quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Hyperuranion

Vendo o carinho e a confiança entre o casal que aos poucos vai se conhecendo numa das séries que venho acompanhando, em Between Us (spin-off da minha série favorita, Until We Meet Again) estamos na criação da parceria entre Team e Win (o novato do clube de natação e o veterano e vice-presidente do time). Team tem um trauma de infância, envolvendo um episódio de afogamento e seu irmão, e por isso ele tem pesadelos recorrentes, o que afeta seu desempenho nos estudos e nos treinos. Mas quando ele está com Win, dormindo ao seu lado e muitas vezes abraçado com ele, os pesadelos desaparecem. É belo ver a delicadeza como isso foi mostrado é de emocionar. 

Ao mesmo tempo eu percebo que, até poucas horas atrás, eu estava num aplicativo de relacionamento, aplicativo de sexo pra dizer a verdade, em busca de algum caso de uma noite. Irônico. E então eu vejo essa cena de carinho, enquanto procuro por algum tipo de afeto, ainda que puramente físico, mesmo sabendo que nem a mais superficial das relações é apenas física mas envolve uma série de outras coisas que, embora estejam lá, apenas não são levadas em consideração. Buscava algum afeto, buscava algum contato, ainda me sentindo sozinho numa cidade nova e desconhecida, e recebendo negativas. E aí vejo esse contraste, eu buscando esse afeto, e eles achando confiança um com o outro. 

Deveria despertar isso em mim alguma esperança, mas ao contrário, eu sinto na verdade um ceticismo muito grande. Embora a arte trate do possível com uma linguagem poética isso é possível lá, naquele mundo, não no meu. Penso então no jovem que mora no início da rua, que vejo alguns dias pela manhã no ponto de ônibus e penso então, com um sorriso pessimista, que isso nunca vai acontecer. 

Já há muitos meses que não sentia essa sensação, esse amargor, essa presença esmagadora, esse... medo ao olhar o céu e ver a completa escuridão e ver que, em meu coração, também há apenas essa mesma escuridão, ainda mais e mais densa. E é impressionante como em poucos minutos o veneno do desespero foi inoculado em minhas veias, como a fragrância profunda de Niobe de Deep. Demorei um bom tempo até entender que se tratava de outra ciclagem, porque desde que parei com a minha medicação eu já não sentia isso, algo próximo das crises de pânico que me atingiram tantas vezes naqueles meses horríveis. Foi algo como um relance daquele pesadelo, flashes daqueles dias sombrios que eu tentei deixar no mais profundo da minha mente até que fosse esquecido. 

Que pode me ajudar nesse momento? Queria um abraço apertado, um sorriso bobo e levemente perfumado de álcool numa noite de amor e confraternização, um sono tranquilo sem precisar de remédios, queria apenas me deitar e sentir que tenho um sentido na vida, adormecer lentamente pensando nesse objetivo a se alcançar... Já não o vejo no início das minhas manhãs e, após o estudo, caio em sono profundo todas as noites, como se tudo o que meu corpo desejasse fosse apenas se desligar a todo momento. E tudo o que eu consigo fazer é sonhar, com um mundo platônico, algo no sobrecéu hyperuranion, na abobada supraceleste que só existe nesses momentos onde costumo fugir, vagante sem rumo, sem exílio e sem amado, a espera da morte que ponha fim a esse suplício de uma vida de desesperança e solidão.

"O errante não errará mais. Deus me perdoará, se quiser, mas a morte me consola." (Machado de Assis)

X

Agora pela manhã é estranho acordar e ler o que escrevi na noite passada. De fato parece algo escrito por duas pessoas diferentes, quando na verdade foi escrito em dois momentos distintos do espírito, o primeiro durante aquela experiência da desolação e do sofrimento humano, que me leva a ter uma reação gnóstica profunda, quase niilista e, a segunda, de um certo ceticismo ou até mesmo estoicismo, eu nunca chego a ser verdadeiramente otimista, mas apenas olho ao meu redor com aquela descrença do futuro, aquela constatação sépia e melancólica de que isso é tudo. 

Nesses dias de melancolia eu sinto como se todo e qualquer sentido se esvaísse, mas ainda assim sei que trata-se de uma impressão irreal. A verdade é que até mesmo naqueles dias mais escuros, quando nem sequer conseguia sair da cama, eu ainda orbitava ao redor desse objetivo, desse conhecimento da Verdade, e continuava em busca dela, mesmo que muitas vezes nem sequer percebia que continuava. Mas Ela estava lá, e brilhava, e como luz me guiava com mais clareza que a do meio-dia.

E então eis que a noite tudo muda, o que antes era melancolia se transmuta em energia e um vigor inexplicáveis. Se ontem arrumei as unhas e fiz a sobrancelha, assisti uma aula de quase três horas e ainda assisti vários episódios de dorama e quando fui fazer a barba desisti por falta de ânimo que de repente se esvaiu agora eu sinto o total oposto: uma propaganda de maquiagem na internet me faz ter mil ideias para fotos e visuais a adotar, e eu quero então fazer uma longa pesquisa de imagens e cores, e quero experimentar tudo isso tarde da noite, quando deveria estar me preparando para dormir. 

É nessa dicotomia que preciso viver, nesse vai e vem constante, um mundo que vive sob as regras do Panta Rei, um mundo onde tudo flui, onde as águas calmas logo se revoltam em ondas violentas, apenas para silenciarem novamente pela manhã, mudando de humor assim como o sol e a lua trocam de lugar ao céu numa valsa eterna, e como o mar se espraia infinitamente e vão surgindo tantas luzes de um dia que jamais há de se apagar, de um dia que há de recomeçar sempre, como diz a música, eu continuo nesse ciclo eterno, como um ourobouros, sem princípio e nem fim. 

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Resenha - Fahlanruk

Contém Spoilers!

Um relacionamento só pode dar certo quando há confiança e uma boa dose de comunicação, mas, e quando as coisas estão claras e de repente os sentimentos começam a mudar? Também é preciso coragem pra aceitar o novo e se abrir para o amor, e é sobre isso que se trata Fahlanruk, uma série que foi bastante criticada no fandom mas que nos mostra um lado bem comum de ser visto nos relacionamentos fora das telas. 

Os dois protagonistas são conhecidos por dormirem com muitos parceiros, ambos são bonitos e populares e não se apegam a ninguém, até que um dias eles passam uma noite juntos e, na manhã seguinte, um deles está mais impressionado que o habitual, enquanto o outro segue com sua política de nunca repetir o mesmo parceiro na cama. Fahlan (Tonkhao Chayuth) decide então propor a Sherbet (James Thanaboon) que eles tenham um relacionamento puramente sexual, sem perceber que já está na verdade buscando mais intimidade com o outro. Acontece que ambos passaram muito tempo em relacionamentos casuais e sentem um vazio em si. Fah por simplesmente não se interessar por nada sério e Sher por ter um trauma afetivo, e então essa aproximação começa a trazer a tona essas questões.

Por nunca ter se relacionado seriamente com alguém antes Fah costuma confundir seu posto de amigo com benefícios e acaba sendo possessivo e ciumento com Sher, especialmente em se tratando do seu melhor amigo, Prince (Tong Piroonwat), de quem ele é tão íntimo a ponto de muitos suspeitarem que eles namoram já há vários anos. A amizade deles provoca a ira de Fah, mas na verdade eles são apenas íntimos porque se entendem e se apoiam, a ponto de se tratarem com apelidos carinhosos. Na verdade Prince acaba se aproximando de Gear (Win Kittiphon) que, embora tímido, tem lutado para se aproximar do outro.

Temos ainda Ping e Tap (Ryu Danudol e Kao Sirawit), melhores amigos de Fah e acompanham todas as aventuras sexuais dele e estão agora vendo o amigo apaixonado pela primeira vez. Além disso os dois são muito próximos, Tap praticamente mora no apartamento de Ping, mas um sentimento confuso começa a surgir entre eles. Ping já gosta de Tap há muito tempo, e o outro se sente bem e preocupado com o amigo mas nunca percebeu que era mais do que apenas amizade, mas com medo de se afastarem Ping acaba por sufocar seus sentimentos, o que começa a afetar a relação dos dois. 

Voltando ao casal principal, acompanhamos uma jornada de muitas brigas e reconciliações. Ambos demoram a entender como fazer pra sintonizar o relacionamento de modo a ser bom para os dois Sher continua fugindo de algo sério enquanto Fah aposta na seriedade mas sem assumir isso em voz alta, o resultado são muitos desentendimentos, crises de ciúmes e até socos. Acontece que eles precisam aprender a conversar, entender o lado do outro e serem sinceros com seus sentimentos. 

Sher tem um trauma com a palavra amor pois deixou de acreditar nisso depois do divórcio dos seus pais, o que o separou de seu irmão e, ao mesmo tempo que Fah desperta isso nele, faz com que ele queira se afastar porque isso o assusta. E Fah não consegue controlar os ciúmes da amizade de Sher com Prince e parte pra ignorância muitas vezes. E então as coisas se tornam caóticas até que, pouco a pouco, eles resolvem começar a se entender, o que só acontece aos 45 do segundo tempo. 

A série é marcada então por muitas brigas, lágrimas, muita bebedeira e reconciliações na cama, além de intrigas e personagens querendo se meter no relacionamento deles, e também tem o importante apoio dos amigos. As cenas de sexo (boas por sinal) são intensas, mostram toda aquela tensão entre os personagens, e muitas vezes mostram aquele sentimento de superficialidade que temos em encontros casuais, conseguiram ser felizes nisso, e mostrar também a crescente intimidade dos protagonistas. 

Destaque pra atuação de James e Ryu, de longe as melhores do elenco (os dois choraram com gosto, especialmente James que mostrou todo o trauma do passado nas cenas mais dramáticas), mas também não posso deixar de comentar a fofura extrema de Tong e Win, fiquei completamente apaixonado por ambos, bem como pelo cabelo de James, que tem personalidade própria e roubou a cena muitas vezes.

Sinceramente não entendo os comentários negativos que a série recebeu, muito embora as consecutivas discussões e o constante relacionamento de morde e assopra dos protagonistas seja um tanto repetitivo, eu acho que a construção dos personagens foi até bem executada. Fah pouco a pouco entendeu melhor a relação de Sher com seu melhor amigo ao conversar com Prince, e Sher aceitou seu sentimentos após um tempo sozinho e com o apoio dos irmãos e do próprio Prince. 

O que foi mostrado não é diferente do que vivemos aqui, relacionamentos difíceis, pessoas com fortes personalidades que entram em choque com frequência e o impacto que isso tem ao nos fazer desacreditar no amor mas, com a dose certa de diálogo e confiança, as coisas podem se encaixar

Nota: 08/10

domingo, 27 de novembro de 2022

Fadiga, contato, pureza e descanso

Acredito ter chegado agora naquela fase do trabalho em que o cansaço e a fadiga começam a cobrar uma alta taxa do meu corpo. Aquele propósito inicial agora encontra dificuldade em manter-se firme nas leituras e estudos já que, ao chegar em casa, o cansaço é tão grande que eu preciso de doses de café pra não cair na cama imediatamente. E isso tem exigido de mim muito mais esforço, agora que eu não posso mais assistir as aulas com as luzes apagadas e deitado na cama, preciso ficar de frente ao computador e com as luzes acesas, e o celular longe, para impedir qualquer tentação de fechar os olhos ou entrar em alguma rede social. 

Eu inicialmente não queria falar sobre isso porque parece que estou esmorecendo do meu objetivo único e principal na vida, do qual tudo o mais é acessório, que é o crescimento da vida intelectual, o que inclui os estudos, as leituras e a prática religiosa sendo, no fim de tudo, uma culminação daquilo que achei na Igreja e que me atraiu como a luz clara na noite de luar: a Verdade. 

Mas isso não significa que este ideal tenha se esvaído dentro de mim, muito pelo contrário, é justamente a melancolia advinda da constatação de que todo o mundo como que conspira contra o contato com a verdade que me faz querer despertar dela e conseguir encontrar brechas ao cansaço a todo momento, de modo que, seja lendo de pé no ponto de ônibus e no caminho para o trabalho, ou ouvindo as aulas enquanto a colega de escritório está no horário de almoço, que eu vou tentando imprimir mais e mais fundo no ser a urgência da busca pela verdade. 

É por isso que em cada novo livro eu encontro perspectivas humanas diferentes, desde a maldade contida em pequenos atos de malícia arraigados no homem até os atos que surpreendem pela candura das almas que buscam o amor em formas mais elevadas. E essas se incorporam no meu ser e eu passo então a buscar enxergar mais e mais dessas coisas naqueles que me rodeiam e, seja pela semelhança ou pelo contraste, essas coisas saltam aos olhos e passam a habitar o meu universo imaginário, o qual é fundo do qual eu retiro todas as referências para os problemas da vida que aparecem nos dramas humanos.

Tenho me tornado ainda mais seletivo quanto aquilo que digo e faço, pesado cada vez mais numa balança moral o que preciso fazer e o que posso dizer. Tem sido comum abrir algo pra comentar, seja sobre alguma série ou algo nesse nível, e eu simplesmente desisto por desânimo mesmo e também por julgar ser mais interessante guardar a pouca energia que me resta com algo útil. E esse cansaço tem me feito perceber que, na verdade, bem pouca coisa é realmente útil. 

Aqui tem espaço então para a máxima de Ortega y Gasset em que as únicas ideias que importam são as ideias dos náufragos, aquelas que ainda conservamos em face da morte próxima e inevitável, daí então perceber a importância das ideias que, diante do cansaço, permanecem intactas no panteão daquilo que merece ser conhecido. 

Acredito ter encontrado algumas dessas já que, mesmo no extremo cansaço ainda penso nelas antes de dormir e até minha última gota de esforço é então empreendida de modo a conseguir acrescentar algo, por mais mínimo que seja, aquelas que já tenho. Não trata-se, no entanto, de simples acumulo de ideias, pelo contrário, as ideias não andam se multiplicando no meu ser, elas apenas vão se aprofundando. Então a beleza, a Verdade, essas duas ninfas que se encontram no alto templo da existência, no monte do trovão que ressoa por todos os homens, elas continuam a me chamar de lá, e cada vez sua voz torna-se mais forte, ainda que me sinta distante de sua presença. 

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Olhando ao redor as pessoas e suas complexas, muitas vezes nem tanto assim, relações. Conversam amenidades, trocam experiências, em todos os lugares que vão e encontram seus pares. E sinto então o impulso de ir também, de rir e sorrir enquanto converso e ajudo a traçar um futuro. Mas sinto que trata-se de um desejo de simples aceitação, de querer participar desse grupo que, ao menos na aparência, não fica parado por um dia sequer enquanto eu trabalho no anonimato e derramo minhas palavras apenas no espaço vazio e deserto de um silêncio solitário. Haverá quem poderá me ajudar a sair dessa escuridão ou assim deverei ficar para sempre, nascido e morrido antes de ser conhecido até mesmo pelo homem que mora ao lado, sem que ninguém saiba meu nome e que até mesmo eu o esqueça tantas vezes.

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É com poesia que meu coração geme baixinho, em face da presença imaginária daquele jovem Jacinto capaz de despertar o amor e a ira dos deuses. É assim que então me entrego lentamente ao sono reparador, sentindo o toque delicado e tímido, tanto quanto irreal, daquele que logo se desfaz por entre a névoa dos sonhos. 

"Meu Amado é branco e rosado,
Sua cabeça é de ouro puro,
Como copa de palmeira, seus cabelos.
Suas faces são canteiros de bálsamo,
Seus lábios são lírios com mirra,
Seus braços torneados em ouro,
Sua boca é muito doce,
Ele todo é uma delícia.
Assim é meu Amigo, assim é meu Amado."
[Ct 5, 10-16 (com daptações)]

Acordei cedo e fui para a Missa, onde o encontre, agora realmente, na sacristia, e o cumprimentei brevemente recebendo o que, parece ter sido, um sorriso tímido. Não sei o que ele pensa de mim, não sei o que isso pode se tornar, não sei nem mesmo se ele pensa em mim ou se apenas recordou que sou o homem que ele vê nas manhãs no ponto de ônibus. Eu fitando com atenção seus olhos castanhos, pele clara e a barba aparada à media, um anjo de pureza no altar antes da solene ação litúrgica.

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Estava decidido a diminuir os remédios para dormir, até porque aqui a maldita burocracia estatal interfere loucamente na compra de medicamentos controlados. Queria fazer uma pequena digressão aqui acerca dessa interferência absurda. As pessoas não se dão conta de que pra comprar um remédio pra dormir você precisa marcar uma consulta, esperar ser chamado, tentar convencer o médico de que você precisa do tal medicamento e aí então ser autorizado a comprar num lugar registrado e regulado com uma receita em duas vias em que você coloca nela seus dados e deixa lá pra serem passados adiante e serem controlados pelo estamento sobre quanto você comprou e por quanto tempo vai usar aquela dose específica, e se precisar demais precisa passar pelo mesmo processo novamente. A ideia de toda essa burocracia absurda, no entanto, não faz as pessoas perceberem que já vivemos num estado totalitário onde tudo pode ser controlado pelo governo se ele quiser. E aqueles que dizem que o governo não se importa com suas vidas porque não são pessoas públicas e nem importantes, eu desafio a irem comprar um tarja preta na farmácia do bairro.

Dito isto, eu realmente pretendia diminuir minhas doses, dormir menos talvez, e com mais intervalos e, assim ir diminuindo e melhor controlando o tempo para estuda\e me cuidar um pouco mais. 

É um domingo chuvoso, desde ontem as nuvens de chumbo derramam pesadas torrentes sobre esta cidade. Assisti um pouco de manhã após a Missa desse I Domingo do Advento e, agora no início da tarde, eu pretendo então dormir até a noite, quando vou ver os episódios que são lançados hoje e, para os quais estou ansioso. 

Isso porque, e nada tem em relação com meu propósito inicial, fui tomado por um certo tédio, por assim dizer mesmo sabendo ser um termo insuficiente pra situação, e isso me querer dormir, apenas isso, desaparecer brevemente. 

Recebi a ideia de reproduzir uma maquiagem para fazer algumas fotos, mas não consigo achar disposição para fazê-la. Fica pra amanhã, assim como fazer a barba, ainda estou em dúvida quanto a isso, e as unhas. Preciso lavar os sapatos, e minha mãe cuidou dos uniformes e com isso me bate certo desespero: não fosse por minha mãe que cuida da casa, desde minha comida até minha roupa, com muito carinho e atenção, e me sinto culpado por não conseguir ajudar, por ser inútil pra ela quando, um dos meus propósitos em trabalhar era tentar ajudar ela o máximo que pudesse, mas o mais que faço não vale nada! Ela é apenas serva de mim, pobre incapaz que merecia o choque da solidão para acordar pra vida. 

"Tuba mirum spargens sonum per sepulcra regionum, coget omnes ante thronum.
Mors stupebit et natura cum resurget creatura, judicanti responsura."

~

N.T.: "A trombeta poderosa espalha seu som pela região dos sepulcros, convocando a todos diante do trono. / A morte e a natureza se espantarão com as criaturas que ressurgem, para responderem ao juízo." Trata-se de um trecho do hino Dies Irae, sequência da liturgia da Missa pro defunctis na forma Extraordinária do Rito Romano. 

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Melancolia e Aprovação

Uma certa melancolia vem se mostrando no fundo do meu pensamento desse que, começando brilhante e claro, termina fresco e escuro pelas nuvens de chumbo que se formaram. Pensei em caminhar um pouco à beira do mar mas acabei ficando com preguiça, e amanhã provavelmente não irei porque já me programei a dormir o dia todo, mantendo por enquanto esse meu hábito de tirar um dia da semana para dedica a uma dopada soneca de oito horas. 

Essa pequena perturbação na minha fonte secreta, cujo curso límpido e calmo foi maculado por uma pedra que agitou sua superfície fez aparecer ali uma imagem, turva é verdade, mas que claramente mostra um rosto, pouco conhecido e distante que nem mesmo sabe o meu nome... A imagem dele aparece e perturba minh'alma, ao mesmo tempo que surgem no meu coração os casais jovens e felizes que, do outro lado do mundo, nas histórias que eu acompanho, dormem juntos e se abraçam em noites de pesadelos, que se apoiam nos momentos mais complicados. 

Essas imagens, de abraços apertados, momentos de intimidade, de dedos que deslizam sob a pele iluminada pela luz da lua que passa pela cortina, essas imagens me enchem então dessa melancolia que vai transbordando da minha fonte e se tornando então uma maré alta, daquelas que se quebram violentamente contra os blocos de pedra formando uma espuma e que vem acompanhada de fortes ventos. E eu? Me encontro sentado à beira dessa cena, esperando que ela me cubra completamente, e logo deve acontecer pois já sinto minha respiração pesar conforme a água sobe, conforme meu coração aperta mais e mais enquanto a imagem dele, tanto mais viva quanto mais ele se afasta de mim. 

Essa melancolia é pela constatação da verdade de nossa distância, é um adágio lamentoso que meu ser entoa como a um violino solitário à beira dessa fonte, interrompendo o silêncio com seu choro profundamente melódico e sentimental. O instrumento verte suas lágrimas nas notas em pianíssimo e que vão diminuindo pouco a pouco, misturando-se ao som da água que sobe e logo se perdendo em meio a tempestade. 

Numa outra visão, diferente porém ainda relacionada na intimidade daquele que a tem, vejo dois jovens descobrindo o amor, aproximando-se gradualmente, descobrindo a intimidade e não me refiro ao sexo, mas a intimidade de ficar em silêncio ao lado da pessoa, compreendendo que, embora ela precise da ausência de palavras, ela precisa da presença, fazendo valer as palavras do poeta espanhol de que "ferida de amor não se cura, se não com a presença e a figura". E então descobrem a doçura que há no sorriso um do outro, o mais novo com aquele candura tímida, gentil e pura, enquanto o outro sorri de encantamento ao ver diante de si uma beleza tão cândida que dissipa, como a luz da manhã, as névoas de um coração fechado e machucado. 

Então encontram a simples felicidade de estar com alguém simples, partilhar as pequenas alegrias de uma bela visão do mar ou do lançamento daquele filme esperado, e também se apoiam nas dores, quando perdemos alguém importante ou quando o trabalho começa a pesar demais. E também nas grandes coisas, as maiores conquistas como aquela promoção esperada, uma grande oportunidade, e também as tragédias, seja a descoberta de uma traição ou a morte de alguém próximo, a desolada solidão, o desespero dos pânicos noturno. E aí eles voltam um para o outro, num abraço apertado, caminhando no parque de mãos dadas, e então tudo melhora... 

X

Dicotomia: Parte de mim não se importa com o que os outros pensam. Francamente costumo postar sobre qualquer coisa e aqui mesmo escrevo sem filtro, desde meus sonhos mais bobos até as minhas fantasias. Nas redes sociais não é muito diferente, com frequência posto as coisas que penso e, principalmente as que eu gosto. Isso faz com que eu não ligue se a pessoa gosta ou não do que eu posto, de qualquer forma eu agiria do mesmo modo. Por outro lado eu ainda sinto que algo em mim deseja aprovação do meio e dos pares, e por isso eu continuo tentando ser aprovado e querido, e me sinto pra baixo quando vejo que as pessoas acabam não dando bola pro que eu digo.

Por um lado não me importo de falar sozinho e por outro me importo sim. É uma tensão então entre a minha personalidade formada e com as minhas próprias convicções que busco fortalecer cada vez mais com estudo e experiência. E do outro lado da corda há alguém desesperado por atenção e aprovação e que precisa do outro para validar a si mesmo, vivendo de compaixão ao mesmo tempo que tomo consciência da inutilidade da opinião do outro, que de nada serve ser aprovado pelo  meio e que o desejo de aprovação só corrompe a personalidade por nos fazer negociar aquela porção da alma que jamais deveria ser negociada, aquela lei natural impressa na intimidade do ser apenas para ser aceito na superficialidade de uma comunidade. 

Essa consciência, no entanto, não me impede de ficar profundamente magoado com a indiferença do outro, o que me mostra de uma forma brutalmente clara que, na realidade, embora eu tenha compreensão do qual deve ser a posição em relação a opinião do outro e a ser visto pelo grupo, eu ainda sou imaturo demais a ponto de continuar ao menos desejando essa aprovação. 

Após uma decepção desse tipo, quando esperava ser notado, me senti então inferior, me culpando pela minha própria irrelevância e desejoso desse estímulo que vem de fora e que me possa ajudar a suprir esse vazio e constante sensação de inferioridade que me cega e me persegue.

X

A vida de estudos compreende, por definição, todos os aspectos da vida daquele que a busca, de modo que o que se é aprendido só tem valor se relacionado a realidade que cerca o sujeito cognoscente. Esse sujeito ao ter contato com a Verdade toma então consciência do mundo de uma forma diferente dos demais ainda presos a visões diminuídas pelas filosofias que se disseminaram nos últimos séculos e tornaram não só aceitável obrigatória a divisão de toda a realidade entre aquilo que pode ser objetivamente conhecido por meio da ciência matemática e aquilo que é subjetivo e, portanto, não pode ser conhecido. A despeito dessa visão uma vida séria de estudos permite ao homem superar esse dogma e fincar os pés na realidade mesma, conhecendo o que se pode conhecer do mundo na consciência individual. Claro que isso gera o efeito de formar a personalidade e assim fazer brotar uma vida que se paute nos ideais de virtude aprendidos dos grandes mestres da humanidade, sendo a obrigação material e moral do trabalho fazendo parte desse arcabouço adquirido com a busca de uma vida regrada. 

É portanto natural ao homem maduro que ele trabalhe, provenha o próprio sustento e consiga também dar continuidade aos seus estudos, a sua formação mais elevada. Muitas das vezes parece que o mundo luta então contra essa necessidade do sujeito que deseja conhecer. O mundo parece querer esgotar toda a vontade do homem para que ele se encontre cada vez mais e mais distante da Verdade. Com efeito três são os inimigos do homem intelectual, a saber: o mundo, o diabo e a carne. Tudo parece ir contra a virtude e o conhecimento. 

O trabalho cansa o corpo, o diabo cansa a mente e a carne é tentada nas distrações. O que parece ser parte da realidade muitas vezes pode corromper se o homem não mantiver consigo sempre em mente o propósito de se aproximar da Verdade, e para isso precisa se manter firme, mesmo no cansaço extremo ou na agitação do mundo, é preciso manter a seriedade acima de tudo e não perder de vista o senso das proporções, a ideia do que é realmente importante. 

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Anúncios GMM TV 2023 - DIVERSELY YOURS

Na última terça (22) a GMM TV, uma das maiores, senão a maior, produtora de BLs da Tailândia anunciou os seuS projetos para o ano de 2023 no evento Diverselly Yours. Com uma grade diversificada o grupo coleciona prêmios e indicações por suas obras que sempre ficam no topo de comentários nas redes sociais e não raramente rompem a bolha das produções asiáticas, nomes como Bad Buddy, 2gether e A Tale of a Thousand Stars são reconhecidos dentro e fora do país e agora vem aí as novas produções que farão nossa alegria no próximo ano.

JoongDunk, que fizeram a gente chorar e suspirar em Star in My Mind voltam em Hidden Agenda, sobre um rapaz que, pra conquistar uma garota, pede a ajuda do ex dela (e é claro que isso já não era uma boa ideia e só piora quando o rapaz na verdade ao invés de ajudar o outro está interessado nele). Embora eu quisesse o Joong num personagem mais afetado, porque aqui ele mais uma vez vai ser sério e blasé até que o outro entenda que ele está afim, a química de milhões com o Dunk, que vai ser mais atrevido, promete dar conta do recado. A série também vai contar com AouBoom (de Vice Versa, como casal secundário).

OffGun (praticamente os donos da GMM TV) que esse ano detonaram com Not Me e sua crítica social misturada com romance voltam pra mais um trabalho numa comédia romântica onde um chefe ensina um médico a cozinhar pra uma pessoa especial e acaba se apaixonando por ele. Com uma pegada diferente da que estamos acostumados, que explora o lado ator dramático dos meninos, essa série vem com uma proposta mais leve, com seu toque de romance, mostrando mais da versatilidade deles.
E JimmySea, que fizeram a sua estreia em Vice Versa, chegam em Last Twilight sobre um jovem rebelde que para pagar uma dívida vai cuidar de um rapaz que perdeu parte da visão depois de um acidente e vai ficar gradualmente cego em poucos meses. Prometem uma pegada melancólica e intimista, mostrando mais do lado dramático dos meninos com essa proposta carregada e intensa. Destaque pro visual belíssimo do Jimmy.

Os fofos ForceBook, que estrearam em Enchanté e que infelizmente não teve o retorno esperado, voltam em A Boss And A Babe, sobre um gamer que vai trabalhar na empresa dos sonhos e o seu chefe (que é fã do seu canal) começa a se aproximar (hmm, cheirinho de processo trabalhista). A série promete trabalhar com aquela pegada "ele me ama ou só quer me comer?" (spoiler: ele quer as duas coisas).

Only Friends promete um plot bem mais jovial, tipo o de Friendzone, com um plot "ninguém é de ninguém" com ForceBook, FirstKhao e NeoMark tudo junto e misturado num troca-troca de milhões. Sobre um grupo de amigos que não são exatamente exemplo de fidelidade chega com uma trama sobre traição, sexo casual, drogas e pornografia. Tá aí uma surpresa e tanto que certamente também vai trazer muito drama, que possivelmente vai ser resolvido na cama.

E depois do sucesso em Bad Buddy as MilkLove conseguiram destaque: vão estrear 23.5, o primeiro GL da empresa. GeminiFourth que logo mais chegam com My School President, voltam como casal secundário.
TayNew, uma das grandes surpresas da noite, estão de volta com a versão tailandesa de Cherry Magic, um dos maiores sucessos do Japão sobre um homem que, ao continuar virgem aos 30 anos ganha o poder de ler a mente das pessoas ao tocá-las e acaba descobrindo que o homem mais popular do escritório é apaixonado por ele. Cherry Magic conquistou todo mundo com a doçura de um casal meigo e que se respeita , então a produção vem com um tom fofo, mágico e de arrancar suspiros da gente, certamente com a pegada mais dramática que a Tailândia gosta de trazer.
PerthChimon finalmente trazem uma grande conquista: Chimon, que desde seus flertes com Pluem em My Dear Loser - Edge of 17, faz os fãs esperarem por um protagonismo num Bl finalmente chegou A série gira em torno de um plot clássico: um aluno inteligente e esforçado sobre bullying do garoto popular e violento da escola mas que tem péssimas notas, até que um é chamado para dar aulas particulares pro outro, forçando a convivência e, claro, terminando em romance. Com a proposta de uma carga emocional altíssima o teaser promete muitas lágrimas, brigas em cenas até bem violentas e confissões apaixonadas acompanhadas de mais brigas.
E, por último mas não menos importante, teremos a segunda edição de OurSkyy com EarthMix, OhmNanon, FirstKhao, JimmySea, PondPhuwin, JoongDunk, ForceBook e GeminiFourth que estrelam a série que traz de volta casais de outros BLs. Consolidando o conceito desse ano de explorar os casais já formados da empresa, com poucas novidades, e prometendo aquela antologia de episódios bem fechadinhos e amarrados que são simplesmente excelentes por mostrar uma história inteira dos personagens que já conhecemos em um único episódio. A primeira versão, com cinco shipps, deu super certo e agora essa com certeza segue pelo mesmo caminho. 

Em linhas gerais: achei os plots do próximo ano menos interessantes que os que estamos vendo atualmente, mas essa é só a primeira impressão e muita coisa sempre muda até o lançamento. O pessoal sempre trabalha melhor a questão visual e a pegada geral do roteiro, então é normal que algo mais dramático no teaser seja mais leve na versão final ou vice versa. Algumas novidades interessantes como o retorno de TayNew e ForceBook numa segunda chance e a estreia de PerthChimon. De todo modo temos aí vários projetos interessantes e que vão nos mantes atentos as produções da empresa por mais um ano!

Coloquei aqui apenas os lançamentos BL (e o GL) mas a empresa também anunciou vários outros projetos que podem ser conferidos nas páginas oficias nas redes sociais bem como nos principais canais de notícias de fãs sobre a GMM TV.

domingo, 20 de novembro de 2022

Fumaça

"Eu sinto como se estivesse escrevendo um requiem para mim mesmo." W. A. Mozart

Tomado de súbito por aquele pessimismo e desânimo que já me é tão caro... Enquanto passava por algumas ruas hoje cedo pela manhã e me dava conta de como minha vida mudou nos últimos meses, mas aí fiz um esforço para não me prender a isso e continuar pensando no que é de fato importante: muito embora tenha conseguido sair daquela letargia que por dois longos anos me mantiveram na cama tendo em mente apenas o que poderia aprender de novo que me conectasse com a realidade e que me apontasse uma transcendência é a essa realidade que preciso me fiar. 

Não é na superficialidade burguesa dos que me cercam e que a escondem por trás de um progressismo negativo e destrutivo frankfurtiano levado às últimas consequências na completa destruição do senso estético, de proporções e de qualquer outro senso importante para a percepção da realidade. 

E então de volta ao meu quarto ouvindo as palavras de um de meus professores e conversando com um amigo eu me dei conta, uma vez mais, da minha condição solitária, condição esta para a qual me preparou o meu mestre que então venho tentando enfrentar com o ímpeto heroico que ele me inspirou. E essa é minha realidade: continuo em busca da Verdade, continuo tentando aprender com a realidade, continuo tentando formar a minha imaginação, mas ao meu redor não encontro pares, saio de casa e volto sozinho, sem que no caminho encontre alma que aspire as mesmas coisas celestes. Mas tudo bem, é seguir na companhia não física mas espiritual daqueles que em outros tempos e lugares trilham esse caminho, seja me aconselhando com os grandes santos ou sentado como jovem servo aos pés de grandes mestres enquanto eles proferem suas lições e delas tento aproveitar alguma coisa. 

E uma vez mais eu sou tomado por uma ciclagem durante o horário de trabalho, uma mudança súbita de humor durante o dia acompanhada de um turbilhão de pensamentos, de dores de cabeça, sono e irritabilidade. Só consigo contar as horas para o fim do expediente quando poderei voltar ao quarto e finalmente dormir profundamente, um sono que me apague e que me derrube sem que eu possa ver luz, quero apenas que toda essa confusão, toda essa profusão de cores, esses estardalhaço, desapareçam. 

Mesmo que eu não queira mais falar disso, muito embora o fato da minha aparência continuar a me incomodar principalmente quando abro uma foto e vejo de novo aquele rosto perfeito e sem nenhum defeito e então me lembro que preciso fazer a barba duas vezes na semana, que o relevo da minha pele continua irregular e que meus lábios continuam manchados mesmo depois da micropigmentação e tudo isso é um incômodo. E então eu quero me fechar também por isso, dormir e não pensar em nenhuma dessas coisas, e tudo isso piora muito se somado ao fato de que minha cabeça já está passando por uma tempestade, com as ventania fazendo as copas das árvores dançarem com violência ao som dessa Sagração da Primavera. 

A isso soma-se o fato da minha inabilidade literária e da minha limitada experiência de vida que me faz repetir as mesmas palavras toda semana, como se não me saísse do lugar. E isso me é ainda mais óbvio quando vejo que num conto de Machado de Assis encontra-se mais profundidade humana do que em todas essas páginas em que me derramei como a água que precipita do céu na mesma tempestade de que falei. E como aqueles rompantes de Istravinsky eu também estou tomado por assomos de intensa energia que circula como as linfas e, poucos instantes depois, de uma lente cinza e desbotada que a tudo vai tornando turva e sem contorno. 

Termino a noite extremamente cansado, do dia puxado de trabalho, do calor e das mudanças de humor que me deixaram inquieto durante todo o tempo e, além disso, ainda me encontro com o coração de amor em vivas ânsias inflamado, seja pelo jovem do início da rua ou pelo outro jovem que deixei nas terras vermelhas do Goiás, e nenhum deles está pensando em mim nesse sábado à noite.

Me retraio então, com os braços ao redor das pernas e a cabeça baixa, sentindo assim que aos poucos eu desapareço, me tornando invisível não apenas aos olhos de quem amo, mas sumindo até mesmo de mim, e já sem prestar atenção a mim, indo desaparecendo por entre as fibras dos tecidos, me desfazendo em pétalas ao vento ou como a fumaça de uma vela que queima e se consome entre os amplexos sonhados. E vivo assim, entre a chama ardente e a fumaça que se esvai de modo evanescente se perdendo no ar... 

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Cena de Ultrajes

"Doing somenthing unholy"

Nos encontramos quase todas as manhãs, ele de moletons pretos e uma camiseta roxa chamativa, desbotada pelo uso e, por debaixo dela, uma camiseta térmica cor de chumbo que a princípio me fez perguntar se ele não sentiria demasiado calor nos dias de sol intenso em que estamos, e só depois eu entendi que a roupa era justamente adequada a quem não queria transpirar tanto assim. 

É um rapazinho que ainda não chegou aos vinte anos. Tem traços nobres e delicados, é sedutor sem nem perceber que o é. Bela fisionomia, tez finíssima, cuja alvura realça os escassos fios da barba ainda em desenvolvimento. Os olhos são de um castanho luminoso, assim como os cabelos, caindo sobre a testa e não além disso porque ele os corta com frequência. Os lábios, demorei a vê-los por causa daquela horrenda máscara de pano, mas são de um rosa meigo, desenhados, quase femininos se ele os hidratasse mais. Tem um andar gracioso sem, contudo, perder a expressão séria, pensativa como quem constantemente pensa num problema que não pode resolver, e uma simplicidade difícil de encontrar em alguém dessa idade. 

Meus devaneios  nos levam então para um palácio de fantasias, um lugar fechado e iluminado apenas pelas chamas luxuriosas que dançam como dançam os corpos nus, movimentando-se conforme crepitam os desejos que se alimentam da carne. Algumas outras figuras são ali visitas constantes, na noite escura elas respondem aquilo que minh'alma clama, como espectros levantando-se de suas lápides e tendo seus ossos cobertos de carne e músculos até voltarem a ter aparência humana. 

Vejo você com lábios rosados e delicados, assim como são as partes que maravilham os olhos e enchem a boca de água num desejo de deleite fálico misturando orgasticamente suores, tremores e gemidos, assim como as pequenas poças de prata que se espalham pelos corpos avermelhados. Avermelhados do esforço visceral da entrega a paixão tórrida, que se repete infindáveis vezes em sonhos e momentos emergenciais, em realidades alternativas, nascidas de desejos profundos e que encontram a culminação de sua existência idílica em urros e explosões que aquietam aquelas feras sedentas por lamber não o sangue, mas o leite puro de suas vítimas que, naqueles sonhos, se deixam abater pelo voraz caçador. 

Muitas dessas fantasias são proibidas e envolvem a omissão de compromissos íntimos, seriam escandalosas se viessem à público, se não fossem mais do que apenas sonhos e/ou momentos compartilhados a dois numa alcova silenciosa donde jamais sairá nenhuma palavra. E ali os corpos se empilham uns por sobre os outros, os gemidos arfados se misturam com a névoa que sai dos lábios, vermelhos de sangue, apertados conforme sentem dentro de si uns aos outros crescendo cada vez mais e mais, as costas arqueando-se, olhos fechados. As mãos trêmulas agarram os músculos com força, os membros se endurecem cada vez mais, brilham em êxtase dionisíaco cobertos de seu próprio lubrificante e também do suor que escorre em linhas finas pelas marcas das unhas nas costas daqueles amantes.

Embebidos em vinho, espumante, vodka e o que mais houvesse disponível, rodeados de obscuras realizações, se entregam sem nenhum pudor e sem que nenhum outro momento importe. Naquela escuridão quase completa já não distingue-se quem é quem, houve apenas os sons rápidos que escapam e o barulho das estocadas violentas que se revezam em seus alvos, todos os corpos juntos num monolito de desejo e descobrimento, escondidos numa casa de aparência dormente. Tudo bem, antes de dormir não há muito o que fazer e o que os vizinhos poderiam pensar se eles mesmos não estão provavelmente sonhando com as mesmas coisas?

Mas sonhar acordado as vezes dói, e desejar aquele membro rijo, com a cabeça brilhante e rosada, desejoso de ser posto abaixo, é um exercício de autocontrole demasiado complexo. E então eu fecho os olhos, suspiro profundamente e tento apagar essas imagens da minha cabeça, ou pelo menos cobri-las com uma cortina azulada, pura, para então desvelar mais uma vez quando, na solidão do meu quarto escuro, poder acender novamente essas chamas e permitir que elas me consumam até o sono profundo. 

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Como sombra evanescente

Aparentemente meu semblante não está dos melhores, já desde sábado, porque mais de uma vez vieram me perguntar o que está acontecendo comigo. Bem, no sábado eu já me sentia profundamente incomodado com a intensidade do barulho das crianças e cachorros no trabalho, foi um dia incômodo e eu percebi o quanto sou triste e amargurado e não suporto essa galerinha alternativa pai de pet que não percebe a inconveniência de ficar por aí andando com esses bichos que volta e meia se revoltam a fazem barulho gratuitamente. O mesmo vale para os pais que não enxergam nada de errado em deixar os filhos destruírem o mundo porque não querem impor nenhum tipo de limite e por isso mesmo essas pestes vão crescer achando que tudo tem que ser como elas querem e, quando o mundo mostra com mãos de ferro que isso não é verdade, elas vão se tornar uma geração ainda mais deprimida do que a atual. 

Eu me encontro na verdade incomodado com a bagunça ao redor, refletindo na minha mente. Queria conseguir organizar as coisas, deixar um pouco menos de informação ao meu dispor, seja na decoração da casa quanto na informação que eu consumo online porque sinto que essa super estimulação na verdade tem me levado ao estado de exasperação, ou torpor, alucinatória, porque tudo se torna ainda mais evanescente e passageiro, e nisso o verdadeiro conhecimento se perde em meio as miríades de estrelas brilhantes que piscam por um segundo antes de desaparecerem, me cegando aquela luz verdadeira que boia no oceano desconhecido. 

Também continuo em luta contra meu próprio senso estético que insiste em ver beleza apenas no inalcançável ideal, em sua maioria asiático, delicado e de aparência forte. Um elemento esse que deprime e pesa cada vez que me olho no espelho. Mas sobre isso eu já falei tantas outras vezes. E é isso que tem me feito mais introspectivo e taciturno nos últimos dias, pois estou tomado de um pessimismo forte que me tem feito ver o mundo com olhos céticos e quase niilistas, enquanto convivo com pessoas que insistem em viver mergulhadas em grossas camadas de mentiras superficiais como se isso fosse a única realidade. 

X

Me veio uma breve recordação de quando ficávamos deitados juntos, às vezes sob efeito do álcool ou de alguma tristeza. De todo modo nos apoiávamos assim, você gostava da minha companhia, de que eu o ouvisse e eu gostava de me deitar sob seu peito, segurar sua mão e sentir seu calor. E como eu gostava daquele momento de intimidade, tanto que até minha mãe pensava que algo mais acontecia entre a gente, e infelizmente nunca aconteceu, além disso hoje nem nos falamos mais, e não só estou longe do seu peito como ainda mais longe do seu coração. Aliás, acho que nunca estive verdadeiramente no seu coração. 

X

Uma miscelânea de cores contrastam nesse dia.  Preciso me cuidar um pouco, fazer a barba, hidratar o cabelo, arrumar as unhas... Mas não quero nada disso. Sinto uma preguiça extrema em pensar em fazer essas coisas, me odeio por ver a barba crescer e me deixar com a aparência cada vez mais animalesca, me dando a impressão de ser aquela fera impetuosa que anda por aí procurando a quem devorar. Quero dormir, ignorar até mesmo o novo dorama que comecei, com dois lindos protagonistas, mas olhar pra eles me deixa triste. O pessoal aqui de casa quer beber hoje de novo, e eu só quero ficar quietinho, sozinho, nem de ler tenho vontade, apenas quero que as horas passem, e nem sei o que farei quando elas passarem. Amanhã volto pro trabalho, o tédio de cada dia... E enquanto penso nisso vejo as minhas unhas descascarem, e eu percebo que preciso cuidar delas e, ao perceber isso, percebo ainda que o que estou fazendo continua sendo viver no mínimo. Eu acordo, vou pro trabalho, volto cansado e assisto um pouco antes de cair na cama de novo. E apenas isso. E acho que não tem muita coisa além disso. Muito embora as grandes questões continuem importantes pra mim elas o são apenas no plano da eternidade, do qual essa vida é apenas sombra e, como sombra, eu existo sem muita presença, algo meio evanescente. 

E não importa o que faça, o resultado não é tão bom assim, no máximo é aceitável, e eu mesmo não aceito. E então, e sim voltarei a tocar nesse assunto, eu vejo os belos modelos na internet, de pele e cabelos perfeitos, com os olhos iluminados, ou vejo os idols com trabalhos o dia todo, sorrindo, dançando e brincando, e me pergunto: como eles conseguem fazer tudo isso? Eu não consigo ter força pra muita coisa. Fiz uma hidratação rápida no cabelo porque estava sem paciência, a barba ficou falhada e as unhas ainda têm manchas do esmalte anterior pelo mesmo motivo. É tudo assim, de qualquer jeito, porque eu não tenho forças pra fazer melhor. Só tenho forças pra dormir profundamente. 

Não é como se nada tivesse mudado, mudou e eu reconheço isso, muitas coisas melhoraram: ainda que limitado agora eu tenho dinheiro para voltar a retomar algumas atividades, para comprar livros e cursos. Mas eu nem tenho mais tanta força assim pra cuidar dessas coisas e só continuo pensando nelas porque essa vontade de conhecer é mais forte ainda que o cansaço que eu sinto, e mesmo ele reduzindo o ritmo eu continuo conseguindo seguir em frente e seguir o conselho do meu professor: não parar, não precipitar e não retroceder!

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E se ontem estava deprimido, querendo silêncio e solidão, hoje eu amanheci com toda a força e disposição que me faltaram nos últimos três dias. Um sinal claro de um episódio misto, numa ciclagem rápida. O fluxo de pensamentos rápidos, o humor volátil, a vista daquele menino me fazendo voar a imaginação, o sol quente me fazendo desejar a destruição do mundo pela última chama da espada longa de Yamamoto. O foco se foi, apenas vêm pensamentos e mais pensamentos numa profusão da qual não posso fugir. 

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

O deus do vento gostosão

Eu deveria dizer algo a ele? Deveria falar, mesmo depois de anos sem o vê-lo, o que eu ainda sinto quando penso nele? O que sinto quando vejo como ele cresceu e como agora tem o rosto enfeitado por barba e como toca violão, fazendo uma péssima escolha de músicas? Ou deveria ficar quieto, já que provavelmente nunca mais o verei novamente? 

Parte de mim gostaria de dizer a ele, gritar pra todo mundo ouvir, dizer com todas as palavras e me derramas em lágrimas até que ele sinta o que eu também sinto. E outra parte quer lançar esse sentimento num abismo tão profundo que nem mesmo eu serei capaz de tirá-lo da escuridão onde ele se perderá. E eu não sei a qual parte dar ouvidos.

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Não quero parecer ingrato, porque é isso que acontece com quem ousa enxergar um pouco mais, mas algo precisa ser dito: tudo que exige-se do homem moderno é a mediocridade. Ele trabalha por oito horas, passa mais duas no transporte e, quando chega, precisa lutar contra o cansaço para se divertir ou estudar por uma ou duas horas antes de cair no sono profundo de seu cansaço. E o que passa disso é esforço excessivo, heroico, ou simples preguiça. 

E eu levantei com esse profundo desgosto no corpo, abri as cortinas e vi um belo dia nublado, praticamente um crime sair da cama num dia como esse. E não coloquei cor nos lábios e nem desamassei a camisa, caminhei lentamente pro ponto de ônibus e, sem nenhuma perspectiva maior além de que esse dia acabe logo, eu esperei para cumprir mais um dia da rotina. Alguns dias são ainda piores quando, ao chegar em casa de noite ou cedo pela manhã eu lembro que preciso fazer a barba, que minha pele precisa de algo mais, ou que meu cabelo está ressecado e que, por atender o público, eu preciso me cuidar quando minha vontade era de simplesmente deixar a barba crescer até ficar parecendo um bicho. 

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Belo amor o de Prapai e Sky, amor capaz de sarar as feridas profundas que o monstro deixou. Amor capaz de derramar as lágrimas que o outro não consegue chorar, de sentir a dor que o outro não consegue expressar, atônito, perdido em um mundo de horrores. O amor que mudou Prapai, que curou Sky. Simplesmente amor, sem espaço para terceiros, amor que transborda em preocupação, mãos trêmulas e declarações de amor. Amor que começou como uma única noite de sexo, e que se tornou mais e mais, até tomar tudo, até penetrar nas feridas abertas, começando a cicatrizar e finalizando com um beijo delicado sobre aquela marca que, embora ainda esteja ali, já não dói mais. 

E como é belo esse amor que coloca um no lugar do outro, que faz um sentir e partilhar a dor do outro. O outro que estava machucado e cansado, quebrado por dentro e por fora, e incapaz de esboçar qualquer reação simplesmente porque já não conseguia mais, já tinha chorado todas as lágrimas possíveis, já tinha pedido e implorado por ajuda e não tinha recebido resposta de ninguém. E então, quando tudo parecia perdido, naquele quarto iluminado por um abajur amarelo, eis que chega o Gigante Preto, o Deus do Vento gostosão que, do alto de sua majestade olhou pro outro com amor e o abraçou, o abraçou até que as lágrimas que haviam secado brotaram novamente, de tristeza sim mas também eram elas que iam lavando toda aquele dor, toda aquela experiência horrível, e deixando aquele coraçãozinho aberto pro amor que dali em diante iria iluminar aquele sorriso, tantas vezes obscurecido pelos pesadelos constantes. 

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Resenha - My Only 12%

 

Atenção: contém SPOILERS!

Uma história doce sobre melhores amigos e primeiro amor que deixam o coração quentinho e os olhos marejados: talvez seja a melhor definição para My Only 12% e que deixou todos que assistiram emocionados com a delicadeza da história e a força dos protagonistas.

Cake (Santa Pongsapak, de Project 7 - Would You Be My Love) e Seeiw (Earth Katsamonnat, de Until We Meet Again) são melhores amigos desde que se lembram. Cake é popular com as garotas e gosta de jogar futebol com os amigos, enquanto Seeiw é tímido e prefere passar despercebido nos lugares. Apesar da diferença de personalidade os dois são inseparáveis. Conforme vão crescendo Seeiw percebe que seus sentimentos pelo amigo vão mudando, muito embora eles continuem fazendo as mesmas coisas de sempre. Um dia ele leu numa revista que havia apenas 12% de chance de alguém ficar com seu primeiro amor, e então Eiw se pergunta se ele conseguirá ficar com Cake para sempre.

Além dos sentimentos mudarem conforme vão crescendo eles também precisam lidar com as dificuldades próprias do amadurecimento. Acompanhamos então a jornada desses dois até se tornarem ainda mais inseparáveis. 

É fato que o gênero mais dramático não reúne tantos admiradores quanto as séries com uma pegada mais hot e menos densa psicologicamente. Embora os dilemas apresentados não sejam absurdos é justamente na profundidade desse amadurecimento normal que a série se destaca. Nós vemos os meninos crescendo por vários anos, Cake precisa se tornar mais responsável e acaba indo morar fora da Tailândia, enquanto Eiw se vê na necessidade de fazer novos amigos e perder um pouco da timidez, bem como aceitar a sua sexualidade.

E é aqui que começa o show: Santa e Earth estão simplesmente sensacionais nessa série e, sob a excelente direção de New Siwaj (Love By Chance e Star and Sky) temos em todos os episódios momentos doces e tocantes. Os personagens são mostrados com toda a intensidade de seus sentimentos conflitantes, as lágrimas, a voz embargada e até os olhares são um convite a mergulhar na beleza desses dois meninos que estão descobrindo e entendendo pouco a pouco seus sentimentos, se aceitando e construindo a vida a partir dessas experiências. 

As muitas cenas de intimidade entre Cake e Eiw são simplesmente lindas, a relação de cumplicidade deles é o tipo de coisa que deixa o coração quentinho, como quando Cake sempre consola o amigo dormindo abraçado com ele, é de uma fofura imensa.

Os dois protagonistas sofreram certo hate nas redes sociais, muitos dizendo que a série é melodramática demais e que isso seria um apelo que forçaria a aclamação. Outros continuam batendo na tecla de que a diferença de idade entre Earth e Santa é muito grande, mas na realidade sabemos que o que incomoda mesmo é  fato de que um ator como o Earth ser assumido e afeminado e entregar um nível de atuação altíssimo incomoda as pessoas. Santa não fica atrás e, especialmente na segunda metade da série quando vemos os sentimentos de Cake sendo aprofundados é que somos surpreendidos com um grande ator também. 

Uma curisodade é a presença da autora da novel que deu origem a série, Afterday, como Hom, a irmã de Eiw, que acaba lutando contra o sentimento de gostar de um garoto mais novo, colega de classe de seu irmão, o belíssimo Peak (Fort Wayupak). Menção especial também para os lindos Peak Peemapol (de Make It Right) e Title Tanatorn (Rememer Me).

My Only 12% cativa com uma história doce, romântica e realmente dramática, tão bem executada que o coração sofre, chora e se alegra junto com os personagens. Com uma fotografia que muda com decorrer dos episódios e a passagem dos anos assim como a personalidade dos meninos vai sendo construída temos um marco sobre amadurecimento e, claro, a beleza e a delicadeza do primeiro amor. A trilha sonora conta com a participação do velho amigo dos BLs Boy Sompob e também emociona em vários momentos. O ritmo é lento e a série funcionou como um respiro para as noites de sexta, tão agitadas em nossas terras tupiniquins. Simplesmente excelente e obrigatória para quem gosta de se emocionar!

Nota: 10/10

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Resenha - Love In The Air

Atenção: contém SPOILERS!

Já consolidada como um dos maiores nomes da indústria BL Thai a Me Mind Y, produtora da famosa autora MAME, responsável por títulos como TharnType e Don't Say No, chega com Love In The Air, trazendo mais uma proposta que conquistou o fandom desde o lançamento do primeiro trailer, contendo cenas picantes que prometiam seguir a onda mais ousada da autora. 

Love In The Air conta a história de duas novels da Mame, a primeira sobre Rain (Noeul Nuttarat), um atrapalhado estudante de arquitetura que, num dia de chuva, tem problemas com seu carro e é ajudado por misterioso rapaz, que o deixa desconcertado, e que ele mais tarde descobre ser Phayu (Boss Chaikamon), um famoso veterano da universidade que começa a aparecer na vida de Rain com frequência e parece querer implicar com o mais novo. Ao tentar descobrir algo sobre o veterano Rain acaba se envolvendo numa corrida ilegal organizada por grandes nomes do submundo tailandês, onde Phayu trabalha como mecânico particular de um homem importante. Nessa confusão ele e Phayu acabam por se aproximar de vez e daí nasce um romance intenso onde o mais novo pouco a pouco passa a compreender esses novos sentimentos. 

O segundo casal é formado por Sky (Peat Wasuthorn), melhor amigo de Rain, que esconde um passado traumático de todos. Na mesma noite em que o amigo se envolveu na corrida ilegal e acabou indo embora com Phayu ele foi salvo por Prapai (Fort Thitipong), o melhor piloto dali, e que "cobra" pelo salvamento uma noite de sexo, da qual Prapai não se esquece por meses. Ele então vai atrás de Rain, que a essa altura já namora com Phayu, e consegue o número do garoto e, a partir daí, passa a correr atrás dele, que não quer se envolver com ninguém. 

Acontece que Sky carrega as cicatrizes de um terrível relacionamento anterior, que o deixou profundamente traumatizado e, a medida que Prapai vai se aproximando, ele começa a sentir mais do que apenas desejo pelo outro, e passa a cuidar dele, cercando o mais novo de carinho e cuidado até que ele, pouco a pouco, resolva se abrir novamente ao amor. Sky inicialmente sabe que Prapai quer apenas sexo, e nega, mas com o tempo passa a sentir que a presença dele pode ajuda-lo a se recuperar do passado. 

As duas histórias ligadas tem uma vibe diferente, enquanto Phayu e Rain fala sobre o descobrimento dos sentimentos do mais novo pelo veterano, Sky e Prapai trabalham o carinho e o amor genuíno que ajudam a vencer os traumas. Numa coisas as duas histórias convergem: Phayu e Prapai são os maiores namorados dos BLs e são capazes de fazer de tudo pelos seus amados, que vão cedendo as investidas dos mais velhos e logo se apaixonam perdidamente também. A beleza dos atores também é simplesmente hipnótica, os quatro arrancam suspiros sempre que aparecem, cada um a sua maneira. 

Rain é fofo e perdido, exagerado nas reações, enquanto Phayu é sério e calmo, entendendo o outro melhor do que ninguém. Sky é debochado e esconde sua dor, mas é um bom amigo enquanto Sky é um sedutor irremediável. 

O visual das séries é belíssimo, até porque os quatro protagonistas são um espetáculo. A trilha sonora, com as 3 faixas cantadas pelos próprios atores, é muito boa também e Love in the Air fica grudado na cabeça, impossível não sair cantando. 

O ponto alto da obra é a intensidade das cenas de Sky e Prapai, não que Rain e Phayu tenham sido fracos, mas a forma como foi mostrado o impacto negativo do namorado abusivo de Sky e a importância de Prapai para ajudar o outro foi belíssimo. Destaque pra cena do penúltimo episódio onde Sky finalmente se declara, entre lágrimas, quando o outro lê o que ele escreveu durante as semanas que eles passaram juntos. Um outro ponto que também não pode passar batido são as cenas de sexo, todas sensacionais e memoráveis, rendendo milhares de comentários na internet e deixando todos nós impressionados com a entrega dos atores, entre gemidos e palavras de baixo calão, que aliás ficaram sensacionais, e as cavalgadas históricas que fidelizaram os machos de vez (só vendo pra entender).

Fazendo uma ponte com uma breve referência a outras duas séries da MAME, tivemos uma breve participação especial de Seng Supachkok, Chai SupakitSmart Chisanupong, o Leon de Don't Say No e que logo vai protagonizar Just Say Yes, fazendo a ponte entre essa e todas as outras séries da autora. 

Com uma narrativa que combina a comédia romântica e drama na medida certa Love In The Air chega com boas atuações, cenas memoráveis e personagens com um carisma insuperável, caindo no gosto do fandom e se tornando uma daquelas paradas obrigatórias para todos os fãs de BL.

Nota: 10/10

Que ele sorrisse

Tristezas que vêm num momento de suspensão da lucidez com o uso de um remédio pra dormir, e então eis que surgem lágrimas e questionamentos, bem como uma vontade forte, um desejo de abraçá-lo, de me tornar mais próximo, de ultrapassar esse véu que nos separa...

Eu não sei se ele me responde de modo monossilábico porque é tímido ou se realmente não tem interesse em falar comigo, ou talvez as duas coisas. O fato é que ele pouco fala comigo, e eu continuo tentando depois de alguns anos ainda formar um diálogo. Em vão. Mesmo estando agora ainda mais longe, mas ainda queria me aproximar dele... E as coisas são sempre assim, eu nunca consigo me aproximar de quem eu quero, alguns eu nem mesmo sei o nome. 

Eu estou fazendo meu melhor, e parece não ser o bastante. Aos fins de semana eu durmo um pouco mais e arrumo barba e unhas para estar apresentável novamente quando voltar ao trabalho, mas é isso, e eu não estou reclamando de ter entrado no automatismo, mas estou dizendo que eu queria fazer mais, ter mais energia, conseguir ser melhor, estudar mais, ler mais, e não ficar tão cansado na hora da aula que chego a cochilar em alguns momentos mesmo o assunto sendo de meu maior interesse.

E eu queria conseguir saber ou nome dele, fazê-lo sorrir, ou que o outro me respondesse, que pudesse ser ao menos meu amigo. Bom, a verdade é que eu queria mesmo era um abraço bem forte. Embora esteja feliz com o trabalho e com o lugar onde estou morando, embora esteja conseguindo comprar minhas coisas, embora tudo isso seja bom eu queria alguém com quem pudesse rir, sorrir e, principalmente, deitar em seu peito após um dia cheio e ouvir sua respiração baixinho. Apenas isso e o mais que faço não vale nada!

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Me sentindo profundamente incomodado. As hemorroidas atacaram nos últimos dias e isso tem me tirado a tranquilidade porque é uma dor constante. Isso me deixou profundamente inseguro e desanimado, e até cansado já que não consigo dormir e nem descansar direito sentindo isso o tempo todo. Estava triste, chateado e cansado, de rezar não tinha nem vontade, apenas queria poder me esconder num jardim secreto, por entre as açucenas olvidado. E assim foi por três dias inteiros, três dias de intenso suplício. 

X

Hoje descobri o nome de um  garoto bonito que pega ônibus comigo quase todos os dias e, antes de prosseguir gostaria de deixar claro que tenho consciência do quão patético é dizer uma coisa dessa, com isso consegui encontrar o perfil dele numa rede social. No entanto, embora haja uma aproximação mínima entre nós entre os cumprimentos de "bom dia" nas manhãs nubladas dessa cidade e que finalmente o vi sem a horrenda focinheira que é aquela máscara de covid, eu não consigo pensar numa situação minimamente plausível para falar com ele sem que eu pareça um maluco depravado. 

Acontece que vejo nele uma imagem doce, um pouco tímida e até mesmo inconformada porque acho que ele não é assumido, embora eu saiba que ele também gosta de meninos porque ouvi uma conversa dele com uma amiga (eu estava do lado, era impossível não ouvir) e ele parece se esconder, seja atrás da máscara ou do estilo low profile nas redes sociais (sem nenhuma foto) e talvez isso indique uma baixa autoestima. E eu o vejo com essa simplicidade quase angelical, seus olhos castanhos brilhantes, a pele clara ainda com muita acne e ainda assim bonito, ele é muito bonito, com uma voz bela que parece um sino a tocar. 

E exatamente por isso eu não consigo me imaginar falando com ele. Só de pensar nisso já me vem umas trinta vozes dizendo que ele nunca vai querer nada comigo, já me sobe um medo de novamente ser rejeitado, de não conseguir nem sequer a amizade dele e, pior ainda, fazê-lo ter nojo de mim, porque eu tenho certeza que é isso que os outros sentem ao me ver, o mesmo que eu sinto ao me olhar no espelho: nojo. Eu não consigo sentir outra coisa ao pensar em mim mesmo além disso. Nojo do meu jeito, da minha aparência, das minhas limitações, dos meus medos, enfim, nojo do meu ser, novamente me vendo como um erro, um arremedo de ser humano, um boneco de trapos. 

E tudo que eu queria era que ele sorrisse para mim. 

terça-feira, 8 de novembro de 2022

Moralistas Franceses

Eu entendo moço, e está tudo bem, sério! Na verdade foi uma importante e feliz lição. Eu percebi com isso, mais uma vez, o peso que minhas palavras podem ter. Ao falar tanto sobre certos assuntos cria-se a mentalidade que esse assunto é o centro da minha vida, pela repetição com as pautas sobre sexo e desejos aparecem em nossas conversas. E isso claramente mostra uma certa deterioração da consciência, um erro no campo do senso das prioridades, ainda que seja um erro de expressão e não no sentido ontológico: embora trate muito desse assunto é apenas porque ele justamente é responsável por sequestrar a consciência em alguns momentos e, na maioria dos casos, porque falar de experiências mais imediatas é mais fácil do que tratar de assuntos complexos. Culpa da minha limitada capacidade de comunicação. 

Um outro ponto que pode ser dito aqui é também o da aceitação dessas coisas como vício e, aqui apontando o ponto de vista filosófico e bíblico, entendendo a importância desses vícios como parte da experiência humana que, justamente por ser isso, nos humaniza ao nos dar consciência das nossas limitações. Primeiramente do ponto de vista filosófico, como fazem os moralistas como Pascal, La Rochefoucauld, La Bruyere, Stendhal ou Camus. Homens que, tendo a experiência dos vícios, como o apelo sexual no casos dos moralistas franceses, bebidas e até jogos de azar (Pascal estabeleceu as bases do cálculo de probabilidade para aplicar nos seus jogos de dados). Essa experiência lhes deu uma consciência dos limites, das fraquezas humanas, uma profunda compreensão da natureza do homem. A partir dessa consciência que, no meu caso, eu adquiri ao perceber isso durante uma conversa com você, eu posso começar a tentar mudar. 

Do ponto de vista bíblico vemos uma longa coleção de personagem corrompidos, que são justamente os que são buscados por profetas e pelo próprio Cristo: Reis e cobradores de impostos corruptos, prostitutas, adúlteros e ricos presos aquilo que possuem... São esses os principais alvos do Cristo que, ao perceber a fragilidade de suas condições os acolhe, ceia com eles, os salva e, por fim e apenas por fim, lhes admoesta "vá e não tornes a pecar" (Jo 8, 11)

Por ser um vício ele já faz parte de mim, estando enraizado no meu ser profundo, e por isso exige um exame também profundo para que consiga tirar isso de lá. Isso não quer dizer que eu vá conseguir me livrar totalmente do vício, mas adquirir consciência do mesmo, ou melhor, adquirir consciência de como ele impacta o meu eu e como isso se mostra aos outros. é um exercício de profunda experiência humana, é um passo de confissão que eu faço ao, agora falando não mais a você meu amigo e irmão, mas ao próprio Deus, assumindo minha pequenez e permitindo que ele vá me mostrando onde estão as raízes desse pecado iluminando meu ser para que enxergue como posso mudar. O vício continua sendo uma importante experiência, não findável em si mesmo, mas quanto contraste para a mudança. 

Daí faço minhas as palavras de Pondé de que "não confio em quem não tem vícios", sem dizer isso de modo a fazer uma ode sadiana ao pecado, não, digo isso no sentido de que quem tem consciência desses vícios e do peso consegue medir melhor as proporções das suas experiências humanas e, aquele que diz que não tem vícios, além da babaca e mentiroso, é provavelmente uma pessoa perigosa. 

Por fim essa consciência me impede de julgar os vícios dos outros (e não estou dizendo que me incomodou você ter me julgado, não me importo se for você porque eu escolhi mostrar meu lado mais fraco para você e você continua sendo atento e carinhoso comigo) sabendo da dificuldade que é para controlar os meus próprios, esse é o ponto mais humano: perceber que o outro possui tantas limitações quanto eu e que, se é difícil para eu mudar, tanto é para ele também. Embora seja vício, é uma felicidade então perceber as consequências do mesmo, caindo as escamas que encobriam sua presença e permitindo ao menos a necessidade de mudança. Obrigado pelo carinho em me mostrar isso!

"Ó pecado de Adão indispensável, pois o Cristo o dissolve em seu amor. Ó culpa tão feliz que há merecido a graça de tão grande Redentor." (Praeconium Paschale)