento de uma mulher. A forma patética e superficial que as pessoas encaram a suas relações hoje em dia são, no melhor dos cenários, razão para náuseas e desejo de uma higiênica distância. 

Isso me dá algumas perspectivas de futuro. A primeira delas é uma perspectiva de espera, paciente, de encontrar pessoas que partilhem das mesmas aspirações que eu. Por outro lado, e essa me parece ainda mais plausível, é uma perspectiva de aceitação da solidão que as minhas escolhas me darão. Posso estar sim, cercado de pessoas que de algum modo me façam companhia e me façam sorrir, mas nenhuma delas ama aquilo que amo e odeiam aquilo que odeio. No máximo podemos alcançar um estágio de conveniência que seja agradável a ambos, mas sem nunca alcançar a verdadeira amizade, aquela em almas gêmeas podem compreender-se mutuamente, trabalhando no crescimento espiritual de ambos. 

O que me resta é relacionar com as almas de outros tempos, coisa que muito felizmente a vida intelectual e a Santa Igreja me oferecem. Relacionar-me com espíritos grandiosos como o próprio S. Tomás, ou um São Boaventura, mas também com Aristóteles e Platão, Dante, Tchaikovsky e Mahler, almas que, cada uma ao seu modo, encontraram uma forma de transcenderem a si mesmas no tempo e no espaço, chegando até mim, como espero chegar a outros um dia. 

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Do Tríduo

Hoje começa mais um Tríduo Pascal, o centro da vida litúrgica da Igreja, e também da minha. São dias diferentes, sempre o são. Já estava acostumado a, todos os anos, estar preocupado com os últimos preparativos da Via-Sacra e com o andamento das celebrações... Mas esse ano não. Tudo está mais silencioso. As celebrações foram simplificadas ao máximo pelo decreto episcopal que visa diminuir as aglomerações na igreja para evitar a propagação do coronavírus que já fez milhões de infectados no mundo. É uma penitência que nos foi imposta. 

Mas aquela atmosfera continua. Aquela tensão no ar, do Cristo perseguido e preso, que logo mais será julgado e morto por nossos pecados numa cruz após sofrer pavorosos suplícios nas mãos dos soldados mais cruéis. 

Ainda sinto a pressão, o peso, por trás de celebrações tão significativas que, mais do que nos recordar o acontecido, nos coloca de fato no mesmo cenário, tornando presente o sofrimento de Cristo, bem como sua ressurreição, nossa salvação. 

Hoje é o dia da Ceia Pascal, da instituição do sacerdócio e da Eucaristia, dia em que Deus nos deu um novo mandamento: que nos amemos uns aos outros como ele nos amou. Nos deu também a ordem de celebrar a Eucaristia em sua memória, e é isso que estamos fazendo. 

Na sexta-feira experimentamos o silêncio que nos deixa ofegantes. Um silêncio esmagador que começa já na noite do dia anterior, com a desnudação do altar. É um dia que costumeiramente chove pesadamente, é o dia mais difícil do ano. Sentimos, ainda que de maneira imperfeita dada nossa pecaminosa percepção, um pouco daquela apreensão, daquela angústia e dor que Nossa Senhora sentiu ao ver seu filho ser flagelado daquela maneira. O silêncio após a celebração da Paixão é o mais angustiante. O mesmo para a manhã do sábado, que começa como que sem nenhuma luz, ficando opaco durante todo o dia. 

Sempre anseio por esses dias, assim como os batizados renascem nas águas para uma vida nova após as celebrações da Semana Santa a nossa fé ganha novo vigor, nova luz, assim como o fogo novo do Círio ilumina as trevas no sábado santo. É a celebração da alegria. Aquela que as mulheres sentiram ao ver Cristo ressuscitado, que Nossa Senhora sentiu ao ter seu filho de novo em seu corpo glorioso, dos apóstolos ao verem o mestre novamente com eles. O glória cantado alegremente, o aleluia entoado solenemente, a invocação de todos os santos que participam conosco dessa liturgia na Igreja Triunfante. Como é belo ser católico, como é belo fazer parte não só de uma tradição milenar mas também de uma liturgia que acontece na eternidade. 

É tempo de agradecer. Agradecer pela Eucaristia, pelo sacerdócio. Agradecer por cada sofrimento que Cristo suportou por nós, por cada gota de sangue derramada na cruz. Agradecer pela sua gloriosa ressurreição, pela união com todos os santos e anjos do céu. É a derradeira ação de graças. 

terça-feira, 7 de abril de 2020

Do homem pueril

Deve-se ter cuidado, para quem ou como entregamos nosso coração. Corremos o risco, não raramente, de entregá-lo a quem nem de perto merecia tê-lo. É preciso cuidar com mais carinho daquilo que temos dentro de nós, do contrário poderemos apenas estar entregando ao inimigo a adaga de prata com que ele nos ferirá o peito pelas costas. 

Mas isso ainda é romantizar demais a coisa, erro meu. O que aconteceu não foi uma traição qualquer, mas uma abominação, uma covardia inominável. Aquele que um dia me procurou com solícita vontade de aprender agora vira-se para mim com risadas de superioridade afetada, um sinal mais do que claro de uma psicopatia adquirida. 

Pobre tolo! Não só não aprendeu nenhuma de minhas lições como ainda fez exatamente o que disse para não fazer. Entrou na cova do inimigo e fez dele seu amigo, agora sai por ai, desfiando rosários de pérolas de suas imbecilidades ornadas com vocabulário profissional. 

Olavo de Carvalho tinha razão, como sempre, ao dizer que uma pessoa sem alta cultura espiritual mas munida de um diploma superior é nada mais do que um risco para a humanidade. E é isto que ele se tornou: mais um a adotar a linguagem viciada e vazia daqueles que repetem os mesmos cacoetes mentais dos comunistas de quarenta anos atrás com ares de sublime erudição, como se fossem eles mesmos, aqueles incapazes de perceberem as incoerências lógicas, as mais óbvias e pueris da existência, o pináculo da inteligência humana. 

Distando milhares de quilômetros da inteligência que se consideraria razoável para um ser humano médio ele agora demonstra uma percepção ainda mais deficiente do que a de um interiorano iletrado que, ao menos ao seu modo, percebe a realidade como ela é e não como a sua classe de mentalidade corrompida e doentia gostaria que fosse. 

É inútil discutir, seria como tentar jogar xadrez com um pombo ou um macaco. O mesmo iria subir no tabuleiro, bagunçar as peças e sair andando como se tivesse entendido ao menos o propósito do jogo. A inteligência desses já nem deveria mais ser chamada assim, senão que trata-se de um abortivo de inteligência, algo que sequer chegou a formar-se no ventre da verdadeira sabedora, aquela sabedoria presente na realidade mesma, passível de ser reconhecida na presença total de que nos fala Louis Lavelle, que eles obviamente não leram. Não, a sabedoria que de que tanto se gabam é a de destruir sob o pretexto de reconstruir. Uma espécie de alquimia social. 

Mas se alquimia consiste no processo de compreensão, decomposição e recomposição da matéria ou, no caso, da sociedade e sua cultura, eles saltam a primeira etapa como se fosse dispensável e trivial e passam logo a destruição, decompondo tudo o que lhe vêem pela frente, sem se perguntarem, por um só instante que seja, se estão ou não destruindo algo que seja essencial a existência humana, ou ao menos de uma existência minimamente organizada antes do caos absoluto no qual pretendem nos fazer mergulhar. 

Ignoram, portanto, a verdadeira intelectualidade, ao passo que veneram com ares de devoção mais do que religiosa os currículos e diplomas. Um papel assinado por um imbecil dizendo que outro imbecil está apto a exercer tal ou qual profissão vale mais do que o conhecimento necessário para exercer a mesma. Mais valem os atestados intelectuais do que a intelectualidade em si, e essa ação é até mesmo compreensível. A exigência de ler ao menos oitenta livros por ano sobre a área de estudo na qual se pretende conhecer é um esforço demasiado grande se, por outro lado, pode-se ter o peso de um argumento de autoridade afirmado por um impresso emoldurado na parede assinado com letras itálicas de canetas tinteiro. 

Não percebem que suas engravatadas reuniões não passam de balbuciar de porcos vomitando a lavagem cerebral que chamam de formação acadêmica, e é isso que forçam as pessoas a creditarem sob o título honroso de ciência, ou jornalismo, ou pesquisa, ou o que quer que seja. A verdade é que chafurda no lamaçal da ignorância e, pelo pouco que posso apurar, é nele que serão enterrados, com a boca cheia não de terra, mas da podridão que consumiram durante toda sua vida pequena e limitada a impregnação auditiva das palavras de seus superiores, incapazes, que fizeram o brilhante trabalho de os tornarem ainda mais incapazes. 

A era do imbecil coletivo já passou, e talvez o novo imbecil coletivo também já tenha passado, o que vemos agora é a ignorância absoluta, de uma intelectualidade tão baixa e pueril que só pode comparada em termos históricos ao homem das cavernas que, ao menos, sabia que pau é pau e pedra é pedra, sem crer que segundo seus mestres pau é apenas uma construção social e a pedra só é pedra se assim ela se declarar pedra. Nesse sentido o homem das cavernas é ainda mais inteligente do que os jornalistas de nossa época. 

De como me sinto

Nem sei como começar a dizer o que estou sentido, a verdade é que eu pura e simplesmente não sei o que estou sentindo. Não é vazio, como o costumo dizer, senão que sinto-me cheio de sentimentos confusos e conflitantes entre que, como numa miscelânea de aquarelas que se quebraram formam um um quadro incomum espalhado pelo chão, com suas cores misturadas. 

Sinto me confuso? Talvez não seja também a melhor das definições. Eu sei onde estou, o que preciso fazer e isso deveria ser suficiente. Preciso ir a missa logo mais a noite, preciso terminar o livro chato que comecei semanas atrás e que está abandonado ao lado do meu travesseiro, na esperança de que eu algum dia encontre energia para retomar a tão fatigada leitura. A Moreninha que me perdoe, mas sua leitura é um saco!

Por outro lado sinto-me irritado. Irritado com a minha família que insiste em ouvir o sertanejo sofrência o dia inteiro durante a quarentena, enquanto estalam com força as peças de dominó sob a mesa de madeira. Parece que ninguém aqui é capaz de imaginar um divertimento menos estúpido. Pascal bem o disse que "a única coisa que nos consola de nossas misérias é o divertimento e, no entanto, é ele mesmo a maior de nossas misérias." Qualquer um com o mínimo de bom gosto musical concordaria com ele e buscaria desligar logo o player e silenciar os artistas nas plataformas de streaming

Também sinto-me com preguiça. Preguiça de manter uma conversa com uma pessoa que eu sei que só me responde quando alguma de suas pretendentes não responde mais. Ser a segunda opção não me agrada. Também não quero discutir política, quero que todos os cegos por seus arremedos de verdade adquiridos na mídia criminosa vão às favas. Já percebi, sob duras penas, que não há como mostrar a verdade a quem já se sente contente e realizado com a mentira confortável de suas ciências incompletas e mentirosas. 

Me falta disposição e, como minha assinatura do curso online expirou, só me resta mergulhar em um grande lago de autocomiseração, sem perspectiva nenhuma de futuro além de aprender ainda alguma coisa, mesmo minha cabeça se recusando a reter conhecimento como deveria. Acho que fui afetado pelos obtusos que me cercam, cegos em suas próprias verdades. De verdades eu entendo muito pouco, e todas elas se resumem a Igreja que sirvo e amo, a tudo mais estou aberto a novas perspectivas, mas essa não parece ser a posição geral. Antes disso, todos sentem a imprescindível necessidade de ter uma opinião cabal tal qual um imperativo categórico tão logo tenha ouvido falar sobre alguma coisa pela primeira vez ou após ter gastando dez ou quinze minutos lendo sobre na internet. Bom, se essas pessoas se acham capazes de julgar e classificar eu acho que não sou obrigado a dar ouvidos a elas, e me resguardo no meu silêncio, sibilando baixinho toda sorte de palavrões que me venham a mente. 

Infelizmente o maior concurso de pessoas na minha casa durante a quarentena me fez dar adeus ao meu tão querido silêncio. Se antes passava o dia inteiro sem ouvir um ruido sequer, mesmo com mãe e irmã dentro de casa, agora nem mesmo de madrugada eu encontro silêncio. Vozes, risadas, músicas (ruins) e brincadeiras pululam o ar e poluem a minha mente que, como bem sabemos, já tinha problemas o bastante com as vozes que escuto. 

Por fim, sinto a pressão da Semana Santa começar a me ameaçar, conforme aproxima-se o Tríduo Pascal. Esse ano, mais do que em todos os outros, a organização caiu sobre mim, o que significa que vou me cobrar por cada pequeno detalhe que, por ventura, dê certo ou errado. Meu estômago já dói e meu corpo já pede por uma longa tarde de sono benzodiazepínico. Esse tipo de pressão sobre alguém com tão pouca estabilidade emocional é o estopim de um surto de proporções dantescas, as manchas de sangue nos meus lençóis são testemunhas disso, resultado de noites difíceis das quais eu gostaria de me esquecer. 

Não consegui definir como me sinto, mas creio que fiz uma descrição satisfatória. Pois bem, é isso. Apenas isso? Não. Isso é apenas o que a pequena concha consegue pegar nas margens de um oceano violento, que sopra com vento frio e forte e, no horizonte, ameaça se agitar com uma tempestade impetuosa. Um oceano vermelho, como o céu também. 

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Resenha - En of love TOSSARA

Sabe quando o coração fica quentinho? É assim que eu me sinto agora, visitado por alguma fadinha do amor ou tendo sido ferido pela seta do cupido... O amor amou de novo e eu fiquei bobo assistindo tudo isso. 

En of Love é uma série tailandesa que conta três histórias diferentes, sendo TOSSARA a primeira delas. Gun Tossakan é um popular calouro de medicina que, no entanto, não se importa com as pessoas que dão em cima dele pois só tem olhos para uma pessoa, e essa pessoa é Bar Sarawat, um veterano de engenharia que, numa competição, acabou perdendo a insignia da sua faculdade e ficou desesperado por isso. Gun encontra a insignia e usa como pretexto pra começar a dar em cima de Bar, que aceita como forma de agradecimento. Não demora muito até que Bar comece a gostar de Gun e, aos poucos, descobrir que o futuro médico já é apaixonado por ele há vários anos e só estava esperando uma oportunidade de se aproximar.
Mesmo esse arco tendo só quatro episódios a série é cheia de momentos fofos e clichês, um prato cheio pra qualquer pessoa que goste de romances açucarados e finais felizes. A história é levinha e sem grandes reviravoltas, o que torna a série ótima pra ver naquela noite em casa ou numa tarde romântica. As atuações não são a coisa mais impressionante do mundo e, pelo pouco que pude apurar, os atores são quase todos novatos, mas ainda assim isso dá um charme pra coisa, afinal, quem tá completamente seguro numa fase da vida de descobertas e dúvidas? 

Gun (Win Achawin) é alto e muito bonito, sendo conhecido na universidade por receber cantadas de mais de mil pessoas. Embora tenha uma aparência tímida ele é na verdade bastante corajoso e não tem nenhuma vergonha de confessar seu amor por Bar, seja na frente de seus amigos ou da faculdade inteira. Bar (Folk Thitipat, por quem me apaixonei perdidamente e já estou de casamento marcado para a próxima estação), por outro lado, é baixinho e invocado. Fica irritado com facilidade e vermelho toda vez que Gun se aproxima ou se declara pra ele, o que não acontece poucas vezes. Mas o coração do veterano logo começa a ficar molinho e aí que nossa alegria começa também.
Eu terminei todos os episódios em um manhã e fiquei desesperado sem saber o que fazer da minha vida logo depois. O fato é que mesmo agora, dias depois, ainda quero explodir de amores por esses dois. As cenas fofinhas são simplesmente maravilhosas e a série deveria vir com um aviso para diabéticos. Uma ótima pedida para esses tempos tão difíceis em que temos dificuldade de acreditar no amor.

A trilha sonora, Go Slow da Tiger Band com participação do rapper ERWIN é um hit chiclete que eu já decorei em menos de duas horas. Enfim, acho que algo em mim quer que eu volte a crer no sentimento. Será que vou encontrar uma engrenagem mágica que me faça achar o meu engenheiro do amor? 

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Vozes


Eu odeio você!
Eu te odeio!

Você já se olhou no espelho hoje e viu o quanto é patético? 
Quantas vezes já rolou de um lado a outro da cama sem conseguir dormir, 
atormentado pelos fantasmas dos seus próprios vícios luxuriosos? 

Eu odeio você!
Eu te odeio!

Você é nojento! 
É nojento quando pensa nos outros, 
é nojento quando deseja ser tocado, 
ser deflorado das mais variadas maneiras. 
É nojento o quanto você deseja ser apenas um objeto 
nas mãos de tantos homens, 
como deseja ser descartado depois, 
como o lixo que você é.

Eu odeio você!
Eu te odeio!

Eu tenho nojo de você! 
Você vive de autocomiseração, 
se alimenta da atenção e da piedade dos outros 
e consegue isso com seu EVA? 
Não, você não é Shinji Ikari, 
não é bom o suficiente para pilotar um EVA. 
Você não é bom pra nada, 
é ridículo e o muito que faz não vale nada!

Eu odeio você!
Eu te odeio!

Se desespera por estar só 
mas afasta aqueles que se aproximam de você 
e depois chora por estar só de novo. 
Parece uma criança que não sabe o que quer, 
apenas quer reclamar. 

Eu odeio você!
Eu te odeio!

Não me dê ordens, 
não discorde de mim. 
Eu sou só uma criança mimada que não pode ser contrariada. 

Eu odeio você!
Eu te odeio!

Você merece sofrer, 
você merece sofrer. 
Não consegue fazer nada sozinho? 
Morreria em instantes se não fosse por aqueles que o cercam, 
que continuam na sua vida por pena de sua existência miserável. 
Você merece a morte! 
Não uma morte qualquer, 
mas uma morte lenta e dolorosa, 
que pouco a pouco vá derramando cada gota desse seu sangue fétido e imundo. 

Eu odeio você!
Eu te odeio!

Mas eu não quero morrer... 
Eu não quero mais chorar. 
Se eu chorar as pessoas ao meu redor vão ficar tristes. 

Eu odeio você!
Eu te odeio!

Mas é só isso que você consegue fazer não é? 
Chorar e se machucar, 
e assim você consegue a atenção e o carinho que deseja. 
As linhas de sangue são o seu EVA. 
E então você prossegue sua busca por carinho, 
atenção, calor, 
por uma razão. 

É patético!

Eu odeio você!
Eu te odeio!

As pessoas vão continuar te odiando
vão continuar te usando
vão continuar te descartando.

Eu odeio você!
Eu te odeio!

Porque você não vale nada
você não é nada
você não é ninguém.

Eu odeio você!
Eu te odeio!

Eu odeio você!
Eu te odeio!

Eu odeio você!
Eu te odeio!

Por favor, saia da minha cabeça!
Pare de dizer essas coisas
Por favor, pare
eu não quero mais ouvir
Por favor, pare
eu não quero