quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Hyperuranion

Vendo o carinho e a confiança entre o casal que aos poucos vai se conhecendo numa das séries que venho acompanhando, em Between Us (spin-off da minha série favorita, Until We Meet Again) estamos na criação da parceria entre Team e Win (o novato do clube de natação e o veterano e vice-presidente do time). Team tem um trauma de infância, envolvendo um episódio de afogamento e seu irmão, e por isso ele tem pesadelos recorrentes, o que afeta seu desempenho nos estudos e nos treinos. Mas quando ele está com Win, dormindo ao seu lado e muitas vezes abraçado com ele, os pesadelos desaparecem. É belo ver a delicadeza como isso foi mostrado é de emocionar. 

Ao mesmo tempo eu percebo que, até poucas horas atrás, eu estava num aplicativo de relacionamento, aplicativo de sexo pra dizer a verdade, em busca de algum caso de uma noite. Irônico. E então eu vejo essa cena de carinho, enquanto procuro por algum tipo de afeto, ainda que puramente físico, mesmo sabendo que nem a mais superficial das relações é apenas física mas envolve uma série de outras coisas que, embora estejam lá, apenas não são levadas em consideração. Buscava algum afeto, buscava algum contato, ainda me sentindo sozinho numa cidade nova e desconhecida, e recebendo negativas. E aí vejo esse contraste, eu buscando esse afeto, e eles achando confiança um com o outro. 

Deveria despertar isso em mim alguma esperança, mas ao contrário, eu sinto na verdade um ceticismo muito grande. Embora a arte trate do possível com uma linguagem poética isso é possível lá, naquele mundo, não no meu. Penso então no jovem que mora no início da rua, que vejo alguns dias pela manhã no ponto de ônibus e penso então, com um sorriso pessimista, que isso nunca vai acontecer. 

Já há muitos meses que não sentia essa sensação, esse amargor, essa presença esmagadora, esse... medo ao olhar o céu e ver a completa escuridão e ver que, em meu coração, também há apenas essa mesma escuridão, ainda mais e mais densa. E é impressionante como em poucos minutos o veneno do desespero foi inoculado em minhas veias, como a fragrância profunda de Niobe de Deep. Demorei um bom tempo até entender que se tratava de outra ciclagem, porque desde que parei com a minha medicação eu já não sentia isso, algo próximo das crises de pânico que me atingiram tantas vezes naqueles meses horríveis. Foi algo como um relance daquele pesadelo, flashes daqueles dias sombrios que eu tentei deixar no mais profundo da minha mente até que fosse esquecido. 

Que pode me ajudar nesse momento? Queria um abraço apertado, um sorriso bobo e levemente perfumado de álcool numa noite de amor e confraternização, um sono tranquilo sem precisar de remédios, queria apenas me deitar e sentir que tenho um sentido na vida, adormecer lentamente pensando nesse objetivo a se alcançar... Já não o vejo no início das minhas manhãs e, após o estudo, caio em sono profundo todas as noites, como se tudo o que meu corpo desejasse fosse apenas se desligar a todo momento. E tudo o que eu consigo fazer é sonhar, com um mundo platônico, algo no sobrecéu hyperuranion, na abobada supraceleste que só existe nesses momentos onde costumo fugir, vagante sem rumo, sem exílio e sem amado, a espera da morte que ponha fim a esse suplício de uma vida de desesperança e solidão.

"O errante não errará mais. Deus me perdoará, se quiser, mas a morte me consola." (Machado de Assis)

X

Agora pela manhã é estranho acordar e ler o que escrevi na noite passada. De fato parece algo escrito por duas pessoas diferentes, quando na verdade foi escrito em dois momentos distintos do espírito, o primeiro durante aquela experiência da desolação e do sofrimento humano, que me leva a ter uma reação gnóstica profunda, quase niilista e, a segunda, de um certo ceticismo ou até mesmo estoicismo, eu nunca chego a ser verdadeiramente otimista, mas apenas olho ao meu redor com aquela descrença do futuro, aquela constatação sépia e melancólica de que isso é tudo. 

Nesses dias de melancolia eu sinto como se todo e qualquer sentido se esvaísse, mas ainda assim sei que trata-se de uma impressão irreal. A verdade é que até mesmo naqueles dias mais escuros, quando nem sequer conseguia sair da cama, eu ainda orbitava ao redor desse objetivo, desse conhecimento da Verdade, e continuava em busca dela, mesmo que muitas vezes nem sequer percebia que continuava. Mas Ela estava lá, e brilhava, e como luz me guiava com mais clareza que a do meio-dia.

E então eis que a noite tudo muda, o que antes era melancolia se transmuta em energia e um vigor inexplicáveis. Se ontem arrumei as unhas e fiz a sobrancelha, assisti uma aula de quase três horas e ainda assisti vários episódios de dorama e quando fui fazer a barba desisti por falta de ânimo que de repente se esvaiu agora eu sinto o total oposto: uma propaganda de maquiagem na internet me faz ter mil ideias para fotos e visuais a adotar, e eu quero então fazer uma longa pesquisa de imagens e cores, e quero experimentar tudo isso tarde da noite, quando deveria estar me preparando para dormir. 

É nessa dicotomia que preciso viver, nesse vai e vem constante, um mundo que vive sob as regras do Panta Rei, um mundo onde tudo flui, onde as águas calmas logo se revoltam em ondas violentas, apenas para silenciarem novamente pela manhã, mudando de humor assim como o sol e a lua trocam de lugar ao céu numa valsa eterna, e como o mar se espraia infinitamente e vão surgindo tantas luzes de um dia que jamais há de se apagar, de um dia que há de recomeçar sempre, como diz a música, eu continuo nesse ciclo eterno, como um ourobouros, sem princípio e nem fim. 

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