sábado, 31 de dezembro de 2022

O Bom Combate

"Depois do grande Papa João Paulo II, os Senhores Cardeais elegeram-me, um simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor." (Bento XVI)

Poderia buscar belíssimas palavras de tantos outros que, assim como eu, tiveram com esse grande homem uma experiência de profunda admiração, por tantas virtudes que eu não conseguiria enumerar. Mas, pensando justamente que muitos os farão, e eu lerei a todos de bom coração, quero falar apenas da minha singela experiência com esse que eu me atrevo, de modo muito indigno, chamá-lo de Pai. 

Quando entrei para a Igreja e comecei a participar ativamente das pastorais e movimentos eu sentia uma confusão geral entre as pessoas, eram muitas opiniões divergentes e tão díspares entre si que era difícil saber quem falava o certo, pois todos pareciam ter sua parcela de razão. E então foi aí que essa luz surgiu, silenciosa e calma como o amanhecer que pouco a pouco rompe a negritude da noite e da ignorância. 

O Santo Padre, o Papa Bento XVI, guiava a Igreja de Cristo de modo simples e, ao mesmo tempo, esplendoroso. Sempre tímido e de poucas palavras, com um sorriso mínimo mas um olhar carinhoso ele era um homem de escritório que, de repente, fora alçado ao cargo de mais visibilidade da cúria romana. Capacidade e conhecimento não precisavam ser provados, ele já era Prefeito da Congregação para o Culto Divino, até então a mais importante de Roma, e tinha importantes trabalhos junto a São João Paulo II. 

Seus escritos, em grande número, seja aqueles publicados oficialmente como Papa ou os demais livros onde se encontram um verdadeiro tesouro de teologia de nossos tempos, que levará muitos séculos há frente para serem igualados, contém um depósito confiável da fé transmitida pelos apóstolos e explicada com a doçura de um mestre que ama seu aluno. Me lembro de como me encantei com as pérolas apaixonadas da série Jesus de Nazaré, ou de sua visão tão bela e tão clara da Santa Missa em Introdução ao Espírito da Liturgia, e até mesmo da força das verdades apontadas em Ser Cristão na Era Neopagã. 

No entanto, antes de suas letras foram as suas ações que me trouxeram calma. As suas celebrações são um tesouro a ser perpetuado pela Igreja de nossa época. Numa época de tantas barbáries litúrgicas e de completa confusão sobre o assunto ele se manteve silencioso e nos dava o exemplo máximo de como celebrar e de qual era a dignidade que deveríamos dar a Santa Missa. Ele quase nada escreveu como papa sobre a liturgia, com exceção, acho, apenas do Motu Proprio Summorum Pontificum sobre o rito extraordinário da Santa Missa, infelizmente abolido recentemente. Mas ele permanecia firme na sua posição e as celebrações papais se tornaram exemplo máximo das reformas pedidas no Concílio Vaticano II mas que continuavam sem romper com a tradição anterior. A liturgia de Bento XVI, que ficou conhecida como Reforma da Reforma, inspirou muitos homens ao redor do mundo, dentre os quais eu me encontro. 

Multiplicaram-se as velas nos altares, os paramentos ganharam de novo seu esplendor e a Eucaristia voltou ao centro das igrejas. A música voltou a servir a oração e a sobriedade e o silêncio acalmaram os corações. Claro que em muitas coisas ele foi simplesmente ignorado e os feitos de sua reforma jamais chegaram ao conhecimento de todos, mas muitas almas foram salvas por conseguirem se aproximar do sagrado. Como um Pai ele dava o perfeito exemplo a ser seguido. Como São José ele em silêncio protegia a Cristo dos algozes que pretendiam destruí-lo. 

Foi também com heroica determinação que ele tomou a dificílima decisão de renunciar, pegando a todos de surpresa e levantando centenas de teorias da conspiração que, espero, nos próximos anos se esclareçam. "Combati o bom combate, guardei a minha fé" (2Tm, 7-8) assim ele se despediu de nós, e antes de se retirar discretamente no Vaticano uma salva de palmas ecoou pela Basílica de São Pedro, lágrimas corriam a face daqueles que serviam o altar ao seu lado e os príncipes da Igreja depuseram as suas mitras em sinal de humildade perante a grandeza daquele homem. 

Os últimos anos foram então desse silêncio obsequioso, nunca quebrado pelas notícias de sua frágil saúde mas de seu sorriso tranquilo, até que então ele mesmo declarou que "no lento enfraquecimento de minha força física, interiormente estou em peregrinação para a Casa do Senhor" nos dando de novo um ensinamento profundo do homem que não duvida da eternidade de sua alma e de que nada em sua vida vida foi feito em ordem de outra coisa senão aquela da eternidade. E então já desde sua renúncia contou com nossas orações, ecoando o que ele mesmo disse ao início de seu pontificado em 2005 "Não devo carregar sozinho o que na realidade nunca poderia carregar sozinho. Os numerosos santos de Deus protegem-me, amparam-me e guiam-me. E a vossa oração, queridos amigos, a vossa indulgência, o vosso amor, a vossa fé e a vossa esperança acompanham-me." Ele nunca esteve sozinho, pois toda a Igreja, peregrina, padecente e triunfante, estavam com Ele até o derradeiro momento. E, uma vez escolhido para guiar a Barba de Pedro, o Papa Francisco nos deu a certeza de que "Bento XVI sustentará a Igreja com suas orações até o fim."

Salve, Santo Padre, e desça, qual mel do rochedo, a tua bênção paternal! Que Deus tenha a misericórdia de levantar outros grandes homens assim para sua Igreja e que eu seja digno de chamá-lo de Pai e de, um dia, lhe dar um abraço apertado no céu, para o qual há muito estava preparado, bem mais do que nós, e nos dando essa lição nos ensinou até seu último suspiro. Na sacristia da eternidade Bento XVI agora cantará as Vésperas da Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus com o coro dos anjos e dos santos. 

Os meios de comunicação já começam a agir como abutres em busca de escândalos na vida desse santo homem. Não esperava menos do que isso. Cristo já havia advertido que sofreríamos perseguições por causa d'Ele, e elas não devem cessar com a morte pois, não estando mais aqui o acusado para se defender, fica mais fácil. Mas nós o defenderemos pai. São Pedro dizia aos seus cristãos: "Estai sempre prontos a responder, para a vossa defesa, com doçura e respeito, a todo aquele que vos perguntar a razão da vossa esperança" (1 Pd 3, 15). Permaneçamos firmes na Fé. Por Bento, como Cooperadores da Verdade, simplex et humilis operarius in vinea Domini.

 + Joseph Ratzinger, Bento XVI, Bispo de Roma
Cooperatores veritatis
16/04/1927 ~ 31/12/2022

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Duas cenas

Espero conseguir colocar aqui um pouquinho do que senti enquanto assistia aquela bela cena. No terceiro episódio de My School President eu vim um Tinn fanfiqueiro modo hard que começa a fantasiar cada vez que o Gun aparece. As caras e bocas do Gemini são simplesmente maravilhosas enquanto o meu lindo Fourth encanta o parceiro e o público com aquele jeitinho bobo. 

Mas enfim, como o cansaço de um semana de trabalho inteira tem me custado uma boa dose de disposição eu só quero deixar aqui a impressão que tive numa das cenas desse episódio, quando Tinn fecha os olhos e, confiando em Gun que queria retribuir o favor das aulas particulares, eles esquecem tudo ao seu redor e dançam como se estivessem num baile, numa cena fofa, romântica e de uma doçura ímpar. Gemini consegue transmitir a pureza e, ao mesmo tempo, a força desse sentimento que é o primeiro amor. Seu olhar para o outro é quase de devoção, uma admiração profunda que se revela nesse mesmo olhar transbordante encantado com o sorriso que do Fourth, aquele sorriso mágico, mais do que perfeito, uma visão de idílio. 

A série ainda conserva aquela aura fresca do amor colegial, mas faz isso com a mesma beleza de um amor maduro, mostrando então um primeiro amor verdadeiro, um sentimento que nasceu normalmente de uma paixão a primeira vista mas que agora vem evoluindo com a convivência e se formando uma confiança, um apoio, que justamente se mostrou quando Gun, percebendo que o outro estava nervoso com a apresentação de dança, disse ao Tinn para fechar os olhos e se deixar levar, que seria conduzido por ele, e então ele viu esse cenário de amores. A surpresa maior veio no fim do episódio quando descobrimos que Gun já percebeu os sentimentos de Tinn e que está começando a sentir o mesmo, mostrando que, na noite anterior quando dormiram juntos, ele se assustou ao olhar nos olhos do companheiro mas agora sorri ao pensar nesse sentimento. 

X

Aquela pequena figura, nos primeiros bancos no canto esquerdo de frente para o altar, me chamou atenção após a comunhão quando as ministras passaram pelo centro com um acólito levando uma vela num pequeno castiçal de cristal. Era uma pequena senhorinha, um lenço preto de crochê preso no alto da cabeça, a pela morena profundamente vincada pela idade e o olhar, um olhar profundo, de um negro assustador, e tinha nele algo de uma admiração e de uma confiança centenária, escuro como a noite e contendo a experiência de décadas de vida, e ela de pé olhava para o Santíssimo Sacramento que passava em âmbulas de prata e, naquele olhar, simples, eu vi mais santidade do que em toda a minha vida. Olhando aqueles negros e profundos eu vi mais humildade e admiração do que em toda a minha atuação pastoral. 

E então esse é o olhar que eu quero ter, olhar de quem de verdade olha para o que é sumamente importante. Olhar de quem, mesmo com as marcas profundas da dor e da luta, ainda consegue ficar de pé e olhar para o que é verdadeiro em respeito máximo e adoração. Olhar que não guarda maldade e ganância mas que consegue superar as sequências de decepções, as pequenas coisas da vida que vão se sucedendo mas que, diante do Eterno não são mais do que palha e fumaça, que não importam realmente. Diante da eternidade tudo muda de tamanho e eu sei bem que ultimamente minha vida tem sido apenas material, que tudo o que tenho feito é apenas um enfeito bonitinho de intelectualidade e que ainda me falta aquele compromisso profundo com a verdade e que me falta não negociar meus valores morais em nome de nada que não seja eterno, bom e verdadeiro. Eu quero um olhar de quem se mantém de pé diante da Verdade.

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

A morte das catedrais

Que eu sou apaixonado por coisas de beleza atemporal isso é fato. Sou fascinado pelas grandes sinfonias, pelas grandes telas e também pelas grandes igrejas, nas quais se desenrola o magnífico espetáculo da liturgia. É como um hábito portanto visitar e ver imagens das mais belas igrejas ao redor do mundo. No entanto, nos últimos tempos isso vem me deixando cada vez mais deprimido, pois quanto mais eu vejo as grandes igrejas eu me dou conta do quanto se perdeu a fé, apenas ao olhar para o que hoje se chama de igreja.

Os grandes prédios construídos e decorados seguindo minuciosamente as leis de proporção e do simbolismo deram lugar a verdadeiros galpões celebrativos. Caixas de concreto brancas onde se coloca a imagem mais barata que conseguiram achar, uma cruz que não se destaca muito e tudo bem. A beleza deu lugar ao meu simples e desprezível utilitarismo. As aberrações são de número infindável. Nenhuma proporção entre altar, nave e presbitério, esquecimento do sacrário em salas à parte que só deveriam ser usadas em igrejas muito grande que de fato fariam ele sumir no altar, ou o mesmo sacrário no canto e o homem no centro, invenções horrendas como aquele menino Jesus gigante que fizeram ou até mesmo belos elementos que não são corretamente bem aproveitados, como painéis grandes demais. Pegaram séculos da mais alta realização humana e jogaram no lixo, pintam o prédio de branco, colocam uns bancos desconfortáveis de mármore, uma mesa no meio e tá ótimo. Sem referência as pessoas dizem que está lindo, mas não está, elas não têm ideia do que seja uma igreja linda. 

Kant, e outros mais, transformou a religião num conjunto de preceitos morais porque existe como um imperativo categórico, uma forma bonita de dizer "porque sim", e então passou-se a moral (leia-se moral sexual) a ser a única preocupação do homem que a partir daí não mais deu importância aos demais aspectos que a sacralidade da arte poderia indicar. Até mesmo houve um certo resgate da espiritualidade, de um Deus que não habita templos de pedra mas que está no coração do homem, no entanto ao abolir toda a exterioridade nem mesmo no coração se pode achar o Deus porque sumiram com tudo que apontava para Ele. 

Nossas missas hoje parecem com qualquer coisa, shows de música sertaneja ou declamações de poesias bregas ou leituras de textos de autoajuda da mais baixa qualidade que chamam de homilia. As pessoas ainda sentem o ímpeto de buscar a Deus, que ainda se pode achar na Eucaristia, mas infelizmente tão soterrada de invenções e cafonices que até ela se tornou difícil de enxergar. 

Os antigos altares, que se erguiam apontando para o alto e conduziam a todos que entravam na igreja a olhar para o alto agora é apenas uma mesa ao redor da qual se reúnem as pessoas para cantarem músicas de qualidade questionável e saírem de lá "renovadas". Os retábulos foram abandonados, os paramentos simplificados, os vasos sagrados também, e então diante de toda essa pobreza tenta-se compensar completando o rito com coisas que agradam as pessoas, músicas sentimentais ou em ritmos familiares que deixam a igreja com uma cara disforme de carnaval fora de época ou show de sertanejo às 7h da manhã. 

O dinheiro dos fiéis, que poderia ser usado para fazer igrejas simples porém belas, é usado em projetos ousados, revolucionários. Basta visitar três igrejas de uma mesma cidade que tenham sido construídas nos últimos dez anos: não há nelas nada mais do que vestígios de arquitetura católica, em verdade não nelas nenhum elemento que indique uma unidade eclesial, muito pelo contrário, todas elas serviriam perfeitamente como qualquer outro estabelecimentos, desde museus de arte contemporâneas a repartições públicas. São as maiores invencionices possíveis e o povo que lute pra tentar achar algo de Deus em alguma delas. Espaços que poderiam ser aproveitados com belos altares, belos quadros e ícones, com adornos e liturgias com música de verdade e não uma cópia barata da música popular, nossas igrejas já não são mais igrejas. 

Morreram as catedrais que poderiam ser lidas como verdadeiras catequeses sem nunca esgotar seu significado. Ou melhor, as catedrais continuam lá, mas as novas igrejas nada a ver com elas. Não há mais simbolismo, o rito se resumiu a um ritualismo paupérrimo que nada, absolutamente nada, lembra uma liturgia cristã piedosa e capaz de levar os homens ao céu. 

domingo, 25 de dezembro de 2022

Verbo de Deus

Acho que talvez tenha exagerado um pouco no primeiro dia das férias de verão, ontem foram quatro aulas, cinco episódios longos de série, arrumei o meu armário e ainda fui caminhar, precisei fazer uma pesquisa sobre um tratamento de pele que vou começar a fazer. Acabou sendo um pouco de informação demais e hoje, na aula da manhã, eu percebi que não conseguiria me concentrar e então decidi que iria me deitar, ouvir um pouco de música e dormir. Mais tarde eu vou assistir um pouco de séries e então amanhã retomo com mais concentração. 

Busco então um pouco mais de equilíbrio. Sei que não vou compensar o tempo perdido no trânsito e no trabalho que poderia estar estudando algo útil de verdade, mas com calma eu vou correndo atrás do prejuízo. 

Minha reflexão hoje não vai citar o outro, como a solidão que as festas causam na gente nesse fim de ano, mas apenas esse meu compromisso em me concentrar em meus estudos nesses dias do Nascimento do Senhor, sendo ele o mesmo Verbo Fulgor Paterno, por quem fez tudo Deus Pai eterno, são dias bastante propícios a busca pela Verdade. 

Contemplando então essa Verdade, que se apresenta na simplicidade de um menino e, esse menino, flor de um só dia, é Deus Eterno (quem o diria?), é sinal de que ela se encontra não nas coisas grandes, mas nas pequenas e simples, na contemplação amorosa da realidade que se mostra aqui, ao nosso redor. No sorriso de uma mãe que revê o filho que voltou para as férias depois de um ano no seminário, naqueles dois parentes que tinham brigado e agora se sentam tímidos um ao lado do outro em busca da reconciliação e da alegria, como os anjos cantaram aos pastores que se alegravam também nos alegramos com a chegada do Verbo Encarnado, ainda que muitos Dele se esqueçam. Mas Ele está ali, e pouco a pouco nos corações mais duros, imprime algo de sua Verdade, cabendo a nós abrir-nos a Ele, sua simplicidade em suas bochechas rosadas e seus refulgentes cachinhos de ouro.

Por mais que tente o mundo não consegue esquecer desse pequenino. Os filmes de Natal sempre trazem uma mensagem de esperança e amor, de companheirismo, solidariedade, sempre querer resgatar algo do espírito humano que se perdeu e, mesmo que o nome de Cristo nunca seja citado a mensagem é essencialmente a dele. O mundo não consegue fugir da Verdade por mais que tente, no fundo toda alegria, toda luz, toda esperança que se acende nos corações provém dele, e é isso que as trevas não compreendem. No Missa Tridentina o povo se ajoelhava ao anúncio da encarnação de Cristo, mesmo que a contragosto o mundo se curva a mensagem d'Ele quando prega o amor, o perdão e a esperança. O mundo não pode resistir a esse menino.

Que a nossa posição seja então a presença do Menino Deus na vida dessas pessoas, que nosso sorriso seja a manjedoura simples que os outros não enxergam mais no presépio, mas que possamos pouco a pouco apontar para Ele.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Cantando blues...

Eu estava um pouco bêbado depois da confraternização de fim de ano do trabalho. Bebemos champanhe e um vinho caro demais que eu nunca  conheceria em outra oportunidade e, por algum motivo, acabei ficando tonto com apenas algumas taças. Talvez o costume com vodka barata e energético tenha me deixado fraco pra algo um pouco mais refinado, de todo modo se puder ficar bêbado eu acho que tá tudo bem. 

Tinha um menino lindo no terminal de ônibus. Me lembro de pegar o mesmo que ele aos sábados mas nunca tínhamos cruzado na volta durante a semana, e agora sei que ele chega bem tarde em casa. Ele é realmente lindo, branco, magro, com um bumbum redondinho numa calça sempre apertada, os lábios grossos e rosados num rosto fino e olheiras fundas se destacando num rosto emoldurado por um cabelo preto brilhante, meio curto. Acho que ele nunca olhou para mim, e há várias semanas eu percebo a presença dele, com aquela indisposição geral de quem trabalha aos sábados.

É sempre assim, os homens bonitos todos namoram ou nem sequer notam a minha presença. Eu sou uma criatura de existência evanescente que passa despercebida por entre o corre corre da cidade grande, tanta gente passando e eu continuo só. 

Pensei nisso com uma força impressionante enquanto esperava pelo ônibus, o mundo girando um pouco por causa do álcool, cansado do dia de trabalho, e vendo alguns casais voltando pra casa, mãos dadas e sorriso no rosto, e o menino bonito do terminal sem nem sequer olhar pra mim. E assim é com ele, ou com o rapaz loiro que também encontro de vez em quando, ou com aquele novinho que mora no fim da rua e que acolita na missa na igreja desse quarteirão. Nenhum deles nota a minha presença. É como se eu nem sequer existisse e, em dias como esse, eu sinto realmente como se não existisse. Sendo apenas mais um. Um número qualquer aleatório e descartável na multidão. Mais um que poderia desaparecer. 

E enquanto isso, como um tesouro escondido enterrado, meu coração se inflama de amores, seja pelos belos rapazes ou por aqueles que já passaram na minha vida. Muito embora eu seja irrelevante a todos os outros eu sei que meu ser nunca deixará de existir, e eu viverei de modo perene, sem que ninguém se dê conta ou valorize meu amor. Pois bem, já que homem nenhum ouve minhas declarações, eu canto inspirado pelas musas os amores que se agitam no meu peito, infelizmente não com uma voz de sílfide perene, mas apenas cantando blues... 

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Luzes por todos os lados

Por mais que o homem atual tenha se afastado do simbolismo que antes fazia parte do imaginário de todos os povos, e cada vez mais tenha se aproximado de um esvaziamento de si mesmo por não ter mais os instrumentos necessários para interpretar a si mesmo e o mundo ao seu redor, ainda assim ele se encontra suscetível a esses símbolos mais fortes, que nos cercam por todos os lados e nos ajudam a entendem melhor aspectos importantes do ser. 

Nesse tempo do Natal chama-nos a atenção para as luzes que enfeitam as cidades e tomam conta das vitrines, praças e casas. Por mais que essas celebrações mudem de significado de tempos em tempos e vão adquirindo ou perdendo alguns elementos a luz é algo celebrado pela humanidade desde sempre. Qualquer povo, tanto mais antigo quanto mais sensível ao seu redor, celebra a luz, nos equinócios e solstícios, seja no dia de maior luminosidade ou no de menos luminosidade, a espera de que ela retorne. E então desse fato nasce o simbolismo primitivo que se dissemina pelo mundo das mais diversas formas. No cristianismo celebra-se Cristo luz dos povos e a Estrela do Oriente que conduziu os magos até a Epifania do Senhor. Também nas navegações é conhecida a máxima importância da luz das estrelas, a Estrela da Manhã no ocidente e Daonuea (Estrela do Norte em tailandês) no oriente. Apolo na Grécia e Baldur nos povos nórdicos. Da Terra do Sol Nascente aos festivais da Luz na Alemanha, na França e na Índia, por todos os cantos busca-se a luz e nela todas as gentes buscam esperança.

E então ela se revela, e ela é quem revela todas as demais coisas. Sendo portanto a luz a chave do nosso conhecimento, por ela que nos guiamos para qualquer que seja o nosso destino. Como navegantes seguindo os mapas estelares de muitos séculos seguimos em nossa barca, na praia as pegadas da nossa partida e o olhar fixo nesse ponto alto que nos toma pela mão. E assim esse tempo, onde vemos luzes por todos os cantos, somos levados a dar novo significado as luzes do nosso dia e aos objetivos aos quais elas podem nos guiar. Assim, buscando então manter o rumo, que esse tempo seja propício a voltarmos nossa atenção para tão belas luzes, que nos guiam e nos permitem ver. E que essa luz seja como disse o grande místico espanhol, uma luz que nos guie com mais clareza que a do meio-dia. 

domingo, 18 de dezembro de 2022

5 anos sem Jonghyun

Hoje, 18 de Dezembro, fazem 5 anos do falecimento de Kim Jonghyun, do SHINee, um dos homens mais doces e incríveis da indústria coreana. Um artista em todos os sentidos, que se preocupava em falar coisas que tranquilizassem as pessoas após longos dias de trabalho com frases motivacionais no seu programa de rádio, tentando levar um pouco de carinho e gentileza aos outros. 

Com a sua arte tocou muitos corações, o visual colorido em contraste com uma sensibilidade maior, seus vocais poderosos, suas letras melancólicas implorando por uma esperança que o tirassem daquele torpor pessimista são hoje um grito daqueles que buscam se libertar de sua própria depressão. Ele foi grande, foi doce, foi sincero e foi incrivelmente inspirador, e continua nos inspirado. 

Nosso único lamento é que não tenhamos conseguido impedi-lo de fazer o que fez. Um fim trágico e poético para um homem que viveu o trágico e o poético com um sorriso no rosto e uma voz retumbante quanto do próprio Apolo. Descanse em paz, e nos perdoe por não enxergamos sua dor!

"Espero que nossas memórias se evidenciem como reminiscências e te abracem como nenhuma outra." Kim Jonghyun
(1990-2017)

Até o centro

Por alguns bons minutos, durante um percurso de um terminal até o centro, nós ficamos próximos, e eu senti como se o mundo parasse de repente. Não me importava mais com nada ao meu redor além dele. Nem as pessoas se amontoado cedo pela manhã e nem os solavancos do trânsito cheio nessa sexta onde todo mundo foi trabalhar de mau humor por causa do jogo da copa mais tarde. Eu fiquei ali, parado, extremamente consciente da presença dele encostado em mim, seu braço tocando as costas da minha mão e um de meus dedos lentamente roçando sua pele branca e fresca por causa do movimento do veículo. E eu fiquei encarando sua nuca e, quando ele se virava, os seus olhos caramelos. Meu braço estava erguido e ele levou a cabeça para trás e se encaixou perfeitamente no ângulo que se formava, mais um pouco e ele se deitaria no meu ombro. Por aquele instante, em que podia sentir o cheiro doce do seu cabelo ainda úmido, eu sorri, e senti como se uma onda elétrica passasse por todo meu corpo, e eu só queria poder fechar os olhos e ficar na presença dele pra sempre. Sua imagem era um símbolo de simplicidade e pureza, seu olhar iluminado porém confuso, sua tez como a de um daqueles deuses menores, que não se ocupam de cuidar dos homens mas apenas em soprar uma brisa fresca, Zéfiro, pelos campos e agrestes escarpados do meu coração, entrando por entre os cedros do meu jardim fechado, ele nem mesmo sabe que está diante de uma paisagem tão íntima que ninguém mais além dele pode ver. 

Não importa como, se isso significasse que eu posso ficar ao seu lado eu iria querer...

Visualizo então a gente vivendo juntos num apartamento pequeno e branco, os olhares melancólicos de duas pessoas que não podem viver mais separadas. Silenciosamente conectadas de modo eterno por um fio vermelho ligado aos seus corações. Um fio que pode se esticar e se enrolar mas que nunca se partirá. 

X

Estou tentando superar outra dificuldade. Desde que cheguei aqui sei bem que preciso parar de tomar tanto remédio para dormir, mas tem sido muito difícil. Depois de apenas uma semana eu já sinto meu corpo pedir por aquela alta dose de um sono profundo, eu já sinto cada fibra pedir pra sentir aquele relaxamento artificial poderoso, que me faz fechar os olhos e acordar somente horas depois, com o dia avançado e aquela sensação de entorpecimento dos sentidos. 

Eu tenho vários episódios de série pra ver, aulas que me interessam e livros que preciso terminar, mas nesses dias livres tudo que eu quero é apagar por um bom tempo e não pensar em nada, não pensar na minha figura no espelho e nem nos anjos que me inspiram e me causam inveja ao mesmo tempo, nem nas obrigações, nem nos problemas financeiros... Apenas apagar, ser envolto pela grande escuridão e esquecer um tempo da existência. 

Sei que bem que é verdade que meus dias não são mais ruins a ponto de eu realmente precisar de me apagar assim, mas o fato é que me tornei viciado nesses remédios e eles me dão apenas um prazer químico breve e destruidor, pois os efeitos no meu organismo devem ser horríveis, mas ainda assim só o que eu consigo pensar é na dificuldade que vai ser daqui um tempo quando a maldita fiscalização começar a complicar a minha vida. 

Pronto, tomei os remédios, e vou apagar em breve, o o entorpecimento dos sentidos pelos benzodiazepínicos, e é uma boa sensação. Pouco a pouco vou sentindo a visão nublada, o doce encantamento de Morpheu, 

Dormirei, e retornarei brevemente... Queria ter sido forte para estudar mais esses dias, mas não consegui, de fato me entreguei aos braços de Hypnos, potência ctônica imensamente maior do que eu e que, espero, possa me conceder um breve vislumbre do mundo dos sonhos, onde a realidade é mais bela do que aqui, onde apartamentos divididos por duas pessoas que se amam e não imaginam como pode ser a vida sem o outro são a realidade. 

X

Eu finalmente tenho conseguido fazer algumas coisas sozinho. Me lembro da tranquila felicidade que foi ir ao cinema sem companhia pela primeira vez, assim como ir a um musical na semana passada e também à algumas apresentações antes disso. Hoje tem um concerto especial de Natal aqui perto do trabalho, e quero ir pois quero que essas coisas façam parte do meu cotidiano, um contato que antes não tinha e que pode me possibilitar, no mínimo, uma maior abertura de consciência para coisas belas. E se não forem belas, que sirvam de contraste para as que são. 

Mas. depois de três meses aqui, começo a me sentir um pouco sozinho aqui, pois não tenho com quem ir a esses lugares. Sei que a solução é justamente me acostumar com minha companhia e, acima de tudo, me agradar dessa companhia. E conseguir viver e acompanhar essa beleza sozinho. No fim das contas como a vida cultural e artística fazem parte do cultivo da intelectualidade, eu preciso me conformar com a vida solitária, adquirindo uma resistência para com esse estado. 

De todo modo, hoje vou fechar os olhos e ouvir a música, deixar que ela faça parte do meu universo interior e passe a compor o meu imaginário, enriquecendo o meu ser, ainda que seja um pouquinho, e ainda que eu tenha vontade de dividir isso com alguém que amo.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Resenha - Happy Ending Romance

Uma história que passou quase completamente despercebida no fandom BL que, com tantos lançamentos atualmente, acaba deixando de prestar atenção em alguma sobras mais tímidas mas que podem ser belas experiências. Bom, eu gosto de aproveitar de tudo e essa foi uma história que particularmente me emocionou muito.

Cha Jung Woo (Karam) era um escritor com um futuro muito promissor que acabou se envolvendo num escândalo ao denunciar grandes nomes do mercado editorial, sendo então perseguido e levado ao ostracismo quando, decidido a acabar com sua vida recebeu a ajuda de seu amigo Kim Jung Hyun (Leo, do grupo VIXX) que o leva para sua casa e o acolhe, protegendo-o desde então. Jung Woo então passa a viver a sombra do amigo, escritor famoso autor de vários best-sellers e que trabalha apenas meio período fazendo entregas para editoras e livrarias. 

Ele se encontra num estado de depressão quando conhece Han Tae Young (Ha Jong Woo) dono de uma pequena editora e grande admirador e que passa a tentar convencê-lo de voltar a publicar, ainda que isso signifique provocar de novo a fúria de grandes nomes da indústria. 

A história se desenrola então por esse núcleo onde Tae Young tenta tirar o seu ídolo do esquecimento e um Jung Woo que pouco a pouco redescobre a possibilidade de voltar a fazer o que ama, sendo despertado do seu torpor. 

A série tem um melancólico dos grandes dramas coreanos, e uma aura intimista mostrada por meio de quadros fechados e personagens silenciosos, que contrastam com o sorriso vivo e sincero de Tae Young que consegue resgatar Jung Woo da depressão. Jung Hyun, por outro lado, também ama o amigo, tendo um relacionamento meio romântico meio platônico com ele, e o protege de modo exagerado, sem permitir que ele se exponha. Muito embora a forma como ela faça isso seja na verdade dolorosa para ambos é inegável o amor que ele tem por Jung Woo e o sofrimento pelo qual ele passa tentando de tudo para proteger e não ver o amigo naquela situação dolorosa de anos atrás. 

Esses três personagens tão diferentes, o melancólico que não tem mais esperança, o sorridente e otimista e o sério e apaixonado, se combinam de um modo interessante, resultando numa obra densa que vai pouco a pouco se iluminando, mostrando como o amor sincero, a admiração, pode ser capaz de tirar alguém da escuridão.

O modo como a depressão do protagonista foi mostrada e como ele foi superando-a foi de uma beleza e simplicidade notáveis. A delicadeza com que os coreanos conseguem trabalhar esse lado sentimental das pessoas é sensacional e é exatamente o tipo de coisa que carece aqui no ocidente, uma certa sensibilidade substituída pela sensualidade justamente porque perdemos a capacidade de apreender as sutilezas. A cena de sexo, ou melhor, a cena de amor, foi de uma beleza extrema justamente porque era muito mais do que sexo, era a libertação e uma entrega dos dois, um deles que encontrou aquele que há tanto tempo admirava e outro que conseguiu encontrar conforto e alegria nos braços e no sorriso. Belíssimo. 

Enfim, ignorado por muitos mas com uma bela história, Happy Ending Romance traz uma leitura delicada da superação da depressão pelo amor e da importância do voltar a sonhar, com uma bela trilha sonora e uma fotografia intimista e cativante, personagens densos e uma mensagem profunda certamente é uma obra que vale a pena ser vista mas que só vai ser apreciada por aqueles com uma maior sensibilidade. 

Nota: 09/10

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Resenha - War of Y

Contém Spoilers!

Que a indústria do entretenimento não é nada fácil e glamorosa como vemos nas premiações e nos posts do Instagram já é algo que alguém com um pouco de bom senso poderia imaginar, mas a proposta de War of Y é justamente mostrar que esse ambiente pode ser ainda pior do que pensávamos. 

Somos convidados a acompanhar a história de vários rapazes que tentam ganhar a vida no meio BL, sejam iniciantes ou veteranos, e que precisam lidar com diversas dificuldades para se destacar nesse meio onde a imagem importa mais do que tudo. A série é dividida em quatro arcos interligados, os personagens todos se conhecem de algum modo e acabam influenciando a vida uns dos outros, mostrando também que é uma indústria relativamente pequena, onde a fama de um tem impacto direto sobre muitos outros, na frente e atrás das câmeras. 

Todos os arcos, no entanto, partem da mesma dificuldade: a tensão entre a vida real, a vida pública e as coisas que todos precisam fazer para alcançar o sucesso. E então temos uma longa série de intrigas, traições, vinganças e jogos psicológicos numa verdadeira guerra pelo estrelato. Somos apresentados a personagens humanos que possuem um lado ambicioso, que sufocam o orgulho e a honra em nome de oportunidades e que traem até mesmo seus colegas mais próximos. Também vemos como essa proximidade, aliada a constante pressão faz com que os artistas por vezes se relacionem em segredo, como forma de dar vasão a esses sentimentos aprisionados e porque um relacionamento público seria um problema para seus interesses profissionais, o que com certeza também gera vários problemas. 

Essa série foge então a todos os padrões que conhecemos justamente por mostrar o que seriam os podres dos BLs e como o que vemos nas séries pode ser muito diferente do que acontece nos bastidores, e muitos escândalos estão aí para nos mostrar isso. Muito embora a série apele para a malícia muitas vezes nada se torna inverossímil e qualquer um que já tenha acompanhado esses escândalos sabe que é perfeitamente possível que ali tenha muita verdade. 

A primeira história, New Ship, é sobre Pan e Nott (Seng WichaiBilly Patchanon, de Secret Crush on You). Pan é o tipo determinado, que está disposto a tudo para chegar ao estrelato já que, mesmo na segunda temporada de sua série ele ainda não está no topo da indústria, e deseja ser contratado por uma grande emissora. Ele e seu parceiro Nott costumam ter encontros de sexo casual, o que acaba por tornar as coisas complicadas quando os sentimentos parecem se misturar com os interesses de cada um. A força da atuação de Seng aqui é um destaque com um personagem que se vendeu completamente e se destruiu por uma imagem de perfeição, que ele vê destruída e incapaz de manter por muito tempo.

Gus e Bew (Gung KunpongKorn Kornnarat, de Y-Destiny) são um casal novato que acabou ganhando destaque após os escândalos envolvendo o casal do primeiro arco e, na sua história chamada War of Managers, vemos como os interesses dos empresários no sucesso dos seus artistas pode acabar contaminando a relação profissional e até mesmo criando uma relação fictícia dentro de uma relação já fictícia que é o fanservice. As reviravoltas desse arco são impressionantes e a temática do fanservice e o impacto que ele tem nos atores é recorrente em toda a série. 

O terceiro arco, Y Idol, é sobre Peak e Kla (Milk Natchanon Markpoom Phatsanan), dois novatos que participam de um reality para escolher os protagonistas de um novo BL mostram como essa construção de imagem é feita na indústria. Temas como a feminilidade em contraste com a masculinidade é usada para fortalecer a relação no fanservice e como os atores podem prejudicar uns aos outros para se darem bem é o gancho dessa parte. Vemos um Peak que é forçado a construir sua imagem de acordo com o que os outros querem ver, muitas vezes a base da mentira e da enganação, enquanto seus sentimentos são cada vez mais soterrados. 

Por fim, em Wife, temos Achi e Most (First PiyangkulTakizawa Toru, de Y-Destiny) num relacionamento confuso onde a parceria acabou se tornando um romance, com a problemática de que um dos dois namora uma garota, que também faz parte da série que eles estão gravando. Mais uma vez a malícia ganha palco para mostrar que a ganância pode fazer as pessoas machucarem as pessoas que elas mais amam pelo sucesso. Esse casal tem uma química sexual incrível, é absurdamente impressionante ver como eles ficam bem juntos. 

Girando em torno dessa construção de imagem perfeita que gera um peso enorme nos atores, em como a falsidade na frente das câmeras nas lives e eventos acaba se misturando com a vida privada e deformando a personalidade é assustadora. Os personagens se submetem a prostituição, fogem da família e fingem amizade quando não se suportam. A proposta é uma boa dose de desmistificação da perfeição que costumamos ver e ter ares de realidade pelas inúmeras participações especiais, onde atores famosos aparecem interpretando eles mesmos, misturando então realidade e ficção (dentre os que aparecem estão Alonew, NetJames, SantaEarth, MaxNat e Nunew). 

A direção é boa e realmente somos transportados para um mundo onde tudo acontece muito rápido graças as redes sociais e os comentários aparecem o tempo todo na tela, tendo impacto direto na vida dos personagens e nas suas escolhas, bem como mostram a falta de privacidade e o medo constante a exposição que isso gera. Os artistas são cobrados pela perfeição o tempo todo e, quanto mais tentam, mais acabam se destruindo por isso, a tensão psicológica é constante e em todos os arcos tivemos momentos de grande força dramática. 

Abordando então temas como traição, ambição, prostituição, mentira e relacionamentos secretos a série busca limpar um pouco a imagem romantizada que temos desse mundo onde todos aparecem lindos o tempo e, depois de episódios de muita intensidade emocional, tentativa de suicídio e de cancelamento, a obra termina com "e se eu te dissesse que todas as histórias de War of Y são verdadeiras, você acreditaria?"

Nota: 09/10

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Resenha - Ai Long Nhai

Contém SPOILERS!

Em tempos de ansiedade coletiva com tudo o que estamos vivendo no Brasil é bom ter algo leve para deixar o nosso início de semana um pouquinho mais leve, e foi exatamente isso que Ai Long Nhai nos trouxe, a tranquilidade de um romance doce, como uma única flor desabrochando despreocupadamente entre a tempestade. Com isso Ai e Nhai se tornaram o momento de conforto de muitos blzeiros durante o tempo que ficou em exibição.

A série conta a história de Aiyaret, ou simplesmente Ai (Meen Nichakoon, de Love By Chance 2: A Chance to Love) que volta para a Tailândia a mando do pai e, no primeiro dia na nova universidade, acaba se apaixonando por um jovem lindo que ele vê no estacionamento, e então ele corre atrás desse garoto para descobrir seu nome e devolver um chaveirinho que ele deixara cair, em vão porque o garoto vai embora antes de dizer qual seu nome, mas l; Ai logo descobre que eles estão na mesma classe, e então ele começa a se enturmar e se aproximar do outro, o impetuoso Chen Nhai (Ping Krittanun) e os dois se tornam bons amigos rapidamente.

Nhai não leva muito jeito com as garotas e é apaixonado por uma das alunas mais populares do campus mas, ao ser dispensado, ele se vê sendo consolado pelo novo amigo e, bêbado, os dois acabam indo pra cama. A princípio Nhai fica irritado e confuso mas, em pouco tempo, ele decide aceitar os sentimentos de Ai que já disse o que sentia, e então eles decidem namorar por um tempo, para descobrirem se esses sentimentos são mesmo reais. 

E aí começa uma jornada de convívio a dois que, em poucos dias, passam a agir com um casal de longa data, mesmo com a diferença de personalidades. Nhai é a personificação do caos, é sempre inesperado, está sempre com fome e mau humorado por causa disso, come coisas estranhas e é muito desorganizado e distraído, além de preguiçoso. Parece que ele nunca iria dar certo com um cara sério, organizado, romântico e meticuloso como Ai, mas é justamente o contrário, tudo o que faz de Nhai uma pessoa difícil de lidar é o que conquista o outro pela doçura e pela pessoa única que ele é. Embora o coitado também fique meio sem paciência às vezes as coisas logo voltam pros eixos e ele aos poucos começa a aprender a controlar o jovem que logo esquece a ideia do namoro por um mês e já passa a agir como se fosse pra sempre mesmo. 

Os conflitos da série são todos breves e nenhum deles é lá muito sério, como quando Nhai fica bravo porque Ai terminou com ele pra ficar com uma garota NUM SONHO que ele teve, as coisas são sempre mais ou menos nesse nível, o que traz uma leveza pra série que em nenhum momento chega a ser boba, mas apenas isso, agradavelmente tranquila. Os únicos momentos um pouco mais sérios foi no segundo episódio, a confusão mental de Chen Nhai depois de ir pra cama com o amigo e, episódios depois, quando a mãe de Ai aparece para perturbar o casal, mas logo Nhai coloca ela no seu devido lugar. É o tipo de coisa que se assiste pra ficar com o coração quentinho. Como disse, nenhuma briga ou confusão demora mais do que dois episódios para se resolver e acaba sendo na base da conversa, mostrando a importância de um diálogo sincero e da aceitação das dificuldades e limitações do outro. Ai sabe que Chen Nhai é difícil de lidar, e por isso mesmo seu amor faz dele o homem mais paciente possível. 

A comédia é boa, não chega a ser pastelão e fica apenas naquela aura descontraída o tempo todo, o que não impede que tenhamos momentos fofos e românticos, que começam já no segundo episódio e não param em nenhum momento. Ai faz de tudo para agradar Nhai o tempo todo e o outro também começa a demonstrar seus sentimentos cada vez mais. A química entre Meen e Ping é uma coisa fofa de se ver, até porque Meen é simplesmente maravilhoso e Ping conquista pela fofura extrema. Além disso o resto do elenco também é todo formado por belos rapazes, amigos dos protagonistas, que são responsáveis por muitos dos momentos bobos da séries mas que também ficaram ao lado dos dois o tempo todo. Impossível não notar a beleza de Nine (Jom Thanathorn, de Nitiman), Intha (Nice Pitayut) e de Ton (Gun Tieosuwan, de Love Area) e Chonlatee (Save Saisawat), esses dois últimos, aliás, representam os mesmos personagens protagonistas de TonhonChonlatee, a série da GMM TV que foi protagonizada por Khaotung e Podd. Já Gun e Save atualmente estão também em outro trabalho juntos, num relacionamento complicado, um triângulo amoroso, em Why You... Y Me? mostrando muita química como melhores amigos e... talvez algo mais. 

Não posso deixar de mencionar também que os pais de Ai, Sib e Jaonam (Porsch Apiwat e Arm Sappanyoo, que os dois citam ser muito parecido com Nhai, mostrando que pai e filho tem o mesmo gosto) são um casal na vida real também, mostrando um pouco mais de representatividade para a série que, além disso, em todo momento fala do relacionamento como algo para sempre, sério e com responsabilidades. 

Enfim, Ai Long Nhai trouxe uma boa dose de comédia romântica leve e despretensiosa, fofa em todos os episódios e que nos faz suspirar pelo romance simples e genuíno desse casal improvável que tá perdidamente apaixonado. Um mimo para nossas noites de segunda que se tornou a série conforto de muitos de nós. O brasileiro merece.

Nota: 09/10

Sobre o ano do recomeço


Estou tentando encontrar uma maneira de traduzir em palavras os sentimentos que estão inflamados no meu peito. Esta é aquela época do ano em que sempre começamos a pensar no que foi feito e no que queremos fazer. Eu particularmente acho piegas a ideia da retrospectiva sentimentalista mas algo próximo do espírito do exercício filosófico existencial do necrológio pode ser mais apropriado: trata-se de pensar no futuro como se ele já tivesse acontecido e, desse modo, como quem olha ao passado, traçar os planos profundos do ser como quem já os alcançou. Feito desse modo têm-se uma visão mais clara de quem queremos ser. 

Pois bem, ainda queima dentro de mim a chama do labor intelectual que tensiona buscar a Verdade na realidade que me circunda. Busco agora num lugar bem diferente de onde estava meses atrás, e os caminhos que faço diariamente são muito diferentes daqueles que fiz nos últimos anos. Mas apenas falar dessa transformação seria dar a ela um peso maior do que o devido, mas o certo é que a mudança de ares me permitiu criar uma maior defesa contra a banalidade do ambiente, corrompido e gasto que estava em Brasília, naquela terra vermelha, torrão nada amado. 

Como os numerosos filhos da Noite do meu adormecer e acordar também brota diariamente essa sede pelo conhecer, que nem tanto se expressa no ensinar mas que nela acaba por transbordar. Não tendo então quem me ouça o tempo todo, até porque não seria de tão grande proveito assim, eu simplesmente torno a ensinar a mim mesmo, ou melhor dizendo, me coloco aos pés do Mestre para que ele me ensine continuamente, seja pela voz dos meus professores ou pelas letras atemporais de escritores de todas as épocas que venho tendo contato.

Senti que meus olhos se abriram, não para experiências transcendentais ou em estados alterados de consciência como dizem os filhos da Nova Era, mas apenas agora conseguem ver que existe vida para fora daquelas paredes brancas e cheias de infiltração daqueles quartos onde vivi os últimos anos mergulhado em melancolia profunda, sem nunca ver a luz do dia e apenas ouvindo risos distantes, como quem se encontra afastado de uma grande festa. 

Depois de anos me senti vivo novamente. Não como os outros, aqueles lindos deuses que vejo nas séries, e que transpiram vitalidade, mas me sinto simplesmente existente, não é como se estivesse mais desaparecendo pouco a pouco, embora não seja uma existência divina como a deles, que serve de inspiração poética para as realizações existenciais, é uma existência humana, com seus limites e que deve ser encarada como quem caminha prestando atenção ao chão em que pisa mas também ao céu que se abre infinitamente por sobre a minha cabeça. 

Tenho conseguido apreciar mais da beleza também, além de um refúgio contra a banalidade do ambiente que agora se apresenta de outro modo, ela também se mostra como uma fonte inesgotável de inspiração para as aspirações, venho conseguindo ter mais ideias, muitas vezes pensar mais distante, ter novas leituras.

Minha expectativa passa por poucas coisas palpáveis, no entanto, claro que penso em modos de fazer as coisas que escrevo serem lidas por mais pessoas, ao mesmo tempo que isso aqui continua sendo um modo muito pessoal de me expressar, mas o meu único objetivo concreto é continuar aprendendo, continuar buscando conhecer, mais e mais, e tentar colocar de modo mais claro as questões que me são importantes, a saber, como o conhecimento, a beleza, a virtude enfim, as coisas que me podem abrir o futuro, qualquer que seja ele, estando eu agora aberto, outra diferença essencial entre o eu que hoje escreve e aquele que antes se fechava a toda perspectiva de futuro.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Vinho Barato

Sentado no escuro, enquanto o céu não se decide se vai chover pra amenizar um pouco do calor úmido dessa cidade ou se vai continuar assim, incômodo, pelos próximos meses. Tem uma taça gorda de vinho barato do meu lado, e o som está repetindo as mesmas músicas que ouvi o ano todo, continuo sendo uma criatura de hábitos. 

Sempre engraçado, quando não irritante, perceber o esmaecimento de uma inspiração. Aquela figura doce, que faz a mente cantar e fluir poeticamente de repente se vai. Mas algo fica, sempre fica. Pelo menos comigo é assim. Ao fechar os olhos então eu consigo ter um rápido vislumbre, como quem passa por um mural na estação de trem e aquele breve instante fica, como um borrão mais ou menos disforme, daqueles olhinhos de jabuticaba que se fecham junto daquele sorriso lindo. E então essa imagem, esse sorriso, se grava na minha mente e no meu coração, e ali fica como um carimbo, como uma pegada na areia que pouco a pouco o vento faz desaparecer mas que continua ali, mesmo já um pouco apagada, trazendo de volta a presença daquele que ali pisou e que deixou sua marca. 

Aquele garoto é um perigo, é capaz de qualquer um fazer as vontades dele se ele pedir sorrindo daquele jeito. E tudo que eu queria era poder sentir seu corpo entre meus braços e o cheiro doce do seu suor enquanto geme baixinho o meu nome. Mas eu devia estar pensando nisso com um cara que nem sabe que eu existo?

Penso então em outro rapaz e, embora ele saiba que eu existo, também não pensa em mim, antes disso, acho que eu sou um incômodo pra ele, quando tento conversar e demonstrar algum carinho sem ser afetado. Eu sempre me apaixono por eles, quanto mais eles aparentam não ter nenhum interesse em mim. E tem o jovem da minha rua, que também não pensa em mim porque nem sabe meu nome... E eu sempre me apaixono por eles.

O velho Buck dizia que o amor é um cão dos diabos, e eu concordo com ele, não porque ele é simplesmente ruim e nos destrói, mas porque ele nos encanta e nos faz tender a ele como ao canto da sereia que atrai para o fundo dos mares os navegantes saudosos de suas amadas. Mas, ao nos atrair, ele nos sufoca lentamente, e nos impede de voltar ate a superfície, que brilha distante e opaca enquanto somos arrastados cada vez mais ao fundo. Tento me afogar no vinho com um longo gole. Realmente é de péssima qualidade, mas tudo bem, eu só quero ficar bêbado mesmo.

Imagino como seria ficar sentado ao lado dele vendo a luz de uma bela noite. Pelo menos esse tempo quente faz com que seja agradável ficar ao ar livre sentindo a brisa fresca no rosto. E então imagino como me sentiria ao ver os seus braços nus tão próximos dos meus, e já penso que nem precisaria sair dali para me jogar em cima dele e devorá-lo inteiro. Tomo mais um gole, dessa vez  um pouco mais devagar. 

Apaixonar-se é sempre um cão dos diabos. Nos deixamos seduzir por um belo olhar ou por corpos esculturais, me lembro agora de como é fácil me atrair com braços fortes e um sorriso provocativo, eu sou um idiota por isso, e então nos deixamos facilmente seduzir e levar para o fundo do quarto, onde abatem-se os desejos como aos animais e depois um dos dois se levanta, procura as calças jogadas pelo chão e veste-se, a camisa por sobre o peito suado e o rosto ainda avermelhado enquanto o outro lentamente mergulha no sono. 

Ultimamente não tenho tido acesso a esses prazeres, reconheço, então o que tenho mais próximo disso é uma generosa taça de vinho antes de dormir, mas percebo que até o vinho tem descido mais como um whisky ou cachaça, quente e violento. Acho que é efeito do logo tempo em que o ceticismo e o pessimismo vem sendo cultivados dentro de mim, ou seja, tanto tempo de descrença da vida e das alegrias me tornaram amargo a ponto de amargar até a doçura das uvas. Poético e triste. Mais um gole, eu devia ir dormir. 

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Concepção realista

Talvez essa seja apenas mais uma tentativa patética de mimetizar o estilo do autor que estou lendo. Estava um tanto quanto pedante, ou talvez não, nos últimos dias por estar lendo Machado de Assis e José de Alencar e agora que comecei uma obra de Bukowski fui tomado por aquela concepção realista crua e cética da vida. 

Cheguei em casa ontem bem cansado, suado do ônibus fechado e úmido da chuva que peguei até o ponto. Continuo usando tênis que molham demais e fico com os pés molhados o dia todo, larguei as meias cinzas no chão do quarto. A  casa estava um caos porque minha irmã decidiu trocar o guarda-roupas do quarto e pra isso precisou espalhar tudo o que estava no anterior e a cama pela casa inteira. E eu só queria chegar, tomar um banho rápido e estudar um pouco antes de cair de cansaço mas nem isso foi possível. Com as chuvas dos últimos dias aqui na região várias estradas e pontes foram interditadas, muitos acidentes aconteceram, e o abastecimento de água foi prejudicado e eu precisei então esperar as coisas se acalmarem, eles terminarem de montar o bendito guarda-roupas e tomei um banho rápido jogando água no corpo com uma vasilha. 

O cansaço mental foi um pouco maior do que o que eu tinha planejado e, bem, eu só consegui vestir a primeira coisa que achei, uma bermuda grande demais que acabei pegando do meu primo e a parte de cima de uma pijama pequeno demais pra mim. Não lavei o cabelo e hoje cedo eu só coloquei ele num coque samurai rápido e preguiçoso, mas todos devem pensar que faz parte do meu estilo, já que pra disfarçar a camisa surrada do meu uniforme eu coloquei também um kimono que me deixa com a aparência de quem sabe o que está fazendo.

Mas eu não sei, apenas estou seguindo o fluxo. As notícias de alagamento não me surpreenderam nem quando foi dado o alerta pro meu bairro que, por ser uma ilha, poderia ficar complicado com a cheia. Talvez assuste as pessoas dizer que, na verdade, eu já não me incomodo em me preocupar porque já estou morto por dentro e não tenho mais nem razão e nem forças para reagir. Talvez seja porque me encontro num episódio depressivo mas também não queria colocar tudo na conta do meu transtorno de personalidade. 

De todo modo eu me encontrei assim, sentado e desesperançado de frente a televisão, acompanhando mais uma dentre tantas histórias, com uma bermuda grande demais, a pele grudenta e o tempo úmido e quente demais pro meu gosto porque deixa aquela sensação de desconforto permanente e faz com que o cansaço se acumule e transborde em mau humor e uma vontade imensa de tomar aquela quantidade absurda de remédios pra dormir e apagar por uma dúzia de horas. 

Tinha planejado beber também, e aliviar um pouco dessa fadiga, se bem que não há alívio nenhum apenas um brevíssimo momento de suspensão, tão ínfimo que chega a ser quase imperceptível, mas acabei atacando uma porção de bolo com creme de açúcar demais até pra mim e então preferi simplesmente dormir quando a série acabou e me deitei depois de colocar pra tocar o Ein Deutsches Requiem do Brahms, adormecendo antes de chegar no segundo compasso. 

Lembrei então, brevemente, daquele perfume da pele misturado com o suor, aquele perfume de transpiração que vem das cenas de amor, que tornam o quarto de amantes como uma câmara velada onde os sentidos estão cada vez mais atentos. E talvez essa seja uma das poucas coisas boas desses dias. O cheiro do meu corpo me lembrou quando estava entre as pernas de algum cara por aí, e me fez pensar em como deve ser o cheiro entre as pernas daquele garoto. É um pensamento pervertido? Não tenho tempo para me preocupar com essas perguntas. 

Pensando bem o Bukowski é bem mais cru e brutalmente realista do que eu, e percebi nessas minhas breves linhas que ainda conservo muito de um certo pessimismo romântico por trás de cada coisa que    digo. Como nesse momento em que eu penso onde ele possa estar, já há dias semanas sem vê-lo e ainda sonhando com aquele olhar castanho-claro que me hipnotizou desde o princípio. Bukowski nao diria nada como o perfume de uma câmara de amantes, ele falaria sobre o cheiro forte de suor entre duas pessoas fodendo numa tarde quente, com o suor escorrendo e a cara vermelha por todo o esforço feito entre os dois. 

Pensar nisso, no entanto, antes de dormir, não me ajuda em muita coisa senão em lembrar o quanto eu estou sozinho. E, muito embora seja melhor para dormir numa noite quente como essa, eu acho que ia preferia ter alguém do meu lado. Viro procurando a parte mais fresca do lençol e fecho os olhos para dormir. Amanhã vou trabalhar de novo, e voltar pra casa cansado num ônibus cheio e com muitas pessoas suadas, não é o cheiro que eu gosto, embora seja parecido mas em situação diversa. Gosto do cheiro forte dos homens com os braços ao meu redor e a respiração ofegante, gosto das marcas roxas no meu corpo e gosto do suor na testa e as bochechas vermelhas... Viro de novo para o outro lado da cama e ele não está tão fresco quanto esperava. Será uma longa noite.

"E esto qui a dissiparmi la mia vita, a stillarmi il cervei sui libri sacri" (Puccini, Turandot, II Act)

domingo, 4 de dezembro de 2022

Lugar no Mundo

Eu nunca tive um lugar no mundo, mesmo quando me sentia à vontade com alguém eu ainda tinha essa impressão, de que algo estava faltando, de que aquilo logo ia acabar (como tudo até hoje acabou) e que eu não me encaixava ali. Sei bem que talvez essa impressão seja comum a todos os homens e que na realidade ela exprime o desejo do homem em conhecer a Verdade sendo então uma forma do seu espírito estar sempre em busca dessa Verdade e não permitir que se fique acomodado com os confortos e alegrias passageiras dessa breve existência, mas ainda assim gostaria de falar como se deu comigo.

Acontece que eu sempre tenho essa sensação de nunca estar na mesma página que as outras pessoas. Por exemplo, quando comecei aqui no trabalho recebi um convite para participar de um lual organizado por um grupo do movimento LGBTQIA+ da cidade, e só não fui porque o horário não me era favorável. Agora esses dias eu estou em busca de um grupo mais alinhado aos meus valores e anseios intelectuais, tendo achado então um círculo assim por aqui, mas com o qual eu ainda não tive contato. E então eu parei para pensar em como poderiam se dar essas duas experiências. 

Se, por um lado, eu provavelmente fosse bem acolhido no primeiro grupo porque, primeiramente faço parte da comunidade de algum modo, embora não seja politicamente ativo por motivos que direi logo mais, eu até poderia me sentir bem no meio de outras pessoas com vivências um pouco semelhantes as minhas, talvez até conhecesse outros rapazes que, assim como eu, buscam viver um relacionamento sério, já tão cansado que estou das coisas que nunca vão para frente, que sempre terminam em sexo rápido e sem graça, tantas vezes até desconfortável  e que só resolve parcialmente as emergências do momento, deixando de novo aquele sentimento de vazio quando volto para casa. Aqui em Joinville as coisas têm sido diferentes, não consegui nada nos aplicativos de sexo porque, ao que me parece, a maioria busca ao sigiloso e rápido e claro que minha aparência e personalidade afetadas são o oposto do padrão que eles procuram. Então o contato com outras pessoas assumidas poderia significar um encontro com novas possibilidades.

Mas então chegamos ao segundo ponto: essas pessoas, muito embora tenham vivências e aparências semelhantes, diferem de mim num ponto essencial, que é exatamente o da minha concepção existencial. Essas pessoas fazem da identidade sexual e do ativismo político o centro da sua existência e o ponto alto da sua personalidade, enquanto minha orientação sexual não passa de um mero acaso, que encaro como qualquer outra característica minha, seja ter cabelos pretos ou olhos castanhos ou gostar de música clássica e filmes dramáticos. Nesse ponto, o politico e, principalmente, o intelectual, eu não me encaixaria jamais nesse grupo. Quando descobrissem que as minhas ideias políticas são, ainda que inconclusivas, frontalmente opostas as deles e que as coisas as quais dou máxima importância são motivo de desprezo profundo, eu seria simplesmente regurgitado e hostilizado. 

Não posso portanto abandonar a busca das virtudes, do ser um homem melhor, do amor ao conhecimento e a busca pela verdade em nome da aceitação num grupo cujas virtudes são relativizadas, cujo ser melhor é apenas dar vasão a todos os seus instintos e desejos sexuais e, bom, quanto a verdade, nem preciso dizer que eles não só não acreditam que ela exista quanto também desprezam a todos quanto a buscam, por um ódio luciferino do qual não haveria espaço para falar aqui agora mas ao qual pretendo voltar posteriormente. 

Dito isto então passemos a segunda possibilidade. Depois de procurar por alguns dias eu finalmente encontrei um grupo que parece interessado em formação intelectual aqui. Bom, deve ter mais de um dado o tamanho da cidade mas até agora só achei esse. O fato é que trata-se de um grupo conservador e monarquista, que também tem como baluarte a fé católica e nasceu provavelmente de inspiração do Professor Olavo, ou seja, é exatamente o tipo de grupo que eu estava buscando, e parecem ativos já que a última atividade deles foi há menos de dois dias. 

Mas então eu pensei, se me aproximar desse pessoal eles nem sequer darão tempo de ver que compartilhamos os mesmos objetivos. Eu infelizmente conheço como esse pessoal geralmente pensa e sei que eles vão olhar a minha aparência antes de tudo e daí deduzir tudo errado, haja vista que os homens desses grupos geralmente se vestem de social e passam uma imagem mais ou menos padronizada de como alguém deve se portar. O que eu estou fazendo não é um julgamento temerário deles mas sim, na verdade, a constatação do que já vi. 

E então essa é a situação. Um grupo compartilha comigo algumas experiências mas não aceita meus valores e o outro, embora tenhamos os mesmos valores, não seria capaz de entender a parte mais superficial da minha personalidade. E esse é o resumo de como me sinto e de como sempre me senti, julgado pelo que é superficial e apenas aparente ou incapaz de rebaixar os meus valores morais para me encaixar em um grupo. E por isso o meu caminho continua sendo o de encarar como posso a solidão, e fazendo dela também oportunidade para me tornar mais e mais forte.

X

"O primado das objetivações sociais da vida diária só pode conservar sua plausibilidade subjetiva se for constantemente protegido contra o terror. No nível da significação a ordem institucional representa um escudo contra o terror. Ser anômico, portanto, significa privar-se deste escudo e expor-se, sozinho, aos ataques dos pesadelos. Embora o horror à solidão seja provavelmente dado já na socialidade constitucional do homem, manifesta-se no nível das significações na incapacidade que o homem tem de conservar uma existência dotada de sentido isolado das construções nômicas da sociedade. O universo simbólico defende o indivíduo do supremo terror, outorgando uma legitimação fundamental às estruturas protetoras da ordem institucional."

Peter L. Berger & Thomas Luckmann – A Construção Social da Realidade

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Ler, aprender e opinar

Apenas alguns comentários acerca da leitura e também das opiniões que emitimos em algumas conversas, mais ou menos sérias bem sobre como essas duas coisas estão intimamente ligadas. Acontece que costumeiramente estamos acostumados a falar sobre tudo e a emitir juízos de valor sobre qualquer coisa com a qual temos contato. É normal então que, durante uma conversa, desfiemos longos rosários sobre coisas das quais acabamos de ouvir falar. Multiplicam-se então análises políticas e econômicas, comentários sobre o desempenho de tal ou qual time no futebol ou sobre essa ou aquela fala acertada ou não do líder religioso que, muito provavelmente, foi distorcida pela mídia e acabou sendo esvaziada de todo seu conteúdo apenas para ser repetida ao lado de um número sem fim de jargões. 

A leitura, me referindo a literatura mais especificamente mas também podendo se estender até certo ponto a leitura especializada, nos concede uma ampliação de nosso panorama existencial. É claro que todas as nossas experiências são importantes, é por meio delas que adquirimos aquela sabedoria que usaremos nas vivências futuras, mas ninguém pode experimentar de tudo e, no geral, nossas experiências são muito limitadas por uma questão simples de natureza das coisas: a vida sendo finita é, por definição, limitada. Mas a literatura nos abre esse horizonte indefinidamente. Por meio dela é possível viver as mais diversas vidas, a de um imperador romano, a de um comerciante português, um ladrão russo, um pobre pecador arrependido, uma jovem dama apaixonada, uma viúva amarga... E tudo isso num espaço de tempo relativamente curto. 

Essa riqueza acaba por compor o mapa mental das nossas experiências, ao nos colocar em contato com experiências de elevada virtude ou da mais baixa vilania e, ao colocar tudo isso na nossa imaginação, passamos a ter muitas ferramentas para lidar e interpretar o mundo que nos serve. Passamos a perceber as coisas de modo diverso ao que percebíamos antes e nos tornamos capazes de perceber como os outros percebem, aumentando ainda mais nosso círculo de possibilidades. 

Uma pessoa versada na leitura, primeiramente daquelas ricas em experiências humanas e depois naquelas que contém certo conhecimento especializado, é capaz de perceber as sutilezas que facilmente escapam aqueles que julgam tudo com rapidez felina. 

Mas esse processo leva tempo, isso porque tudo o que lemos vai pouco a pouco se decantando na nossa consciência, tudo isso vai se depositando no fundo e, a princípio, não é mais do que uma colcha de retalhos. Conforme evoluímos então as coisas passam a se encaixar, experiências posteriores vão dando novos significados aquelas coisas que vivemos antes e também nos oferecendo novas ferramentas ao futuro. É por isso que ao iniciar uma vida intelectual as pessoas precisam estar preparadas para receber passivamente esse grande volume de informações, organizando-as interiormente e assim compondo o panorama mental que usamos no cotidiano. 

O que estou dizendo parece óbvio, e de fato o é, mas na prática acontece o contrário, continuamos reféns dessa vontade de querer sempre dizer o que sentimos, e que é apenas fruto de uma reação emocional imediata, sem fundamento e, não raramente, inútil. Agora, quando alguém se debruçou sobre algo já há muito tempo, aí sim sua opinião torna-se valiosa por conter nessa experiência o que é necessário para compreender o objeto de que se fala, e conhecê-lo, não apenas limitando-se a comentar superficialmente. 

Eu não estou dizendo que as pessoas deveriam ficar caladas até saberem alguma coisa, mas deviam falar apenas aquilo de que têm experiência, no sentido que, enriquecendo assim aqueles que a ouvem, essa opinião não será apenas um jogo de palavras emocionadas. É então por meio do enriquecimento que a arte nos traz que nos tornamos partícipes da experiência humana comum e que adquirimos os meios necessários a compreensão e a ação. As experiências que adquirimos lendo somam-se as que vivemos pessoalmente, e nos enriquecem com diferentes pontos de vista, passam ser parte de nós e, do profundo da nossa consciência, passamos a julgar o mundo que nos cerca não com a superficialidade de quem não viu e nem viveu nada, mas com a experiência de séculos acumulada e passada de geração em geração. É esse enriquecimento que nos dá os instrumentos necessários para uma boa conversa ou para absorver os ensinamentos das mais diversas formas que nos apresentam em nossas vidas. 

Assim também fazemos com os estudos especializados. Ninguém chama um estudante do primeiro ano de medicina pra principal palestra de um simpósio internacional, esse estudante apenas senta e escuta. Ao fim do curso ele já pode falar, mas não aos profissionais de muitos anos, mas pode tranquilamente falar a estudantes do ensino médio que pretendem entrar no curso de medicina. E isso não é diminuir a experiência, muito pelo contrário, é valorizar a experiência daqueles outros. Para assuntos mais simples, quem estudou esses assuntos por menos tempo é suficiente. Para questões de grande complexidade os mais experientes é que devem examinar as variáveis da situação. 

Essa experiência, por mais mínima que seja, sempre chega nos transformando, porque o conhecimento é, por essência, transformação daquele que passa a conhecer. É ela que nos permite julgar com mais ou menos precisão as situações que vivemos e tentar encontrar soluções ou, pelo menos, entender a questão. 

Daí temos ainda outras perspectivas. Em se tratando de literatura acho que quanto mais riqueza melhor, ler de todas as partes do mundo, começando pelos clássicos ou, se não for possível, pelos livros que nos ajudem a chegar nos clássicos. O clássico é clássico por isso, por refletir e expressar essas experiências comuns a todos os homens mas que apenas alguns poucos foram capazes de dizer e por isso se eternizou. Provavelmente nunca chegaremos aos pés de um Dante, Goethe ou Shakespeare, mas aprender com eles já ser muito maior do que éramos quando começamos. 

Nos estudos especializados já devemos seguir ordens mais apropriadas, na filosofia por exemplo não se começa pelos filósofos mais novos, isso só gera confusão e um desentendimento terrível. Ninguém começa a estudar filosofia por Kant e Hegel porque, além de não entender nada, vai fazer uma confusão dos diabos. Ninguém sem um bom treino começa com René Guenon ou Madame Blavatsky, as consequências podem ser desastrosas, por isso nesses casos é importante alguém que guie, presente ou não, nessas áreas de interesse. 

Já na literatura o ideal é mergulhar de cabeça e assim absorver o máximo possível, sendo que até mesmo das doutrinas filosóficas e políticas consegue-se aprender algo ali, afinal nada está na política de um povo que não esteja primeiro na sua literatura, frase dita por Hugo von Hofmannsthal e que deveria ser impressa na contracapa de cada livro publicado num país como o Brasil. 

Já me alonguei demais e provavelmente voltarei a isto muito em breve, mas em princípio era essa minha reflexão, mais uma vez inspirada pelas doces questões do meu afilhado, e que, espero, possa servir de algum modo nessa caminhada da vida intelectual, vida essa que se caracteriza, acima de tudo, pelo amor a Verdade e que, justamente por isso, se faz necessário tentar encontrá-la em todos os lugares.

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Hyperuranion

Vendo o carinho e a confiança entre o casal que aos poucos vai se conhecendo numa das séries que venho acompanhando, em Between Us (spin-off da minha série favorita, Until We Meet Again) estamos na criação da parceria entre Team e Win (o novato do clube de natação e o veterano e vice-presidente do time). Team tem um trauma de infância, envolvendo um episódio de afogamento e seu irmão, e por isso ele tem pesadelos recorrentes, o que afeta seu desempenho nos estudos e nos treinos. Mas quando ele está com Win, dormindo ao seu lado e muitas vezes abraçado com ele, os pesadelos desaparecem. É belo ver a delicadeza como isso foi mostrado é de emocionar. 

Ao mesmo tempo eu percebo que, até poucas horas atrás, eu estava num aplicativo de relacionamento, aplicativo de sexo pra dizer a verdade, em busca de algum caso de uma noite. Irônico. E então eu vejo essa cena de carinho, enquanto procuro por algum tipo de afeto, ainda que puramente físico, mesmo sabendo que nem a mais superficial das relações é apenas física mas envolve uma série de outras coisas que, embora estejam lá, apenas não são levadas em consideração. Buscava algum afeto, buscava algum contato, ainda me sentindo sozinho numa cidade nova e desconhecida, e recebendo negativas. E aí vejo esse contraste, eu buscando esse afeto, e eles achando confiança um com o outro. 

Deveria despertar isso em mim alguma esperança, mas ao contrário, eu sinto na verdade um ceticismo muito grande. Embora a arte trate do possível com uma linguagem poética isso é possível lá, naquele mundo, não no meu. Penso então no jovem que mora no início da rua, que vejo alguns dias pela manhã no ponto de ônibus e penso então, com um sorriso pessimista, que isso nunca vai acontecer. 

Já há muitos meses que não sentia essa sensação, esse amargor, essa presença esmagadora, esse... medo ao olhar o céu e ver a completa escuridão e ver que, em meu coração, também há apenas essa mesma escuridão, ainda mais e mais densa. E é impressionante como em poucos minutos o veneno do desespero foi inoculado em minhas veias, como a fragrância profunda de Niobe de Deep. Demorei um bom tempo até entender que se tratava de outra ciclagem, porque desde que parei com a minha medicação eu já não sentia isso, algo próximo das crises de pânico que me atingiram tantas vezes naqueles meses horríveis. Foi algo como um relance daquele pesadelo, flashes daqueles dias sombrios que eu tentei deixar no mais profundo da minha mente até que fosse esquecido. 

Que pode me ajudar nesse momento? Queria um abraço apertado, um sorriso bobo e levemente perfumado de álcool numa noite de amor e confraternização, um sono tranquilo sem precisar de remédios, queria apenas me deitar e sentir que tenho um sentido na vida, adormecer lentamente pensando nesse objetivo a se alcançar... Já não o vejo no início das minhas manhãs e, após o estudo, caio em sono profundo todas as noites, como se tudo o que meu corpo desejasse fosse apenas se desligar a todo momento. E tudo o que eu consigo fazer é sonhar, com um mundo platônico, algo no sobrecéu hyperuranion, na abobada supraceleste que só existe nesses momentos onde costumo fugir, vagante sem rumo, sem exílio e sem amado, a espera da morte que ponha fim a esse suplício de uma vida de desesperança e solidão.

"O errante não errará mais. Deus me perdoará, se quiser, mas a morte me consola." (Machado de Assis)

X

Agora pela manhã é estranho acordar e ler o que escrevi na noite passada. De fato parece algo escrito por duas pessoas diferentes, quando na verdade foi escrito em dois momentos distintos do espírito, o primeiro durante aquela experiência da desolação e do sofrimento humano, que me leva a ter uma reação gnóstica profunda, quase niilista e, a segunda, de um certo ceticismo ou até mesmo estoicismo, eu nunca chego a ser verdadeiramente otimista, mas apenas olho ao meu redor com aquela descrença do futuro, aquela constatação sépia e melancólica de que isso é tudo. 

Nesses dias de melancolia eu sinto como se todo e qualquer sentido se esvaísse, mas ainda assim sei que trata-se de uma impressão irreal. A verdade é que até mesmo naqueles dias mais escuros, quando nem sequer conseguia sair da cama, eu ainda orbitava ao redor desse objetivo, desse conhecimento da Verdade, e continuava em busca dela, mesmo que muitas vezes nem sequer percebia que continuava. Mas Ela estava lá, e brilhava, e como luz me guiava com mais clareza que a do meio-dia.

E então eis que a noite tudo muda, o que antes era melancolia se transmuta em energia e um vigor inexplicáveis. Se ontem arrumei as unhas e fiz a sobrancelha, assisti uma aula de quase três horas e ainda assisti vários episódios de dorama e quando fui fazer a barba desisti por falta de ânimo que de repente se esvaiu agora eu sinto o total oposto: uma propaganda de maquiagem na internet me faz ter mil ideias para fotos e visuais a adotar, e eu quero então fazer uma longa pesquisa de imagens e cores, e quero experimentar tudo isso tarde da noite, quando deveria estar me preparando para dormir. 

É nessa dicotomia que preciso viver, nesse vai e vem constante, um mundo que vive sob as regras do Panta Rei, um mundo onde tudo flui, onde as águas calmas logo se revoltam em ondas violentas, apenas para silenciarem novamente pela manhã, mudando de humor assim como o sol e a lua trocam de lugar ao céu numa valsa eterna, e como o mar se espraia infinitamente e vão surgindo tantas luzes de um dia que jamais há de se apagar, de um dia que há de recomeçar sempre, como diz a música, eu continuo nesse ciclo eterno, como um ourobouros, sem princípio e nem fim.