domingo, 4 de dezembro de 2022

Lugar no Mundo

Eu nunca tive um lugar no mundo, mesmo quando me sentia à vontade com alguém eu ainda tinha essa impressão, de que algo estava faltando, de que aquilo logo ia acabar (como tudo até hoje acabou) e que eu não me encaixava ali. Sei bem que talvez essa impressão seja comum a todos os homens e que na realidade ela exprime o desejo do homem em conhecer a Verdade sendo então uma forma do seu espírito estar sempre em busca dessa Verdade e não permitir que se fique acomodado com os confortos e alegrias passageiras dessa breve existência, mas ainda assim gostaria de falar como se deu comigo.

Acontece que eu sempre tenho essa sensação de nunca estar na mesma página que as outras pessoas. Por exemplo, quando comecei aqui no trabalho recebi um convite para participar de um lual organizado por um grupo do movimento LGBTQIA+ da cidade, e só não fui porque o horário não me era favorável. Agora esses dias eu estou em busca de um grupo mais alinhado aos meus valores e anseios intelectuais, tendo achado então um círculo assim por aqui, mas com o qual eu ainda não tive contato. E então eu parei para pensar em como poderiam se dar essas duas experiências. 

Se, por um lado, eu provavelmente fosse bem acolhido no primeiro grupo porque, primeiramente faço parte da comunidade de algum modo, embora não seja politicamente ativo por motivos que direi logo mais, eu até poderia me sentir bem no meio de outras pessoas com vivências um pouco semelhantes as minhas, talvez até conhecesse outros rapazes que, assim como eu, buscam viver um relacionamento sério, já tão cansado que estou das coisas que nunca vão para frente, que sempre terminam em sexo rápido e sem graça, tantas vezes até desconfortável  e que só resolve parcialmente as emergências do momento, deixando de novo aquele sentimento de vazio quando volto para casa. Aqui em Joinville as coisas têm sido diferentes, não consegui nada nos aplicativos de sexo porque, ao que me parece, a maioria busca ao sigiloso e rápido e claro que minha aparência e personalidade afetadas são o oposto do padrão que eles procuram. Então o contato com outras pessoas assumidas poderia significar um encontro com novas possibilidades.

Mas então chegamos ao segundo ponto: essas pessoas, muito embora tenham vivências e aparências semelhantes, diferem de mim num ponto essencial, que é exatamente o da minha concepção existencial. Essas pessoas fazem da identidade sexual e do ativismo político o centro da sua existência e o ponto alto da sua personalidade, enquanto minha orientação sexual não passa de um mero acaso, que encaro como qualquer outra característica minha, seja ter cabelos pretos ou olhos castanhos ou gostar de música clássica e filmes dramáticos. Nesse ponto, o politico e, principalmente, o intelectual, eu não me encaixaria jamais nesse grupo. Quando descobrissem que as minhas ideias políticas são, ainda que inconclusivas, frontalmente opostas as deles e que as coisas as quais dou máxima importância são motivo de desprezo profundo, eu seria simplesmente regurgitado e hostilizado. 

Não posso portanto abandonar a busca das virtudes, do ser um homem melhor, do amor ao conhecimento e a busca pela verdade em nome da aceitação num grupo cujas virtudes são relativizadas, cujo ser melhor é apenas dar vasão a todos os seus instintos e desejos sexuais e, bom, quanto a verdade, nem preciso dizer que eles não só não acreditam que ela exista quanto também desprezam a todos quanto a buscam, por um ódio luciferino do qual não haveria espaço para falar aqui agora mas ao qual pretendo voltar posteriormente. 

Dito isto então passemos a segunda possibilidade. Depois de procurar por alguns dias eu finalmente encontrei um grupo que parece interessado em formação intelectual aqui. Bom, deve ter mais de um dado o tamanho da cidade mas até agora só achei esse. O fato é que trata-se de um grupo conservador e monarquista, que também tem como baluarte a fé católica e nasceu provavelmente de inspiração do Professor Olavo, ou seja, é exatamente o tipo de grupo que eu estava buscando, e parecem ativos já que a última atividade deles foi há menos de dois dias. 

Mas então eu pensei, se me aproximar desse pessoal eles nem sequer darão tempo de ver que compartilhamos os mesmos objetivos. Eu infelizmente conheço como esse pessoal geralmente pensa e sei que eles vão olhar a minha aparência antes de tudo e daí deduzir tudo errado, haja vista que os homens desses grupos geralmente se vestem de social e passam uma imagem mais ou menos padronizada de como alguém deve se portar. O que eu estou fazendo não é um julgamento temerário deles mas sim, na verdade, a constatação do que já vi. 

E então essa é a situação. Um grupo compartilha comigo algumas experiências mas não aceita meus valores e o outro, embora tenhamos os mesmos valores, não seria capaz de entender a parte mais superficial da minha personalidade. E esse é o resumo de como me sinto e de como sempre me senti, julgado pelo que é superficial e apenas aparente ou incapaz de rebaixar os meus valores morais para me encaixar em um grupo. E por isso o meu caminho continua sendo o de encarar como posso a solidão, e fazendo dela também oportunidade para me tornar mais e mais forte.

X

"O primado das objetivações sociais da vida diária só pode conservar sua plausibilidade subjetiva se for constantemente protegido contra o terror. No nível da significação a ordem institucional representa um escudo contra o terror. Ser anômico, portanto, significa privar-se deste escudo e expor-se, sozinho, aos ataques dos pesadelos. Embora o horror à solidão seja provavelmente dado já na socialidade constitucional do homem, manifesta-se no nível das significações na incapacidade que o homem tem de conservar uma existência dotada de sentido isolado das construções nômicas da sociedade. O universo simbólico defende o indivíduo do supremo terror, outorgando uma legitimação fundamental às estruturas protetoras da ordem institucional."

Peter L. Berger & Thomas Luckmann – A Construção Social da Realidade

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