sábado, 31 de dezembro de 2022

O Bom Combate

"Depois do grande Papa João Paulo II, os Senhores Cardeais elegeram-me, um simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor." (Bento XVI)

Poderia buscar belíssimas palavras de tantos outros que, assim como eu, tiveram com esse grande homem uma experiência de profunda admiração, por tantas virtudes que eu não conseguiria enumerar. Mas, pensando justamente que muitos os farão, e eu lerei a todos de bom coração, quero falar apenas da minha singela experiência com esse que eu me atrevo, de modo muito indigno, chamá-lo de Pai. 

Quando entrei para a Igreja e comecei a participar ativamente das pastorais e movimentos eu sentia uma confusão geral entre as pessoas, eram muitas opiniões divergentes e tão díspares entre si que era difícil saber quem falava o certo, pois todos pareciam ter sua parcela de razão. E então foi aí que essa luz surgiu, silenciosa e calma como o amanhecer que pouco a pouco rompe a negritude da noite e da ignorância. 

O Santo Padre, o Papa Bento XVI, guiava a Igreja de Cristo de modo simples e, ao mesmo tempo, esplendoroso. Sempre tímido e de poucas palavras, com um sorriso mínimo mas um olhar carinhoso ele era um homem de escritório que, de repente, fora alçado ao cargo de mais visibilidade da cúria romana. Capacidade e conhecimento não precisavam ser provados, ele já era Prefeito da Congregação para o Culto Divino, até então a mais importante de Roma, e tinha importantes trabalhos junto a São João Paulo II. 

Seus escritos, em grande número, seja aqueles publicados oficialmente como Papa ou os demais livros onde se encontram um verdadeiro tesouro de teologia de nossos tempos, que levará muitos séculos há frente para serem igualados, contém um depósito confiável da fé transmitida pelos apóstolos e explicada com a doçura de um mestre que ama seu aluno. Me lembro de como me encantei com as pérolas apaixonadas da série Jesus de Nazaré, ou de sua visão tão bela e tão clara da Santa Missa em Introdução ao Espírito da Liturgia, e até mesmo da força das verdades apontadas em Ser Cristão na Era Neopagã. 

No entanto, antes de suas letras foram as suas ações que me trouxeram calma. As suas celebrações são um tesouro a ser perpetuado pela Igreja de nossa época. Numa época de tantas barbáries litúrgicas e de completa confusão sobre o assunto ele se manteve silencioso e nos dava o exemplo máximo de como celebrar e de qual era a dignidade que deveríamos dar a Santa Missa. Ele quase nada escreveu como papa sobre a liturgia, com exceção, acho, apenas do Motu Proprio Summorum Pontificum sobre o rito extraordinário da Santa Missa, infelizmente abolido recentemente. Mas ele permanecia firme na sua posição e as celebrações papais se tornaram exemplo máximo das reformas pedidas no Concílio Vaticano II mas que continuavam sem romper com a tradição anterior. A liturgia de Bento XVI, que ficou conhecida como Reforma da Reforma, inspirou muitos homens ao redor do mundo, dentre os quais eu me encontro. 

Multiplicaram-se as velas nos altares, os paramentos ganharam de novo seu esplendor e a Eucaristia voltou ao centro das igrejas. A música voltou a servir a oração e a sobriedade e o silêncio acalmaram os corações. Claro que em muitas coisas ele foi simplesmente ignorado e os feitos de sua reforma jamais chegaram ao conhecimento de todos, mas muitas almas foram salvas por conseguirem se aproximar do sagrado. Como um Pai ele dava o perfeito exemplo a ser seguido. Como São José ele em silêncio protegia a Cristo dos algozes que pretendiam destruí-lo. 

Foi também com heroica determinação que ele tomou a dificílima decisão de renunciar, pegando a todos de surpresa e levantando centenas de teorias da conspiração que, espero, nos próximos anos se esclareçam. "Combati o bom combate, guardei a minha fé" (2Tm, 7-8) assim ele se despediu de nós, e antes de se retirar discretamente no Vaticano uma salva de palmas ecoou pela Basílica de São Pedro, lágrimas corriam a face daqueles que serviam o altar ao seu lado e os príncipes da Igreja depuseram as suas mitras em sinal de humildade perante a grandeza daquele homem. 

Os últimos anos foram então desse silêncio obsequioso, nunca quebrado pelas notícias de sua frágil saúde mas de seu sorriso tranquilo, até que então ele mesmo declarou que "no lento enfraquecimento de minha força física, interiormente estou em peregrinação para a Casa do Senhor" nos dando de novo um ensinamento profundo do homem que não duvida da eternidade de sua alma e de que nada em sua vida vida foi feito em ordem de outra coisa senão aquela da eternidade. E então já desde sua renúncia contou com nossas orações, ecoando o que ele mesmo disse ao início de seu pontificado em 2005 "Não devo carregar sozinho o que na realidade nunca poderia carregar sozinho. Os numerosos santos de Deus protegem-me, amparam-me e guiam-me. E a vossa oração, queridos amigos, a vossa indulgência, o vosso amor, a vossa fé e a vossa esperança acompanham-me." Ele nunca esteve sozinho, pois toda a Igreja, peregrina, padecente e triunfante, estavam com Ele até o derradeiro momento. E, uma vez escolhido para guiar a Barba de Pedro, o Papa Francisco nos deu a certeza de que "Bento XVI sustentará a Igreja com suas orações até o fim."

Salve, Santo Padre, e desça, qual mel do rochedo, a tua bênção paternal! Que Deus tenha a misericórdia de levantar outros grandes homens assim para sua Igreja e que eu seja digno de chamá-lo de Pai e de, um dia, lhe dar um abraço apertado no céu, para o qual há muito estava preparado, bem mais do que nós, e nos dando essa lição nos ensinou até seu último suspiro. Na sacristia da eternidade Bento XVI agora cantará as Vésperas da Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus com o coro dos anjos e dos santos. 

Os meios de comunicação já começam a agir como abutres em busca de escândalos na vida desse santo homem. Não esperava menos do que isso. Cristo já havia advertido que sofreríamos perseguições por causa d'Ele, e elas não devem cessar com a morte pois, não estando mais aqui o acusado para se defender, fica mais fácil. Mas nós o defenderemos pai. São Pedro dizia aos seus cristãos: "Estai sempre prontos a responder, para a vossa defesa, com doçura e respeito, a todo aquele que vos perguntar a razão da vossa esperança" (1 Pd 3, 15). Permaneçamos firmes na Fé. Por Bento, como Cooperadores da Verdade, simplex et humilis operarius in vinea Domini.

 + Joseph Ratzinger, Bento XVI, Bispo de Roma
Cooperatores veritatis
16/04/1927 ~ 31/12/2022

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