segunda-feira, 20 de abril de 2020

A morte de Inês

Que direi? que farei? Que clamarei?
Ó fortuna! Ó crueza! Ó mal tamanho!
Ó minha Dona Inês, ó alma minha,
Morta m’es tu? Morte houve tam ousada
Que contra ti podesse? Ouço-o, e vivo?
Eu vivo, e tu ês morta? Ó morte crua!
Morte cega, mataste minha vida,
E não me vejo morto? Abra-se a terra.
Sorva-me num momento: rompa-s’alma,
Aparte-se de um corpo tam pesado,
Que ma detém por força.
Ah minha Dona Inês, ah, ah minh’alma!
Amor meu, meu desejo, meu cuidado,
Minha esperança só, minh’alegria.
Mataram-te? mataram-te? tua alma
Inocente, fermosa, humilde, e santa
Deixou já seu lugar? ah de teu sangue
S’encheram as espadas? de teu sangue?
Que espadas tam crueis, que crueis mãos?
Ah como se moveram contra ti?
Como tiveram forças, como fios
Aqueles duros ferros contra ti?
Como tal consentiste, Rei cruel?
Imigo meu, não pai, imigo meu!
Porque assi me mataste? ó Liões bravos!
Ó Tigres! ó serpentes! que tal sêde
Tinheis deste meu sangue! porque causa
Vos não vinheis em mim fartas vossa ira?
Matáreis-me, e vivera. Homens crueis,
Porque não  me matastes? meu imigos,
Se mal vos merecia, em mim vingáreis
Esse mal todo. Aquela ovelha mansa
Inocente, fermosa, simples, casta
Que mal vos merecia? mas quisestes
Como imigos crueis buscar-me a morte
Não da vida, mas d’alma. Ó céus, que vistes
Tamanha crueldade, como logo
Não cahistes? Ó montes de Coimbra
Como não sovertestes tais Ministros?
Como não trema a terra, e s’abre tôda?
Como sustenta em si tam grã crueza?

(Antonio Ferreira)

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